A obstrução traqueal incompleta por
corpos estranhos é uma afecção rara na espécie canina, que pode causar
traqueíte, bronquite e pneumonia. Os principais sinais clínicos são
dispneia, tosse e cianose, que podem levar o animal a óbito. Um canino
da raça Rottweiler, fêmea, com um ano e sete meses de idade, foi
atendido no Hospital Veterinário da Universidade de Cuiabá/UNIC/MT,
apresentando tosse e angústia respiratória. O exame radiológico revelou
uma estrutura radiopaca de formato circular localizado na traqueia
cervical cranial. O animal foi, então, submetido à traqueotomia para
retirada do corpo estranho, ocasião em que se pôde confirmar que se
tratava de uma bola de gude. Os resultados foram satisfatórios,
confirmados através de ausência de sinais de dificuldade respiratória
após o procedimento cirúrgico.
PALAVRAS-CHAVES: Canino, corpo estranho, traqueia.
Partial tracheal obstruction caused
by foreign bodies is a rare afliction in canines which can lead to
tracheitis, bronchitis or pneumonia. The main clinical indications are
dyspnea, coughing and cyanosis, which may lead to the death of the
animal. One female Rottweiler dog of one year and seven months of age
was treated at the Veterinary Hospital of the University of Cuiabá
(UNIC/MT) for coughing and breathing difficulty. The radiology exam
showed an opaque, circular object located in the cranial cervical
trachea. The animal was therefore submitted to a surgical procedure for
the removal of the foreign body which was subsequently identified as a
child’s marble. The results were satisfactory, confirmed by the lack of
respiratory difficulty signs after the surgical procedure.
KEY WORDS: Canine, foreign body, trachea.
A traqueia é um conduto tubular
flexível e semirrígido que interliga a laringe aos brônquios. Ela é
composta por anéis traqueais em forma de “C”, unidos ventral e
lateralmente pelos ligamentos anulares e dorsalmente pela membrana
dorsal traqueal (BRAYLEY & ETTINGER, 1997; KNELLER, 1998; FINGLAND,
2004).
Os corpos estranhos traqueais como pedras, dentes, bola de gude,
alfinetes e fragmentos de capim são mais frequentes em animais jovens,
porém podem ser diagnosticados em cães adultos (FINGLAND, 1996;
HAWKINS, 1997; NELSON, 1998; KEALY & McALLISTER, 2000). Os objetos
maiores, geralmente, ficam retidos na carina, porém os menores, após
serem inalados ou introduzidos por falsa via, podem passar pela
traqueia e alojarem-se nos brônquios e causar pneumonia, abscessos,
piotórax e, em alguns casos, trajetos fistulosos (FINGLAND, 1996).
O animal com corpo estranho traqueal, geralmente, apresenta episódio agudo de tosse forçada e seca, dispneia e cianose (NAVARRO et al.,
2006). Nos casos de obstrução parcial, próximo ao corpo estranho, podem
ser auscultados estertores de alta frequência (FINGLAND, 1996; NELSON,
1998). Na fase aguda, alguns pacientes podem ser assintomáticos. Já nos
casos crônicos, os animais podem apresentar traqueíte, bronquite e/ou
pneumonia. Eventualmente, são observados corrimento nasal
piossanguinolento, engasgo e até mesmo vômito (FINGLAND, 1996).
Os sinais clínicos apresentados pelo animal, normalmente, sugerem
presença de corpo estranho traqueal, porém o diagnóstico definitivo é
realizado por meio de exames radiológico e/ou endoscópico. Os corpos
estranhos radiopacos, geralmente, são visualizados através de
radiografias simples; já os radioluscentes são confirmados pela
endoscopia ou broncografia por contraste positivo (FARROW, 1993;
FINGLAND, 1996; NELSON, 1998; BITTENCOURT & CAMARGOS, 2002; ANDRADE
et al., 2005).
