EFEITO DE CRIOPROTETORES IMPERMEÁVEIS SOBRE A VIABILIDADE IN VITRO DE ESPERMATOZOIDES CONGELADOS DE CAMUNDONGOS (Mus musculus) DAS LINHAGENS SWISS-ALBINA E BALB/c


Ligia Maria Piassi,1 Carine Dahl Corcini,2 Andrea Panzardi,3
Antonio Sergio Varela Junior,4 Thomaz Lucia Jr.5 e João Carlos Deschamps5

1. Universidade Federal de Pelotas
2. Doutoranda pela Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Veterinária, Departamento de Biotecnologia
3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Veterinária
4. Universidade Federal do Rio Grande
5. Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Veterinária.



RESUMO

O trabalho objetivou avaliar os efeitos dos dissacarídeos sacarose, trealose e lactose, como crioprotetores impermeáveis à membrana plasmática em diluentes para criopreservação de sêmen de camundongos. Para avaliação do sêmen utilizaram-se os seguintes parâmetros: motilidade progressiva (MOT) das células espermáticas, e a taxa de clivagem embrionária (TXCL) obtida por meio de fertilização in vitro, nas linhagens SWISS-ALBINA e BALB/c. Os tratamentos avaliados foram: S1=sacarose; S2=trealose; S3=lactose, para SWISS-ALBINA e B1=lactose; B2=trealose para BALB/c. Avaliou-se a MOT durante as seguintes etapas: descongelação (DES), centrifugação e ressuspensão no meio P-1 (CEN) e após dez minutos de incubação (10M). A MOT no S2 para a linhagem SWISS-ALBINA nas três etapas (47% no DES; 66,5% na CEN e 67,2% no 10M) foi superior (P<0,001) a S1 (32,5% no DES; 51,5% no CEN e 47,7% na 10M) e S3 (30% no DES, 46,5% na CEN e 32,7% no 10M). Na linhagem BALB/c, a MOT no B2 foi superior ao B1 (P<0,001). Em conclusão, pode-se recomendar a utilização dos dissacarídeos testados, com destaque para a trealose, na congelação rápida de sêmen de camundongos.

PALAVRAS-CHAVES: Camundongo, criopreservação, dissacarídeos, sêmen.

ABSTRACT

EFFECT OF IMPERMEANT CRYOPROTECTANTS ON THE IN VITRO VIABILITY OF FROZEN SPERMATOZOA OF SWISS-ALBINA AND BALB/C MICE (Mus musculus)

The objective of this study was to evaluate the effect of three disaccharides (sucrose, threalose and lactose) used as nonpenetrating cryoprotectants in extender for mice semen. The parameters evaluated were sperm motility (MOT) and cleavage rate (CLV) after in vitro fertilization in the SWISS-ALBINA and BALB/c lines. The treatments were S1=sucrose; S2=threalose; S3=lactose, for SWISS-ALBINA; and B1=lactose; B2=threalose for BALB/c.  MOT was evaluated after: thawing (THA), centrifugation and re-suspension in P-1 medium (CEN) and after 10 minutes of incubation (10M). The MOT for the SWISS-ALBINA line was higher for S2 (P<0.001) in the 3 evaluated steps (47% at DES; 66.5% at CEN and 67.2% at 10M) than for S1 (32.5% at DES; 51.5% at CEN and 47.7% at 10M) and S3 (30% at DES, 46.5% at CEN and 32.7% at 10M). For the BALB/c line, MOT was superior for B2 than for B1 (P<0.001). Thus, the tested disaccharides, especially threalose, can be recommended for freezing of mice sperm.

KEY WORDS: Cryopreservation, disaccharides, mice, semen.


