AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE AGUDA DO EXTRATO HEXÂNICO DE
FRUTOS DE Melia azedarach (MELIACEAE) EM CAMUNDONGOS
Hélio
Bernardes Pires Júnior1, Ligia Miranda Ferreira Borges2,
Lorena Alessandra Dias de Sousa1, Luiz Carlos Cunha2, Ruy de Souza
Lino Júnior2, Dorcas Fernandes dos Anjos Melo3, Marcelo Elias
Pereira4
RESUMO
Este
trabalho foi desenvolvido visando avaliar a toxicidade aguda do extrato
hexânico de frutos de Melia azedarach
em camundongos. Foram compostos dois grupos tratados, sendo um para cada dose,
300 mg/kg e 2000 mg/kg. Para cada grupo tratado foi utilizado um grupo controle
não tratado. Todos os grupos foram compostos por seis animais, sendo três de
cada sexo. Os animais foram avaliados aos 30 minutos, 1h, 2h, 4h, 6h, 12h e 24h
e a partir de então diariamente, até o 14º dia após o tratamento, seguindo o screening hipocrático. A cada três dias,
eles foram pesados e o consumo de ração foi medido. Foi avaliada a presença de
alterações macroscópicas e microscópicas no coração, rins, pulmão, fígado,
baço, intestinos e cérebro. Em
ambas as doses nenhuma alteração em relação ao screening hipocrático foi
observada. Somente os camundongos machos tratados com 2000 mg/kg apresentaram
consumo de ração menor que o controle, mas, ainda assim, o ganho de peso foi
semelhante entre os grupos. Não houve diferença significativa quanto ao peso
dos órgãos entre os grupos, nem foram observadas alterações macroscópicas. Não
foram encontradas alterações histopatológicas, com exceção de alterações
pulmonares como hiperemia, hemorragia e edema nos grupos tratado e controle.
Pode-se concluir que o extrato hexânico de frutos verdes de M. azedarach não apresenta toxicidade
aguda sobre camundongos Swiss.
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EVALUATION OF ACUTE TOXICOLOGICAL EFFECTS OF Melia azedarach (MELIACEAE) HEXANIC FRUIT EXTRACT ON SWISS MICE
ABSTRACT
This study was developed
aiming to evaluate the acute effects of Melia
azedarach hexanic fruit extract on mice. Two treated groups, one for each
dose, 300 mg/kg and 2000 mg/kg, were prepared. For each treatment group, a
non-treated control group was used. All groups were composed of six animals,
three of each sex. The animals were evaluated at 30 min., 1h, 2h, 4h, 6h, 12h
and 24h and then daily, for 14 days after treatment, following the Hippocratic
screening. At each three days weight gain and ration consumption were
evaluated. Macroscopic and microscopic alterations were evaluated in the heart,
kidneys, lungs, liver, spleen, intestine and brain. No alteration in the Hippocratic screening in both doses,
during the 14-days interval, was observed. The mice treated with the
2000 mg/kg doses consumed fewer rations than the animals of the control group;
however, weight gain was statistically similar. No statistic difference was
observed between the weight of the organs, and they had no macroscopic
alterations. No histopathologic alterations were found on the examined organs,
for both doses, except for lung alterations such as hyperaemia, haemorrage and
edema in both treated and control groups. Based on the results obtained, we
conclude that the hexanic extract of M.
azedarach green fruits had no acute effects against Swiss mice.
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INTRODUÇÃO
Evidências toxicológicas demonstram que toda substância é agente tóxico
em potencial, dependendo apenas das condições de exposição, como dose
administrada ou absorvida, tempo, frequência e via de administração (CASTRO,
1993). Assim, uma planta de uso terapêutico deve ter sua ação e nível tóxico
previamente avaliados, a fim de se comprovar cientificamente os critérios de
segurança (SIMÕES et al., 2004). Os testes toxicológicos são realizados para se
ter dados sobre as condições em que os agentes químicos produzem efeitos
tóxicos, qual a natureza desses efeitos e quais os níveis seguros de exposição
(LOOMIS & HAYES, 1996).
Melia azedarach L.
