RESUMO
Objetivou-se com o presente estudo avaliar a suplementação de vitamina
C na dieta para o desenvolvimento e sobrevivência de larvas de jundiá
Rhamdia voulezi.
Foram distribuídas, em um delineamento inteiramente casualizado, 375
larvas, em 25 aquários de 30 L de volume útil, na densidade de 0,5
larva/litro. As rações foram formuladas de forma a se apresentarem
isoproteicas, isoenergéticas, isoaminoacídicas e isofibrosas, sendo
suplementadas com 600 (controle); 850; 1.100; 1.600 e 2.600 mg de
vitamina C por kg de ração. As larvas foram alimentadas até a saciedade
aparente por um período de 31 dias, quatro vezes ao dia (8h, 11h, 14h e
17h). Mensurou-se a temperatura da água diariamente, enquanto os
parâmetros físico-químicos (oxigênio dissolvido, pH e condutividade)
foram mensurados semanalmente. Não observaram-se diferenças
significativas no desempenho das larvas em relação ao peso médio final,
comprimento médio final, fator de condição, taxa de crescimento
específico e sobrevivência. Conclui-se que o desempenho e a
sobrevivência de larvas de jundiá
Rhamdia voulezi não são influenciados pela suplementação em níveis superiores a 600 mg de vitamina C por kilograma de dieta.
PALAVRAS-CHAVES: Espécie nativa, nutrição, vitamina C.
ABSTRACT
SUPPLEMENTATION WITH VITAMIN C IN THE DIET FOR Rhamdia voulezi LARVAE
The aim of this study was to evaluate the supplementation of vitamin C
in the diet on the development and survival of catfish larvae
Rhamdia voulezi.
375 larvae were distributed in a completely randomized design in
aquariums 30L of volume, density of 0.5 larvae per liter. The diets
were formulated to make isonitrogenous, isoenergetic, isoaminoacid and
isofibrosas, and supplemented with 600 (control), 850, 1100, 1600 and
2600 mg vitamin C per kg feed. The larvae were fed to apparent
satiation for a period of 31 days, four times a day (8h, 11h, 14h and
17h). The water temperature was measured daily, while the
physical-chemical parameters (dissolved oxygen, pH and conductivity)
were measured weekly. Not observed significant differences in
performance of larvae in relation to the final weight, final length,
condition factor, specific growth rate and survival. We conclude that
the performance and survival of catfish larvae
Rhamdia voulezi are not influenced by supplementation at levels above 600 mg vitamin C per kilogram of diet.
KEYWORDS: Native species, nutrition, vitamin C.
INTRODUÇÃO
O jundiá
Rhamdia voulezi é uma espécie endêmica da bacia do rio Paraná, pertence à classe dos
Osteichtyes, série
Teleostei, ordem dos
Siluriformes, e à família
Heptapteridae. De acordo com BALDISSEROTTO & RADUNZ-NETO (2005), jundiá é o nome comum dado aos peixes pertencentes ao gênero
Rhamdia. Os bagres desse gênero apresentam hábito alimentar onívoro, facilidade de criação e boa aceitação pelos consumidores (GOMES
et al., 2000).
REIDEL (2007) afirma que inúmeras são as vantagens da criação de
espécies de peixes nativos quando comparadas às exóticas, pois essas se
encontram adaptadas ao clima, alimentando-se em temperaturas mais
baixas. Para o bom desempenho das suas funções metabólicas,
imunológicas e reprodutivas, os peixes precisam de uma alimentação
balanceada em nutrientes, minerais e vitaminas. Assim, fazem-se
necessários estudos para identificar essas necessidades, de forma a
elaborar dietas que atendam às exigências de cada espécie, nas
diferentes fases de vida.
Vitaminas são compostos orgânicos distintos dos aminoácidos,
carboidratos e lipídios, e são necessárias em quantidades traços a
partir de fontes exógenas, para o crescimento normal (HALVER, 1989).
São classificadas em hidrossolúveis e lipossolúveis, sendo oito
hidrossolúveis exigidas em quantidades relativamente pequenas. Estas
têm a função principal de atuar como coenzima; as mais conhecidas as do
complexo B. Três vitaminas hidrossolúveis são necessárias em maior
quantidade: vitamina C, inositol e colina, que têm outras funções além
de coenzimas. As vitaminas A, D, E e K são lipossolúveis e apresentam
funções independentes das enzimas ou, em alguns casos, como a vitamina
K, podem ter papel de coenzima (NRC, 1993).