INTRODUÇÃO

A criopreservação de sêmen é uma biotécnica estabelecida e difundida em todo o mundo, em diferentes espécies de mamíferos. Esse fato deve-se em grande parte à descoberta, por POLGE et al. (1949), da função crioprotetora do glicerol. Porém, a técnica só foi empregada com sucesso em camundongos recentemente.
Inúmeros trabalhos foram apresentados na década de 1990, inicialmente utilizando 10% de rafinose e 5% de glicerol como agentes crioprotetores da célula espermática de camundongos (YOKOYAMA et al., 1990). Depois estabeleceu-se a técnica descrita como método NAKAGATA (1995), o qual utiliza 18% de rafinose e 3% de leite em pó desnatado como crioprotetores para a congelação de sêmen nessa espécie (OKUYAMA et al., 1990; TADA et al., 1990).
O sucesso desse método se deu pela facilidade de execução da técnica de congelação, assim como pelo fato de não necessitar de aparelhagem específica para a técnica, o que diminuiu o custo do processo (NAKAGATA, 1995; GLENISTER & THORNTON, 2000).
O protocolo Nakagata de congelação de sêmen, utilizado no mundo inteiro, inclusive para linhagens transgênicas, apresenta muita variação nos resultados das taxas de congelação e descongelação, em virtude de aspectos ainda pouco explorados do protocolo, relacionados à viabilidade da célula pós-descongelação (ARAV et al., 2002; STACY et al., 2005). Por isso, outros métodos de congelação rápida foram estudados, baseados em modificações no protocolo Nakagata, os quais também apresentaram resultados bem variáveis na técnica de criopreservação de sêmen (SZTEIN et al., 1997; AN et al., 2000; WARD et al., 2003). Possivelmente, essas variações sejam decorrentes da alta sensibilidade atribuída aos espermatozoides de camundongo a diferentes mecanismos de estresse, como as mudanças osmóticas, pH e variações nas taxas de congelação (WARD et al., 2003).
Segundo KUSAKABE et al. (2001), ficou evidenciado que a célula espermática do camundongo não necessita de crioprotetores permeáveis à membrana plasmática como o glicerol, para a congelação, mantendo sua viabilidade pós-descongelação apenas com o uso de crioprotetores impermeáveis. SZTEIN et al. (2000) constataram ainda que os agentes crioprotetores impermeáveis (trealose, rafinose e sacarose) são superiores em relação aos agentes crioprotetores permeáveis (DMSO, propanediol, formamida e glicerol), nos parâmetros de motilidade, viabilidade e fertilidade pós-descongelação. O mecanismo de ação dos açúcares na proteção do espermatozoide durante a congelação ainda não está totalmente esclarecido. Especula-se que dissacarídeos como a trealose e a sacarose interagem com os grupos polares da membrana, promovendo a estabilização da membrana espermática (DALIMATA & GRAHAM, 1997).
Atualmente, modelos transgênicos de camundongo vêm sendo desenvolvidos e comercializados, o que justifica o aumento de interesse pela preservação de material genético (SONGSASEN & LEIBO, 1997b; AN et al., 2000). As numerosas linhagens mutantes, para serem mantidas como exemplares vivos nos biotérios, necessitam de maiores recursos financeiros e espaço físico para manutenção (WARD et al., 2003).
Com a formação dos bancos de germoplasma, é possível armazenar diversos genomas na forma haploide e, posteriormente, difundi-lo a partir da técnica de fertilização in vitro, por um custo bem inferior (AN et al., 2000).
Trabalhos visando avaliar a viabilidade da congelação de sêmen em linhagens isogenéticas, heterogenéticas e transgênicas têm demonstrado que cada linhagem responde diferentemente ao processo de congelação e descongelação, com resultados bastante variados, em relação à motilidade espermática e fertilidade (NAKAGATA, 1996; SONGSASEN & LEIBO, 1997b; NAKAGATA, 2000; SZTEIN et al., 2000; NISHIZONO et al., 2004).
O objetivo deste trabalho foi testar o efeito crioprotetor dos dissacarídios trealose, lactose e sacarose na congelação rápida de sêmen de camundongos SWISS-ALBINA (heterogenética) e BALB/c (isogenética), utilizando como variáveis para essa avaliação a motilidade progressiva e a capacidade fecundante in vitro do sêmen.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais
Nos quatro experimentos realizados, foram utilizadas duas linhagens de camundongos, SWISS-ALBINA/UFPel e BALB/c-UNICAMP, fornecidos pelo Biotério Central da Universidade Federal de Pelotas. Os machos apresentavam idade entre oito e vinte semanas e as fêmeas, entre cinco a sete semanas. Os animais foram mantidos no biotério em condições controladas, com temperatura aproximada de 20°C, com fotoperíodo de 14 h luz/dia e administração de ração balanceada e água ad libitum. As fêmeas eram mantidas em gaiolas coletivas, numa concentração de vinte animais por gaiola e os machos, em gaiolas individuais.

