MORFOGÊNESE DE Trachypogon vestitus SUBMETIDO À QUEIMA,
DURANTE O
PERÍODO SECO, NOS CERRADOS DE RORAIMA
Newton
de Lucena Costa,1 Vicente Gianluppi,2
Anibal de Moraes3
INTRODUÇÃO
Como
forma de melhorar as
condições de alimentação, os criadores usam a queima como prática de
manejo das
pastagens visando à eliminação da forragem não consumida e senescida,
proporcionando melhoria no seu valor nutritivo quando em estádios
iniciais de
crescimento, período em que a gramínea apresenta-se mais tenra. Nas
pastagens
nativas dos cerrados de Roraima, onde a gramínea Trachypogon
vestitus representa entre 30 e 50% de sua composição
botânica, a produção animal pode ser muito baixa, o que inviabiliza
economicamente a atividade pecuária, desde que não sejam implementadas
práticas
para o seu melhoramento (GIANLUPPI et al., 2001). No entanto,
são poucas
as pesquisas sobre as suas características morfogênicas e estruturais,
visando
à proposição de práticas de manejo mais sustentáveis.
O estádio de crescimento em que a planta é colhida afeta
diretamente o
rendimento, a composição química, a capacidade de rebrota e a sua
persistência.
Em geral, pastejos menos frequentes fornecem maiores produções de
forragem;
contudo, ocorrem decréscimos acentuados em sua composição química,
reduções na
relação folha/colmo e, consequentemente, menor consumo pelos animais
(GRANT et
al., 1981; COSTA et al., 2011). A produtividade de gramíneas
forrageiras
decorre da contínua emissão de folhas e perfilhos, processo importante
para a
restauração da área foliar após corte ou pastejo e que assegura a sua
perenidade. Os processos de formação e desenvolvimento de folhas são
fundamentais para o crescimento vegetal, considerando-se a sua
importância para
a fotossíntese, ponto inicial para a formação de novos tecidos
(LEMAIRE, 2001;
GOMIDE et al., 2006).
A
morfogênese de uma gramínea
durante seu crescimento vegetativo pode ser descrita por três
variáveis: a taxa
de aparecimento, a taxa de alongamento e a duração de vida das folhas,
as
quais, apesar de sua natureza genética, são fortemente influenciadas
pelas
condições ambientais (temperatura, luz, água e fertilidade do solo) e
práticas
de manejo. As interações entre essas variáveis determinam as
características
estruturais – número de folhas
vivas/perfilho (NFV), tamanho final de folhas (TFF) e densidade de
perfilhos –
as quais irão determinar o índice de área foliar (IAF), ou seja, o
aparato
utilizado para a interceptação da radiação pelo dossel da pastagem. O
NFV é
decorrente da taxa de aparecimento e a duração de vida das folhas,
sendo
determinado geneticamente, enquanto que a taxa de alongamento foliar
condiciona
o TFF (CHAPMAN & LEMAIRE, 1993). O conhecimento das características
morfogênicas e estruturais proporciona uma visualização da curva
estacional de
produção de forragem e uma estimativa de sua qualidade (GOMIDE, 1994),
além de
permitir a proposição de práticas de manejo específicas para cada
gramínea
forrageira (LEMAIRE, 2001; GOMIDE et al., 2006).
Neste trabalho foram avaliados os efeitos da idade de rebrota sobre a produção de forragem e características morfogênicas e estruturais de Trachypogon vestitus, após a queima, durante o período seco, nos cerrados de Roraima.
O
solo da área experimental é
um Latossolo Amarelo, textura média, com as seguintes características
químicas,
na profundidade de 0-20 cm: pHH2O= 4,8; P = 1,8 mg/kg; Ca +
Mg =
0,90 cmolc.dm-3; K = 0,01 cmolc.dm-3;
Al = 0,61 cmolcdm-3; H+Al = 2,64 cmolc.dm-3;
SB = 0,91 cmolc.dm-3 e V = 25,6%. O delineamento
experimental foi inteiramente casualizado com três repetições, sendo os
tratamentos constituídos por oito idades de rebrota (21, 28, 35, 42,
49, 56, 63
e 70 dias após a queima da pastagem). O tamanho das parcelas foi de 2,0
x
Os
parâmetros avaliados foram
rendimento de matéria seca (MS), taxa absoluta de crescimento (TAC),
taxa de
aparecimento de perfilhos (TAP), taxa de crescimento da cultura (TCC),
taxa
relativa de crescimento (TCR), número de perfilhos/planta (NPP), número
de
folhas/perfilho (NFP), taxa de aparecimento de folhas (TAF), taxa de
expansão
foliar (TEF), taxa de senescência foliar (TSF), tamanho médio de folhas
(TMF) e
área foliar/perfilho (AF). Com exceção dos rendimentos de MS que foram
determinados em toda a área útil da parcela, para as demais variáveis
as
avaliações foram realizadas em quatro touceiras/parcela, selecionadas
em função
de suas alturas e diâmetros, de modo a representar a variabilidade da
população
de plantas em cada parcela.
