INDICADORES BIOQUÍMICOS
SÉRICOS E DO LÍQUIDO PERITONEAL DE EQUINOS
SUBMETIDOS À OBSTRUÇÃO INTESTINAL
Paula
Alessandra Di Filippo1, Aracele Elisane Alves2,
Larissa
Correia Hermeto3, Aureo Evangelista Santana4
RESUMO
Foram
utilizados vinte e quatro equinos distribuídos em quatro grupos,
controle
instrumentado (GI), obstrução do duodeno (GII), do íleo (GIII) e do
cólon maior
(GIV). Amostras de sangue e de líquido peritoneal foram colhidas uma
hora antes
do procedimento cirúrgico (T0), ao final do período de três horas de
obstrução
(T3ob) e 1, 3, 12, 24, 120 e 168 horas após desobstrução (T1des-T168des), para determinação da atividade das enzimas
aspartato aminotransferase, creatina quinase, lactato desidrogenase e
fosfatase alcalina e da concentração de fósforo inorgânico e de
lactato. Foram observadas alterações nas
concentrações séricas e peritoneais das
variáveis bioquímicas supramencionadas somente nos animais
submetidos à
obstrução de duodeno (GII) e de íleo (GIII). Entretanto, após três
horas de
obstrução só foram verificadas alterações nas concentrações peritoneais
de
lactato, lactato desidrogenase,
fósforo inorgânico e de creatina quinase. A análise bioquímica do
líquido peritoneal
permitiu, quando comparada a sérica, o diagnóstico precoce de lesão
entérica
localizada no intestino delgado e, portanto, deve ser priorizada na
avaliação
pré-operatória do equino com cólica.
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PALAVRAS-CHAVE:
biomarcadores; cólica; equino.
SERUM AND
PERITONEAL FLUID BIOCHEMICAL MARKERS OF HORSES SUBMITTED TO INTESTINAL
OBSTRUCTION
ABSTRACT
Twenty-four horses were
distributed into four different groups, instrumented control (GI),
duodenum
obstruction (GII), ileum obstruction (GIII) and large colon obstruction
(GIV).
Serum and peritoneal fluid analysis of
aspartate aminotransferase, creatine
kinase, lactate dehydrogenase,
alkaline phosphatase, inorganic phosphorus and
lactate were measured. Samples were collected one hour before
the surgical procedure (T0); 3 hours after the obstruction (T3ob), 1,
3, 12,
24, 120 and 168 hours after the beginning of reperfusion/deobstruction.
Duodenal (GII) and ileum (GIII) obstructions
changed serum and peritoneal fluid
biochemical analysis. However, only lactate, lactate dehydrogenase, creatine kinase
and inorganic phosphorus concentrations
were abnormal in peritoneal fluid three hours after the obstruction.
The
biochemical analysis of peritoneal fluid allowed a faster diagnostic of
intestinal alterations than the serum analysis; hence it should be
prioritized
when pre-operatory colic assessment is carried out.
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KEYWORDS: biomarkers; colic; equine.
INTRODUÇÃO
Estima-se
que, nos Estados
Unidos, a mortalidade atinja 13% dos casos não submetidos à cirurgia e
31% nos
casos que requerem intervenção cirúrgica (KANEENE et al., 1997). No
Brasil, em
ensaio realizado com 50 animais com cólica e submetidos à laparotomia,
DI
FILIPPO et al. (2010) verificaram que 27 (54%) sobreviveram e 23 (46%)
foram a
óbito ou sacrificados. Dentre os 27 sobreviventes, 21 (78%)
apresentavam lesões no intestino grosso (IG) e apenas seis (22%) no
intestino
delgado (ID). Entretanto, dos 23 animais que foram a óbito ou
sacrificados, 15
(65,21%) apresentavam lesões no delgado e oito (34,78%) no intestino
grosso.
Na
cólica, as alterações
ocorridas nas alças intestinais repercutem diretamente na composição
dos
fluidos orgânicos, alterando-os na dependência do tempo, localização e
gravidade do processo obstrutivo. Nessas condições, marcadores
bioquímicos são permeáveis
aos fluidos corporais, constituindo-se em indicadores sensíveis e
específicos
de degeneração intestinal (MOORE et al., 1998; SOUTHWOOD, 2006). As
enzimas
cujas concentrações são frequentemente determinadas na avaliação das
lesões
intestinais em equinos com cólica são a creatina quinase (CK), a
aspartato
aminotransferase (AST), a lactato desidrogenase (LDH) e a fosfatase
alcalina
(FROSCHER & NAGODE, 1981; VALADÃO et al., 1996). Fósforo inorgânico
e
lactato também constituem-se em importantes marcadores (ARDEN &
STICK,
1988; SOUTHWOOD, 2006).