(Meliaceae) é uma árvore originária da Índia, Pérsia e Sri Lanka (SILVA-JR,
1997), que se encontra distribuída em quase todos os países tropicais (BURKS,
1997). No Brasil, é conhecida popularmente como cinamomo, paraíso,
santa-bárbara, jasmin-de-caiena, lilás-da-china, árvore-santa, loureiro-grego,
chá-de-soldado, lilás-de-soldado, orgulho-da-índia, além de outras
denominações. É uma árvore com altura superior a 10 m, com folhas alternadas,
longo-pecioladas, glabras, bipinadas, com folíolos ovais ou lanceolados e
agudos. Apresenta flores pequenas, em grandes panículas eretas e multiflorais,
cheirosas, lilases na cor e de anteras amarelas (BRAGA, 1976) (Figura 1).
No Brasil, desde
A atividade acaricida de M. azedarach também foi estudada
sobre carrapatos, especialmente o Rhipicephalus
microplus. Comparando in vitro
extratos de frutos preparados com diferentes solventes – hexânico, alcoólico e
clorofórmico – BORGES et al. (2003) observaram maior eficácia do extrato
hexânico sobre larvas e fêmeas ingurgitadas. Posteriormente, BORGES et al.
(2005) e SOUSA et al. (2011) obtiveram resultados promissores do extrato
hexânico dos frutos de M. azedarach
no controle de R. microplus em
bovinos infestados.
Intoxicações por M.
azedarach têm sido observadas em animais domésticos e em humanos devido à
ingestão de frutos e de folhas, sendo o fruto considerado mais tóxico que as
folhas (KINGSBURY, 1964). MENDEZ et al. (2002) produziram intoxicação
experimental em bovinos pela administração, em dose única oral, de folhas de M.
azedarach, nas doses de
Estudos de intoxicação
experimental também foram realizados em coelhos, administrando oralmente frutos
triturados de M. azedarach, mas não
se observou alteração clínica ou morte de animais nas doses de 20, 25 e 30 g/kg
(BEUTLER et al., 2008). SEFRIN et al.
(2008) observaram que extratos aquosos de frutos verdes de M. azedarach nas concentrações de 2,5%, 5,0% e 10,0% (p/v,
1ml/kg) (≈ 25, 50 e 100 mg/kg) não causaram mortalidade, sinais clínicos ou
alteração dos padrões bioquímicos, sobre
ratos Wistar. Até o que se sabe, não há estudos avaliando a toxicidade aguda do
extrato hexânico de frutos de M.
azedarach.
Existe uma grande divergência
com relação à toxicidade de M. azedarach.
Segundo OELRICHS et al. (1983), a planta contém compostos limonoides conhecidos
como meliatoxinas, que são tóxicos para os mamíferos; portanto, é necessário
aprofundar as pesquisas relacionadas à sua toxicidade aos vertebrados antes de
se recomendar sua utilização. Diante dos resultados promissores demonstrando os
efeitos carrapaticidas obtidos com o extrato hexânico de frutos de M. azedarach (BORGES et al., 2003 e
2005, SOUSA et al., 2008, 2011), da necessidade de se formular e comercializar
produtos naturais seguros tanto ao homem como aos animais, desenvolveu-se este
trabalho, com o objetivo foi avaliar a toxicidade pré-clínica aguda do extrato
hexânico de frutos verdes de M. azedarach
O grupo experimental foi
composto por camundongos Swiss (Mus
musculus) pesando de
No início do experimento, os
animais foram aclimatados na Sala de Manutenção do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Tóxico-Farmacológicas da UFG (NEPET-UFG), por um período mínimo de cinco dias,
sob condições padrão (temperatura de 25±3 ºC, umidade relativa do ar de
Para o estudo da toxicidade
aguda, foram adotadas as metodologias preconizadas pelo Guia para Testes de
Químicos da OECD 423 (OECD, 2001). A dose inicial de 300 mg/kg foi selecionada
com base no protocolo proposto pela OECD
(OECD, 2001) para substâncias não testadas ou com histórico de toxicidade
desconhecida. Como não foi observada morte nesta dose, testou-se a dose mais
alta recomendada pelo mesmo protocolo, 2000 mg/kg.
Para administração do
extrato, todos os animais foram privados de alimento por oito horas e pesados
para ajuste do volume a ser administrado. O extrato foi diluído em DMSO 5% em
solução salina e administrado aos animais por via oral (gavagem), através de
uma cânula apropriada. Administrou-se o veículo (DMSO 5% em solução salina) ao
grupo controle pela mesma via. Foi administrado o volume máximo de 1 mL/100 g
de peso vivo.