A
TAC e a TAP foram obtidas
dividindo-se o rendimento de MS e o número de perfilhos pelo respectivo
período
de rebrota. A TCC foi estimada pela fórmula: TCC = (P2 - P1)/(T2
- T1), onde P1
e P2 representam
a produtividade de MS de duas amostragens sucessivas (kg de MS/ha) e T1 e T2 o
intervalo de tempo,
em dias, transcorrido entre a obtenção das amostragens. A TCR foi
obtida pelo
uso da expressão: TCR = (LnP2
- LnP1)/(T2 - T1), onde LnP1 e LnP2
são os valores
de logaritmos da MS de duas amostragens sucessivas e T1
e T2
o intervalo de tempo, em dias, transcorrido entre as
amostragens. A
TEF e a TAF foram calculadas dividindo-se o comprimento acumulado de
folhas e o
número total de folhas no perfilho, respectivamente, pelo período de
rebrota. O
TMF foi determinado pela divisão do alongamento foliar total do
perfilho pelo
seu número de folhas. Para o cálculo da AF utilizou-se a fórmula da
área do
triângulo (altura x base/2) e, para tanto, foram anotados o comprimento
e a
largura de todas as folhas dos perfilhos das touceiras amostrados. A
TSF foi
obtida dividindo-se o comprimento das folhas necrosadas pela idade de
rebrota.
O
filocrono, intervalo de tempo
térmico para o aparecimento de duas folhas sucessivas, foi determinado
como o
inverso do coeficiente angular da regressão entre o número de folhas e
a soma
térmica (graus.dia – GD) observada durante o período experimental (70
dias).
Para o cálculo do acúmulo de GD foi considerada a temperatura mínima
basal da
planta de 10ºC, utilizando-se a fórmula: GD = (TM – Tm / 2) + (Tm –
Tb), onde,
TM = temperatura máxima do ar (ºC); Tm = temperatura mínima do ar (ºC)
e Tb =
temperatura mínima basal da planta (ºC).
Os
dados foram submetidos à
análise de variância e de regressão considerando-se o nível de
significância de
5% de probabilidade, utilizando-se o programa SISVAR. Para se estimar a
resposta dos parâmetros avaliados às idades de rebrota, a escolha dos
modelos
de regressão baseou-se na significância dos coeficientes linear e
quadrático,
por meio do teste “t”, de Student, a 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O efeito da idade de rebrota sobre o TMF foi ajustado ao modelo quadrático e o máximo valor registrado aos 59,4 dias de rebrota (Figura 7). O tamanho e o ângulo de inserção das folhas têm implicação na distribuição e qualidade da luz dentro do dossel, afetando a modulação do crescimento das plantas através da produção de fotoassimilados nas fontes e sua alocação aos drenos. Folhas pequenas podem ser fundamentais no início do crescimento, pois facilitam a maior penetração da radiação vermelha em detrimento da vermelha extrema, implicando melhor qualidade de luz para a realização da fotossíntese pelas folhas situadas na porção inferior da planta (LEMAIRE, 2001).
A
TAF é a característica morfogênica que merece maior destaque, pois
afeta diretamente o tamanho da folha, a densidade populacional de
perfilhos e o
número de folhas/perfilho (HORST et al., 1978). As TAF e TEF apresentam
uma
correlação negativa, indicando que quanto maior a TAF, menor será o
tempo
disponível para o alongamento das folhas (COSTA et al., 2008a,b). Neste
trabalho, a correlação entre essas duas variáveis foi negativa e não
significativa (r = -0,4394; p=0,2759). GRANT et al. (1981) observaram
que a TEF
foi positivamente correlacionada com a quantidade de folhas verdes
remanescentes
no perfilho após a desfolhação, sendo o tamanho do perfilho o principal
responsável pela longa duração da TEF. MESQUITA & NERES (2008)
verificaram
uma relação inversa entre TAF e TMF, sendo o menor ritmo de
aparecimento de
folhas maiores decorrente do maior percurso dentro da bainha desde a
emergência
até a completa expansão da folha. Neste trabalho, a correlação entre
TMF e TAF
foi negativa e significativa (r = -0,9309; p=0,0012).