Meios de cultivo
Para os procedimentos de recuperação dos oócitos, foi utilizado o fluido tubárico humano modificado (m-HTF, Irvine Scientific‑®), e para a fertilização in vitro (FIV) e o cultivo in vitro (CIV) dos zigotos, o meio preimplantation stage one (P-1®, Irvine Scientific).
Ambos foram suplementados com albumina sérica bovina (BSA® – Fração V, Sigma-Aldrich), nas concentrações de 5 mg/ml para as coletas e 10 mg/ml para a FIV e CIV.

Preparação das soluções de congelação
Foram avaliados três dissacarídeos como crioprotetores impermeáveis à membrana: trealose, lactose e sacarose (Sigma-Aldrich®), tendo como base uma solução-tampão de 3% de leite em pó desnatado em água ultrapura (SZTEIN et al., 2000; SZTEIN et al., 2001).
Centrifugou-se a solução tampão a 16.000 g por trinta minutos e, posteriormente, filtrou-se o sobrenadante obtido em membrana com 0,22 µm de poro (Millipore®).
Os açúcares foram acrescentados separadamente à solução filtrada, numa concentração final de 0,3M cada. Para a dissolução completa dos solutos, agitaram-se as três soluções de leite e açúcar a 60°C, em agitador eletromagnético aquecido.
Após a adição dos açúcares, as soluções foram centrifugadas a 10.000 g por dez minutos e filtradas em filtros com 0,22 µm de poro. Avaliaram-se todas as soluções crioprotetoras quanto à osmolaridade, devendo estar entre 380 e 450 mOsm. Após, foram aliquotadas e armazenadas em freezer, até serem utilizadas. Esse armazenamento não poderia ser maior que trinta dias sem alterar os resultados (SZTEIN et al., 2000; SZTEIN et al., 2001).

Congelação e armazenamento do sêmen
Sacrificaram-se os machos doadores por deslocamento cervical (HOGAN et al., 1986). A abordagem dos testículos foi feita por laparotomia, sendo removidas a cauda do epidídimo e parte do ducto deferente, para uma placa de petri de 35 mm de diâmetro (Corning®), contendo 500 µL de solução de congelação a ser testada. Para a coleta do sêmen, realizou-se o rompimento das estruturas anatômicas, com auxílio de agulhas hipodérmicas (30 G), para obtenção da suspensão de espermatozoides (SZTEIN et al., 1997; SZTEIN et al., 2000; REVEL et al., 2004). As placas, contendo a solução de congelação e os espermatozoides, foram mantidas por dez minutos em estufa de CO2 (37°C, 5% de CO2), com intuito de possibilitar a saída dos espermatozoides de dentro das estruturas anatômicas. Após esse período avaliou-se, qualitativamente, a suspensão de sêmen a partir dos parâmetros motilidade progressiva (MOT). Estando o sêmen viável, com motilidade superior a 80 % e vigor 4, efetuou-se o preenchimento das palhetas de congelamento de 0,25 mL (IMV®), com 100 µL de sêmen cada. Estas foram mantidas por dez minutos em vapor de N2, a uma altura de 5 cm, e depois foram mergulhadas no N2L e transferidas para os botijões de armazenamento, onde permaneceram até serem utilizadas, num período entre três a sete dias (SZTEIN et al., 1997; SZTEIN et al., 2000).

Descongelação e capacitação
Para a descongelação, as palhetas, após serem retiradas do N2L, foram mantidas por cinco segundos em temperatura ambiente de 20 °C e, depois, mergulhadas em banho-maria a 37 °C, por dois minutos. Transferiram-se as doses de sêmen de cada palheta, individualmente, para tubos cônicos de 1,5 mL (Eppendorff®), sendo avaliadas nesse momento quanto à motilidade espermática. Logo em seguida, centrifugaram-se os tubos contendo as doses de sêmen por quatro minutos a 735 g . O sobrenadante foi retirado e o pellet ressuspendido em 50 µL de meio P-1, suplementado com a BSA e anteriormente equilibrado. Após outra avaliação, transferiram-se as doses para a estufa de CO2, onde permaneceram por dez minutos, a fim de serem novamente avaliadas quanto à motilidade e o vigor espermáticos (SZTEIN et al., 1997). Para o cálculo da dose inseminante, houve a diluição de 1:100 de uma alíquota de 2 µL de cada amostra, objetivando-se realizar a contagem de células na Câmara de Neubauer.
Utilizaram-se doses inseminantes que resultassem em uma concentração de 2 x 106 espermatozoides/ml no meio de fecundação, ajustada a partir do valor da MOT. Os espermatozoides foram transferidos para gotas de 200 µL do mesmo meio, recobertas com óleo mineral, permanecendo em estufa por uma hora e trinta minutos para a capacitação do sêmen. 