Os animais foram avaliados
aos 30 minutos, 1h, 2h, 4h, 6h, 12h e 24h e, a partir de então, diariamente,
até o 14º dia após o tratamento. Foram avaliados os seguintes sinais seguindo o
screening hipocrático: atividade
geral, frênito vocal, irritabilidade, resposta ao toque, resposta ao aperto de
cauda, contorção, posição do trem posterior, reflexo de endireitamento, tônus
do corpo, força para agarrar, ataxia, reflexo auricular, reflexo corneal,
tremores, convulsões, anestesia, lacrimação, ptose, micção, defecação,
piloereção, hipotermia, respiração, cianose, hiperemia e morte. Os sinais
avaliados na observação comportamental e exame clínico sistemático dos animais
foram registrados em protocolo impresso com a lista de sinais a serem
investigados (MALONE & ROBICHAUD, 1962; MALONE, 1977).
Os animais foram pesados a
cada três dias, durante os 14 dias de tratamento, para a avaliação do ganho de
peso. Para determinação do consumo de ração, esta era pesada no momento de ser
disponibilizada aos animais e posteriormente no dia de limpeza das gaiolas.
Ao final dos experimentos,
todos os animais foram anestesiados com solução xilazina-cetamina 0,2 mL/100 g,
pela via intraperitoneal (8,75 mL de cetamina (100 mg/mL) e 1,25 mL de xilazina
(100 mg/mL)), via i.p., conforme protocolo da Cornell University/Cornell Center for Animal Resources and Education (FLECKNELL,
1996, KOHN et al., 1997) e eutanasiados por deslocamento cervical de acordo com
“os princípios éticos de experimentação animal”, proposta pela Sociedade
Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL/COBEA) e atendendo à lei
11.794 de 11 de outubro de 2008 (BRASIL, 2008) e à Resolução n° 01 do Conselho
Nacional de Saúde de 13 de junho de 1988 (BRASIL, 1988). As cavidades abdominal
e torácica foram abertas e todas as alterações macroscópicas foram registradas.
Em seguida, coração, rins, pulmão, fígado, baço, intestino (delgado e grosso) e
cérebro foram coletados e pesados. O peso relativo dos órgãos foi calculado
dividindo-se o peso do órgão pelo peso do animal e multiplicando-se por 100.
Para a análise histopatológica, fragmentos de todos os órgãos citados
acima foram fixados em formaldeído a 10%, processados para inclusão em parafina
e corados pela técnica de hematoxilina-eosina (HE). Foram analisados os
seguintes processos patológicos: alterações celulares, intersticiais, vasculares,
inflamatórias e distúrbios no crescimento e diferenciação celulares (JUNQUEIRA
& JUNQUEIRA, 1983).
Para verificar diferenças
significativas entre os grupos estudados, foi aplicado o teste de análise de
variância (ANOVA). As médias foram comparadas através dos testes de t de Student e de Tukey com nível de significância
de p < 0,05.
Não houve diferença de
consumo de ração no grupo dos camundongos fêmea em ambas as doses e no grupo
macho tratado com 300 mg/kg. Somente os camundongos machos tratados com 2000
mg/kg apresentaram consumo de ração menor que o controle. Ainda assim, o ganho
de peso obtido com ambas as doses avaliadas, tanto em machos como em fêmeas,
foi semelhante com o grupo controle, evidenciando a não influência do extrato
nesse parâmetro (Tabela 1).
Não se observou alteração
macroscópica e também não houve diferença significativa quanto ao peso dos
pulmões, fígado, rins, coração, cérebro, baço e intestinos entre os grupos
controle e tratado em ambas as doses, tanto para machos quanto para fêmeas,
demonstrando que nenhum dos órgãos avaliados foi alterado pelo tratamento com o
extrato (Tabela 2).
Não foram encontradas
alterações histopatológicas no baço, coração, cérebro, fígado, intestinos e
rins de camundongos machos e fêmeas tratados com as doses de 300 mg/kg e 2000
mg/kg. Foram observadas alterações no pulmões, no entanto, elas ocorreram da
mesma forma em ambos os grupos (tratados e controles). As alterações observadas
foram hiperemia (seis animais), hemorragia (um animal) e edema (um animal) no
grupo tratado com 300 mg/kg, assim como no seu controle (quatro animais com
hiperemia, dois com hemorragia e dois com edema). No grupo tratado com 2000
mg/kg, seis animais tiveram hiperemia e no seu controle seis tiveram hiperemia
e dois hemorragia.
