DOI: 10.526/cab.v14i3.15414
MONITORAMENTO
DE FUNGOS TOXIGÊNICOS E AFLATOXINAS EM RAÇÕES UTILIZADAS EM PISCICULTURA
Francisco
das Chagas Cardoso Filho1, Rodrigo Maciel Calvet 2,
Carlos Alberto da Rocha Rosa 3, Maria Marlúcia Gomes Pereira4,
Amilton Paulo Raposo Costa4, Maria Christina Sanches Muratori
4
1Pós-graduando
da
Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
veterinario_filho@hotmail.com
2Professor
do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão,
Caxias, MA, Brasil.
3Professor
Doutor
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, Brasil.
4Professores Doutores da Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brasil.
RESUMO
Objetivou-se
determinar
a ocorrência de fungos e aflatoxinas em rações para peixes. Foram
analisadas 36 amostras de ração para peixes, sendo essas com duas
composições proteicas (juvenil/engorda) e em duas formas de uso
(lacrado/aberto). Foi realizada a contagem, isolamento e a identificação
das espécies de Aspergillus e
Penicillium, a capacidade toxígena das cepas da seção Flavi,
e ainda fez-se a pesquisa de aflatoxinas na ração.
As médias das contagens fúngicas variaram de 2,96 a 4,00 UFC/g em
log10, e não houve diferença significativas entre os
tratamentos. As espécies mais isoladas foram: Aspergillus
flavus, Eurotion spp. e
Penicillium implicatum. Concluiu-se que as rações analisadas
apresentaram elevadas contagens fúngicas, as cepas de Aspergillus flavus
isoladas não eram produtoras de aflatoxinas e não foram detectadas
aflatoxinas nas amostras de ração analisadas.
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MONITORING
OF TOXIGENIC FUNGI AND AFLATOXINS IN RATIONS USED IN AQUACULTURE
ABSTRACT
The aim of this
study was to determine the occurrence of fungi and aflatoxins in fish
feeds. We analyzed 36 samples of feed for fish, with two protein
compositions (juvenile/fattening) and two forms of use (sealed/open). Aspergillus
and Penicillium species were
counted, isolated and identified, the toxic capacity of Flavi strains
was measured and aflatoxins in the feed were researched. The mean fungal
counts ranged from 2.96 to 4.00 log10 CFU/g and there was no
significant difference between treatments. The most isolated species
were Aspergillus flavus,
Eurotion spp. and Penicillium
implicatum. We concluded that
the feeds studied had high fungal counts; the isolated Aspergillus flavus
strains were not producers of aflatoxin; and aflatoxin was not detected
in the feed samples analyzed.
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KEYWORDS: Animal feed; Aspergillus; fish; mycobiota; mycotoxins.
INTRODUÇÃO
A qualidade dos alimentos destinados à piscicultura é essencial para a
produção (NAYLOR et al., 2000). Os piscicultores dispõem de rações
comerciais, formuladas especialmente para atender às necessidades
nutricionais dos peixes nas diversas fases de crescimento, nas quais são
utilizados diversos ingredientes, representando um dos principais custos
operacionais na produção. Além disso, as rações contêm os substratos
ideais para o crescimento dos fungos e a produção de seus metabólitos,
caso haja condições extrínsecas e intrínsecas favoráveis durante seu
armazenamento (DANTIGNY et al., 2005).
Os fungos têm sido evidenciados como microrganismos de grande importância
para a indústria de alimentos, pois a contaminação por fungos pode
causar inúmeras perdas econômicas associadas à redução de nutrientes, da
palatabilidade e à presença de micotoxinas, que são metabólitos
secundários com potencial para produzir toxicoses no homem e nos animais
(SCUSSEL, 2002; PEREIRA et al., 2005).
A presença de fungos na ração não significa necessariamente a presença de
micotoxinas (PEREIRA et al., 2002); entretanto, elevadas contagens
fúngicas são consideradas um indicativo da presença de micotoxinas no
alimento (FAO, 2004). Dentre as micotoxinas, as aflatoxinas,
essencialmente produzidas por fungos das espécies Aspergillus
flavus e A. Parasiticus,
são as mais estudadas.
No Brasil, a
ocorrência de aflatoxinas em produtos destinados à alimentação animal
tem sido registrada em várias regiões (PEREIRA et al., 2005; ROSA et
al., 2006; KELLER et al., 2007; SIMAS et al., 2007). As aflatoxinas são altamente cancerígenas e
podem causar toxicidade aguda quando em concentrações elevadas (KABAK
& DOBSON, 2006; KHANAFARI et al., 2007). Além disso, produzem
efeitos mutagênicos, teratogênicos e imunossupressores (MURTHY et al.,
2005); tornam-se, portanto, um motivo de preocupação devido aos seus
efeitos nocivos sobre a saúde dos seres humanos e animais, além de
causarem prejuízos na cadeia produtiva. Diante
do exposto torna-se necessário o controle da qualidade dos alimentos
fornecidos aos animais por meio da pesquisa de fungos e aflatoxinas.