Recuperação e avaliação dos oócitos
As fêmeas doadoras foram submetidas à superovulação, com aplicação intraperitonial (i.p.) de 10 UI de gonadotrofina coriônica equina (eCG) (Novormon®; Sintex S.A.; Argentina). Após 48 a 52 horas, recebiam aplicação i.p. de 10 UI de gonadotrofina coriônica humana (hCG) (Choriomon®; Meizler; Suiça). Sacrificaram-se as fêmeas por deslocamento cervical, de quatorze a quinze horas após a aplicação do hCG. Os ovidutos foram retirados e mantidos em gotas de 500µL de m-HTF em placa de petri de 35mm de diâmetro (Corning®). Posteriormente, realizou-se a ruptura da ampola do oviduto, com agulha hipodérmica 30 G e pinça, sob lupa estereomicroscópica. Logo a seguir, os oócitos foram recuperados e separados em outra placa com o mesmo meio para serem avaliados quanto a sua integridade morfológica, como o preconizado pela Sociedade Internacional de Transferência de Embriões (IETS).

Fertilização in vitro
Após o período de capacitação dos espermatozoides, os oócitos foram transferidos para as placas de fecundação. Utilizaram-se vinte oócitos por gota de 200 μL. Os gametas coincubados permaneceram em estufa por um período entre seis e sete horas (REVEL et al., 2004). Após, os prováveis zigotos foram lavados, passando por uma sequência de três gotas de meio m-HTF, para retirada do maior número de espermatozoides possível e, depois, transferidos para uma gota de meio P-1.
Finalmente, foram transferidos para placas contendo gotas de 60µL de meio P-1 suplementado com BSA (HOGAN et al., 1986) e recobertas com óleo de silicone, numa concentração de dez zigotos por gota de cultivo, permanecendo em estufa (37°C, 5% de CO2), para completar seu desenvolvimento.

Cultivo in vitro
Após 24 e 36 horas do final da FIV, com auxílio de lupa estereomicroscópica, foi realizada a avaliação da capacidade fecundante do sêmen. Com esse objetivo, verificou-se o número de embriões com duas células formados, calculando, assim, a taxa de clivagem embrionária por tratamento.

Desenho experimental
Experimento 1
A partir do protocolo de congelação rápida de sêmen descrito por SZTEIN et al. (1997) e SZTEIN et al. (2000), foi realizada a avaliação do efeito dos três dissacarídeos (sacarose, trealose e lactose) na congelação rápida de sêmen de camundongos, utilizando ao todo trinta machos da linhagem heterogenética SWISS-ALBINA, distribuídos entre os três tratamentos (S1: sacarose, S2: trealose e S3: lactose), realizando-se dez repetições por tratamento. Foram armazenadas, de cada tratamento, quatro amostras (palhetas de 0,25 mL contendo 100µL de sêmen cada) por macho. Para avaliação pós-descongelação, descongelaram-se dez palhetas de cada tratamento, sendo cada palheta proveniente de um macho, para avaliação da viabilidade espermática, a partir dos parâmetros de motilidade progressiva espermática no descongelamento, após centrifugação e dez minutos após incubados na estufa de CO2.

Experimento 2
Utilizaram-se ao todo vinte fêmeas da linhagem SWISS-ALBINA superovuladas e com ovulação induzida, para avaliação das amostras de sêmen criopreservadas no experimento 1, sendo subdivididas por macho e por tratamento, resultando em oito fecundações por tratamento. Os oócitos recuperados foram avaliados e então acrescentados às gotas de fecundação, permanecendo de seis a sete horas em cocultivo com o sêmen descongelado previamente avaliado. Observaram-se as taxas de clivagem (TXCL) nos três tratamentos (sacarose, trealose e lactose), para determinação da capacidade fecundante do sêmen criopreservado da linhagem SWISS-ALBINA.

