DOI: 10.5216/cab.v13i1.14870

 

 

 

 

 

 

 

VARIAÇÃO E MONITORAMENTO DA QUALIDADE DO LEITE ATRAVÉS DO CONTROLE ESTATÍSTICO DE PROCESSOS

 

Fabio Henrique Takahashi1, Laerte Dagher Cassoli2, Aline Zampar1, Paulo Fernando Machado3

1Pós-graduandos da Escola Superior de Agricultura Luzi de Queiroz, USP, Piracicaba, SP, Brasil . fab_taka@hotmail.com
2Técnico de Laboratório de Nível Superior da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba, SP, Brasil
3Professor Doutor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, Piracicaba, SP, Brasil

RESUMO

Objetivou-se com este estudo avaliar o controle estatístico de processos (CEP) como ferramenta de identificação de variações não naturais na qualidade do leite passíveis de serem manipuladas. Utilizaram-se dados de produção de leite, de contagem de células somáticas (CCS) e de contagem bacteriana total (CBT) de 384 fazendas. Avaliaram-se os efeitos naturais (época do ano e volume de leite) sobre a variação de CCS e CBT; adicionalmente, foram gerados gráficos de controle para escore de células somáticas (ECS) e contagem bacteriana transformada (tCBT), com a finalidade de identificar a presença de fontes de variação não naturais em um grupo de quatro fazendas. Verificou-se que a época do ano influenciou significativamente o ECS e a tCBT. Os gráficos de controle, dentro de cada época, indicaram a presença de variações não naturais no ECS e na tCBT no grupo das quatro  fazendas avaliadas. Portanto, a aplicação do CEP dentro da fazenda é uma ferramenta adicional para monitorar a qualidade do leite produzido.

PALAVRAS-CHAVE: contagem bacteriana total; contagem de células somáticas; gráficos de controle; sigma.

  

VARIATION AND MONITORING OF MILK QUALITY BY STATISTICAL PROCESS CONTROL 

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate the statistical process control (SPC) as an identification tool of non-natural effects on milk quality, which may be manipulated. Data of milk production, somatic cell count (SCC) and total bacterial count (TBC) from 384 farms were used. Natural effects (season and volume) on the variation of SCC and TBC were evaluated; furthermore, control charts of somatic cell score (SCS) and total bacterial count transformed (TBCt) were designed to find non-natural variation resources on four farms. It was observed that the season affected significantly the SCS and TBCt. Control charts, in each season, indicated the non-natural variation in SCS and TBCt on the four farms evaluated. Therefore, the application of SPC as a tool at farm level is an additional instrument for monitoring milk quality.

KEYWORDS: control charts; somatic cell count; sigma; total bacterial count.



INTRODUÇÃO

Um dos principais fatores que contribuem com o rendimento industrial e o preço do leite pago ao produtor é a qualidade. A qualidade é avaliada segundo aspectos higiênico-sanitários, como a contagem bacteriana total (CBT) e a contagem de células somáticas (CCS). Esses parâmetros são utilizados, porque influenciam o rendimento e o tempo de prateleira de derivados lácteos (BERRY et al., 2006; SHUKKEN et al., 2003), assim como são utilizados como base para a precificação e aceitação no mercado. Por essa razão, a CCS e a CBT são constantemente monitoradas em países como os EUA e o Canadá (VALEEVA, LAM & HOGEVEEN, 2007; LUKAS et al., 2008;  SOUTO et al., 2009). No Brasil, algumas indústrias possuem programas de pagamento do leite pela qualidade e monitoram a CCS e a CBT, assim como a gordura, a proteína e os sólidos totais do leite de fazendas, a fim de classificar e bonificar seus produtores (RIBAS et al., 2004; ROMA JÚNIOR et al., 2009).   

A qualidade do leite, entretanto, sofre grande variação entre fazendas, pois cada propriedade apresenta características únicas de manejo de ordenha, nutricional e sanitário, que refletem diretamente na composição e na qualidade do leite (CUNHA et al., 2008). Entre os diversos fatores que interferem na qualidade do leite produzido destacam-se o tamanho do rebanho, a época do ano, o ambiente, o número de dias em lactação, a idade e a sanidade dos animais, o binômio tempo/temperatura de armazenamento do leite e a higiene na ordenha (GUERREIRO et al., 2005; LUKAS et al., 2008).

