DOI 10.526/cab.v11i2.1475
TORÇÃO DE ÚTERO EM VACA NELORE – RELATO DE CASO


Augusto Ricardo Coelho Moscardini,1 Eduardo Ferreira da Fonseca,2 Renato Fonseca Ferreira Ii,1
Fábio Henrique Bezerra Ximenes,3 Grazieli Marinheiro Machado,4 Márcio Botelho de Castro5 e Jose Renato Junqueira Borges5

1. Médico veterinário do Hospital Escola de Grandes Animais, UnB/SEAPA, Galpão 3 Granja do Torto, CEP 70636-200, Brasília, DF, Brasil. E-mail: augustomoscardini@hotmail.com
2. Médico veterinário, 1º Regimento de Cavalaria de Guardas
3. Residente do Hospital Escola de Grandes Animais, UnB/SEAPA
4. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal, FAV-UnB
5. Professor da Faculdade de Agronomia e Veterinária, UnB.




RESUMO

A torção de útero em bovinos é um caso de emergência obstétrica que, na maioria das vezes, leva à morte do feto e da mãe. O tratamento clínico é pouco eficaz e em grande parte dos casos a operação cesariana é indicada. O trabalho descreve o caso de uma vaca Nelore de 36 meses encaminhada ao Hospital Escola de Grandes Animais da Universidade de Brasília com torção uterina e sinais de toxemia. Após tentativas improdutivas de rolamento, o animal foi submetido à cesariana e veio a morrer durante o procedimento cirúrgico. Vários casos de torção de útero em bovinos são descritos em raças europeias, porém, pouco se conhece desse tipo de patologia em animais da raça Nelore.

PALAVRAS-CHAVES: Cesariana, distocia, laparotomia, Nelore, obstetrícia.


ABSTRACT

UTERUS TORSION IN NELLORE COW – Case Report

Uterus torsion in cows is an emergency case that usually leads to foetus and cow death. Conservative management has low efficacy and cesarian surgery is indicated in the majority of the cases. The report describes the case of a 36-year-old Nellore cow taken to Hospital Escola de Grandes Animais of Universidade de Brasíla with uterus torsion and toxemia signs. After improductive rolling procedures, the animal was lead to a cesarian surgery and died during the procedure. Uterus torsion is described in european breeds, but this patology is not well-known in Nellore cattle.

KEY WORDS: Cesarian, distocia, laparotomy, Nelore, obstetrics.


INTRODUÇÃO

A torção uterina em bovinos, imediatamente antes do parto, representa uma complicação da gestação importante nessa espécie, com uma incidência de 5% a 7% (BAKER, 1991; RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK, 2002). Essa patologia é uma das causas mais comuns de distocia em bovinos, podendo variar de 5% a 27% (McENTEE, 1990). A torção de útero pode ser causada por movimentos do feto na hora do parto, pela instabilidade dos ligamentos uterinos ou por fetos muito grandes (BAKER, 1991).
Nos bovinos, pelo fato de o ligamento intercornual ser bem desenvolvido, a torção uterina afeta bilateralmente os cornos. Ao exceder os 180º, transtornos circulatórios atingem o órgão e inicia-se o aparecimento dos sinais clínicos (NASCIMENTO & SANTOS, 2003).
Animais com o abdome grande ou o rúmen muito vazio também podem apresentar torção uterina, pois o espaço vazio na cavidade abdominal pode facilitar a rotação do órgão (ROBERTS, 1971). A maioria das torções uterinas nos bovinos ocorre em sentido anti-horário envolvendo também a porção cranial da vagina (McENTEE, 1990). Em alguns casos, a torção uterina se desfaz de forma espontânea e o parto ocorre normalmente. O tempo que o útero permanece torcido é importante para a sobrevivência do bezerro e o prognóstico da vaca após a resolução da distocia. Quarenta por cento dos fetos morrem em torções cuja duração é superior a onze horas (RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK, 2002).