Experimento 3
Utilizaram-se quinze machos da linhagem isogenética BALB/c, retirando-se cada epidídimo para avaliação em um tratamento (B1: lactose e B2: trealose, os quais apresentaram o pior e o melhor resultado no experimento1), respectivamente. Foram congeladas quatro amostras de sêmen por tratamento, por animal (palhetas de 0,25 mL com 100µL de suspensão de sêmen e solução de congelamento), resultando em 60 amostras/ tratamento. Posteriormente, sete palhetas de cada tratamento foram descongeladas, sendo avaliadas quanto à viabilidade das doses espermáticas, a partir dos parâmetros de MOT.

Experimento 4
Utilizaram-se dez fêmeas da linhagem SWISS-ALBINA e quinze fêmeas da linhagem BALB/c, superovuladas e induzidas à ovulação, como no experimento 2. Para avaliação do efeito dos crioprotetores lactose e trealose nas duas linhagens, três palhetas de cada macho, por tratamento, foram descongeladas e avaliadas quanto à motilidade (MOT), para, utilizando a técnica de FIV, determinar a taxa de clivagem embrionária (TXCL). Realizaram-se cruzamentos entre as duas linhagens, mediante a utilização do sêmen de machos SWISS-ALBINA congelado no experimento 1. Das palhetas congeladas, utilizaram-se doze palhetas, de cada tratamento, para fecundar oócitos de BALB/C (heterocruzamento) e oito palhetas de cada tratamento para fecundar oócitos de fêmea SWISS-ALBINA – (endocruzamento), assim como o sêmen de machos BALB/c congelado no experimento 3. Das palhetas congeladas neste experimento foram utilizadas sete palhetas de cada tratamento, para fecundar oócitos de fêmeas da linhagem SWISS-ALBINA, e quatorze palhetas de cada tratamento, para fecundar os oócitos da linhagem BALB). Desenvolveu-se este experimento com a finalidade de serem avaliadas, além da capacidade fertilizante do sêmen de BALB/c, a interação entre os tratamentos e as linhagens utilizadas.

Análise estatística
Procedeu-se à análise dos dados mediante a utilização do programa Statistix®. Como variáveis dependentes foram consideradas: MOT e TXCL. Os efeitos dos tratamentos e das linhagens nos experimentos 1 e 3, referentes à congelação de sêmen das linhagens SWISS-ALBINA e BALB/c, respectivamente, foram comparados por meio do teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Compararam-se as variáveis TXCL, nos experimentos 2 e 4, mediante teste não paramétrico, qui-quadrado (x2), e avaliou-se a interação entre as TXCL nos cruzamentos do experimento 4 empregando o teste paramétrico LSD.

RESULTADOS

Experimento 1
Em relação à variável motilidade progressiva (MOT), não se observou diferença estatística (P>0,05) entre os tratamentos 1 e 3, nos momentos DES e CEN, mas ambos apresentaram-se diferentes (P<0,01) do tratamento 2 nesses momentos (DES, CEN). No momento (10M), houve diferença significativa (P<0,01) entre os três tratamentos (Figura 1).
Portanto, pode-se observar que, neste experimento, o tratamento 2 manteve-se superior, em relação à MOT, quando comparado aos tratamentos 1 e 3, em todos os momentos do processo de avaliação.

Experimento 2
Em relação à fertilidade in vitro do sêmen criopreservado de camundongos da linhagem SWISS-ALBINA, avaliada por meio das taxas de clivagem in vitro (TXCL) obtidas após a FIV, não foi observada diferença (P>0,05) entre os três tratamentos. O S1 (sacarose) resultou numa TXCL de 38,2% (39/102); o S2 (trealose) resultou numa TXCL de 45,9% (51/111) e o S3 (sacarose), numa TXCL de 43,4% (33/76). De um total de 289 oócitos inseminados neste experimento, 123 (42,6%) foram fertilizados.

Experimento 3
Em relação ao congelamento do sêmen de camundongos da linhagem isogenética, BALB/c, pode-se observar que houve diferença (P<0,001) entre os tratamentos utilizados. Os resultados de MOT com o diluente preparado com o crioprotetor trealose foram iguais a 48%, 65,3% e 56%, nos momentos DES, CEN e 10M, respectivamente, e os resultados obtidos com a lactose iguais a 44,6%; 50,6% e 42% (Figura 2).