A
relação entre TSF e as idades de rebrota foi linear e o processo de
senescência constatado a partir dos 28 dias de rebrota (Figura 11). Os valores
registrados neste trabalho foram inferiores aos que COSTA et al.
(2008b) reportaram
para T. plumosus, durante o período
chuvoso, ao estimarem uma TSF de 0,342 cm/perfilho.dia, para plantas
avaliadas
aos 45 dias de rebrota. A senescência foliar reduz a disponibilidade de
forragem de melhor qualidade, sendo causada pela competição por
metabólitos e
nutrientes entre as folhas velhas e as jovens em crescimento (LEITE et
al.,
1998). A senescência é um processo natural que caracteriza a última
fase de
desenvolvimento de uma folha, iniciada após sua completa expansão, cuja
intensidade se acentua progressivamente com o aumento da área foliar,
em
decorrência do sombreamento das folhas inseridas na porção inferior do
colmo
(PARSONS & CHAPMAN, 2000). Apesar do efeito negativo sobre a
qualidade da
forragem, a senescência representa um importante processo fisiológico
no fluxo
de tecidos da gramínea, pois cerca de 50% do carbono e 80% do
nitrogênio são
reciclados das folhas senescentes e utilizados para a produção de novos
tecidos
foliares (CARRÈRE et al., 1997; LEMAIRE & AGNUSDEI, 2000).
A relação entre o número de folhas/perfilho e a soma térmica
foi linear e
descrita pela equação: Y = 3,7374 + 0,00397 GD (r² = 0,8957). O
filocrono foi
estimado em 251,9 GD, o qual foi superior ao reportado por TRINDADE
& ROCHA
(2001) para Andropogon lateralis (205
GD), gramínea nativa da Depressão Central do Rio Grande do Sul, porém
inferior
ao constatado por TOWNSEND (2008) para Paspalum
guenoarum biótipo Azulão (275 GD), durante o outono e submetido a
diferentes doses de nitrogênio (0, 60, 180, 360 kg de N/ha). Em termos
práticos, quanto menor o filocrono, mais eficiente é a gramínea na
interceptação e conversão de energia luminosa em tecido foliar
(LEMAIRE, 2001).
REFERÊNCIAS
BRAGA,
R.M. A
agropecuária em Roraima:
considerações
históricas, de produção e geração
de conhecimento. Boa Vista: Embrapa Roraima, 1998. 63p. (Embrapa
Roraima. Documentos, 1).
CARRÈRE, P.;
LOUAULT,
F.; SOUSSANA, J.F. Tissue turnover within grass-clover mixed swards
grazed by
sheep: methodology for calculating growth, senescence and intake
fluxes. Journal
of Applied Ecology,
v. 34, p.333-348, 1997.
COSTA,
N. de L.; GIANLUPPI, V.; MORAES, A.;
BENDAHAN, A.B. Produtividade de forragem e características morfogênicas
e
estruturais de Axonopus aureus nos cerrados de Roraima. Amazônia
Ciência & Desenvolvimento,
Belém, v.6, n.12, p.41-56, 2011.
COSTA,
N. de L.; MATTOS, P.S.R.; BENDAHAN,
A.B.; BRAGA, R.M. Morfogênese de duas gramíneas forrageiras nativas dos
lavrados de Roraima. Pubvet, Londrina,
v.2, n.43, Art#410, 2008a.
COSTA,
N. de L., PAULINO, V.T.; MAGALHÃES,
J.A.; TOWNSEND, C.R.; PEREIRA, R.G.A. Morfogênese de gramíneas
forrageiras na
Amazônia Ocidental. Pubvet, Londrina, v.2, n.29, Art#285,
2008b.
CHAPMAN, D.F., LEMAIRE,
G. Morphogenetic and structural determinants of plant regrowth after
defoliation. In: BAKER, M.J. (Ed.). Grasslands for
our world. Wellington: SIR Publishing, p.55-64, 1993.
GIANLUPPI,
D.; GIANLUPPI, V.; SMIDERLE, O. Produção de pastagens no cerrado de Roraima.
Boa Vista: Embrapa Roraima, 2001. 4p. (Embrapa
Roraima. Comunicado Técnico, 14).
GOMIDE,
J.A. Fisiologia
do
crescimento livre de plantas forrageiras. In:
Pastagens: Fundamentos
da Exploração Racional. Piracicaba: FEALQ. 1994. p.1-14.
