As doenças gastrointestinais têm
participação importante nas alterações sistêmicas observadas nos
equinos. Assim, inúmeros estudos têm sido realizados para o melhor
entendimento desses processos, exigindo a implantação de cânulas. Neste
trabalho, descrevem-se técnica cirúrgica para implantação de cânula
cecal em equinos e as principais alterações pós-cirúrgicas.
Utilizaram-se nove equinos adultos mestiços, nos quais o procedimento
cirúrgico foi realizado em duas etapas. Foi feita uma incisão na região
paracostal direita e fixado o aspecto dorsal do ceco à parede
abdominal, no primeiro tempo operatório. Na segunda etapa cirúrgica,
procedeu-se à incisão da parede do ceco, introduziu-se a cânula no
lúmen cecal, fixando-a à parede abdominal. A técnica mostrou-se viável
quando realizada em duas etapas operatórias. As cânulas de látex
foram bem toleradas pelos pacientes, permitindo a obtenção de conteúdo
cecal num período de 120 a 160 dias, sendo consideradas adequadas para
fins experimentais.
PALAVRAS-CHAVES: Canulação intestinal, ceco, cecostomia, equinos.
Gastrointestinal diseases play an
important role in the systemic alteration in horses. Several studies
have been performed in order to better understand these processes. For
these studies, to place a cannula inside the animal is a requirement.
This study aimed to describe the surgical technique to place a cecal
cannula in horses and the major postoperative changes. Nine adults and
mixed breed horses were used in this study. The surgical procedure was
performed in two steps. Primarily, through an incision in the right
costal region, the dorsal segment of the cecum was sutured against the
abdominal wall. In the second procedure, after the incision in the
segment of the cecum, a canula was placed in the cecal lumen and
sutured against the abdominal wall. This technique was viable when
performed in two separated surgical procedures. The latex cannulas were
well accepted by the horses, samples from the cecum could be collected
throughout a period from 120 to 160 days, being considered appropriated
for experimental procedures.
KEYWORDS: Cecostomy, cecum, horses, intestinal cannulation.
Nos últimos anos, pesquisas foram
desenvolvidos buscando o melhor entendimento dos processos mórbidos
primários e secundários à cólica equina. Diversos estudos experimentais
têm sido realizados com o intuito de identificar fatores de risco
relativos às possíveis causas primárias. Neste contexto, o estudo das
afecções do aparelho digestório por meio de ensaios experimentais
passou a ser alternativa de compreensão da síndrome. A implantação de
fístulas e cânulas nos segmentos do trato gastrointestinal tem
permitido obter maiores informações sobre a evolução dos distúrbios
toxicoalimentares, frequentemente observados em alguns casos de cólica
(LACERDA NETO et al., 1989).
As cânulas intestinais têm sido uma ferramenta valiosa no estudo das
funções digestivas das diversas espécies. A facilidade na colheita de
amostras seriadas, em diferentes porções estratégicas no trato
intestinal, permite a análise e a avaliação clínico-patológica de
inúmeras variáveis, não factíveis por outros métodos (KOMAREK, 1981a).
A fistulação das diversas porções dos intestinos dos equinos tem
merecido a atenção de muitos pesquisadores, entretanto, observa-se uma
contribuição reduzida sobre o assunto, principalmente em relação à
evolução pós-operatória.
Assim, idealizou-se o presente ensaio com o intuito de descrever as
etapas da técnica cirúrgica, para a canulação do ceco em equinos, e as
principais alterações clínico-laboratoriais, decorrentes desta.
Foram utilizados nove equinos adultos
(três machos e seis fêmeas), sem raça definida, clinicamente hígidos e
sem alterações gastrointestinais aparentes, com idades variando entre 3
e 6 anos, pesando entre 240 e 340 kg e com escore corporal entre 3 e 4
(SPEIRS, 1999). Para a adaptação alimentar, foram alojados em baias
individuais, por duas semanas, em regime alimentar composto de 2 kg de
ração concentrada comercial (Tec Horse - Purina® –
Paulínia, SP), feno de
Cynodon dactilon L. (
“Coast cross”) e água
ad libitum.