O tipo de tratamento recomendado para remoção do corpo estranho
traqueal vai depender do diâmetro do lúmen traqueal, local, tamanho e
forma do objeto (FINGLAND, 1996). Normalmente, recomenda-se como
tratamento de primeira escolha o uso de endoscópio, pois é menos
invasivo, porém quando essa manobra não é bem-sucedida, recomenda-se o
uso de método mais invasivo, como a traqueotomia (SMITH & WALDRON;
1993, FINGLAND, 1996; NELSON, 1998; HOSGOOD, 1999; BJORLING, 2000;
NAVARRO, 2006).
Os corpos estranhos traqueais, em geral, causam lesões à mucosa. A
técnica utilizada para remover esses objetos, por menos invasiva que
seja, acaba agredindo ainda mais a mucosa traqueal. Por isso, indica-se
o uso de antibióticos, analgésicos/antinflamatórios e
broncodilatadores, por três a cinco dias consecutivos (NELSON, 1998;
NOGUEIRA & PARDO, 2002). Normalmente, esses pacientes recuperam-se
em uma semana (NELSON, 1998).
O diagnóstico precoce e a remoção cuidadosa do corpo estranho traqueal
são fundamentais para um bom prognóstico (HAWKINS, 1997; LUDWIG, 2000).
O presente trabalho tem como objetivo relatar a traqueotomia como
técnica cirúrgica efetiva para remoção de corpo estranho traqueal,
diagnosticado por meio de exame radiográfico simples, em um canino da
raça Rottweiler.
Foi atendida no Hospital Veterinário
da Universidade de Cuiabá (UNIC) uma cadela da raça Rottweiler, com um
ano e sete meses de idade, trazida à consulta por apresentar síncope e
cianose após ingestão de ração comercial. Ao exame físico
constataram-se dispneia, tosse improdutiva e cianose na mucosa oral. O
animal foi submetido à terapia sintomática e a exames radiográficos
após internamento. Ao ser posicionado para avaliação radiográfica do
tórax, o animal demonstrou piora da dispneia. O exame radiológico
revelou, nas projeções lateral e dorsoventral (
Figura 1),
uma estrutura radiopaca que, em ambas as projeções, apresentava formato
circular com, aproximadamente, dois centímetros de diâmetro, localizado
posteriormente à carina. Realizou-se esofagograma (
Figura 2)
para avaliação do trânsito esofágico, não sendo observada obstrução,
porém o corpo estranho torácico não foi mais visualizado nesta
radiografia. Sequencialmente, realizaram-se exames radiográficos do
abdome e nenhuma alteração ou corpo estranho foi notado. O paciente
permanecia com tosse e disfagia, sem, contudo, ter apresentado,
novamente, cianose e/ou síncope. Solicitaram-se novos exames
radiográficos das regiões torácica e abdominal, buscando-se encontrar o
corpo estranho, e não foi revelada nenhuma alteração digna de nota.
Então, realizou-se radiografia da região cervical cranial, a qual
demonstrou presença de corpo estranho radiopaco na luz traqueal, que
nas projeções lateral e dorsoventral apresentava formato circular (
Figura 3).
Foi instituída terapia paliativa com a administração de cloranfenicola
(50mg/kg), pela via oral, a cada oito horas, e flunixin-meglumineb (1,0
mg/kg), pela via subcutânea, a cada 24 horas. Durante a internação, o
cão apresentava-se com apetite, mas com disfagia.
Imediatamente, o animal foi encaminhado para cirurgia, sendo a indução
anestésica realizada com propofolc (5 mg/kg), por via intravenosa.
Posicionou-se o animal em decúbito dorsal e realizou-se antissepsia com
PVPI tópicoe e álcoolf. Realizou-se, então, incisão de pele na porção
ventrocaudal da região cervical e os músculos esterno-hióideo foram
divulsionados, quando uma incisão entre os anéis traqueais foi
realizada para introdução de sonda endotraqueal e manutenção da
anestesia geral inalatória com isofluoranod, em sistema semifechado,
durante o procedimento cirúrgico.