Deste modo, o objetivo deste trabalho foi determinar a ocorrência de
fungos e aflatoxinas em rações comerciais para peixes de fazendas
piscicultoras localizadas na cidade de Teresina, Piauí.
MATERIAL
E
MÉTODOS
A pesquisa foi realizada na cidade de Teresina, Piauí. Realizou-se um
levantamento do número de propriedades piscicultoras da região e
constatou-se a existência de 16 no total, das quais três foram sorteadas
para a coleta das amostras. Cada fazenda utilizava dois tipos de rações,
uma para a fase juvenil e outra para a fase de crescimento. Para
amostragem, foram coletados 500 g de ração que foi retirada de
diferentes partes do saco de ração que continha 50 kg, que foram
homogeneizados na embalagem original com movimentos giratórios feitos no
momento da coleta. Todas as propriedades utilizavam a mesma marca
comercial de ração e não utilizavam antifúngicos. Foram coletadas um
total de 36 amostras, 12 amostras por propriedade, o correspondente, a
seis coletadas por fase (duas) e, de cada fase, três coletas para
embalagem lacrada e três para embalagem em uso. As rações ficavam
armazenadas dentro de galpões com temperatura média de 32,1 ºC, sem
contato com a luz solar em um ambiente com umidade relativa média de
62,3 %, como apresentado na Tabela
1.
Após a coleta, as amostras foram levadas para o
Laboratório de Controle Microbiológico de Alimentos, do Núcleo de Estudos
e Pesquisas de Processamento em Alimentos (NUEPPA), da Universidade
Federal do Piauí - UFPI para a imediata realização da contagem e
identificação dos fungos filamentosos. Após essa etapa, parte da amostra
(em torno de 200g) foi levada para a estufa a 70º C, para eliminação dos
fungos e posterior análise de micotoxinas no laboratório de Micologia da
Universidad Nacional de Río Cuarto, Córdoba, Argentina.
O procedimento para cada
amostra foi iniciado com a trituração em liquidificador, em seguida foi
retirada uma alíquota de 25g, que foi diluída em 225 mL de água peptonada
a 0,1%, formando diluição inicial (10-1) e, a partir dessa
diluição, foram preparadas diluições decimais seriadas até 10-3.
A inoculação foi feita em duplicata, colocando-se uma alíquota de 0,1mL
por placa de Petri, na superfície do meio de cultivo Dichloran Rose Bengal
Cloranfenicol (DRBC), para cada uma das diluições (PITT & HOCKING,
2009). As placas de DRBC foram incubadas a 25oC por
sete dias, em ausência de luz. As
contagens fúngicas foram realizadas nas placas que apresentaram de 10 a
100 UFC/g (DALCERO et al., 1997; DALCERO et al., 1998). Após
contagem de unidades formadoras de colônia (UFC/g), as colônias fúngicas
selecionadas para identificação (Aspergillus
e Penicillium) foram isoladas
e repicadas em tubos contendo agar extrato de malte (MEA) e a
identificação das espécies foi realizada de acordo com a chave
taxonômica de KLICH (2002) e PITT (1988), respectivamente.
As cepas de Aspergillus flavus
isoladas foram cultivadas em placas MEA a 25 ºC por sete dias e testadas
quanto à produção de aflatoxinas,. O micélio foi transferido para um
tubo Eppendorf juntamente com
1000 μL de clorofórmio. A mistura foi agitada a 4000 rpm por 20 minutos
em temperatura ambiente, o micélio foi removido e o extrato de
clorofórmio evaporado sob fluxo de N2. O resíduo foi
redissolvido em 200 μL de clorofórmio. Os extratos foram analisados por
cromatografia em camada delgada (CCD) de acordo com SOARES e
RODRIGUEZ-AMAYA (1989), em sílica gel 60 F254, TLC chapas de alumínio
(20 x 20 cm, espessura, 250 μm, Merck, Alemanha). O liquido carreador
foi o tolueno, acetato de etilo e ácido fórmico (50:40:10).
O limite de detecção do método utilizado é de 5 mg/g.