Em período anterior à intervenção cirúrgica, submeteram-se os animais a
jejum alimentar por oito horas. A cânula a ser implantada no ceco dos
equinos constituiu um modelo simples em forma de H para abomaso (KEHL
Ltda. São Carlos, SP), flexível, confeccionada em látex (borracha
natural) com as seguintes dimensões: 27,9 mm de diâmetro externo e 25,4
mm de diâmetro interno; 81 mm de diâmetro na base e 79 mm de
comprimento. Inclui-se, ainda, um anel de vedação aplicado
externamente, para ajuste do espaço entre a base da cânula e a parede
abdominal. O lúmen da cânula é fechado com um tampão cônico removível,
confeccionado em látex (
Figura 1).
Os equinos foram mantidos em apoio quadrupedal, sendo-lhes aplicados
maleato de acepromazina (0,05mg/kg - Acepran 1% ; E.H.G. Agrofarma;
Mogi Mirim, SP), por via intravenosa (IV), e decorridos quinze minutos,
pela mesma via, cloridrato de xilazina (0,5mg/kg IV - Coopazine;
Schering-Plough S.A.; Cotia, SP). Subsequentemente foi realizada
a tricotomia do flanco direito e, após antissepsia, procedeu-se à
anestesia local infiltrativa em “L” invertido, na fossa paralombar
direita. A primeira linha de infiltração foi realizada 3 cm abaixo dos
processos transversos das vértebras lombares, paralela ao eixo da
coluna vertebral (10 cm). A outra linha de infiltração de anestésico
(10 cm) foi aplicada paralelamente a dois centímetros da última
costela, empregando-se cloridrato de lidocaina 2% ( Xilestesin 2% (sem
vasoconstritor), Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda.,
Itapira, SP) no tecido subcutâneo, bem como nos planos musculares mais
profundos. Decorridos quinze minutos, aplicou-se cloridrato de
meperidina (2mg/kg - Dolosal, Cristália Produtos Químicos e
Farmacêuticos Ltda., Itapira, SP.) por via intramuscular (IM).
Realizou-se antissepsia do campo operatório e, posteriormente,
aplicou-se um pano de campo fenestrado sobre a região. A incisão de
pele foi praticada a uma distância intermediária entre a tuberosidade
ilíaca e a última costela, ventralmente ao músculo longo dorsal,
abrangendo 6 a 8 cm na pele, tela subcutânea, músculos oblíquos
abdominais externo e interno, músculo transverso do abdome e peritônio.
A hemostasia foi realizada com pinçamento e angiotripsia dos vasos de
menor calibre. Nos vasos de maior diâmetro (artéria e veia
hipogástrica), procedeu-se à ligadura com fio categute cromado no. 0 (
Fio de Catgut, Shalon Fios Cirúrgicos Ltda., São Luiz de Montes Belos,
GO.). Na sequência, introduziu-se a mão na cavidade abdominal,
identificou-se o corpo do ceco por palpação e, mediante tração da tênia
lateral, exteriorizou-se o órgão (
Figura 2).
Na sequência, fixou-se o ceco à borda caudal da incisão, na tela
subcutânea ancorada na fáscia dorsal do músculo oblíquo abdominal
externo, por meio de sutura contínua simples, aplicada sobre a tênia
lateral, empregando-se categute cromado n° 2 (
Figura 3).
Em ato contínuo, a porção do ceco, anterior à tênia lateral, foi
exposto e fixado por meio de sutura seromuscular com categute
fortemente cromado n° 4, à borda cranial da incisão cirúrgica, fáscia
dorsal do músculo oblíquo abdominal externo. Ao término da sutura
lavaram-se a superfície do ceco exposta e o campo operatório com
solução de cloreto de sódio 0,9% (Solução de Cloreto de Sódio a 0,9%,
Laboratório Sanobiol Ltda., São Paulo, SP). Em seguida, fixou-se sobre
a ferida, por meio de sutura com fio de náilon n° 45 monofilamentar
agulhado, uma bandagem composta por compressas de gaze estéreis
embebidas em solução de sulfato de neomicina a 10% (Neocolin, Vansil,
Industria, Comércio e Representações Ltda., Descalvado, SP.). A incisão
de pele permaneceu aberta e ao redor dela aplicou-se uma mistura de
fenitrothion, violeta de genciana e essência de citronela (Cidental,
Mogivet Produtos Agro Veterinários Ltda., Monte Mor, SP), para exercer
ação repelente. Foram realizados curativos com solução fisiológica com
sulfato de neomicina a 10% e reaplicação de repelente ao redor da
ferida cirúrgica, uma vez ao dia, durante os cinco dias subsequentes.
