CARACTERÍSTICAS DE CARCAÇA DE FRANGOS TIPO CAIPIRA ALIMENTADOS COM DIETAS CONTENDO FARINHA DE RAÍZES DE MANDIOCA


Claudio Cabral Campello,1 Maria do Socorro Vieira dos Santos,2 Antonio Gilson dos Anjos Leite,3 Benedito Neilson Rolim,3 William Maciel Cardoso3 e Francisco Militão Souza3

1. Professor doutor da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
2. Professora doutora da Universidade Estadual do Ceará (UECE)
3. Universidade Estadual do Ceará (UECE)


RESUMO

O experimento objetivou avaliar o rendimento de carcaça, cortes comerciais e vísceras comestíveis de frangos tipo caipira alimentados com rações contendo farinha de raízes de mandioca (FRM) como fonte energética alternativa ao milho. Para tanto, dividiram-se, aleatoriamente, trezentos e vinte pintos, metade de cada sexo, em quatro tratamentos representados por rações isonutritivas com diferentes níveis de substituição de milho por FRM (0%, 18%, 36% e 53%). O delineamento experimental foi inteiramente casualizado em arranjo fatorial 4x2 (quatro níveis de inclusão de FRM e dois sexos), com quatro repetições por tratamento e vinte aves por unidade experimental. Aos 84 dias, as aves foram pesadas e abatidas após jejum de seis horas e, em seguida, sangradas, depenadas e evisceradas para avaliação do rendimento de carcaça, cortes e órgãos. Os resultados obtidos revelaram que a substituição de milho por FRM reduziu significativamente o peso ao abate, mas não afetou o rendimento de carcaça, cortes comerciais ou vísceras comestíveis e promoveu redução no acúmulo de gordura abdominal, podendo ser uma alternativa satisfatória quando a redução no custo da ração compensar a diminuição no peso final das aves.

PALAVRAS-CHAVES: Alimentos alternativos, avicultura, mandioca, rendimento de carcaça.


ABSTRACT

CARCASS TRAITS OF FREE RANGE BROILER CHICKENS FED ON DIETS CONTAINING CASSAVA ROOT FLOUR

The experiment aimed to evaluate carcass yield, commercial cuts and edible organs of free range broiler chickens fed on rations containing cassava root flour as alternative energy source replacing corn. Three hundred and twenty one-day-old chicks, one half of each sex, were randomly assigned into four treatments represented by isonutritive rations with different levels of cassava root flour (0%, 18%, 36% e 53%). A completely randomized 4x2 factorial design (4 levels x 2 sexes) was used, being four replicates per treatment, with twenty birds each. Avian were slaughtered at 84 days after fasted for six hours and then were bled, unfeathered and eviscerated, being the weights of carcass, cuts and organs recorded to determine their yields. Results showed that replacement of corn for cassava flour reduced significantly birds final weight, but did not affect carcass yield nor cuts or organs relative weight and reduced abdominal fat deposition, being a good alternative to be used when reduction of ration costs compensate the lower final weight of the birds.

KEY WORDS: Alternative foods, broilers, carcass yield, cassava.

