DOI: 10.5216/cab.v12i2.11001
ORIGEM E RAMIFICAÇÕES DAS ARTÉRIAS MESENTÉRICAS CRANIAL E CAUDAL DO CÁGADO – DE- BARBICHA Phrynops geoffroanus (TESTUDINES; CHELIDAE)

Juliana Macedo Magnino Silva1, André Luiz Quagliatto Santos2, Heloisa Castro Pereira3, Luiz Martins Silva Junior3, Liria Queiroz Luz Hirano4, Antonio Vicente Mundim2

1 – Pós-Graduanda em Ciência Animal pela Universidade Federal de Uberlândia – juliana.magnino@gmail.com
2 – Professor da Universidade Federal de Uberlândia
3 – Graduandos em Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia
4 – Pós-Graduanda em Ciência Animal pela Universidade Federal de Goiás



RESUMO

Objetivou-se descrever a origem e ramificação das artérias mesentéricas cranial e caudal no cágado-de-barbicha e, assim, fornecer subsídios para procedimentos clínicos e cirúrgicos. Foram utilizados cinco espécimes de Phrynops geoffroanus de vida livre, que se encontravam alojados no Laboratório de Ensino e Pesquisa em Animais Silvestres da Universidade Federal de Uberlândia e que foram a óbito por causas naturais. Após extração de parte da carapaça para identificação das estruturas internas, a artéria aorta foi canalizada e preenchida por látex sintético. A artéria mesentérica cranial se originou da artéria aorta e ramificou-se em artérias jejunais, artéria pancreaticoduodenal caudal e artéria ileocólica. A artéria mesentérica caudal se subdividiu em dois ramos, um cranial e outro caudal, e também teve sua origem na porção final da artéria aorta. O ramo cranial dessa estrutura se uniu à artéria ileocólica na face dorsal do cólon-reto.
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PALAVRAS-CHAVE: Anatomia; artérias; Phrynops geoffroanus; répteis.

ABSTRACT

ORIGIN AND BRANCHING OF THE CRANIAL AND CAUDAL MESENTERIC ARTERIES IN GEOFFROY’S SIDE-NECKED TURTLE Phrynops geoffroanus (TESTUDINES; CHELIDAE)

The purpose of this study was to describe the origin and branching of the cranial and caudal mesenteric arteries in geoffroy's side-necked turtle and to provide support on medical and surgical procedures. Five turtles from the Phrynops geoffroanus specie, from the Laboratory of Research in Wild Animals, which died of natural causes were used. The aorta artery was cannulated and filled with synthetic latex, and the plastron was removed to visualize the turtles´internal structures. The cranial mesenteric artery arises from the aorta and it branches into jejunal artery, ileocolic artery and caudal pancreaticoduodenal artery. The caudal mesenteric artery divides into two branches, a  cranial one and a caudal one, and it also has its origin in aorta artery. The cranial branch structure binds itself to the ileocolic artery on the dorsal surface of the colon-rectum.
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KEYWORDS: Anatomy; arteries; Phrynops geoffroanus; reptiles.