Experimento 4
Machos BALB/c versus fêmeas BALB/c: no cruzamento isogenético da linhagem BALB/c, não se observou diferença significativa entre os dois tratamentos, sendo obtidas taxas de clivagem de 46,4% (52/112) no B 1 (lactose) e de 35,7% (40/112) no B 2 (trealose). De um total de 224 oócitos, 92 (41,1%) foram fertilizados.
Machos BALB/c versus fêmeas SWISS-ALBINA: no cruzamento híbrido em que os espermatozoides eram originados de machos BALB/c, também não se observou diferença (P>0,05) entre os tratamentos. Foram obtidas taxas de clivagem (TXCL) de 37,7% (26/69) no B 1 (lactose) e de 40,2% (35/87) no B 2 (trealose). De um total de 156 oócitos, 61 (39,1%) foram clivados.
Machos SWISS-ALBINA versus fêmeas BALB/c: no cruzamento híbrido em que os espermatozoides eram provenientes de machos SWISS-ALBINA, não se observou diferença (P>0,05) entre os tratamentos. Foram obtidas TXCL de 39,5% (15/38) no B 1 (lactose) e de 40,6% (28/69) no B 2 (trealose). De um total de 107 oócitos, 43 (40,2%) foram clivados.
Entre os cruzamentos avaliados, também não se verificou diferença (P>0,05) nas TXCL. No endocruzamento da linhagem BALB/c a taxa de clivagem foi de 41,1%. Nos heterocruzamentos, foram iguais a 39,1% e 40,2% para o cruzamento de sêmen de BALB/c com oócitos de SWISS-ALBINA e para o cruzamento de sêmen de SWISS-ALBINA com oócitos de BALB/c, respectivamente (Tabela 1).
Em relação à interação entre as TXCL e os tratamentos, observou-se que no tratamento 1 (B1) a média de clivagem foi igual a 42,5% e no tratamento 2 (B2), a média foi igual a 38,4%, não havendo, portanto, diferença P>0,05) entre os tratamentos (Tabela 2).

