DOI: 10.5216/cab.v13i3.15600
ORIGEM E DISTRIBUIÇÃO INTRAPARENQUIMAL DA ARTÉRIA HEPÁTICA DO PREÁ (Galea spixii Wagler, 1831)
Gleidson Benevides de Oliveira1,
Márcio Nogueira Rodrigues2, Roberto Sávio Bessa da Silva1,
Valéria Veras de Paula3, Maria Acelina Martins Carvalho4,
Moacir Franco de Oliveira3
1Pós-Graduandos
da Universidade Federal Rural do Semi Árido, Mossoró, RN, Brasil. -
gleidson_benevides@hotmail.com
2Pós-Graduando
da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo,
São Paulo, SP, Brasil.
3Professores
Doutores da Universidade Federal Rural do Semi Árido, Mossoró, RN, Brasil.
4Professora
Doutora da Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
RESUMO
O
preá é um roedor pertencente à família Cavidae.
O objetivo deste trabalho, considerando a inexistência de informações na
literatura, foi descrever a origem e distribuição intraparenquimal da artéria
hepática do preá. Foram utilizados 20 animais que morreram por causas naturais
no Centro de Multiplicação de Animais Silvestres, Mossoró-RN, Brasil. Estes
foram incisados medianamente e a aorta torácica injetada com solução de látex
ou vinil. Os animais perfundidos com látex foram fixados em formol 10% e
dissecados após 72 horas. Os perfundidos com vinil tiveram o fígado removido e
imerso em solução de H2SO4 30% até completa corrosão do
seu parênquima. Observou-se que a artéria hepática origina-se da artéria
celíaca e, ao longo de seu trajeto em direção ao fígado, emite a artéria
gastroduodenal e posteriormente a artéria gástrica direita, continuando-se como
artéria hepática própria. Esta se divide em ramos esquerdo e direito, ou emite
ainda um ramo intermédio. O ramo esquerdo apresentou-se como tronco comum aos
vasos destinados aos lobos lateral esquerdo, medial esquerdo e quadrado. O ramo
direito da artéria hepática emitia ramos aos lobos lateral direito, medial
direito e caudado. O padrão de origem e distribuição intraparenquimal da
artéria hepática em preás assemelha-se ao de outros roedores.
PALAVRAS-CHAVE: artéria hepática; fígado; Galea spixii;
roedor.
INTRAPARENCHYMAL ORIGIN AND
DISTRIBUITION OF THE HEPATIC ARTERY OF THE GALEA (Galea spixii Wagler, 1831)
ABSTRACT
The Galea is a rodent from
the Cavidae family. The aim of this
study was to describe the intraparenchymal origin and distribuition of the
galea hepatic artery considering the inexistence of information in the
literature. Animals (n=20) from Centro de Multiplicação de Animais Silvestres
Mossoró-RN Brazil were evaluated after dying by natural causes. The animals
were incised medially and the thoracic aorta was cannulated for injection of
latex or vinyl. The animals perfused with latex were fixed in formaldehyde 10%
and dissected after 72 hours. The ones perfused with vinyl acetate had their
liver removed and immersed in a 30 % H2SO4 solution until
the complete corrosion of its parenchyma. It was observed that the hepatic
artery in galea originates from the celiac artery and, along the way toward the
liver, it sends off the gastroduodenal artery and then the right gastric
artery, continuing as proper hepatic artery. This one is divided into right and
left branches or sends off an intermediate branch. The left branch proved to be
a common trunk to the vessels destined to the left lateral, left medial and
square lobes. The right branch of the hepatic artery sends off branches to
right lateral, right medial and caudate lobes.
The origin and distribution patterns of the intraparenchymal hepatic
artery in galea is similar to other rodents.
KEYWORDS: Galea
spixii; hepatic artery; liver; rodent.
INTRODUÇÃO
O preá silvestre do
semi-árido (Galea spixii Wagler,
1831) é um roedor pertencente à família Caviidae,
sendo o mamífero mais abundante da caatinga. Pode ser encontrado na região
nordeste do Brasil e nos estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. Possui o corpo alongado, coloração uniforme,
com a superfície dorsal cinza-escura e ventre branco. A cabeça e os olhos são
grandes, as orelhas são curtas e arredondadas. Tem hábito crepuscular, vive em
bandos e alimenta-se de folhas, ramos e frutos de plantas rasteiras, raízes
tubérculos e casca de árvores jovens. O período de gestação deste roedor é de
50 dias e o número de filhotes, por parto, oscila de um a quatro, raramente
mais (MENDES, 1987).