Com relação aos fatores que influenciam na qualidade do leite, a época do ano foi avaliada em diversas pesquisas nacionais e internacionais. Estudos conduzidos na Alemanha, por exemplo, verificaram efeito da sazonalidade sobre a média geométrica da CCS de tanques (OLDE RIEKERINK, BARKEMA & STRYHN, 2007). Paula et al. (2004) verificaram maiores médias de CCS nos meses de verão, nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Maiores contagens de microrganismos psicrotrofos e de Pseudomonas spp. foram observadas no período chuvoso do ano em amostras de leite provenientes do sudoeste goiano (SILVA et al., 2010).

Além de variações sazonais, o tamanho do rebanho também pode influenciar a CCS de tanques (BELSITO et al., 2004). Em um rebanho grande, a CCS do tanque será pouco afetada em função da CCS elevada de um animal, quando comparado a um rebanho pequeno. Isso torna o desafio de pequenos rebanhos maior para manter o padrão de qualidade exigido pela indústria. Esse fato exige dos produtores maior atenção ao monitoramento da CCS individual de seus animais (LUKAS et al., 2008). Além disso, rebanhos grandes apresentam menor variação na CCS do que rebanhos pequenos (LUKAS et al., 2005), provavelmente em função do nível tecnológico presente na fazenda (ZANELA et al., 2006).

O conhecimento dos fatores que afetam a qualidade do leite produzido na fazenda permite ao produtor de leite agir ou não sobre os mesmos, manipulando aqueles fatores passíveis de serem alterados. Para realizar tal interferência, o produtor ou a indústria precisa monitorar a qualidade do leite produzido periodicamente e os dados precisam ser processados de maneira a trazerem informações precisas da qualidade média do produto e de sua variação. Uma ferramenta para tal procedimento é o controle estatístico de processos (CEP).

O controle estatístico de processos é um conjunto de ferramentas de monitoramento, controle e melhoria da qualidade de processos através de análises estatísticas (De VRIES & RENEAU, 2010). Um processo pode ser compreendido como um sistema (máquina) que transforma “entradas” (insumos) em produtos com características de qualidade. Os rebanhos, portanto, podem ser considerados como processos de produção com várias entradas (alimentação, genética, infraestrutura e manejo) que serão processadas pela “máquina” (animal), resultando em leite como produto final (NIZA-RIBEIRO et al., 2004). Sob essa perspectiva, é possível aplicar métodos de controle da qualidade total nas fazendas.

Os processos dentro da perspectiva do CEP são influenciados por dois tipos de variação, conhecidos como comum (natural ou aleatória) e especial (não natural ou não aleatória). A variação comum é representada por variações pequenas, inevitáveis e resultantes de fatores naturais ao processo e dificilmente rastreáveis. A variação especial, por outro lado, é caracterizada por alterações identificáveis, responsáveis por uma mudança real no processo, como nos materiais, nas pessoas, nas máquinas, no meio ambiente ou no método utilizado. Essas alterações podem ser planejadas ou não, sendo frequentemente representadas por aumento de custos.

Separar as causas de variação comuns das especiais é o objetivo do CEP. O principal método empregado pelo CEP para distinguir as causas de variação é o gráfico de controle, o qual monitora uma variável de qualidade, como a CCS, por meio de seu valor médio e de sua variação. O gráfico é aplicado na identificação de mudanças no processo ao longo do tempo (De VRIES & RENEAU, 2010). Se essas mudanças são maiores que a variação normal do processo, ou se os dados se distribuírem de forma não aleatória, os gráficos sinalizam e indicam que o processo está fora de controle, o que representa aumento de custos.

