DOI: 10.1590/1089-6891v16i113679
MEDICINA VETERINÁRIA
PESQUISA DE SALMONELLA EM MUTUNS (Mitu mitu) MANTIDOS EM CATIVEIRO
SURVEY OF SALMONELLA IN CURASSOWS BREEDING CENTER OF WILD ANIMALS
Andréia Nakashima Vaz1
Alexandre Paulo Armando2
Andréa Rentz Ribeiro3
Fábio Tavares Zancan4
Marcelo Landim Brisola3
1Bióloga, Doutora, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootenia,USP,
Pirassununga, SP, Brasil - acnvaz@usp.br
2Veterinário do Zooparque, Itatiba, SP, Brasil.
3Professores Doutores da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Poços de Caldas, MG, Brasil
4Pós-graduando da Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, SP,
Brasil.
Resumo:
Foram colhidas 50 amostras de fezes de
mutuns do Criadouro Científico e Cultural Poços de Caldas. A amostras
foram enriquecidas em meio caldo Tetrationato e Selenito-Cistina e
plaqueadas em Salmonella Shigella (SS), Mac Conkey (MC), Endo-C
(EC), Verde Brilhante (VB) e Eosina Azul de Metileno (EMB), a 37º C por
24h. Colônias suspeitas de Salmonella spp foram inoculadas
em tubos contendo Ágar Tríplice Açúcar Ferro (TSI) e incubadas a 37 ºC por
24 h. Os tubos com crescimento característico foram submetidas ao teste de
aglutinação em lâmina com soros polivalentes somático e flagelar. Os meios
SS, MC e VB foram os mais eficientes para o cultivo, sendo 6% das
amostras, positivas para Salmonella spp. Sabendo-se que as aves
são reservatórios importantes de Salmonella spp e que esta pode
representar um alto risco para a saúde humana, há a necessidade de
implantação de uma rotina de limpeza dos recintos para evitar contaminação
entre os recintos e o consequente carreamento destes micro-organismos,
pelos tratadores, até suas residências ou outros recintos. A presença da Salmonella
spp em criadouros pode ser responsável pela menor eclodibilidade dos ovos,
prejudicando o objetivo da entidade, que visa o estudo e a manutenção das
diferentes espécies de aves silvestres.
Palavras-chave: cultura microbiológica; fezes; mutum;
Salmonella.
Abstract:
We collected 50 samples of curasow feces from the
Scientific and Cultural Breeding Center in the city of Poços de Caldas. The samples were enriched in broth medium
Tetrationato and Cystine-selenite and plated on Salmonella Shigella
(SS), Mac Conkey (MC), endo-C (EC), Brilliant Green (VB) and Eosyn
Methilen Blue EMB, remaining at 37 °C for 24h. Colonies suspected of Salmonella
were inoculated in tubes containing Agar Triple Sugar Iron (TSI) and
again incubated at 37 ºC for 24h. Tubes with characteristic
growth were submitted to slide agglutination test with polyvalent
somatic and flagellar serum. The medium SS, MC and VB were the most
efficient for growing, and 36% of samples were positive for Salmonella
spp. As birds are important reservoirs of Salmonella spp and it
may represent a high risk to human health, there is a need to implement
a cleaning routine in enclosures avoiding contamination between the
enclosures and the consequent entrainment of these micro-organisms, by
the keepers until their homes or other venues. The presence of Salmonella
in breeding centers may be responsible for lower hatchability of
eggs, undermining the purpose of the entity, which is to study and
maintain the various birds species.
Keywords: curassows; feces; microbiological culture;
Salmonella.
Recebido
em: 04 abr. 2011.
Aceito em:17 nov. 2014.
Introdução
A salmonelose é uma doença provocada por bactérias do gênero Salmonella e de diversos sorovares, encontrados em animais e até mesmo no homem. As informações sobre a ocorrência e a distribuição dos sorotipos são essenciais para relacionar os possíveis reservatórios que possam ser responsáveis pela transmissão desse agente.(1,2) A salmonelose pode representar um sério problema de saúde pública, tendo como agravante a resistência aos antimicrobianos presentes no mercado(3).
Dentre as enfermidades causadas pela Salmonella em aves, podem-se destacar a pulorose, o tifo aviário e o paratifo aviário, que podem causar diarréias, alta mortalidade e baixa taxa de natalidade. Algumas aves não desenvolvem a doença clínica, apesar de a bactéria ser isolada em cultura de órgãos, como o baço, o fígado e, em algumas ocasiões, os ovários(4,5).
Muitas aves acometidas não apresentam sintomas, mas transmitem as bactérias pelos ovos ou fezes. As fezes contaminam o ambiente e a Salmonela pode permanecer por longo período de tempo em um galpão despovoado, embora não apresentem formas de resistência. Daí a importância da limpeza, desinfecção ambiental, vazio sanitário e combate a roedores, como ressaltado por Silva e Duarte(6).
Acredita-se que as aves silvestres não tenham um papel importante na epidemiologia da salmonelose humana, porém, quando um grande número de aves vive num mesmo local, como é o caso de criadouros, comerciais ou não, elas podem representar um potencial risco para a saúde do ser humano e de outros animais(7,8). Como o criadouro Científico e Cultural Poços de Caldas abriga cerca de 300 espécies de aves silvestres, é importante a verificação da ocorrência de Salmonella spp. Dentre as várias espécies, o mutum foi a primeira ave escolhida devido à facilidade de manejo nos recintos.