Diante
dessas observações, o
presente estudo visou avaliar as alterações nas concentrações de
lactato,
fósforo inorgânico e na atividade das enzimas CK, LDH, AST e FA no
sangue e no
líquido peritoneal de equinos submetidos à obstrução extraluminal do
duodeno,
íleo e cólon maior.
MATERIAL E MÉTODOS
Os
equinos foram separados em
quatro grupos de seis animais (duas fêmeas, três machos castrados e um
não
castrado) - um grupo controle instrumentado - GI - (sem realização da
obstrução
intestinal, porém submetidos aos mesmos procedimentos anestésicos e
cirúrgicos
descritos para os animais dos demais grupos) e três grupos obstruídos.
As
obstruções intestinais foram realizadas em três diferentes segmentos:
duodeno
(GII), íleo (GIII) e cólon maior - flexura pélvica - (GIV).
Os animais foram contidos em brete e, após tricotomia e
antissepsia da
fossa paralombar, foram sedados com acepromazina 1%[5] (0,025mg kg-1, IV),
cloridrato de xilazina 2%[6] (0,5mg kg-1,
IV) e meperidina[7]
(4mg
kg-1, IM). Procedeu-se a
anestesia local infiltrativa, utilizando-se associação (1:1) de
lidocaína 2%[8]
e
bupivacaína 0,75%[9],
ambas sem vasoconstritor. Visando mimetizar ao máximo as condições
naturais, os
animais não foram submetidos a jejum hídrico e alimentar prévios.
Com
os animais em posição
quadrupedal, por meio da laparotomia, flanco direito para duodeno e
íleo e,
esquerdo para cólon maior, os segmentos intestinais foram identificados
e em
seguida, um dreno de Penrose no3 foi posicionado ao
redor da
alça intestinal e, após o seu completo fechamento, iniciou-se a
obstrução
intestinal, segundo modelo descrito por DATT & USENIK (1975). Neste
momento,
os animais receberam 1,5mg kg-1, IV de cloridrato de tramadol[10].
Sequencialmente, procedeu-se a sutura simples contínua dos músculos
transversos
do abdômen e da pele, utilizando-se de vicryl no2 e
náilon no4,
respectivamente. As obstruções foram mantidas por três horas e, após
esse
período, promoveu-se a reversão das obstruções, tendo como acesso
cirúrgico e
protocolo os mesmos utilizados para promovê-las. Os drenos foram então
removidos e as cavidades abdominais fechadas de acordo com a técnica
descrita
por TURNER & MCILWRAITH (2002).
No
pós-operatório foi
instituída terapia antimicrobiana com penicilina benzatina[11],
na dose de 30.000UI kg-1, IM, a cada 48h, perfazendo três
aplicações. Como analgésico e anti-inflamatório, administrou-se
flunixim
meglumine[12],
na dose de 0,5mg kg-1, IV, a cada 24h, durante dois dias. O
curativo
da ferida cirúrgica foi realizado com polivinilpirrolidona-iodo tópica
a 1%
duas vezes ao dia até a retirada dos pontos no décimo dia
pós-operatório.
Para colheita do líquido peritoneal foi realizada a
paracentese abdominal,
segundo a técnica de WHITE (1990). Após a colheita, as amostras
de
líquido peritoneal e as de sangue, obtidas mediante punção da jugular,
ambas
colhidas em frascos estéreis sem
anticoagulante, foram centrifugadas a 800G por cinco minutos e
armazenadas a
-20oC até o momento das determinações. A concentração de
fósforo
inorgânico (método de Basques-Lustosa) e a atividade das enzimas CK,
LDH, AST e
FA foram obtidas com o auxílio de um conjunto de reagentes para
diagnósticos[13]
e leituras espectrofotométricas[14], utilizando-se método cinético. As amostras
diluídas em fluoreto de
sódio 1% (1:2) foram utilizadas para a determinação da concentração de
lactado,
pelo método da lactato oxidase com analisador automático[15].
Para
cada equino, as amostras
de sangue e de líquido peritoneal foram colhidas uma hora antes do
início do
procedimento cirúrgico (T0), ao final
do período de obstrução de três horas (T3ob) e 1, 3, 12, 24, 120 e 168
horas
após a desobstrução (T1des-T168des).