Os gráficos de controle possuem grande potencial para auxiliar na tomada de decisão em fazendas leiteiras (RENEAU & LUKAS, 2006). Eles permitem o monitoramento de informações produtivas, reprodutivas, nutricionais e da saúde dos rebanhos (De VRIES & RENEAU, 2010). Informações como a CCS e a CBT podem ser avaliadas pelo CEP (RENEAU & LUKAS, 2006), já que os dados podem ser coletados frequentemente, as análises de leite não são de alto custo e o leite reflete diretamente alterações no sistema de ordenha, na alimentação e na reprodução (GUO et al., 2004; SILVA et al., 2010; JENKIS & McGUIRE, 2006).

Estudos utilizando o CEP para monitorar a qualidade do leite são inexistentes no Brasil. Portanto, neste trabalho objetivou-se avaliar o controle estatístico de processos como ferramenta de identificação de variações não naturais na qualidade do leite passíveis de serem manipuladas. Os objetivos específicos foram: i) isolar as causas naturais de variação como a época do ano e o volume de leite produzido e ii) avaliar o desempenho dos gráficos de controle como ferramenta de monitoramento da qualidade do leite. 

 
MATERIAL E MÉTODOS

 Foram utilizados dados de 384 fazendas, obtidos do banco de dados da Clínica do Leite – ESALQ/ USP, no período de janeiro a dezembro de 2009. As informações foram obtidas de fazendas participantes em programas de pagamento do leite por qualidade, considerando-se cinco amostragens mensais por fazenda. Todas as fazendas utilizadas no presente estudo são fornecedoras de leite de uma única indústria.

Como as informações de contagem de células somáticas (CCS) e contagem bacteriana total (CBT) não são normalmente distribuídas, procedeu-se à transformação dos dados. Os dados de CCS (103céls./ mL) foram transformados utilizando-se a escala logarítmica para Escore de Células Somáticas (ECS), em que ECS = log2 (CCS/100) + 3, de acordo com metodologia adotada por Andrade et al. (2007). Já para os dados de CBT (103 ufc/ mL), a transformação utilizada foi a tCBT = log10 (CBT+0,5), conforme descrito por Brito, Brito & Verneque (2000). Essas transformações foram realizadas para se utilizar os gráficos de controle, pois as informações de interesse devem ser normalmente distribuídas, uma vez que a não normalidade afeta os limites dos gráficos (MONTGOMERY, 2004). Para todas as fazendas foi efetuada a análise descritiva dos dados transformados.

Foram avaliados os efeitos naturais, como a época do ano e o volume de leite produzido, sobre a variabilidade de ECS e tCBT. O ano foi dividido em quatro épocas – verão (janeiro a março), outono (abril a junho), inverno (julho a setembro) e primavera (outubro a dezembro) – para considerar o efeito de época do ano na análise. A produção de leite entregue foi classificada em quatro categorias (categoria 1: produção até 500 L/ dia; categoria 2: produção de 501 L/ dia a 1999 L/ dia; categoria 3: produção de 2000 L/ dia a 4999 L/ dia; e categoria 4: produção acima de 5000 L/ dia).

A variabilidade das informações foi avaliada pelo estimador do desvio padrão, sigma (), calculado por meio da amplitude móvel média (MR ) da iésima fazenda, na jésima época do ano, segundo a expressão: = MRij/ d2, em que o fator d2 é tabelado em função do número de amostras. Para o presente estudo, utilizou-se a amplitude móvel (MR) de duas observações consecutivas, sendo d2=1,128. A amplitude móvel foi obtida por: MRi = |xi-xi-1|, em que  xi é o valor de cada observação (MONTGOMERY, 2004; LUKAS et al., 2008a).

Utilizou-se o software estatístico SAS 9.2 (SAS, 2008) para a realização da análise descritiva e de variância dos efeitos de volume de leite produzido, época do ano e as interações entre época e volume sobre o σ de ECS e tCBT. O delineamento utilizado foi o de blocos casualizados, em que as fazendas foram consideradas blocos. Utilizou-se um nível de 5% de probabilidade. Quando constatada diferença significativa, aplicou-se o teste de Tukey (5%) para detecção de diferenças entre as médias.