INTRODUÇÃO

O aumento da demanda por alimentos nutricionalmente balanceados utilizados em rações, assim como o elevado custo e a crescente utilização desses alimentos para o consumo humano, são fatores que têm incentivado a realização de investigações voltadas para a identificação de alimentos alternativos que possam vir a substituir ingredientes tradicionais como o milho e a soja nas rações para aves (CRUZ et al., 2006).
Entre os potenciais substitutos do milho como fonte de energia destaca-se a mandioca, uma cultura agrícola amplamente difundida em regiões tropicais e caracterizada pela rusticidade e alta produtividade (PHUC et al., 2000). Pesquisas com o uso da farinha de raízes da mandioca (FRM) na alimentação de frangos de corte mostraram que se trata de um alimento capaz de substituir parcialmente o milho nas rações desses animais (ERUVBETINE et al., 2003).
Resultados promissores com uso de FRM têm sido obtidos principalmente com aves de linhagens desenvolvidas para a produção em regime semi-intensivo, informalmente conhecidas como “tipo caipira” (CARRIJO et al., 2002; GADELHA et al., 2006), as quais tendem a ser mais versáteis do que as linhagens industriais, adaptando-se com mais facilidade a variações no sistema de criação e na composição das rações ofertadas. No entanto, a maioria dos trabalhos disponíveis na literatura tem-se voltado apenas para a avaliação do desempenho dessas aves, havendo poucas informações sobre a repercussão do consumo de mandioca no que diz respeito à qualidade da carcaça, um aspecto que se torna importante quando o frango é comercializado em partes (STRINGHINI et al., 2003).
O presente trabalho compreende a segunda etapa de uma pesquisa cujos resultados preliminares, referentes ao desempenho e viabilidade econômica, revelaram que a substituição de milho por FRM nas rações de frangos caipiras, até o limite de 53%, permitiu a obtenção de ganho de peso, consumo e eficiência alimentar equivalentes aos obtidos com ração à base de milho, e com vantagens econômicas sobre esta última (GADELHA et al., 2006).
Assim, dando prosseguimento à investigação, esse trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar o efeito da substituição do milho por FRM sobre o rendimento de carcaça e cortes comerciais, acúmulo de gordura abdominal e peso relativo das vísceras comestíveis em frangos de corte tipo caipira de crescimento lento de ambos os sexos.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi desenvolvido no Setor de Avicultura da Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará (FAVET/UECE). Alojaram-se as aves em galpão de alvenaria dividido em dezesseis boxes de 3,75 m2 (1,5 x 2,5m), tendo maravalha como cama. Foram alocados dez machos e dez fêmeas por boxe. Cada divisão estava equipada com bebedouros pendulares automáticos e comedouros tubulares. Utilizaram-se 320 pintos da linhagem ISA JA 57® (pescoço pelado de crescimento lento), de ambos os sexos, adquiridos comercialmente (NUTRISA AGROPASTORIL S.A.) com um dia de idade, vacinados contra a doença de Marek e, posteriormente, contra Newcastle e Gumboro aos doze dias de idade.
Do primeiro ao trigésimo quarto dia de idade os pintos foram alimentados com ração contendo 20,6% PB e 2.900 kcal EM/kg e água ad libitum. A partir do 35º até o 84º dia, distribuíram-se, aleatoriamente, as aves em quatro diferentes tratamentos experimentais: T1 (dieta isenta de mandioca), T2 (ração contendo 18% de FRM), T3 (ração contendo 36% de FRM) e T4 (ração contendo 53% de FRM) (Tabela 1). Os níveis adotados foram estabelecidos com base em experimentos anteriores realizados pela equipe, conforme GADELHA et al. (2006). Produziu-se a FRM a partir de raízes integrais fatiadas, desidratadas ao sol e trituradas, formulando-se rações através do programa OPTIMAL®2000, de modo a atender os níveis nutricionais apresentados no Guia de Manejo ISA JA 57, contendo 19,0% de PB e 3.000 kcal de EM/kg.
Ração e água foram oferecidas à vontade para as aves de todos os tratamentos e não se adotou programa de iluminação artificial durante o experimento.
No final do período experimental (84º dia), após seis horas de jejum, oito aves de cada sexo foram retiradas de cada boxe, abatidas, sangradas, depenadas e evisceradas.
Para a determinação do rendimento de carcaça, considerou-se o peso da carcaça eviscerada sem pés, cabeça e pescoço, em relação ao peso vivo da ave depois do jejum. Os cortes de coxas, sobrecoxas, peito, asas, dorso, pés, cabeça e pescoço foram pesados em balança com precisão de 1g e seus rendimentos calculados em relação ao peso da carcaça eviscerada. Pesaram-se coração e fígado imediatamente após a retirada, enquanto a moela foi aberta e pesada após a remoção do conteúdo e da gordura circundante. Os pesos relativos do coração, da moela e do fígado, assim como da gordura abdominal (tecido adiposo presente ao redor da cloaca, bursa de Fabricius, proventrículo e moela) foram calculados em relação ao peso da ave depenada.  