Na sequência, realizou-se uma segunda traqueotomia, cranialmente à primeira, por onde foi removida a bola de gude (
Figura 2).
Para facilitar a remoção do corpo estranho, utilizou-se sonda
endotraqueal introduzida pela boca para empurrar o objeto caudalmente
até o local da traqueotomia, sendo ele removido com ajuda de uma pinça
Crille curva (
Figura 3).
Aproximaram-se os anéis traqueais com pontos separados simples,
utilizando-se náilon 0,25mm. Os músculos e o subcutâneo foram
aproximados com categuteg (3-0) e a pele suturada com pontos separados
simples, com náilon 0,25mm. Tratou-se diariamente a ferida diariamente
com rifamicina,h sendo os pontos retirados com dez dias. Decorridos
sete meses, o animal encontra-se bem.
DISCUSSÃO
Corpos estranhos traqueais são pouco frequentes em pequenos animais,
acometendo, principalmente, animais jovens (NELSON, 1998; KEALY &
McALLISTER, 2000). Porém podem ser encontrados em animais adultos, como
no caso descrito anteriormente.
Os animais com corpo estranho traqueal, geralmente, apresentam
episódios agudos de tosse forçada e seca, dispneia e eventualmente
cianose (NAVARRO,
et al.,
2006). Nesse caso, os sinais anteriormente citados estavam presentes,
vindo a corroborar o diagnóstico de corpo estranho traqueal.
O diagnóstico de corpo estranho traqueal radiopaco pode ser confirmado
por meio de exame radiográfico simples (FINGLAND, 1996; NELSON, 1998),
como demonstrado no caso relatado, de encontro de um corpo estranho
radiopaco localizado na traqueia cervical, no caso uma bola de gude.
Porém, esse corpo estranho apresentava-se móvel, deslocando-se pela
traqueia e brônquios durante a respiração, o que exigiu repetições de
tomadas radiográficas, a fim de se localizar precisamente a bola de
gude.
O corpo estranho traqueal pode comprometer a respiração do paciente,
razão por que sua remoção é indicada. O tratamento de primeira escolha
é o uso de endoscópio. Nos casos, porém, em que essa manobra não possa
ser realizada ou na ausência de equipamento adequado, como neste relato
de caso, a traqueotomia pode ser utilizada (SMITH & WALDRON, 1993;
FINGLAND, 1996; NELSON, 1998; HOSGOOD, 1999; BJORLING, 2000; NAVARRO,
2006).
O diagnóstico precoce e a remoção cuidadosa do corpo estranho traqueal
são fundamentais para um bom prognóstico (HAWKINS, 1997; LUDWIG, 2000).
No caso relatado o prognóstico foi excelente, pois o animal, após
remoção do corpo estranho, se recuperou completamente, não apresentando
complicações com o tratamento instituído.
Neste trabalho, ficou demonstrado que a permanência de um objeto dentro
de um brônquio foi compatível com a vida, pois o animal manteve-se vivo
respirando apenas com um dos pulmões, embora com sinais de obstrução
parcial das vias respiratórias.
CONCLUSÕES
O exame radiográfico no diagnóstico e localização de corpo estranho
traqueal radiopaco, em região cervical de cães, é decisivo e a
traqueotomia é uma técnica cirúrgica eficiente na remoção deste.
FONTES DE AQUISIÇÃO
a. Pfizer.
b. Banamine pet – Schering-Plough Veterinária.
c. Propovan – Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltda.
d. Iofluorano – Zeneca.
e. Nordiodine – Cinordia Sul.
f. Mazzaferro – Produtos para Pesca Ltda.
g. Categute – Ethicon.
h. Rifocina – Aventis Pharma.
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Protocolado
em: 20 ago. 2007. Aceito em: 21 out. 2008.