Segundo KÖNIG & LIEBICH
(2004), o suprimento sanguíneo do fígado é particularmente abundante, sendo a
artéria hepática um ramo da artéria celíaca que supre o fígado com sangue rico
em oxigênio. Os ramos da artéria hepática que penetram isoladamente no fígado
são artérias terminais, que se ramificam à semelhança da veia porta, suprindo o
parênquima e terminando nos sinusóides hepáticos, onde os fluxos sanguíneos se
misturam.
Descrevendo a ramificação e distribuição
da artéria celíaca em cutias, CARVALHO et al. (1994) afirmaram que artéria
hepática é um ramo da artéria celíaca, assim como as artérias esplênica e
gástrica esquerda. A artéria hepática
emite, no seu trajeto em direção ao fígado, dois ramos colaterais, a artéria
gástrica direita e um tronco comum às artérias pancreaticoduodenal cranial e
gastroepiplóica direita, ou emite a artéria pancreaticoduodenal cranial e um
tronco comum às artérias gástrica direita e gastroepiplóica direita.
O estudo da morfologia em
animais selvagens é sempre uma fonte crescente de informações, especialmente
quando se trata de espécies que apresentam algum potencial zootécnico ou valor
biológico, como é o caso do Galea spixii,
roedor da fauna nordestina com grande importância social, uma vez que sua carne
é utilizada como fonte de proteína animal em comunidades carentes, ou mesmo por
hábitos culturais do nordestino. Ressalta-se ainda que o emprego sistemático de
animais na experimentação é importante para o desenvolvimento de pesquisas de
interesse médico para a população humana, o que implica o conhecimento de
morfologia, motivo pelo qual decidiu-se estudar a vascularização hepática do
preá, sobretudo pela importância do fígado na biotransformação de fármacos.
Dessa forma, a presente investigação científica teve como objetivos descrever a
origem e a distribuição intraparenquimal da artéria hepática no preá, de modo a
estabelecer um padrão para a espécie, bem como fornecer dados à anatomia
comparada.
MATERIAL E MÉTODOS
No desenvolvimento deste
estudo foram utilizados 20 preás machos adultos, que vieram a óbito por causas
naturais e se encontravam em freezer no Centro de Multiplicação de Animais
Silvestres da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (CEMAS/UFERSA), licenciado
junto ao IBAMA como criadouro cientifico (Registro 1478912). Ressalta-se que,
em virtude da indisponibilidade de fêmeas, optou-se pela utilização somente de
machos.
Os animais foram
descongelados e logo incisados medianamente para abertura das cavidades
torácica e abdominal, sendo que, em 10 preás, a aorta torácica foi canulada no
sentido crânio-caudal para administração de solução de Neoprene látex “650” (Du
Pont do Brasil S.A.) corado com pigmento vermelho (Globo S.A. Tintas e
Pigmentos). Em seguida, esses animais foram imersos em solução aquosa de formol
a 10%, e após 72 horas da fixação, dissecados. Os demais animais foram
perfundidos com solução de acetato de vinil corado de vermelho através da aorta
torácica, sendo imediatamente o fígado removido e imerso em solução de ácido
sulfúrico a 30% para obtenção de moldes vasculares.
O estudo baseou-se na
nomenclatura adotada pelo INTERNATIONAL COMMITTEE ON VETERINARY GROSS
ANATOMICAL NOMENCLATURE (2005) para a denominação das estruturas identificadas
e os resultados comparados com a literatura referente a estudos com roedores e
outros mamíferos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A artéria hepática no preá
origina-se a partir da artéria celíaca e, ao longo de seu trajeto em direção ao
fígado, emite dois ramos colaterais, emitindo um tronco comum às artérias
gastroepiplóica direita e pancreaticoduodenal cranial, denominada artéria
gastroduodenal, e posteriormente a artéria gástrica direita, continuando como
artéria hepática própria (
Figura 1).
As dissecações do material
injetado com látex Neoprene 650 evidenciaram que, em oito animais (80%), a
artéria hepática própria, antes de penetrar no fígado, emitiu ramos císticos,
sendo que em sete desses emitiu um único ramo (
Figura 2B) e, em apenas um
animal, originou dois ramos. Ao atingir a fissura portal dividiu-se, mais
frequentemente, em ramos direito e esquerdo (80%) ou emitiu um terceiro ramo, o
ramo intermédio, que se distribuiu em direção ao lobo medial direito (20%)
(Figuras
2B e
C).