Foram desenvolvidos gráficos de controle para todas as fazendas no estudo. Entretanto, para exemplificar o uso potencial dos gráficos de controle para o monitoramento da qualidade do leite, foram utilizados dados de quatro fazendas, designadas A, B, C e D, para que fossem exemplificados os vários tipos de cenários possíveis. Estas informações foram provenientes do mesmo banco de dados das 384 fazendas. Consideraram-se, para o desenvolvimento de cada gráfico, as variáveis do estudo (ECS e tCBT) e um mínimo de 15 amostras por fazenda. Os gráficos de controle para medidas individuais foram escolhidos, uma vez que utilizam a amplitude móvel de duas observações consecutivas para estimar a variabilidade do processo (LUKAS et al., 2005). Foi utilizado o software Minitab 16 para o desenvolvimento dos gráficos.

O gráfico de controle representa o comportamento da variável de interesse ao longo do tempo. No gráfico são traçadas três linhas horizontais, definidas como a linha média (X), os limites superior e inferior de controle (LSC e LIC, respectivamente), ambos distantes a três desvios padrão (3σ) da linha média. Os limites de controle (LC) e a linha média são calculados a partir do histórico das informações. Portanto, qualquer ponto que ultrapasse os LC, indicará que o processo está fora de controle.

Foram aplicadas três regras sensibilizantes para detecção de anormalidades nos gráficos de controle. As regras foram: 1) um ou mais pontos localizados fora dos limites de controle (3σ); 2) uma sequência de nove pontos consecutivos localizados em um mesmo lado da linha central; 3) seis pontos em uma sequência sempre crescente ou decrescente. O atendimento de pelo menos uma das três regras representou um estado de fora de controle nos gráficos avaliados (LUKAS et al., 2005).

 
RESULTADOS E DISCUSSÃO

 As médias (desvio padrão) de ECS e tCBT foram de 5,37 (0,91) e de 4,46 (0,58), respectivamente. A análise descritiva dos dados de ECS foi obtida de 24.337 amostras provenientes dos resultados de CCS. As análises relacionadas à tCBT foram obtidas de 24.600 amostras do banco de dados de CBT das 384 fazendas do estudo (Tabela 1). Roma Júnior et al. (2009) observaram resultados de ECS e tCBT variando de 4,99 a 5,81 e de 4,67 a 5,52, respectivamente, em pesquisa realizada entre os anos de 2005 e 2006 nas amostras provenientes de um laticínio. Apesar de ter havido pequena variação nos resultados médios de ECS e tCBT entre o trabalho citado e os do presente estudo, observou-se grande diferença de qualidade existente entre fazendas de diferentes indústrias, principalmente em relação à contagem bacteriana.

Não houve efeito significativo do volume de leite produzido sobre a variação de ECS e tCBT ao longo do período analisado. Entretanto, o efeito de época do ano sobre o sigma de ECS (p < 0,024) e de tCBT (p < 0,0001) foi significativo conforme teste Tukey a 5% (Figura 1). As maiores variações encontradas para escore de células somáticas no verão estão relacionadas com os valores mais elevados de CCS observados neste período do ano (ROMA JÚNIOR et al., 2009).

Os meses de verão relacionam-se com o aumento de casos de novas infecções na glândula mamária, o que pode indicar a presença de maiores quantidades de agentes infecciosos na superfície dos tetos (GUILLOUX, CARDOSO & CORBELLINI, 2008). Nesse período do ano, caracterizado pelo aumento do estresse térmico, há redução da resposta imune dos animais, tornando as vacas mais susceptíveis às infecções na glândula mamária. Adicionalmente, o efeito da redução do consumo de alimentos favorece a diminuição da imunidade do animal, resultando em elevação da CCS (SILVA et al., 2010).

No presente estudo, a produção de leite não teve efeito significativo sobre a variação de ECS e tCBT. Provavelmente, as fazendas avaliadas, independente do tamanho, não possuíam um programa de controle de mastite e, portanto, o efeito do volume sobre a variação de ECS foi inconsistente. Nos trabalhos de Schukken et al. (2003), Lukas et al. (2005) e Lukas et al. (2008a) foi verificado que rebanhos maiores produzem leite com mais qualidade e menor variação quanto à contagem de células somáticas, sendo, assim,  mais eficientes em adotar métodos de controle da mastite.

