A torção de útero em bovinos é um
caso de emergência obstétrica que, na maioria das vezes, leva à morte
do feto e da mãe. O tratamento clínico é pouco eficaz e em grande parte
dos casos a operação cesariana é indicada. O trabalho descreve o caso
de uma vaca Nelore de 36 meses encaminhada ao Hospital Escola de
Grandes Animais da Universidade de Brasília com torção uterina e sinais
de toxemia. Após tentativas improdutivas de rolamento, o animal foi
submetido à cesariana e veio a morrer durante o procedimento cirúrgico.
Vários casos de torção de útero em bovinos são descritos em raças
europeias, porém, pouco se conhece desse tipo de patologia em animais
da raça Nelore.
PALAVRAS-CHAVES: Cesariana, distocia, laparotomia, Nelore, obstetrícia.
Uterus torsion in cows is an
emergency case that usually leads to foetus and cow death. Conservative
management has low efficacy and cesarian surgery is indicated in the
majority of the cases. The report describes the case of a 36-year-old
Nellore cow taken to Hospital Escola de Grandes Animais of Universidade
de Brasíla with uterus torsion and toxemia signs. After improductive
rolling procedures, the animal was lead to a cesarian surgery and died
during the procedure. Uterus torsion is described in european breeds,
but this patology is not well-known in Nellore cattle.
KEY WORDS: Cesarian, distocia, laparotomy, Nelore, obstetrics.
INTRODUÇÃO
A torção uterina em bovinos, imediatamente antes do parto, representa
uma complicação da gestação importante nessa espécie, com uma
incidência de 5% a 7% (BAKER, 1991; RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK, 2002).
Essa patologia é uma das causas mais comuns de distocia em bovinos,
podendo variar de 5% a 27% (McENTEE, 1990). A torção de útero pode ser
causada por movimentos do feto na hora do parto, pela instabilidade dos
ligamentos uterinos ou por fetos muito grandes (BAKER, 1991).
Nos bovinos, pelo fato de o ligamento intercornual ser bem
desenvolvido, a torção uterina afeta bilateralmente os cornos. Ao
exceder os 180º, transtornos circulatórios atingem o órgão e inicia-se
o aparecimento dos sinais clínicos (NASCIMENTO & SANTOS, 2003).
Animais com o abdome grande ou o rúmen muito vazio também podem
apresentar torção uterina, pois o espaço vazio na cavidade abdominal
pode facilitar a rotação do órgão (ROBERTS, 1971). A maioria das
torções uterinas nos bovinos ocorre em sentido anti-horário envolvendo
também a porção cranial da vagina (McENTEE, 1990). Em alguns casos, a
torção uterina se desfaz de forma espontânea e o parto ocorre
normalmente. O tempo que o útero permanece torcido é importante para a
sobrevivência do bezerro e o prognóstico da vaca após a resolução da
distocia. Quarenta por cento dos fetos morrem em torções cuja duração é
superior a onze horas (RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK, 2002).
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho descreve um caso de torção uterina em uma vaca Nelore de
36 meses encaminhada ao Hospital Escola de Grandes Animais da
Universidade de Brasília por apresentar apatia e inapetência. O relato
do proprietário era de que fazia 24 horas que o animal permanecia em
decúbito esternal por um tempo prolongado e que havia notado corrimento
vaginal de coloração avermelhada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No exame clínico inicial a vaca apresentava edema de vulva e relutância
em caminhar, além de perda de estratificação e parada de movimentos
ruminais. A frequência cardíaca e a temperatura retal estavam dentro
dos parâmetros normais para a espécie. O exame transretal revelou
gestação avançada (aproximadamente sete meses) e torção uterina de
270º, pós-cervical, no sentido anti-horário, com o corno direito
sobreposto ao esquerdo (posicionado na parte esquerda da cavidade
abdominal), além de ausência de viabilidade fetal. Na inspeção das
mucosas foram observadas hiperemia das mucosas oculares, petéquias na
mucosa vaginal e acentuada enoftalmia.
A torção ocorreu para o lado direito, concordando com a afirmação de
ROBERTS (1971), de que a maior parte desse tipo de patologia acontece
para esse mesmo lado, pois o corno gravídico gira por cima do corno não
gravídico para a parte esquerda do abdome. MOORE & RICHARDSON
(1995) conseguiram desfazer a torção em uma vaca holandesa apenas com o
rolamento. Um dos tratamentos para a rotação de útero é a rotação do
órgão introduzindo a mão pela vagina (BAKER, 1991). No presente
trabalho essa tentativa de tratamento não foi possível, uma vez que a
cérvix da vaca não se encontrava dilatada, o que impossibilitou a
introdução de uma mão. O mesmo motivo impediu o auxílio manual pela
vagina durante o rolamento da vaca. Realizaram-se três tentativas não
produtivas de tratamento clínico, em que a vaca era colocada em
decúbito lateral esquerdo e rolada para decúbito lateral direito com
uma tábua comprimindo o abdome.
ROBERTS (1971) destaca que algumas vacas com torção de útero apresentam
sinais de cólica e dor abdominal. O animal descrito no presente caso
não apresentou sinais de dor abdominal, apenas relutância em se
movimentar.