Para
análise estatística,
utilizou-se um delineamento inteiramente ao acaso, com quatro grupos
submetidos
a avaliações em oito momentos. Quando se constatou significância entre
grupos e
momentos, aplicou-se o teste de Tukey (P<0,05) para comparação das
médias, por
meio do programa estatístico SAS.
Nas três horas de
obstrução (T3ob) não houve alterações nas concentrações de CK, AST, FA,
LDH,
fósforo inorgânico e de lactato no soro dos equinos avaliados. Após
desobstrução (T3des, T12des e T24des), constatou-se, com exceção da FA,
aumento
sérico da CK, AST, LDH, lactato e de fósforo inorgânico nos animais dos
grupos
GII e GIII. Resultados semelhantes foram observados no líquido
peritoneal dos
animais dos referidos grupos (GII e GIII); entretanto, algumas
alterações
iniciaram-se já na fase de obstrução (CK, LDH, lactato e fósforo
inorgânico) e
perduraram durante a desobstrução (T1des-T120des). Os resultados foram
associados à redução ou interrupção do fluxo sanguíneo intestinal que
altera a
permeabilidade da membrana celular e induz à degeneração das células
intestinais,
promovendo o aumento de variáveis bioquímicas nos fluidos orgânicos,
como
explicaram COTRAN et al. (1994), VALADÃO et al.
(1996) e SOUTHWOOD (2006).
A fosfatase alcalina é
uma enzima presente em muitos tecidos, principalmente ossos, mucosa
intestinal
e células renais tubulares. De acordo com PARRY & BROWNLOW (1992) e
VALENTE
(2009), a mucosa do intestino delgado de muitas espécies de animais,
incluindo
os equinos, são extremamente ricas em FA, enquanto que a mucosa do
intestino
grosso possui pequena quantidade desta enzima. Tal fato faz com que a
FA seja
considerada específica para o diagnóstico de lesões localizadas no
intestino
delgado. Ademais, em ensaio realizado com coelhos, cães e humanos,
DELANY et
al. (1976) verificaram aumento na atividade de FA no líquido peritoneal
após
lesões no intestino delgado sem, contudo acarretar alterações na
atividade
sérica dessa enzima.
Tais afirmações
concretizam os resultados expressos nas Tabelas 1
e 2, onde constatam-se
valores aumentados de FA unicamente no líquido peritoneal dos animais
submetidos à obstrução do intestino delgado (GII e GIII). Entretanto,
as
alterações verificadas não auxiliaram na identificação do segmento
intestinal
obstruído, visto que ocorreram somente após a desobstrução. Esses
resultados,
acrescidos dos observados dentro de cada grupo, ao longo do período
experimental, reforçam a afirmação de PARKS & GRANGER (1986) e de
MENDES et
al. (2009) de que as lesões produzidas durante o período de obstrução
evoluem
com o retorno da perfusão.
Aumento
na concentração de FA
no líquido peritoneal também foram observados por VALADÃO et al. (2004)
em
equinos submetidos à punção cecal percutânea. Segundo FROSCHER &
NAGODE
(1981), o aumento de FA no líquido peritoneal de equinos com cólica
somente
pode ser utilizado como indicativo de lesão intestinal em distúrbios
com no
máximo 1 ou 2 horas de evolução. Após esse período, o aumento de FA no
líquido
peritoneal deve-se à degranulação ou morte de granolócitos e não à
lesão
intestinal propriamente dita. O aumento na contagem de neutrófilos no
líquido
peritoneal de equinos durante a evolução da síndrome cólica é achado
comum,
visto que essas células são as efetoras fundamentais na defesa do
organismo
contra infecções bacterianas, fagocitando microorganismos, células
mortas e
debris celulares. Corroborando essas afirmações, leucocitose por
neutrofilia
foi observada no líquido peritoneal dos animais do GII e do GIII, após
desobstrução, ou seja, nos mesmos
momentos em que houve aumento na atividade da FA no líquido peritoneal.