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho descreve um caso de torção uterina em uma vaca Nelore de 36 meses encaminhada ao Hospital Escola de Grandes Animais da Universidade de Brasília por apresentar apatia e inapetência. O relato do proprietário era de que fazia 24 horas que o animal permanecia em decúbito esternal por um tempo prolongado e que havia notado corrimento vaginal de coloração avermelhada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No exame clínico inicial a vaca apresentava edema de vulva e relutância em caminhar, além de perda de estratificação e parada de movimentos ruminais. A frequência cardíaca e a temperatura retal estavam dentro dos parâmetros normais para a espécie.  O exame transretal revelou gestação avançada (aproximadamente sete meses) e torção uterina de 270º, pós-cervical, no sentido anti-horário, com o corno direito sobreposto ao esquerdo (posicionado na parte esquerda da cavidade abdominal), além de ausência de viabilidade fetal. Na inspeção das mucosas foram observadas hiperemia das mucosas oculares, petéquias na mucosa vaginal e acentuada enoftalmia.
A torção ocorreu para o lado direito, concordando com a afirmação de ROBERTS (1971), de que a maior parte desse tipo de patologia acontece para esse mesmo lado, pois o corno gravídico gira por cima do corno não gravídico para a parte esquerda do abdome. MOORE & RICHARDSON (1995) conseguiram desfazer a torção em uma vaca holandesa apenas com o rolamento. Um dos tratamentos para a rotação de útero é a rotação do órgão introduzindo a mão pela vagina (BAKER, 1991). No presente trabalho essa tentativa de tratamento não foi possível, uma vez que a cérvix da vaca não se encontrava dilatada, o que impossibilitou a introdução de uma mão. O mesmo motivo impediu o auxílio manual pela vagina durante o rolamento da vaca. Realizaram-se três tentativas não produtivas de tratamento clínico, em que a vaca era colocada em decúbito lateral esquerdo e rolada para decúbito lateral direito com uma tábua comprimindo o abdome. 
ROBERTS (1971) destaca que algumas vacas com torção de útero apresentam sinais de cólica e dor abdominal. O animal descrito no presente caso não apresentou sinais de dor abdominal, apenas relutância em se movimentar.
Após a confirmação da não resolução da patologia pelo método do rolamento, o animal foi rapidamente encaminhado à cirurgia para correção da torção e retirada do feto. Foi realizada uma laparotomia no flanco esquerdo (com o animal em estação), confirmando-se o diagnóstico. A vaca morreu durante o ato cirúrgico, logo após a retirada do feto. O feto fêmea estava morto (oriundo de inseminação artificial) e pesava 38 Kg, valor considerado acima da média para a raça, segundo OLIVEIRA et al. (2003), que,  avaliando o peso médio de bezerros em 142 fêmeas Nelore de criação extensiva, encontraram valores de 18 a 28 kg, com média e desvio-padrão de 24,1 ± 3,0 kg.
Na necropsia, o útero apresentava coloração escura, com alguns focos hemorrágicos e áreas cianóticas que caracterizavam isquemia no local de torção do órgão (Figura 1-A e B). Após a abertura uterina verificou-se que o órgão apresentava intensa hiperemia e múltiplos focos hemorrágicos na mucosa (Figura 1-C). O ovário direito, ipsilateral à torção, apresentava intensa congestão de vasos e focos hemorrágicos (Figura 1- D).  
A torção uterina em bovinos é um caso de extrema urgência na cirurgia obstétrica dessa espécie. RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK (2002), em estudo de valores hematológicos de vacas acometidas por torção uterina no terço final de gestação, concluíram que a assistência veterinária deve ser iniciada no máximo seis horas após o início dos sinais clínicos.
Quando os membros não podem ser tocados pela palpação retal, no caso da torção completa, as tentativas de rolamento ou suspensão da vaca são improdutivas e a laparotomia com correção manual cirúrgica é indicada (BARKER, 1951; ROBERTS, 1971). No caso em questão, o animal já apresentava sinais de toxemia e o tempo decorrido entre o início dos sinais e a chegada ao hospital veterinário foi de aproximadamente trinta horas. A torção descrita ocorreu no período final da gestação. Segundo BAKER (1991), a maioria das torções uterinas ocorre na hora do parto, o que não ocorreu no caso relatado, pois o feto estava com aproximadamente sete meses de desenvolvimento. O mesmo autor relata que após 48 horas a vaca pode apresentar edema ventral. O único edema notado no animal do relato apareceu na região perineal e vulva.
BARKER (1951) relata que, na maioria dos casos de torção completa de útero com resolução cirúrgica, ocorreu morte da paciente.  SCHONFELDER & SOBIRAJ (2006) afirmam que, no caso de comprometimento isquêmico do útero torcido, a melhor alternativa é a histerectomia, tendo realizado esse procedimento com sucesso em quatro vacas.
Existem relatos de torção uterina em vacas da raça Holandesa, Pardo-Suíças, Simental e Jersey (CAMPBEL, 1938; BARKER, 1951; RAKULJIC-ZELOV & ZADNIK, 2002), porém nenhum relato foi encontrado em vacas da raça Nelore.
A descrição do caso confirma que a torção uterina em bovinos é uma patologia que deve ser tratada como emergência obstétrica. O tempo decorrido entre o diagnóstico e a correção da torção é fundamental para a sobrevivência da vaca.

REFERÊNCIAS

BAKER, I. Torsion of the uterus in the cow. In: BODEN, E. Bovine pratice. Londres: Baillieli Tindall, 1991. p. 112-114.

BARKER, C. A. V.  A case of complete torsion of the uterius in a cow. Canadian Journal of Comparative Medicine, v. 15, n. 1, p. 21-23, 1951.

CAMPBEL, A. R. Torsion of the uterus in a cow: a case report. Canadian Journal of Comparative Medicine, v. 2, n. 4, p. 97-98, 1938.

McENTEE, K. Reproductive pathology of domestic mammals.  San Diego: Academic Press, 1990. 

MOORE, A. A.; RICHARDSON, G. F. Uterine torsion and fetal mummification in a cow. The Canadian Veterinary Journal, v. 36, n. 11, p. 705-706, 1995.

NASCIMENTO, E. F.; SANTOS, R. L. Patologia da reprodução dos animais domésticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.

OLIVEIRA, P. C.; BOMBONATO, P. P.; BALIEIRO, J. C. C. Efeito do número de partos sobre características pelvimétricas em matrizes e medidas externas de bezerros da raça Nelore. Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science, v. 40, n. 4, p. 305-311, 2003.

RAKULJIC-ZELOV, S.; ZADNIK, T. Haematological and biochemical profile of cows affected with uterine torsion. Slovenian Veterinary Research, v. 39, n. 1, p. 59-68, 2002.

ROBERTS, S. J. Veterinary obstetrics and genital giseases. 2. ed. Ithaca: Edição do Autor, 1971.

SCHONFELDER, A. M.; SOBIRAJ, A. Cesarean section and ovariohysterectomy after severe uterine torsion in four cows. Veterinary Surgery, v. 35, n. 2, p. 206-210, 2006.


Protocolado em: 7 ago. 2008.   Aceito em: 25 nov. 2009.