GOMIDE,
C.A.M.; GOMIDE, J.A.; PACIULLO, D.S.C. Morfogênese como ferramenta para
o
manejo de pastagens.
Revista Brasileira de
Zootecnia, v.35,
supl. esp., p.554-579, 2006.
GRANT, S.A.; BERTHARM,
G.T.; TORVELL, L. Components of regrowth in grazed and cut Lolium
perenne swards.
Grass
and Forage Science, v.36, n.1, p.155-168, 1981.
HORST, G. L.; NELSON,
C. J.; ASAY, K. H. Relationship of leaf elongation to forage yield of
tall fescue
genotypes. Crop
Science,
v.18, n.5, p.715-719, 1978.
LEITE,
G.G.; GOMES, A.C.; NETO, R.T.; NETO,
C.R.B. Expansão e senescência de folhas de gramíneas nativas dos
cerrados
submetidas à queima. Pasturas Tropicales, v.20, n.3, p.16-21,
1998.
LEMAIRE, G. Ecophysiology
of grasslands: dynamic aspects of forage plant populations
in grazed swards. In:
GOMIDE, J.A.; MATTOS, W.R.S.; DA SILVA, S.C. (Eds.).
INTERNATIONAL GRASSLAND CONGRESS, 19., São Pedro, 2001. Proceedings...
São Pedro. Disponível em:
<http://www.internationalgrasslands.org/publications>
FEALQ, 2001. p. 29-37.
LEMAIRE, G.;
AGNUSDEI,
M. Leaf tissue turnover and efficiency of herbage utilization. In:
LEMAIRE, G.;
HODGSON, J.; MORAES, A.; CARVALHO,
P.C.F.; NABINGER, C. (Eds). Grassland ecophysiology and grazing ecology.
London: CAB
International, 2000. p.265-288.
LEMAIRE, G.;
CHAPMAN, D. Tissue flows in grazing plant communities. In:
HODGSON, J.; ILLIUS, A.W. (Eds.). The
ecology and management of grazing systems. Wallingford: CAB International,
1996.
p.3-36.
MATA, D.; MORENO, E.; ROJAS,
N.R. Efecto
de la edad sobre la composición química del Trachypogon
spp. en una sabana del Sureste del Estado Guarico. Zootecnia
Tropical, v.
3, n. 1, p. 29-48, 1985.
MESQUITA, E.E.; NERES, M.A.
Morfogênese
e composição bromatológica de cultivares de Panicum
maximum em função da adubação
nitrogenada. Revista Brasileira de Saúde
e Produção Animal, v.9, n.2, p.201-209, 2008.
MOCHIUTTI,
S.; MEIRELLES, P.R.L.; SOUZA FILHO,
A.P. Produção de
matéria seca e rendimentos das espécies de uma pastagem nativa de
cerrado do
Amapá com a utilização de roçadeira.
Macapá: Embrapa Amapá, 2000a. 15.p. (Embrapa Amapá.
Documentos, 36).
MOCHIUTTI,
S.; SOUZA FILHO, A.P.; MEIRELLES,
P.R.L. Efeitos
da queima sobre a produção total e rendimento das espécies em uma
pastagem
nativa de cerrado do Amapá.
Macapá: Embrapa Amapá, 2000b. 14.p. (Embrapa Amapá. Documentos, 37).
PARSONS,
A.J.; CHAPMAN, D.F. The principles of pasture growth and
utilization. In: HOPKINS, A. (Ed.). Grass, its production
and
utilization. London: Blackwell Science, p.31-89, 2000.
SANTOS, M.E.R.; FONSECA,
D.M.; BALBINO, E.M; SILVA,
S.P.;
MONNERAT, J.P.I.S.; GOMES, V.M. Características estruturais de
perfilhos vegetativos e reprodutivos em pastos diferidos de
capim-braquiária. Ciência Animal Brasileira,
v. 11, n. 3, p.492-502, 2010.
TEJOS, R. Pastos nativos de
sabanas inundables: caracterización y manejo. Barquisimeto, Venezuela:
Megagraf, 2002. 111p.
TOWNSEND,
C.R. Características
produtivas de gramíneas nativas do gênero Paspalum, em resposta à disponibilidade de
nitrogênio.
Tese de Doutorado. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
254p. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10183/14799>.
TRINDADE, J.P.P.; ROCHA, M.G. Rebrotamento de capim caninha (Andropogon lateralis Nees.) sob efeito do fogo. Ciência Rural, v. 31, n. 6, p.1057-1061, 2001.
Protocolado em 21 dez.
2010. Aceito em 03 fev. 2012.