DISCUSSÃO

No presente trabalho ficou evidente a superioridade do dissacarídeo trealose como crioprotetor externo das células espermáticas de camundongos das linhagens SWISS-ALBINA e BALB/c, para a variável MOT, ao ser comparado aos dissacarídeos sacarose e lactose, utilizando o protocolo de congelamento rápido descrito por SZTEIN et al. (1997), SZTEIN et al. (2000), SZTEIN et al. (2001).
Os protocolos mais utilizados para criopreservação de sêmen de camundongos utilizam o trissacarídeo rafinose como crioprotetor externo no diluente descongelamento (YOKOYAMA et al., 1990; SONGSASEN & LEIBO, 1997a). Entretanto, outras opções de crioprotetores, como os dissacarídeos, trealose e sacarose, são efetivos para a criopreservação, pois quando foram comparados ao efeito crioprotetor da rafinose, no congelamento de sêmen de camundongos, não se constataram diferenças nas taxas de sobrevivência dos espermatozoides (AN et al., 2000).
Como nas demais espécies, também com os camundongos deste experimento ocorreu uma queda de viabilidade espermática, evidenciada pela variável MOT, pós-descongelamento, como relatado por MOCHIDA et al. (2004). Verificou-se que as porcentagens de células com motilidade progressiva variaram entre 30% e 67%, de acordo com o tratamento e o momento de avaliação na linhagem SWISS-ALBINA, e entre 42% e 65% na linhagem BALB/c, confirmando uma queda de viabilidade pós-descongelamento e uma interação entre a viabilidade pós-descongelamento e a linhagem utilizada. Os resultados obtidos neste trabalho foram semelhantes às taxas de motilidade pós-descongelamento obtidas em trabalhos de criopreservação, utilizando deferentes linhagens de camundongos (SONGSASEN & LEIBO, 1997; NISHIZONO et al., 2004).
A partir do indicador de qualidade espermática através da MOT, é possível determinar a viabilidade espermática pela porcentagem de espermatozoides vivos com movimento progressivo no campo de observação. Esta avaliação é normalmente realizada por microscopia óptica e, por ser subjetiva, pode sofrer variações, dependendo do examinador. Concorda-se portanto que, baseando-se apenas nos resultados obtidos a partir das avaliações de MOT, não se pode caracterizar a viabilidade do sêmen após o processo de criopreservação, nem determinar se um crioprotetor é melhor ou pior para a formação de bancos de embriões. Para isso, devem ser utilizados outros métodos de avaliações in vitro, como a avaliação da integridade da membrana e do acrossoma, e a capacidade de fertilização por meio do teste de penetração ou da FIV (SONGSASEN & LEIBO, 1997b; NISHIZONO et al., 2004).
Como a função do sêmen criopreservado é ser utilizado num programa de fertilização, seja mediante inseminação artificial ou FIV, o melhor indicador de viabilidade espermática é a capacidade fertilizante do sêmen (SONGSASEN & LEIBO, 1997a; NISHIZONO et al., 2004).
Pôde-se constatar que, embora a trealose tenha apresentado superioridade em relação à MOT, nas duas linhagens avaliadas, esses resultados não estão diretamente relacionados à superioridade na capacidade fertilizante do sêmen in vitro. As taxas de clivagem, observadas após as fertilizações in vitro, não apresentaram diferenças estatísticas entre os tratamentos e os cruzamentos avaliados. Resultado semelhante foi verificado por NISHIZONO et al. (2004), em avaliação das variáveis MOT e da capacidade fertilizante, a partir da FIV, comparando-se o crioprotetor permeável DMSO e a associação de crioprotetores impermeáveis, trealose e leite em pó.
Durante o experimento, pôde-se verificar que uma amostra de sêmen avaliada após o descongelamento, com MOT 30%, mantém a capacidade de fertilização, não diferindo de uma amostra com MOT 60%. Isso ocorre possivelmente porque, para a técnica de FIV, ao se calcular a concentração espermática mínima por gota de fertilização (1 a 2 x 106 espermatozoides/mL), esta é ajustada a partir do número de células vivas e móveis. Essa prática faz com que haja uma equalização das amostras de sêmen, pois mantém um número de células mínimas viáveis para a fertilização (SZTEIN et al., 2000). Outro fato a ser observado é a pequena distância que o espermatozoide tem de percorrer para encontrar o oócito in vitro. Talvez in vivo, tanto motilidade quanto vigor sejam mais relevantes, e maiores valores de ambos possam influenciar positivamente nas taxas de fertilização.
No experimento 4 realizado neste trabalho, não foi constatado o efeito da interação entre os tratamentos utilizados na criopreservação do sêmen e o cruzamento entre as linhagens, avaliada a partir do endocruzamento da linhagem isogênica BALB/c e dos heterocruzamentos, entre as duas linhagens, SWISS-ALBINA versus BALB/c. Resultados próximos aos verificados no presente trabalho foram reportados por GLENISTER & THORNTON (2000), obtendo taxas de clivagem embrionária variando de 37% a 57% em linhagens híbridas. Entretanto, porcentagens de clivagem variáveis entre 0% e 40% foram observadas mediante o uso de oócitos híbridos (SZTEIN et al., 2000) e 80% em linhagens como a CB6F1 (SZTEIN et al., 2001).
Baixas taxas de fertilização in vitro com sêmen congelado, observadas em algumas linhagens de camundongos, estão associadas a danos causados pelo processo de congelamento aos espermatozoides, localizados principalmente no acrossoma e mitocôndria, e não aos efeitos do processo sobre a motilidade (NISHIZONO et al., 2004).
Porém, deve-se ressaltar que no presente trabalho não foram avaliadas as características morfológicas e estruturais das células espermáticas, pré-congelamento e pós-descongelamento, fatores que pode influenciar nas taxas de fertilização.

CONCLUSÃO

Os dissacarídeos trealose, sacarose e lactose se mostraram eficazes como crioprotetores da célula espermática de camundongos das linhagens SWISS-ALBINA, e os dissacarídeos trealose e lactose são eficazes como crioprotetores da célula espermática de camundongos das linhagens BALB/c. Os resultados obtidos demonstram a viabilidade espermática pós-congelamento, o que possibilita a utilização do sêmen congelado à técnica de FIV, viabilizando a formação de banco de gametas masculinos de ambas as linhagens.

REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 14 maio 2007.  Aceito em: 8 out. 2008.