Nas Tabelas 1
e 2,
constatam-se valores aumentados de fósforo no soro e
no líquido peritoneal dos animais dos grupos GII e GIII. Entretanto, as
alterações observadas no líquido peritoneal ocorreram desde a fase de
obstrução. Segundo VALADÃO et al. (1996), as
diferenças entre a cinética das alterações séricas e peritoneais de
fósforo residem no fato de que o fósforo, presente em altas
concentrações nas células intestinais, é permeado inicialmente das
células
intestinais isquêmicas para o lume intestinal e cavidade peritoneal e,
posteriormente, carreado para a circulação sistêmica através do sistema
de
drenagem linfática ou circulação portal. Comentários semelhantes são
válidos
para as demais variáveis bioquímicas analisadas e que apresentaram
aumento
peritoneal anterior ao sérico.
Aumento na concentração sérica e peritoneal de fósforo também
foi
observado por LIAO et al. (1995) e MOORE et al. (1998). Segundo ARDEN
& STICK (1988), concentrações de fósforo no líquido peritoneal
acima de
3,6mmol/L indicam necessidade de ressecção intestinal ou eutanásia, com
77% e
76% de sensibilidade e especificidade, respectivamente. Neste
experimento, com
exceção do momento que antecedeu o procedimento de obstrução intestinal
(T0),
concentrações de fósforo superiores a 3,6mmol/L foram constantes até
mesmo
entre os animais do grupo controle/instrumentado (GI). Desse modo, são
necessários
critérios para utilização isolada dessa variável nas indicações
descritas por
ARDEN & STICK (1988), pois, além da ressecção intestinal não ter
sido
necessária, nenhum dos animais foi a óbito. Diferenças como essas podem
advir
de diferenças existentes entre técnicas laboratoriais para a
determinação da
concentração de fósforo inorgânico, como explicaram MOORE
et al. (1998).
O
lactato, gerado em
condições de deficiência de oxigênio pelo músculo esquelético,
eritrócitos,
cérebro e intestino, pode ser utilizado segundo SOUTHWOOD (2006), na
indicação
da severidade da afecção, no direcionamento da terapia e na elaboração
do
prognóstico. Neste ensaio, após a desobstrução (T3des, T12des e
T24des),
constatou-se aumento dos valores do lactato no soro dos animais do GII
e GIII.
Concomitante ao aumento sérico de lactato apresentado pelos animais do
GII e GIII,
alterações também foram observadas no líquido peritoneal desses animais
ainda
durante a fase de obstrução. Entretanto, os valores não ultrapassaram
2mmol/L,
limite considerado normal por CÂMARA &
SILVA et al. (2007). Resultados semelhantes foram obtidos por
DATT &
USENIK (1975) em equinos submetidos à obstrução experimental de duodeno
e íleo.
Segundo os autores, os resultados deveram-se à maior pressão
intraluminal
sofrida pela alça intestinal em função do diâmetro reduzido destas
quando
comparadas a segmentos do intestino grosso. Entretanto, segundo
HAJI-MICHAEL et
al. (1999) e KANEKO et al. (2008), as células inflamatórias,
especialmente os
neutrófilos, também podem ser os responsáveis pelo aumento de lactato
no foco
inflamatório, visto que 80% de toda glicose metabolizada por essas
células é convertida
em lactato e, como mencionado anteriormente, verificou-se leucocitose
por
neutrofilia no líquido peritoneal dos animais do GII e GIII, porém,
apenas após
a desobstrução.
Comentários
semelhantes são
válidos para a variável LDH que catalisa a reação reversível de
L-lactato
Aumento
na atividade sérica e
peritoneal de CK e de AST foi verificado nos animais dos grupos GII e
GIII. À
semelhança do observado para as variáveis LDH, fósforo inorgânico e
lactado, as
alterações no líquido peritoneal ocorreram de forma mais precoce,
mecanismo já
explicado anteriormente. Valores aumentados de CK também foram obtidos
por
MOORE et al. (1998) em equinos submetidos à isquemia e reperfusão do
cólon
maior e, para esses autores, as alterações deveram-se à exteriorização
e
manipulação intestinal. Para SVENDSEN et al. (1979) e DI FILIPPO &
SANTANA
(2009), as alterações foram associadas à injúria intestinal. A origem
do
aumento da CK somente poderia ser determinada quando simultaneamente
suas
isoenzimas fossem avaliadas (MOORE et al., 1998). Entretanto, a
ausência de
alterações significativas na atividade sérica e peritoneal de CK, entre
momentos, apresentados pelos animais do GI (controle/instrumentado)
corrobora a
afirmação de que os resultados deveram-se à lesão intestinal decorrente
do
modelo de obstrução.
À
Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento integral a
esta
pesquisa (processos no05/58712-0 e 06/55377-8).
Aprovado
pela Comissão de
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