O extrato hexânico de frutos
verdes de M. azedarach não causou a
morte de animais tampouco alterações clínicas no screening toxicológico, durante o período de observação, nos
camundongos tratados com as doses de 300 mg/kg e 2000 mg/kg. Esses dados
caracterizam o extrato como de baixa toxicidade aguda, pois esta é observada
quando ocorrem efeitos adversos após a administração oral de uma simples dose,
em curta duração (OECD, 2001).
O extrato de M. azedarach enquadra-se na Classe 5,
pois a estimativa da DL 50 foi superior a 2000 mg/kg, sendo considerado de
baixa toxicidade de acordo com o método de classes preconizado pela OECD 423
(OECD, 2001). A dose seguinte a ser testada seria a de 5000 mg/kg; no entanto,
o estudo dessa dosagem somente é recomendado em casos excepcionais que
justifiquem a sua necessidade. Como a dose tóxica de M. azedarach sobre carrapatos, nos quais testes com extratos
hexânicos têm sido avaliados, é baixa (0,25% ≈ 0,25g/kg) (BORGES et al., 2003,
2005; SOUSA et al., 2008, 2011), estudos com essa dose não são recomendados,
tanto por questões de bioética animal quanto por questões técnicas. Afinal,
alterações em doses muito elevadas poderiam ocorrer por descompensação do
organismo avaliado e não necessariamente por uma ação tóxica específica.
A toxicidade sistêmica de
determinada substância pode se manifestar, também, por meio da redução nos
consumos de água e ração, alteração comportamental, apatia, má condição de
pelagem e alteração da massa relativa dos órgãos (MELO, 2001; GONZÁLEZ &
SILVA, 2003). O peso corporal é um dos parâmetros mais empregados em avaliações
toxicológicas para indicar o aparecimento, muitas vezes precoce, de efeitos
tóxicos de uma determinada substância no organismo animal. A ausência de alterações
nos parâmetros fisiológicos avaliados enfatiza a baixa toxicidade do extrato de
M. azedarach aqui avaliado. O mesmo
pode ser dito a partir da análise microscópica dos órgãos, que não revelou
alterações no fígado, rins e intestinos, órgãos importantes no metabolismo e
excreção de xenobióticos (HAYES, 2001).
Embora a toxicidade e os constituintes
tóxicos de M. azedarach já tenham sido bem determinados (OELRICHS et
al., 1983, 1985; HUANG et al., 1995), no presente estudo não foram observados
sintomas de toxicidade. Resultados semelhantes foram obtidos por SEFRIN et al. (2008), que observaram que
extratos aquosos de frutos verdes de M.
azedarach não causaram mortalidade nem alterações clínicas nas
concentrações de até 100 mg/kg sobre ratos Wistar. Resultados
semelhantes também foram obtidos por COSTA-SILVA et al. (2008) que, avaliando a
toxicidade aguda do extrato hexânico de frutos de Carapa guianensis, planta
também da família Meliaceae, demonstraram que as doses de 750 mg/kg e 1.500
mg/kg não produziram sinais de toxicidade e/ou mortalidade.
A baixa toxicidade de uma
planta pode ser inerente à sua composição química, mas pode também ser
explicada por influências biogeográficas, pela parte da planta utilizada para o
preparo dos extratos, pelo solvente utilizado, entre outros (HURST, 1942;
OELRICHS et al., 1985), bem como pela variedade da planta (BEUTLER et al.,
2008). Sabe-se que, em M. azedarach,
a presença de diferentes compostos já foi identificada em frutos de plantas
provenientes de diferentes regiões do mundo (MORGAN & THORNTON, 1973; ARIAS & HIRSCHMAN, 1988; CABRAL
et al., 1996). Vale enfatizar que o extrato utilizado no desenvolvimento do presente
trabalho foi preparado a partir de exemplares de M. azedarach que apresentaram alta eficácia sobre o carrapato R. microplus (BORGES et al., 2003).
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Protocolado em: 01 ago. 2011. Aceito em 12 nov. 2012