O delineamento experimental foi inteiramente causalizado em arranjo fatorial 4x2 (quatro níveis de inclusão de FRM e dois sexos), com quatro repetições por tratamento e vinte aves por unidade experimental. Para execução das análises estatísticas, submeteram-se inicialmente os dados aos testes de Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov, para confirmação da normalidade da distribuição, e ao teste de Bartlett, para homocedasticidade. Confirmado o atendimento das exigências para a realização da análise de variância (ANOVA), esta foi executada por meio do procedimento GLM do programa SAS (1999) com probabilidade de 5% para aceitação ou rejeição da hipótese de nulidade. Compararam-se as médias pelo teste de Student-Neuman-Keuls (SNK) atendendo aos critérios de número de tratamentos testados e estabilidade das variáveis analisadas, preconizados por SAMPAIO (2002). Exceção foi feita para o peso relativo do coração e, em alguns casos, da gordura abdominal, nos quais os coeficientes de variação superiores a 15% tornaram necessário o uso do teste t de Student, mais sensível, destinado a combater a ocorrência de erro estatístico do tipo II (SAMPAIO, 2002).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os pesos das aves após o jejum encontram-se apresentados na Figura 1, na qual se pode observar que o peso médio ao abate das aves alimentadas com a dieta controle, isenta de farinha integral de mandioca, foi significativamente superior a todos os demais, em ambos os sexos (p<0,05). Comparando-se apenas os resultados dos grupos alimentados com rações contendo farinha integral de mandioca em diferentes percentuais de inclusão, observa-se que não houve diferença significativa entre os machos dos grupos alimentados com rações contendo 18%, 36% ou 53% de farinha integral de mandioca. Já para as fêmeas, o grupo alimentado com ração contendo 53% de mandioca apresentou peso final significativamente inferior aos de todos os outros tratamentos. Foi observada diferença significativa entre os sexos (p<0,05) em todos os tratamentos, tendo as fêmeas apresentado peso final equivalente a, aproximadamente, 76% a 80% do peso dos machos.
Pesos finais semelhantes aos observados neste trabalho foram relatados por CARRIJO et al. (2002) e SANTOS et al. (2005) para aves da mesma linhagem submetidas a tratamentos experimentais diversos, demonstrando que esse experimento se realizou sob condições adequadas, propícias à consecução de um desempenho satisfatório dos animais experimentais. Todavia, CARRIJO et al. (2002) não encontraram diferenças significativas entre os tratamentos contendo até 55% de farinha integral de mandioca e aqueles à base de milho.
Portanto, neste trabalho, o uso da farinha integral de mandioca não permitiu a obtenção de pesos ao abate equivalentes àqueles obtidos com rações contendo milho como principal fonte energética. Provavelmente, o menor peso final das aves ingerindo rações contendo mandioca possa ser explicado por uma menor eficiência na digestão do amido contido nesse alimento, quando comparado ao do milho, conforme sugerido por YUTSTE et al. (1991). Além disso, a farinha integral de mandioca fornece essencialmente energia, com um baixo conteúdo proteico e lipídico, contribuindo de forma muito limitada para suprir outros nutrientes importantes para a nutrição das aves como aminoácidos e ácidos graxos (NUNES, 1998; GARCIA & DALE, 1999). CORDEIRO et al. (2003) observaram fenômeno semelhante ao utilizar um alimento com características similares, o açúcar de cana, como substituto ao milho em rações para frangos de linhagens industriais.
Por outro lado, embora tenham sido observadas diferenças entre o peso final das aves alimentadas com rações à base de milho e aquelas alimentadas com rações contendo FRM, pode-se considerar que os resultados obtidos neste estudo ainda estão dentro de uma faixa de valores normais e aceitáveis. Este fato reflete a importância do estudo de alternativas utilizando alimentos não convencionais capazes de promover a redução do custo das rações sem perdas substanciais para o desempenho dos animais (FRANZOI et al., 1998; CRUZ et al., 2006). 
O rendimento de carcaça e cortes nobres (coxas, sobrecoxas e peito) encontra-se sumarizado na Tabela 2, na qual é possível verificar que nenhuma dessas variáveis foi afetada significativamente pela substituição de milho por mandioca (p>0,05). Também não se observou diferença significativa entre os sexos quanto ao rendimento de carcaça e peso relativo das sobrecoxas. Contrariamente, houve diferença significativa devida ao sexo nos pesos relativos do peito e coxas, sendo que o peso do peito foi mais elevado nas fêmeas e o das coxas mais elevado nos machos, em todos os tratamentos testados (P<0,05).