O ramo esquerdo apresentou-se
como um tronco comum aos vasos destinados aos lobos lateral esquerdo, medial
esquerdo e quadrado em 100% das observações. Verificou-se, ainda, que o ramo
esquerdo em um dos moldes vasculares emitiu, além desses ramos, um ramo para o
processo papilar do lobo caudado. Num segundo molde, o ramo principal esquerdo
emitiu um ramo para a vesícula biliar.
Em oito moldes analisados o ramo direito da artéria hepática emitiu
ramos aos lobos lateral direito, medial direito e caudado (processo papilar e
caudado) (
Figura 2B). Em um molde, o mesmo emitiu ramos aos lobos lateral
direito e lobo caudado (processo papilar e caudado) (
Figura 2C) e outro emitiu
ramos aos lobos lateral direito, processo caudado e vesícula biliar (
Figura
2D).
No preá, a artéria hepática,
juntamente com as artérias lienal e gástrica esquerda, é ramo da artéria
celíaca, semelhante ao que descreve GETTY (1981) e KÖNIG & LIEBICH (2004)
em animais domésticos.
SAMPAIO et al. (2001),
estudando a distribuição da artéria celíaca em coelhos, afirmam que a artéria
hepática própria origina-se mais frequentemente da artéria hepática, porém os
autores chamam a atenção ao fato de a mesma originar-se da artéria gástrica
direita ou da mesentérica cranial.
CARVALHO et al. (1994),
descrevendo a artéria hepática em cutia, relataram que essa é ramo da artéria
celíaca e que, ao longo do seu trajeto para o fígado, emite dois ramos
colaterais, correspondentes à artéria gástrica direita e um tronco comum às
artérias gastroepiplóica direita e pancreaticoduodenal cranial, da mesma forma
que o observado no preá.
No
Galea spixii, a artéria hepática emitiu até dois ramos císticos e
apenas um ramo para o fígado, que se constituiu na artéria hepática própria e
ao atingir o fígado ramificou-se em dois ou três ramos. MACHADO et al. (2002),
estudando o ratão do banhado, mencionam que a artéria hepática origina-se de
dois a quatro ramos císticos e penetra no fígado por meio de três a cinco
ramos, diferentemente do observado no preá. Já COOPER & SCHILLER (1975), no
porquinho-da-índia, e AZEVÊDO et al. (2008), em trabalhos com cutia,
verificaram que a artéria hepática divide-se em dois ramos principais, que se
distribuem para os lobos direito e esquerdo, igualmente ao observado no preá,
embora tenha sido observada a presença de um ramo intermédio nesse último
estudo.
SOUZA et al. (2007)
constataram que a artéria hepática na capivara divide-se mais frequentemente em
dois ramos, direito e esquerdo, ao inserir-se no fígado, ou ainda podendo
trifurcar-se nos ramos direito, intermédio e esquerdo.
AZEVÊDO et al. (2008)
observaram, na cutia, que o ramo direito da artéria hepática é
responsável pela vascularização dos lobos
medial direito, lateral direito e caudado, enquanto o ramo esquerdo
apresenta-se como tronco comum aos vasos que se destinam aos lobos medial
esquerdo, lateral esquerdo e quadrado, podendo enviar ramos para o lobo caudado
ao lobo lateral direito. No preá, no entanto, o lobo lateral direito em nenhum
momento recebeu vasos oriundos do ramo esquerdo, limitando-se ao ramo direito
da artéria hepática própria.
Em capivaras, o ramo esquerdo
da artéria hepática emite vasos aos lobos lateral esquerdo, medial esquerdo,
quadrado e medial direito, podendo ainda emitir ramos aos lobos lateral direito
e caudado (processo papilar e caudado). Os lobos medial direito, lateral
direito e caudado estão vascularizados por ramos oriundos do ramo direito. O
ramo intermédio emite ramos aos lobos medial direito, quadrado e medial
esquerdo ou esta representado pela artéria cística. Já o ramo direito
destina-se aos lobos lateral direito e caudado, podendo emitir ramos aos lobos
lateral esquerdo, medial esquerdo, quadrado e à vesícula biliar (SOUZA et al.
(2007). No preá, o ramo intermédio direcionou-se somente ao lobo medial
direito, enquanto, que os lobos lateral esquerdo, medial esquerdo e quadrado,
em nenhum momento, receberam ramos oriundos do ramo principal direito da
artéria hepática.
CONCLUSÃO
O padrão de origem e
distribuição intraparenquimal da artéria hepática em preás assemelha-se ao de
outros roedores, considerando a literatura consultada.
A exemplo do que se observa
em outras estruturas de roedores, o padrão de distribuição intraparenquimal da
artéria hepática do preá variou dentro da mesma espécie e entre animais machos.
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