Uma vez verificado que a época do ano foi a causa de variação natural que afetou os resultados de ECS e tCBT no presente estudo, procedeu-se ao desenvolvimento dos gráficos de controle de valores individuais e de amplitude móvel (MR) em função de cada época do ano, para as quatro fazendas avaliadas. Portanto, isolaram-se os efeitos de sazonalidade no estudo dos gráficos.

Observou-se que o ECS da fazenda A, nos meses de verão, apresentou os maiores limites de controle em relação às demais épocas do ano (Figura 2a), principalmente devido à maior variação existente na contagem de células somáticas observadas nos meses de janeiro a março (ROMA JÚNIOR et al., 2009). Entretanto, a fazenda A manteve-se controlada durante todo o período avaliado (Figura 2a), verificando-se, portanto, que processos que não sofrem alterações, devido a fatores especiais de variação, são estáveis e previsíveis dentro de limites (MONTGOMERY, 2004).

Processos controlados, como na fazenda A, podem ser melhorados, uma vez que qualquer alteração intencionalmente empregada para melhorar o processo (por exemplo: treinamento de ordenhadores) seria sinalizada como uma causa especial de variação. No entanto, essa variação especial, que seria indicada pelo gráfico de controle, não representaria um problema, mas, sim, que o processo foi melhorado e a meta atingida (redução na CCS do tanque).

O gráfico de amplitude móvel (MR), utilizado para monitorar a variabilidade do processo, usualmente é utilizado em conjunto com os gráficos de controle (MONTGOMERY, 2004). O gráfico de MR da fazenda A não indicou variação de ECS fora de controle ao longo do ano de 2009 (Figura 2a).

A fazenda B, por outro lado, apresentou maior variação no ECS do que a fazenda A, já que seus LSC (limites superiores de controle) foram maiores do que 1,0 (primavera e verão) nos gráficos de MR (Figura 2b), indicando, portanto, a grande variação existente entre fazendas com relação à presença de mastite nos rebanhos. Casos de mastite são observados em animais com ECS superior a quatro (PAULA et al., 2004). Portanto, a maior variação existente dentro da fazenda B no verão e na primavera levou a mesma ao estado fora de controle, como indicado pelos gráficos. Processos que apresentam causas especiais de variação são considerados fora de controle estatístico e, portanto, representam aumento de custos (MONTGOMERY, 2004).

A ausência de controle observada na fazenda B é função de causas especiais de variação atuando sobre a propriedade, já que dois efeitos naturais foram isolados (sazonalidade e volume). Essas fontes de variação especial, que levaram à queda na qualidade do leite da fazenda B, podem ser representadas pela mastite, falta de rotina na ordenha, equipamento de ordenha desregulado e falta de higiene. Portanto, de posse dessas informações, o produtor poderia atuar sobre as possíveis causas que levaram à redução na qualidade do leite naquele período.

As informações geradas através das cartas de controle de CCS indicam a qualidade da rotina e do sistema de ordenha, do manejo da cama e da secagem das vacas (RENEAU & LUKAS, 2006). Além disso, o monitoramento da CCS de tanques, pelos gráficos de controle, permite identificar corretamente alterações na prevalência de mastite subclínica (LUKAS et al., 2005). E outras palavras, a aplicação dos gráficos de controle dentro da fazenda permite o monitoramento da CCS do rebanho. 

Os gráficos de controle, entretanto, devem ser avaliados com cautela, uma vez que uma causa natural de variação (sazonalidade ou produção de leite) pode ser interpretada como uma alteração real no processo. Ou seja, uma fazenda com reduzida produção, pode ser penalizada em função do leite de um animal com CCS elevada, sendo esse animal o fator que contribuiu com a elevação da CCS do tanque (LUKAS et al., 2008). No entanto, há uma variação natural naquela fazenda em função da baixa produção, isto é, para essa fazenda, a amplitude de variação seria alta devido à contribuição que uma vaca doente teria na qualidade do leite do tanque.