Decorridos cinco dias da fixação do ceco à parede abdominal
(tiflopexia), foi administrado maleato de acepromazina (0,05mg/kg, IV)
e quinze minutos após aplicou-se cloridrato de xilazina (0,3mg/kg, IV)
aos animais. Retirou-se a bandagem, procedendo-se à lavagem da pele
adjacente à incisão com solução de cloreto de sódio a 0,9% e sabão
neutro. Na sequência, foi realizada antissepsia da serosa do ceco,
anteriormente fixada. Procedeu-se à anestesia local infiltrativa com
cloridrato de lidocaina 2% (20 ml por animal), nas bordas da ferida
cirúrgica. Realizou-se uma fenestração do ceco fixado anteriormente à
parede abdominal, por incisão circular de aproximadamente 2 cm de
diâmetro, ressecando-se um segmento circular da parede cecal (
Figura 4).
Através desse orifício, procedeu-se à introdução da cânula, cuja base
com uma aba complacente foi dobrada para permitir a passagem através do
neo-óstio (
Figura 5A). Na sequência, foram colocados o anel de vedação (
Figura 5B) e o tampão cônico para obliteração da luz da cânula (
Figura 5C).
Finalmente, foi realizado curativo local e aplicou-se pomada repelente
ao redor da cânula, procedimento que foi repetido uma vez ao dia,
durante sete a dez dias. A avaliação clínica dos equinos constou de
aferição de frequência cardíaca (FC, em bat/min), por meio de
estetoscópio (Estetoscópio Classic I S.E., Littman, EUA), bem como de
frequência respiratória (FR, em mov/min), pela movimentação do gradil
costal, da temperatura retal (TR, em ºC), mensurada por termometria
clínica convencional (Termômetro Veterinário, Becton, Dickinson Ind.
Cirúrgicas Ltda, Juiz de Fora, MG.), e da coloração das mucosas
determinada por inspeção. A motilidade intestinal foi avaliada mediante
o uso de estetoscópio, auscultando-se os quatro quadrantes da cavidade
abdominal durante um a três minutos, constando a presença de
borborigmos e a abertura e fechamento da válvula ileocecal. Procedeu-se
ao exame físico imediatamente antes de cada etapa cirúrgica e às 12,
36, 72 e 120 horas seguintes. Os animais foram observados até completar
160 dias, após a colocação da cânula.
Submeteram-se os dados obtidos nas fases experimentais, para cada
parâmetro estudado, à análise estatística mediante o emprego do
programa de computador Sigma Stat for Windows. O teste de normalidade
de Kolmogorov-Smirnov foi usado para verificar a distribuição normal
dos dados. Para a comparação das médias ao longo do período
experimental, utilizou-se a análise de variância de uma via ANOVA
seguida pelo teste de Student-Newman-Keuls. As diferenças foram
consideradas estatisticamente significativas para p≤0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Decorridas doze horas da primeira etapa cirúrgica, foram observados
sinais de desconforto abdominal discreto, caracterizados por olhar para
o flanco e cavar o solo, em todos os equinos. Constatou-se que a cânula
para abomaso em forma de H se acomodou satisfatoriamente no lúmen
cecal, sem dificultar clinicamente o trânsito da ingesta num período
variável entre 120 e 160 dias. Decorridos oito dias da canulação do
ceco, a evolução da ferida cirúrgica foi satisfatória.