INTRODUÇÃO

Com o aumento da população mundial, há necessidade de se obterem novas fontes de alimento (RODRIGUES et al., 2003). Animais silvestres têm sido explorados com o intuito de fornecer proteína para alimentação humana. Várias comunidades do país dependem de recursos naturais para sobreviver, cujos estoques, não repostos, encontram-se muitas vezes vulneráveis ao esgotamento. Além disso, a fauna nativa brasileira desperta grande interesse econômico nas populações ribeirinhas que, devido à precária condição de vida, aliada à baixa renda familiar e nível educacional, direcionam a caça de subsistência para o comércio ilegal (IBAMA, 1989).
O cágado-de-barbicha (Phrynops geoffroanus) pertence ao filo Chordata, subfilo Vertebrata, superclasse Tetrapoda, classe Reptilia, ordem Testudines e à família Chelidae (SBH, 2005).  Apresenta o corpo inteiramente coberto por um casco resistente, com a carapaça na porção dorsal e o plastrão na parte ventral. Na escala evolutiva dos quelônios, os dentes foram substituídos e as mandíbulas cobertas por placas córneas e aguçadas (VILLE et al., 1985).
Segundo METRAILLER (2002), o gênero Phrynops possui quatro espécies, sendo a P. geoffroanus uma espécie pequena, encontrada desde a Colômbia, Venezuela, Guiana, extremo sul do Paraguai até o sudeste, centro-oeste e nordeste do Brasil. São frequentes em rios, lagos e lagoas com correnteza lenta e são alvos fáceis para captura, pois possuem pouca agilidade (ERNEST & BARBOUR, 1989). A caça predatória eleva o risco de extinção desses répteis, uma vez que eles apresentam baixa taxa de natalidade (POUGHT et al., 1993).
Em relação ao sistema vascular sanguíneo, HILDEBRAND (1995) afirma que nos vertebrados é denominado de sistema fechado, pois possuem percurso contínuo de ductos para transporte de gases respiratórios, nutrientes, resíduos metabólicos, hormônios e anticorpos. Esse mecanismo é importante na manutenção do meio interno uma vez que remove do corpo materiais tóxicos e patogênicos, influencia na regulação da temperatura, repara ferimentos, compensa danos e responde com surpreendente versatilidade aos diferentes requisitos do momento.
STORER et al. (1995) e SOARES (1998) fornecem apenas informações genéricas sobre a disposição dos vasos sanguíneos dos répteis, enquanto ASHLEY (1955) e MORANDINI (1968) citam que a artéria aorta emite as artérias ilíacas internas direita e esquerda, ilíacas externas direita e esquerda e a artéria celíaca. SANTOS et al. (2003) estudaram as artérias coronárias de Podocnemis expansa e encontraram uma única artéria originada da face lateral direita do coração, na porção inicial do tronco braquiocefálico, vaso sanguíneo também descrito anteriormente em tartaruga marinha Chelonia mydas (QUESADA & MADRIZ, 1986).
BOSSO et al. (2006) realizaram plastronotomia para retirada de anzol de pesca no Phrynops geoffroanus e MATIAS et al. (2006) relataram um aumento de casos cirúrgicos em quelônios nas clínicas veterinárias, principalmente devido à retenção de ovos, o que confirma a necessidade de estudos mais específicos sobre a anatomia vascular desses répteis. Assim, objetivou-se descrever o arranjo das artérias mesentéricas cranial e caudal em cágado-de-barbicha, com intuito de fornecer subsídios em procedimentos clínicos e cirúrgicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Utilizaram-se cinco espécimes de Phrynops geoffroanus, duas fêmeas e três machos, procedentes do rio Uberabinha (18°55’42.1”S e 48°17’39.4”W), em Uberlândia–MG (Licença RAN/IBAMA n° 032/2006). Os animais encontravam-se alojados no Laboratório de Ensino e Pesquisa em Animais Silvestres (LAPAS) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Após identificação dos exemplares, promoveu-se uma abertura na porção central de suas carapaças com auxílio de uma serra circular, de modo a expor a aorta descendente em seu trajeto junto à parede dorsal da cavidade celomática.
Após dissecação, uma cânula de polietileno de 2 mm de diâmetro por 50 mm de comprimento foi introduzida na referida artéria para desobstrução do sistema vascular com solução fisiológica e injeção de solução de neoprene látex “450” (Du Pont do Brasil S.A. - Indústrias Químicas) corada com pigmento específico (Globo S/A Tintas e Pigmentos). Fixou-se o material assim preparado em solução de formol a 10% por um período mínimo de 96 horas. Em seguida, uma abertura central e de formato quadrangular foi feita na metade cranial do plastrão, de forma a expor parte da cavidade celomática.
Procedeu-se a dissecação das artérias mesentéricas cranial e caudal mediante o uso de pinças, bisturi, tesouras cirúrgicas e também uma lupa Wild (10 X) para melhor visualização das artérias e de seus ramos, com foco em sua origem e trajeto inicial. Após o término da dissecação dos cinco cágados, foram confeccionadas fotografias (Figuras 1 e 2) e um desenho esquemático a partir das peças (Figura 3) para melhor ilustrar os resultados da pesquisa.

