RESUMO
Objetivou-se descrever a origem e ramificação das artérias mesentéricas
cranial e caudal no cágado-de-barbicha e, assim, fornecer subsídios
para procedimentos clínicos e cirúrgicos. Foram utilizados cinco
espécimes de
Phrynops geoffroanus
de vida livre, que se encontravam alojados no Laboratório de Ensino e
Pesquisa em Animais Silvestres da Universidade Federal de Uberlândia e
que foram a óbito por causas naturais. Após extração de parte da
carapaça para identificação das estruturas internas, a artéria aorta
foi canalizada e preenchida por látex sintético. A artéria mesentérica
cranial se originou da artéria aorta e ramificou-se em artérias
jejunais, artéria pancreaticoduodenal caudal e artéria ileocólica. A
artéria mesentérica caudal se subdividiu em dois ramos, um cranial e
outro caudal, e também teve sua origem na porção final da artéria
aorta. O ramo cranial dessa estrutura se uniu à artéria ileocólica na
face dorsal do cólon-reto.
___________
PALAVRAS-CHAVE: Anatomia; artérias;
Phrynops geoffroanus; répteis.
ABSTRACT
ORIGIN AND BRANCHING OF THE CRANIAL AND CAUDAL MESENTERIC ARTERIES IN GEOFFROY’S SIDE-NECKED TURTLE Phrynops geoffroanus (TESTUDINES; CHELIDAE)
The purpose of this study was to describe the origin and branching of
the cranial and caudal mesenteric arteries in geoffroy's side-necked
turtle and to provide support on medical and surgical procedures. Five
turtles from the
Phrynops geoffroanus
specie, from the Laboratory of Research in Wild Animals, which died of
natural causes were used. The aorta artery was cannulated and filled
with synthetic latex, and the plastron was removed to visualize the
turtles´internal structures. The cranial mesenteric artery arises from
the aorta and it branches into jejunal artery, ileocolic artery and
caudal pancreaticoduodenal artery. The caudal mesenteric artery divides
into two branches, a cranial one and a caudal one, and it also
has its origin in aorta artery. The cranial branch structure binds
itself to the ileocolic artery on the dorsal surface of the
colon-rectum.
____________
KEYWORDS: Anatomy; arteries;
Phrynops geoffroanus; reptiles.
INTRODUÇÃO
Com o aumento da população mundial, há necessidade de se obterem novas fontes de alimento (RODRIGUES
et al.,
2003). Animais silvestres têm sido explorados com o intuito de fornecer
proteína para alimentação humana. Várias comunidades do país dependem
de recursos naturais para sobreviver, cujos estoques, não repostos,
encontram-se muitas vezes vulneráveis ao esgotamento. Além disso, a
fauna nativa brasileira desperta grande interesse econômico nas
populações ribeirinhas que, devido à precária condição de vida, aliada
à baixa renda familiar e nível educacional, direcionam a caça de
subsistência para o comércio ilegal (IBAMA, 1989).
O cágado-de-barbicha (
Phrynops geoffroanus)
pertence ao filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda,
classe Reptilia, ordem Testudines e à família Chelidae (SBH,
2005). Apresenta o corpo inteiramente coberto por um casco
resistente, com a carapaça na porção dorsal e o plastrão na parte
ventral. Na escala evolutiva dos quelônios, os dentes foram
substituídos e as mandíbulas cobertas por placas córneas e aguçadas
(VILLE
et al., 1985).
Segundo METRAILLER (2002), o gênero
Phrynops possui quatro espécies, sendo a
P. geoffroanus
uma espécie pequena, encontrada desde a Colômbia, Venezuela, Guiana,
extremo sul do Paraguai até o sudeste, centro-oeste e nordeste do
Brasil. São frequentes em rios, lagos e lagoas com correnteza lenta e
são alvos fáceis para captura, pois possuem pouca agilidade (ERNEST
& BARBOUR, 1989). A caça predatória eleva o risco de extinção
desses répteis, uma vez que eles apresentam baixa taxa de natalidade
(POUGHT
et al., 1993).
Em relação ao sistema vascular sanguíneo, HILDEBRAND (1995) afirma que
nos vertebrados é denominado de sistema fechado, pois possuem percurso
contínuo de ductos para transporte de gases respiratórios, nutrientes,
resíduos metabólicos, hormônios e anticorpos. Esse mecanismo é
importante na manutenção do meio interno uma vez que remove do corpo
materiais tóxicos e patogênicos, influencia na regulação da
temperatura, repara ferimentos, compensa danos e responde com
surpreendente versatilidade aos diferentes requisitos do momento.
STORER
et al. (1995) e SOARES
(1998) fornecem apenas informações genéricas sobre a disposição dos
vasos sanguíneos dos répteis, enquanto ASHLEY (1955) e MORANDINI (1968)
citam que a artéria aorta emite as artérias ilíacas internas direita e
esquerda, ilíacas externas direita e esquerda e a artéria celíaca.
SANTOS
et al. (2003) estudaram as artérias coronárias de
Podocnemis expansa
e encontraram uma única artéria originada da face lateral direita do
coração, na porção inicial do tronco braquiocefálico, vaso sanguíneo
também descrito anteriormente em tartaruga marinha
Chelonia mydas (QUESADA & MADRIZ, 1986).
BOSSO
et al. (2006) realizaram plastronotomia para retirada de anzol de pesca no
Phrynops geoffroanus e MATIAS
et al.