Na avaliação da tCBT como variável dos gráficos de controle, verificou-se que algumas fazendas apresentaram estabilidade em manter um padrão microbiológico ao longo do ano, independente da época (Figura 3a). A fazenda C manteve-se controlada durante todo o período, sofrendo maiores alterações em seus limites de controle principalmente no verão e na primavera. Maiores variações na contagem bacteriana total são verificadas nos meses quentes e úmidos (PANTOJA et al., 2009; ROMA JÚNIOR et al., 2009), como observado nas fazendas C e D (Figura 3).

Os gráficos de controle de tCBT, no entanto, também podem sinalizar quando variações não naturais estão presentes no sistema de refrigeração e armazenamento do leite, como é observado na fazenda D (Figura 3b). O gráfico de controle de valores individuais e de MR da fazenda D indicaram a presença de fontes de variação especial atuando sobre a qualidade do leite nos meses de verão e primavera (Figura 3b). Para que um processo seja considerado sob controle estatístico, o mesmo, além de não apresentar um ponto fora dos limites de controle (regra 1), também deve distribuir-se aleatoriamente, tanto acima quanto abaixo da linha central (MONTGOMERY, 2004). Portanto, a regra 2 indicada na Figura 3b está relacionada aos dados que apresentaram um padrão de comportamento não-aleatório.

O padrão não aleatório pode não ser necessariamente uma variação especial na contagem bacteriana, uma vez que essa regra sensibilizante dos gráficos de controle (regra 2) foi inicialmente desenvolvida para processos industriais (MONTGOMERY, 2004). Portanto, é necessária a adaptação dessas regras aos processos biológicos.

As fontes de variação especial atuantes sobre a contagem bacteriana estão relacionadas principalmente a deficiências na refrigeração e armazenamento do leite, a problemas de limpeza de equipamentos (método, detergentes, qualidade e temperatura da água) e a falhas na higiene da ordenha (GUERREIRO et al., 2005; BERRY et al., 2006). Sendo assim, a presença desses fatores pode ser sinalizada pelos gráficos de controle, permitindo, consequentemente, que ações preventivas sejam realizadas antes que ocorra o decréscimo na qualidade do leite produzido.

Fatores relacionados à conservação da amostra (uso correto do conservante, temperatura e tempo de armazenamento), por outro lado, podem afetar os resultados de CBT (CASSOLI et al., 2010) e interferir na interpretação dos gráficos de controle. Martins et al. (2009) relataram que amostras armazenadas a 25°C apresentaram maiores contagens bacterianas em relação às amostras armazenadas a 5°C.  Esses fatores representam causas especiais de variação no sistema de coleta de amostras, representando, então, um desvio na geração de informações, durante o monitoramento da contagem bacteriana ao nível de fazenda.

Outras ferramentas empregadas pelo controle estatístico de processos complementam as informações transmitidas pelos gráficos de controle. Os índices de capacidade, por exemplo, são índices que podem identificar fazendas aptas a atender um determinado padrão de qualidade (NIZA-RIBEIRO et al., 2004). Portanto, a aplicação do CEP no monitoramento dos setores da fazenda (nutrição, cria, reprodução e ordenha) permite ao produtor, ou à indústria, identificar fatores responsáveis pela queda na qualidade do leite.

 
CONCLUSÃO

O conhecimento das causas naturais de variação em rebanhos leiteiros permite que sejam identificadas alterações indesejáveis no processo de ordenha, como problemas de refrigeração do leite e sanidade no rebanho. A aplicação de gráficos de controle dentro da fazenda é uma ferramenta adicional, que permite às indústrias e aos técnicos monitorarem a qualidade do leite produzido. Para a aplicação desse tipo de ferramenta, as pessoas envolvidas devem seguir a filosofia de melhoria contínua e adotar uma postura pró-ativa, uma vez que os gráficos de controle sinalizam quando uma instabilidade está para ocorrer e/ ou já ocorreu.

 
AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro por meio do processo nº. 2009/02977-6 (Mestrado).

 
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Protocolado em: 30 jun. 2011 Aceito em:12 jan. 2012