Após a confirmação da não resolução da patologia pelo método do
rolamento, o animal foi rapidamente encaminhado à cirurgia para
correção da torção e retirada do feto. Foi realizada uma laparotomia no
flanco esquerdo (com o animal em estação), confirmando-se o
diagnóstico. A vaca morreu durante o ato cirúrgico, logo após a
retirada do feto. O feto fêmea estava morto (oriundo de inseminação
artificial) e pesava 38 Kg, valor considerado acima da média para a
raça, segundo OLIVEIRA
et al.
(2003), que, avaliando o peso médio de bezerros em 142 fêmeas
Nelore de criação extensiva, encontraram valores de 18 a 28 kg, com
média e desvio-padrão de 24,1 ± 3,0 kg.
Na necropsia, o útero apresentava coloração escura, com alguns focos
hemorrágicos e áreas cianóticas que caracterizavam isquemia no local de
torção do órgão (
Figura 1-A e B). Após a abertura uterina verificou-se que o órgão apresentava intensa hiperemia e múltiplos focos hemorrágicos na mucosa (
Figura 1-C). O ovário direito, ipsilateral à torção, apresentava intensa congestão de vasos e focos hemorrágicos (
Figura 1- D).
A torção uterina em bovinos é um caso de extrema urgência na cirurgia
obstétrica dessa espécie. RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK (2002), em estudo
de valores hematológicos de vacas acometidas por torção uterina no
terço final de gestação, concluíram que a assistência veterinária deve
ser iniciada no máximo seis horas após o início dos sinais clínicos.
Quando os membros não podem ser tocados pela palpação retal, no caso da
torção completa, as tentativas de rolamento ou suspensão da vaca são
improdutivas e a laparotomia com correção manual cirúrgica é indicada
(BARKER, 1951; ROBERTS, 1971). No caso em questão, o animal já
apresentava sinais de toxemia e o tempo decorrido entre o início dos
sinais e a chegada ao hospital veterinário foi de aproximadamente
trinta horas. A torção descrita ocorreu no período final da gestação.
Segundo BAKER (1991), a maioria das torções uterinas ocorre na hora do
parto, o que não ocorreu no caso relatado, pois o feto estava com
aproximadamente sete meses de desenvolvimento. O mesmo autor relata que
após 48 horas a vaca pode apresentar edema ventral. O único edema
notado no animal do relato apareceu na região perineal e vulva.
BARKER (1951) relata que, na maioria dos casos de torção completa de
útero com resolução cirúrgica, ocorreu morte da paciente.
SCHONFELDER & SOBIRAJ (2006) afirmam que, no caso de
comprometimento isquêmico do útero torcido, a melhor alternativa é a
histerectomia, tendo realizado esse procedimento com sucesso em quatro
vacas.
Existem relatos de torção uterina em vacas da raça Holandesa,
Pardo-Suíças, Simental e Jersey (CAMPBEL, 1938; BARKER, 1951;
RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK, 2002), porém nenhum relato foi encontrado
em vacas da raça Nelore.
A descrição do caso confirma que a torção uterina em bovinos é uma
patologia que deve ser tratada como emergência obstétrica. O tempo
decorrido entre o diagnóstico e a correção da torção é fundamental para
a sobrevivência da vaca.
REFERÊNCIAS
BAKER, I. Torsion of the uterus in the cow. In: BODEN,
E. Bovine pratice. Londres: Baillieli Tindall, 1991. p. 112-114.
BARKER, C. A. V.
A case of complete torsion of the uterius in a cow. Canadian Journal
of Comparative Medicine, v. 15, n. 1, p. 21-23, 1951.
CAMPBEL, A. R. Torsion of the uterus in a cow: a case
report. Canadian Journal of Comparative Medicine, v. 2, n. 4, p. 97-98,
1938.
McENTEE, K. Reproductive pathology of domestic
mammals. San Diego: Academic Press,
1990.
MOORE, A. A.; RICHARDSON, G. F.
Uterine torsion and fetal mummification in a cow. The Canadian Veterinary Journal, v. 36, n. 11, p. 705-706, 1995.
NASCIMENTO,
E. F.; SANTOS, R. L. Patologia da reprodução dos animais domésticos. 2.
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.
OLIVEIRA,
P. C.; BOMBONATO, P. P.; BALIEIRO, J. C. C. Efeito do número de partos sobre
características pelvimétricas em matrizes e medidas externas de bezerros da
raça Nelore. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v. 40, n. 4, p.
305-311, 2003.
RAKULJIC-ZELOV, S.; ZADNIK, T. Haematological and
biochemical profile of cows affected with uterine torsion. Slovenian
Veterinary Research, v. 39, n. 1, p. 59-68, 2002.
ROBERTS, S. J. Veterinary obstetrics and genital
giseases. 2. ed. Ithaca: Edição do Autor, 1971.
SCHONFELDER, A. M.; SOBIRAJ, A. Cesarean section and
ovariohysterectomy after severe uterine torsion in four cows. Veterinary
Surgery, v. 35, n. 2, p. 206-210, 2006.
Protocolado
em: 7 ago. 2008. Aceito em: 25 nov.
2009.