RESULTADOS

A artéria mesentérica cranial dos cágados-de-barbicha originou-se na face ventral da artéria aorta, em sua porção inicial e ramificou-se em artéria pancreaticoduodenal caudal, três artérias jejunais e artéria ileocólica (Figura 3). As três artérias jejunais penetraram no mesentério e se ramificaram em inúmeros ramos para irrigação de todo jejuno, já a artéria ileocólica apresentou-se como o ramo medial da artéria mesentérica cranial, irrigando íleo e cólon-reto para, posteriormente, unir-se à artéria mesentérica caudal na face dorsal do cólon-reto e emitiu ramos mesentéricos.
A partir da sua origem na artéria mesentérica cranial, a artéria pancreaticoduodenal caudal seguiu pelo duodeno até unir-se com a artéria pancreaticoduodenal cranial, que é ramo da artéria celíaca. Essas duas artérias fazem a irrigação do pâncreas e do duodeno.

DISCUSSÃO
     
Em outras espécies de quelônios, a origem da artéria mesentérica cranial foi descrita a partir do tronco celíaco-mesentérico (WALKER JÚNIOR, 1970; MONTAGNA, 1973; FARIA E MARIANA, 2001; SANTOS et al., 2004), enquanto que, no presente estudo, essa artéria originou-se na face ventral da artéria aorta. SANTOS et al. (2004) observaram que em Podocnemis expansa, assim como em Phrynops geoffroanus, a artéria mesentérica cranial dá origem às artérias pancreaticoduodenal caudal, ileocólica e jejunais. Ambos os autores relataram a união da artéria pancreaticoduodenal caudal com a pancreaticoduodenal cranial.
RODRIGUES et al. (2003) estudaram a vascularização arterial do trato gastrintestinal da Trachemys scripta elegans e verificaram que a artéria pancreaticoduodenal caudal é originada da artéria hepática comum. Na pesquisa em questão, assim como no estudo de FARIA & MARIANA (2001) foi observado que a artéria pancreaticoduodenal é uma continuação da artéria celíaca, sendo responsável pelo abastecimento sanguíneo do intestino grosso.
Os resultados encontrados em cágados-de-barbicha corroboram com os de HYMAN (1949), MONTAGNA (1973) e SANTOS et al. (2004), ao descreverem que a artéria mesentérica caudal, em representantes da ordem Testudines, se forma a partir da artéria aorta, distribuindo-se no cólon e no reto. Em relação à irrigação por esse vaso, os autores, juntamente com MORANDINI (1968), citam como área de abrangência o intestino grosso.
Ao estudarem a anatomia de Podocnemis expansa, MORAES & SANTOS (2004) também afirmam que a artéria mesentérica cranial é responsável pela nutrição do mesentério, intestino delgado e parte do intestino grosso. No entanto, os autores relataram que a artéria mesentérica caudal é uma continuação da artéria celíaca. RODRIGUES et al. (2003) encontraram a artéria mesentérica caudal originando-se, na maioria dos casos, da artéria ilíaca interna do antímero direito. Em P. geoffroanus a artéria mesentérica caudal originou-se da artéria aorta.
De acordo com FARIA & MELO (2007), grande parte da irrigação do baço de Trachemys scripta elegans é proveniente da artéria mesentérica cranial, pois a artéria lienal, a artéria pancreáticoduodenal cranial e as artérias jejunais são ramificações da mesma.  Em Phrynops geoffroanus e Podocnemis expansa (SANTOS et al, 2003) a irrigação do baço pela artéria mesentérica cranial não foi observada.

REFERÊNCIAS

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Protocolado em: 18 ago. 2010.  Aceito em: 07 fev. 2011.