(2006) relataram um aumento de casos cirúrgicos em quelônios nas
clínicas veterinárias, principalmente devido à retenção de ovos, o que
confirma a necessidade de estudos mais específicos sobre a anatomia
vascular desses répteis. Assim, objetivou-se descrever o arranjo das
artérias mesentéricas cranial e caudal em cágado-de-barbicha, com
intuito de fornecer subsídios em procedimentos clínicos e cirúrgicos.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizaram-se cinco espécimes de
Phrynops geoffroanus,
duas fêmeas e três machos, procedentes do rio Uberabinha (18°55’42.1”S
e 48°17’39.4”W), em Uberlândia–MG (Licença RAN/IBAMA n° 032/2006). Os
animais encontravam-se alojados no Laboratório de Ensino e Pesquisa em
Animais Silvestres (LAPAS) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Após identificação dos exemplares, promoveu-se uma abertura na porção
central de suas carapaças com auxílio de uma serra circular, de modo a
expor a aorta descendente em seu trajeto junto à parede dorsal da
cavidade celomática.
Após dissecação, uma cânula de polietileno de 2 mm de diâmetro por 50
mm de comprimento foi introduzida na referida artéria para desobstrução
do sistema vascular com solução fisiológica e injeção de solução de
neoprene látex “450” (Du Pont do Brasil S.A. - Indústrias Químicas)
corada com pigmento específico (Globo S/A Tintas e Pigmentos). Fixou-se
o material assim preparado em solução de formol a 10% por um período
mínimo de 96 horas. Em seguida, uma abertura central e de formato
quadrangular foi feita na metade cranial do plastrão, de forma a expor
parte da cavidade celomática.
Procedeu-se a dissecação das artérias mesentéricas cranial e caudal
mediante o uso de pinças, bisturi, tesouras cirúrgicas e também uma
lupa Wild (10 X) para melhor visualização das artérias e de seus ramos,
com foco em sua origem e trajeto inicial. Após o término da dissecação
dos cinco cágados, foram confeccionadas fotografias (
Figuras 1 e
2) e um desenho esquemático a partir das peças (
Figura 3) para melhor ilustrar os resultados da pesquisa.
RESULTADOS
A artéria mesentérica cranial dos cágados-de-barbicha originou-se na
face ventral da artéria aorta, em sua porção inicial e ramificou-se em
artéria pancreaticoduodenal caudal, três artérias jejunais e artéria
ileocólica (
Figura 3).
As três artérias jejunais penetraram no mesentério e se ramificaram em
inúmeros ramos para irrigação de todo jejuno, já a artéria ileocólica
apresentou-se como o ramo medial da artéria mesentérica cranial,
irrigando íleo e cólon-reto para, posteriormente, unir-se à artéria
mesentérica caudal na face dorsal do cólon-reto e emitiu ramos
mesentéricos.
A partir da sua origem na artéria mesentérica cranial, a artéria
pancreaticoduodenal caudal seguiu pelo duodeno até unir-se com a
artéria pancreaticoduodenal cranial, que é ramo da artéria celíaca.
Essas duas artérias fazem a irrigação do pâncreas e do duodeno.
DISCUSSÃO
Em outras espécies de quelônios, a origem da artéria mesentérica
cranial foi descrita a partir do tronco celíaco-mesentérico (WALKER
JÚNIOR, 1970; MONTAGNA, 1973; FARIA E MARIANA, 2001; SANTOS
et al., 2004), enquanto que, no presente estudo, essa artéria originou-se na face ventral da artéria aorta. SANTOS
et al. (2004) observaram que em
Podocnemis expansa, assim como em
Phrynops geoffroanus,
a artéria mesentérica cranial dá origem às artérias pancreaticoduodenal
caudal, ileocólica e jejunais. Ambos os autores relataram a união da
artéria pancreaticoduodenal caudal com a pancreaticoduodenal cranial.
RODRIGUES
et al. (2003) estudaram a vascularização arterial do trato gastrintestinal da
Trachemys scripta
elegans e verificaram que a artéria pancreaticoduodenal caudal é
originada da artéria hepática comum. Na pesquisa em questão, assim como
no estudo de FARIA & MARIANA (2001) foi observado que a artéria
pancreaticoduodenal é uma continuação da artéria celíaca, sendo
responsável pelo abastecimento sanguíneo do intestino grosso.
Os resultados encontrados em cágados-de-barbicha corroboram com os de HYMAN (1949), MONTAGNA (1973) e SANTOS
et al.
(2004), ao descreverem que a artéria mesentérica caudal, em
representantes da ordem Testudines, se forma a partir da artéria aorta,
distribuindo-se no cólon e no reto. Em relação à irrigação por esse
vaso, os autores, juntamente com MORANDINI (1968), citam como área de
abrangência o intestino grosso.
Ao estudarem a anatomia de
Podocnemis expansa,
MORAES & SANTOS (2004) também afirmam que a artéria mesentérica
cranial é responsável pela nutrição do mesentério, intestino delgado e
parte do intestino grosso. No entanto, os autores relataram que a
artéria mesentérica caudal é uma continuação da artéria celíaca.
RODRIGUES
et al. (2003)
encontraram a artéria mesentérica caudal originando-se, na maioria dos
casos, da artéria ilíaca interna do antímero direito. Em
P. geoffroanus a artéria mesentérica caudal originou-se da artéria aorta.
De acordo com FARIA & MELO (2007), grande parte da irrigação do baço de
Trachemys scripta
elegans é proveniente da artéria mesentérica cranial, pois a artéria
lienal, a artéria pancreáticoduodenal cranial e as artérias jejunais
são ramificações da mesma. Em
Phrynops geoffroanus e
Podocnemis expansa (SANTOS
et al, 2003) a irrigação do baço pela artéria mesentérica cranial não foi observada.
REFERÊNCIAS
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Protocolado em: 18 ago. 2010. Aceito em: 07 fev. 2011.