Para extração de aflatoxinas
na ração, utilizaram-se 25 g de cada amostra, que foi acrescida em 100 mL
de acetonitrila:água (84:16, v / v), e mantida em homogeneização em shaker
por 30 minutos. Após a homogeneização, a mistura foi filtrada em papel
Whatman nº 4 (Whatman, Inc., Clifton, New Jersey, E.U.A.). Retirou-se do
filtrado uma alíquota de 5,0 mL que foi transferida para um tubo de 10 mL.
Purificou-se o filtrado com o uso de colunas Multifuncional Mycosep 224
(MFC, Romer Labs®, Inc., MO., E.U.A). Após essa limpeza, foram coletados
2,0 mL do extrato purificado, que foram evaporados sob fluxo de N2.
No momento da utilização, os extratos foram re-dissolvidos utilizando 200
μL da fase móvel. A detecção de aflatoxinas e quantificação de cada
amostra foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE)
de acordo com TRUCKESS et al. (1994). Uma alíquota (200 µL) foi
derivatizada com 700µL de ácido acético-água-ácido trifluoroacético
(20:10:70, v/v). Separações cromatográficas foram realizadas em uma coluna
de fase reversa (Silica Gel, 150 x 4,6 mm id, tamanho de partículas de 5
μm, Varian, Inc. Palo Alto, E.U.A.). A fase móvel empregada foi o
acetonitrila:metanol:água (1:1:4 v / v / v), o volume injetado foi de 20
μL e a velocidade do fluxo foi de 1,5 mL por minuto. A detecção das
aflatoxinas foi por fluorescência utilizando um comprimento de onda de 360
nm de excitação e 440 nm de emissão. As curvas padrão foram construídas
com diferentes níveis de aflatoxinas. O limite de detecção do método foi
de 0,4 ng/mL.
Foi realizado um delineamento
fatorial 2 x 2 (tipos de ração – juvenil e crescimento – e forma de
armazenamento – lacrada e aberta), e os resultados das contagens foram
transformados em log10, correlacionados e análise de variância
foi realizada com significância (p<0,05), utilizando o programa
estatístico SIGMA STAT (1994).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Tabela
2 encontram-se os resultados das contagens de fungos
filamentosos e leveduras isolados de dois tipos de rações para peixes,
segundo as formas de armazenamento.
Não houve diferença
estatisticamente significativa entre as médias dos tratamentos
pesquisados, ou seja, as médias de contagem de fungos foram
estatisticamente semelhantes nas rações.
No Brasil não há padrões
legais para contagem de fungos em ração animal, mas, segundo o padrão
utilizado em outros países para certificação de ração animal (GMP, 2008),
recomendam-se contagens não superiores a 4,00 UFC/g em log10.
Com base nesse padrão, quando considerado o valor de cada amostra,
observou-se que 12 (33%) das 36 amostras, apresentaram valores que excedem
esses limites, considerados como padrão que visa garantir a qualidade
higiênica do produto.
Esses resultados sugerem uma
alta atividade de fungos que podem afetar a palatabilidade da ração e
reduzir a absorção de nutrientes pelos animais, determinando um substrato
de baixa qualidade e diminuição da produção.
Os fungos isolados também
podem produzir micotoxinas, caso encontrem condições favoráveis para sua
multiplicação (DANTIGNY et al., 2005); portanto, cuidados nas etapas de
processamento da ração são necessários, pois esses resultados indicam
falhas durante o seu processamento e armazenamento (FAO, 2004).
A
micobiota total (Tabela
2) foi semelhante aos valores relatados por outros
autores sobre cereais e rações (ACCENSI et al., 2004; ROSA et al., 2006;
KELLER et al., 2007) e superior aos estudos realizados por OLIVEIRA et
al.(2007) e RIBEIRO et al. (2009). Esse nível de contaminação
pode variar em função das condições climáticas da região, do período de
coleta, das condições de processamento do alimento e da forma em que está
armazenado (RIBEIRO et al., 2009).
Na Tabela
3, observa-se a ocorrência de fungos filamentosos isolados
da ração para peixes. Pode-se constatar que o gênero de maior ocorrência
foi o Aspergillus e Teleomorfos com mais de 50% das cepas isoladas,
seguidos de Penicillium, Cladosporium
e Fusarium. Alguns
autores relataram resultados semelhantes (MAGNOLI et al., 2002;
KELLER et al., 2007).
De acordo com RIBEIRO et al.
(2003), o gênero Aspergillus é
considerado como o principal deteriorador de sementes e grãos, causando
danos, descoloração e alterações nutricionais.