O objetivo deste estudo foi verificar a ocorrência de Salmonella spp. em mutuns do Criadouro Científico e Cultural Poços de Caldas.
As aves ficam alojadas em recintos de alvenaria, com frente em tela de arame e cobertura parcial de telhas de amianto. Cada recinto abriga um único casal de mutuns e, para evitar que outras aves invadam o espaço, os recintos foram cobertos com tela de arame. No período de março a maio de 2005, foram realizadas cinco coletas de amostras de fezes de mutuns. Estas amostras de fezes, provenientes do chão e poleiro, foram coletadas em swab estéril, embebido em PBS pH neutro, também estéril. As coletas foram realizadas a cada dez dias, em cinco recintos aleatórios, totalizando dez amostras por coleta, num total de 50 amostras.
O experimento foi realizado segundo o método proposto por Zancan et al.(9), modificando-se somente o tempo de incubação. As amostras, embebidas em PBS (pH 7), foram enriquecidas em meio caldo Tetrationato e Selenito-Cistina, permanecendo a 37 ºC por 24 horas. Após o enriquecimento, foram plaqueadas em Salmonella Shigella (SS), Mac Conkey (MC), Endo-C (EC), Verde Brilhante (VB) e Eosina Azul de Metileno (BEM), permanecendo a 37 ºC por 24h.
As colônias foram visualmente analisadas e aquelas sugestivas para Salmonella spp foram inoculadas em tubos contendo Ágar Tríplice Açúcar Ferro (TSI) e novamente incubadas a 37 ºC por 24h. Os tubos com crescimento característico foram submetidos ao teste de aglutinação em lâmina com soros polivalentes somático e flagelar.
O isolamento foi obtido em ambos os meios de enriquecimento utilizados (tetrationato e selenito-cistina) e os meios de plaqueamento MacConkey, Verde Brilhante e Salmonella-Shigella, combinados com os meios de enriquecimento anteriormente referidos, foram os que isolaram a bactéria. Os resultados obtidos neste estudo podem ser visualizados na Tabela 1.
Neste estudo, a Salmonella spp. esteve presente em 36% das amostras avaliadas. Os resultados revelaram que houve uma maior presença de Salmonella nas amostras colhidas do chão (13 amostras) em relação àquelas colhidas dos poleiros (4 amostras). É importante ressaltar que estas amostras apresentavam-se em maior quantidade, com aspecto mais úmido, enquanto que no poleiro as fezes encontravam-se em menor quantidade e mais ressecadas.
O uso de mais de um meio de cultura favoreceu o isolamento da Salmonella spp, assim como descrito por Nascimento et al.(10). O isolamento da bactéria confirmou sua presença em aves silvestres, neste caso, em mutuns. Kanashiro et al.(8) observaram a presença da Salmonella em psitacídeos pertencentes a um criadouro comercial e Menão et al.(7), em araras azuis apreendidas do tráfico.
A Salmonella pode ser introduzida nos criadouros por outros animais como ratos, mosquitos, fezes contaminadas e outras aves, como pombos(1,11), podendo, também, afetar outras criações, trazendo perdas econômicas. Luque et al.(3), ao avaliarem as causas de abortos em ovelhas em uma criação no Sul da Espanha, constataram que os pássaros silvestres eram os responsáveis pela infecção do rebanho.
Estudos com raposas (Vulpes vulpes) e tartarugas (de vida livre ou aquelas utilizadas como animal de estimação), mostraram a presença de Salmonella spp. nestes animais, indicando focos silvestres da presença da bactéria. Animais silvestres criados como de estimação podem ser fonte de infecção da doença para humanos(12,13).
Um outro fator de risco é a alimentação utilizada. Gandolfi e Ramos(14) realizaram um estudo que apontou o risco de as aves adquirirem o agente pela ingestão de rações contaminadas. A contaminação por Salmonella spp. nas rações pode acontecer com o uso de matérias-primas que não obedecem a um rígido controle higiênico-sanitário.
A presença da Salmonella spp em um criadouro que visa o estudo e a manutenção das diferentes espécies de aves silvestres pode ser responsável pela queda da eclodibilidade além de, sorrateiramente, se propagar para outras espécies animais, veiculada pelas fezes ou por seus subprodutos contaminados, visto que se trata de um microrganismos de ampla disseminação no ambiente e as aves, tanto as clinicamente sadias quanto as infectadas que sobreviveram a um surto, podem ser portadoras de salmonelas(2,15,16).
A determinação dos sorovares (tipificação) das bactérias encontradas é fundamental para saber da patogenicidade destes agentes tanto para as aves quanto para os humanos. Esta é uma informação importante, visto que o criadouro é visitado por várias pessoas além daquelas que trabalham no local e que podem carregar este patógeno para suas famílias.
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2.Pereira RA, Canal CW, Schmidt V. Detecção de Salmonella Anatum em ema (Rhea americana). Ciência Rural, Santa Maria, 2008;38(3):823-825. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-84782008000300038. Acesso em 10 janeiro 2015.
3.Luque I, Echeita A, León J, Herrera-León S, Tarradas C, González-Sanz R, Huerta B, Astorga R J. Salmonella Indiana as a cause of abortion in ewes: Genetic diversity and resistance patterns. Veterinary Microbiology. 2009;134:396-399. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.vetmic.2008.08.015. Acesso em 10 janeiro 2015.
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