Em todos os cavalos, o processo de epitelização das bordas do neo-óstio
foi rápido e bem-sucedido, não sendo observados sinais macroscópicos de
infecção ou presença de exsudato até o décimo dia. LOPES (2002) relatou
a remoção de parte dos músculos envolvidos na incisão cirúrgica, com o
objetivo de proporcionar espaço à cânula. No entanto, em estudo-piloto
realizado previamente ao experimento, foi observado que esse
procedimento ocasionava resposta inflamatória exacerbada. Por essa
razão, optou-se por não realizar a remoção dos músculos, o que de fato
permitiu registrar uma resposta inflamatória moderada nos tecidos
adjacentes à ferida cirúrgica doze horas após a primeira etapa. O
material flexível da cânula foi considerado apropriado e bem tolerado,
quando em contato com os tecidos, corroborando os achados de KOMAREK
et al. (1960), KOMAREK & LEFFEL (1961), MARKOWITZ (1964) e LOWE
et al.
(1970). Esses autores relataram que cânulas feitas de material
flexível são fáceis de serem implantadas no trato gastrointestinal dos
equinos e se acomodam aos movimentos na região do flanco, reduzindo as
agressões causadas por distúrbios mecânicos e consequentemente evitando
ferimentos na mucosa cecal e na pele junto às bordas da fístula.
Diferentemente dos dados apresentados por LOPES (2002), neste estudo
foi possível verificar que o jejum alimentar de oito horas foi adequado
para a execução da tiflopexia, pois não se observou distensão
abdominal, o que permitiu a manipulação do ceco. Verificou-se que o fio
categute cromado n° 2 e o padrão de sutura simples contínua utilizados
na fixação do ceco à parede abdominal foram eficientes, impedindo o
extravasamento do conteúdo cecal para a cavidade abdominal, fato também
constatado por LOPES (2002).
Aumentos significativos nas frequências cardíaca e respiratória, no
tempo de preenchimento capilar e na temperatura retal, estão presentes
em processos inflamatórios severos e são atribuídos a diversas causas
(BONOUS, 1993; CARGILE et. al., 1995). No presente trabalho, não foram
registradas alterações estatisticamente significativas nessas
variáveis, o que leva a inferir que o quadro de desconforto abdominal
leve observado doze horas após a tiflopexia pode estar associado a uma
resposta inflamatória moderada desencadeada pelo procedimento
cirúrgico. A coloração das mucosas constitui um excelente indicador do
estado circulatório do animal. Nem sempre existe um padrão de coloração
a ser considerado, porém as mucosas aparecem pálidas na fase inicial de
qualquer alteração abdominal, para em seguida, na dependência da
gravidade do transtorno, ficarem congestas (coloração vermelho intenso)
e cianóticas nos casos terminais (THOMASSIAN, 1996).
Dos oito animais, somente um apresentou membranas mucosas ligeiramente
congestas doze horas após a tiflopexia, achado clínico considerado
isolado, já que 36 horas após o procedimento cirúrgico a coloração
apresentou-se normal. A auscultação do abdômen é essencial para o exame
clínico de animais portadores de desconforto abdominal. Os sons dos
intestinos dos cavalos são claramente audíveis. A redução ou ausência
dos borborigmos intestinais pode estar associada a múltiplos fatores
(THOMASSIAN, 1996). Procedimentos cirúrgicos que envolvam segmentos
intestinais específicos podem causar hipotonia ou atonia e,
consequentemente, redução localizada dos borborigmos, o que justifica a
diminuição da motilidade intestinal no quadrante dorsal direito, assim
como a diminuição na frequência da descarga da válvula ileocecal doze
horas após a tiflopexia, considerando o procedimento cirúrgico como o
fator agressor.
CONCLUSÃO
Os procedimentos cirúrgicos realizados, em duas etapas, para
implantação da cânula em forma de H no ceco de equinos através da fossa
paralombar direita, se mostraram eficientes para exposição,
manipulação, fixação e posterior canulação do segmento entre a base e o
corpo do ceco.
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Protocolado em: 14 maio 2007.
Aceito em: 5 fev. 2010.