Dentre as espécies de Aspergillus, podemos observar (Tabela
4) que a espécie que predominou com mais de 60% das cepas
foi o A. flavus, concordando
com estudos de outros autores (DALCERO et al., 1998; ACCENSI et al.,
2004); as demais espécies encontradas foram os seus teleomorfos Eurotium,
A. oryzae, A. fumigatus, A. terreus, A. candidus e A.
penicillioides. A presença de A.
flavus nas rações representa um perigo potencial, pois pode
ocasionar enfermidades nos trabalhadores que diretamente estão em contato
com ela, como a aspergilose (AKAN et al., 2002), alergias e problemas
respiratórios pelo contato e inalação de conídios, como também causar
problemas na produção animal, por ser um potencial produtor de
micotoxinas.
Todas as cepas de A.
flavus foram analisadas quanto à capacidade de produzirem
aflatoxina, porém nenhuma das cepas demonstrou capacidade toxígena pela
técnica empregada. Sabe-se, entretanto, que existem outras técnicas que
podem ser empregadas para essa detecção como a biologia molecular e a
cromatografia líquida de alta eficiência. A importância dessa verificação
é que, caso fossem produtoras, seria um grande risco na alimentação dos
peixes, pois a aflatoxina B1 nas rações pode acarretar, quando ingerida,
quadros de carcinoma hepatocelular, redução do peso corporal, alterações
hematológicas e necrose dos hepatócitos (MANNING et al., 2005; WILLIANS et
al., 2009).
Na Tabela
5, podemos observar a densidade relativa das espécies de Penicillium,
sendo que apenas quatro espécies deste gênero foram isoladas nesse estudo,
diferentemente da variedade de espécies encontradas por outros autores
também trabalhando com ração animal (MAGNOLI et al., 2006; ROSA et al.,
2006).
Muitas das espécies isoladas neste estudo estão
associadas com a perda da qualidade da ração e podem ser potenciais
produtoras de micotoxinas. O isolamento dessas espécies a partir de rações
animais tem sido realizado por outros pesquisadores (MAGNOLI et al., 2006;
ROSA et al., 2006; KELLER et al., 2007).
Foi verificada alta incidência
de fungos nas rações para peixes coletadas e avaliadas em Teresina, PI,
com quantidade significativa de cepas de Aspergillus flavus (Tab. 4), e a alta contagem fúngica é considerada
indicador da provável presença de micotoxinas (FARIAS et al., 2000). No
entanto, aflatoxinas não foram detectadas nas amostras analisadas em nosso
estudo. Isso pode ser atribuído ao curto espaço de tempo para a formação
dessas ou mesmo ao número reduzido de linhagens fúngicas com potencial
toxigênico, de acordo com PEREIRA et al. (2002). Em trabalho realizado por
GUERRA et al. (2005) com alimentos para equinos, também não foi detectada
a presença de aflatoxinas nas 50 amostras. Esse resultado negativo também
pode ser decorrente de uma amostragem feita de forma inadequada.
Os níveis de aflatoxinas em
rações para peixes utilizadas em Londrina, Paraná, variaram desde não
detectável a 15,60 ng/g (HASHIMOTO et al., 2003). Já NUNES (2009),
pesquisando aflatoxinas em rações para peixes oriundas da indústria da
cidade de Teresina, Piauí, constatou também a presença dessas micotoxinas
em várias amostras de ração, como também na matéria prima utilizada para a
sua formulação.
Existe uma recomendação do
Ministério da Saúde de que, para qualquer matéria prima utilizada
diretamente ou como ingrediente nas rações, ou para a própria ração, os
valores de aflatoxinas não devem ser superiores a 50 µg/kg (BRASIL, 2002);
portanto, todas as amostras utilizadas neste estudo estão de acordo com o
padrão no que corresponde à presença de aflatoxinas, pois elas não foram
detectadas em nenhuma das 36 amostras.
Portanto,
estudos que determinem a micobiota fúngica e suas micotoxinas nos
alimentos são importantes porque permitem obter informações inerentes à
qualidade do produto e realizar ações preventivas nas fases de produção,
colheita e armazenamento dos produtos para que haja o controle dos
fungos e seus metabólitos, somadas ao emprego de boas práticas de
fabricação a fim de se reduzir a contaminação dos alimentos e evitar
perdas na produção animal e riscos para a saúde de animais e humanos.
CONCLUSÕES
Concluiu-se que as rações
analisadas apresentaram elevadas contagens fúngicas. As cepas de Aspergillus
flavus isoladas não eram produtoras de aflatoxinas. Não foram
detectadas aflatoxinas nas amostras de ração analisadas.
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Protocolado em: 19 ago. 2011.
Aceito em 8 maio 2013.