O rendimento de carcaça alcançado foi semelhante ao descrito por TAKAHASHI et al. (2006) para frangos da mesma linhagem alimentados com rações à base de milho como fonte energética. Outros autores, avaliando frangos de diferentes linhagens, também observaram que o rendimento de carcaça não sofreu efeito do sexo, ainda que os machos tenham apresentado maior peso de carcaça, em virtude de seu maior peso vivo (STRINGHINI et al., 2003).
Os valores correspondentes aos pesos das coxas, sobrecoxas e peito foram equivalentes àqueles apresentados por outros autores em experimentos desenvolvidos com frangos de linhagens industriais (ALBANEZ et al., 2000; OLIVEIRA NETO et al., 2000) e caipiras de crescimento lento (TAKAHASHI et al., 2006). Diferenças no peso relativo do peito entre machos e fêmeas também foram observados por RONDELLI et al. (2003) e SANTOS et al. (2005) e podem ser reflexos de diferentes padrões de desenvolvimento do tecido muscular associados à atividade hormonal, como já foi descrito em mamíferos (MAHGOUB et al., 2004).
O peso relativo dos pés apresentou comportamento semelhante ao observado com o peso relativo das coxas (Tabela 3), isto é, os machos apresentaram valores significativamente mais elevados do que as fêmeas em todos os tratamentos testados (P<0,05). Este fenômeno já havia sido descrito anteriormente por SANTOS et al. (2005) e constitui uma limitação dos animais machos, considerando-se o baixo valor comercial dessa parte da carcaça. Os pesos relativos de cortes como asas, dorso, cabeça e pescoço foram equivalentes entre os sexos e entre os tratamentos testados, mostrando semelhança aos encontrados por outros autores (SARTORI et al., 2002).
Os pesos das vísceras comestíveis e da gordura abdominal encontram-se representados na Tabela 4, na qual se pode verificar que a substituição do milho por mandioca não afetou o peso relativo do coração, do fígado ou da moela (p>0,05). Também não foi observado dimorfismo sexual em relação a estas variáveis, ao contrário do que havia sido verificado por outros autores (FIGUEIREDO et al., 2002, citados por SANTOS et al., 2005). Os pesos desses órgãos foram similares aos descritos por OLIVEIRA NETO et al. (2000) e FURLAN et al. (2002).
Por outro lado, o peso relativo da gordura abdominal foi reduzido significativamente pela substituição do milho pela mandioca nas rações (p<0,05). Também houve diferença significativa entre machos e fêmeas, sendo que as fêmeas apresentaram, em média, valores cerca de 30% maiores. O peso relativo da gordura abdominal encontrado neste trabalho mostrou-se semelhante ao descrito por SANTOS et al. (2005) para aves da mesma linhagem, sendo valores inferiores aos descritos pelos mesmos autores para frangos caipiras de outra linhagem, mas ainda superiores aos encontrados por outros autores em linhagens industriais (OLIVEIRA NETO et al., 2000; CORDEIRO et al., 2003). O dimorfismo sexual observado para o acúmulo de gordura abdominal confirma os achados de RONDELLI et al. (2003).
Existe uma ampla variação nos percentuais apontados pelos diversos autores como adequados para substituição de milho por mandioca na ração de frangos (GARCIA & DALE, 1999). Esta variação pode ser atribuída, pelo menos em parte, ao fato de que muitos dos dados disponíveis na literatura constituem resultados de experimentos realizados com frangos de linhagens industriais, as quais são desenvolvidas através de programas de melhoramento direcionados para a obtenção de rendimentos máximos sob condições específicas de criação. Em virtude dessa particularidade, a capacidade de resposta dessas aves a ingredientes alternativos pode não refletir plenamente o potencial nutricional destes alimentos.
Alternativamente, linhagens conhecidas como “caipiras” tendem a ser mais versáteis, adaptando-se com mais facilidade a variações na composição das rações ofertadas. Trata-se, portanto, de modelos experimentais que podem retratar mais fielmente os efeitos da inclusão de alimentos não convencionais à dieta. Ademais, essas aves têm sido alvo de crescente interesse comercial, em razão das suas peculiaridades relativas à qualidade da carne (HELLMEISTER FILHO et al., 2003; SILVA et al., 2003).

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitem concluir que a substituição de milho por farinha de raízes de mandioca nas rações de frangos de corte tipo caipira, em limites de até 53% da ração, reduziu o peso das aves ao abate, mas não teve efeito significativo sobre o rendimento de carcaça, cortes nobres ou vísceras comestíveis, podendo ser uma alternativa satisfatória se a diferença no custo final da ração compensar a discreta diminuição do peso final das aves. Além disso, as aves alimentadas com ração contendo farinha integral mandioca apresentaram menores percentuais de gordura abdominal, o que pode torná-las mais atrativas comercialmente.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Adriano Cordeiro Gadelha (in memoriam), pela participação na idealização, planejamento e execução do trabalho.

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Protocolado em: 1º jun. 2007.    Aceito em: 30 set. 2009.