As vitaminas são exigidas em pequenas quantidades para crescimento normal, reprodução, saúde e metabolismo dos peixes (MIRANDA
et al.,
2003). A vitamina C é essencial para a maioria das espécies de
teleósteos, os quais não têm a capacidade de sintetizá-la a partir de
outras substâncias, pois não possuem a enzima gulonolactona oxidase.
Portanto, a vitamina C precisa ser adicionada à dieta, e a principal
forma utilizada é o ácido ascórbico.
A vitamina C atua no organismo como cofator para diversas reações,
dentre elas, a hidroxilação da prolina na síntese de colágeno, a
hidroxilação do triptofano para 5-hidroxitriptofano e a conversão do
3,4-dihidroxiphenilpiruvato para noraepinefrina (BAKER, 1967). HALVER
(1972) indicou alguns sintomas clássicos de deficiência de vitamina C
em peixes: o deslocamento da coluna (lordose e escoliose), a
deficiência na formação de colágeno e a distorção do suporte da
cartilagem. Também segundo NRC (1993), o ácido ascórbico é essencial
para a síntese de colágeno, a formação de cartilagem, dentes e ossos e
a cicatrização do tecido epitelial.
Um dos maiores problemas das espécies nativas é o início de seu
desenvolvimento, quando ocorrem mortalidades em taxas elevadas. Devido
à importante participação da vitamina C no metabolismo, acredita-se que
sua suplementação na dieta pode melhorar as características de
desempenho e sobrevivência das larvas de peixes (LOVELL, 1998), pois
essa vitamina tem função importante na formação de colágeno, que é o
principal componente do esqueleto (ROTTA, 2003).
A fase de larvicultura dos peixes caracteriza-se pela rápida depleção
das reservas de ácido ascórbico durante o desenvolvimento. O
metabolismo da larva é excepcionalmente maior nessa fase, sugerindo que
as exigências da vitamina C sejam maiores que nos estágios posteriores
(TOYAMA
et al., 2000).
Dessa forma, objetivou-se com o presente trabalho avaliar a
suplementação de vitamina C no desempenho e sobrevivência de larvas de
jundiás Rhamdia voulezi.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no Laboratório de Aquicultura da Unioeste,
Câmpus Toledo, PR, durante 31 dias, nos meses de janeiro e fevereiro de
2009. Utilizaram-se 375 larvas de jundiá
Rhamdia voulezi
com 48 horas após a eclosão, peso inicial médio de 2,8 ± 0,7 mg e
comprimento total de 5,4 ± 0,6 mm, quando as larvas apresentavam
abertura da boca e início da alimentação exógena. As instalações
experimentais possuíam 25 unidades de criação, com capacidade para 30 L
cada uma, em um delineamento inteiramente casualisado com cinco
tratamentos e cinco repetições, sendo que a unidade experimental foi
composta por um aquário com quinze larvas. As larvas foram obtidas por
meio de reprodução induzida de matrizes cultivadas em tanques-redes,
instalados no reservatório da usina hidrelétrica Governador José Richa,
no rio Iguaçu, município de Boa Vista da Aparecida, PR.
As dietas experimentais foram isoproteicas (45% de proteína bruta) e
isoenergéticas (3.800 kcal de energia digestível/kg), formuladas com os
mesmos ingredientes (
Tabela 1),
variando apenas os níveis de vitamina C: 600 (controle); 850; 1.100;
1.600 e 2.600 mg de vitamina C/kg de ração. O primeiro nível de
vitamina C (600 mg/kg) foi suprido pelo suplemento mineral e vitamínico
utilizado. Os outros níveis foram conseguidos através da suplementação
com vitamina C monofosfatada com 35% de pureza.
Os alimentos para fabricação das rações foram inicialmente moídos em um
triturador tipo martelo com peneira de 0,5 mm. Após a moagem, os
ingredientes foram peneirados, pesados e misturados, incorporando o
suplemento mineral e vitamínico. Realizou-se a suplementação dos níveis
de vitamina C diluindo-se a quantidade a ser fornecida na dieta em uma
pequena fração da mistura e posteriormente homogeneizando-a com a dieta
completa, o que resultou na ração farelada fornecida às larvas de
R. voulezi do experimento.
Na primeira semana de experimento, alimentaram-se as larvas com
Artemia
sp. Os microcrustáceos foram produzidos no Laboratório de Aquicultura
através da eclosão de cistos. Após uma semana, a ração foi fornecida em
conjunto com os náuplios de artêmia, quatro vezes ao dia (8h, 11h, 14h
e 17h), até a saciedade aparente. A partir do 15º dia até o final do
experimento, somente as rações experimentais foram fornecidas às
larvas. O processo de substituição da artêmia por ração foi gradativo,
para que as larvas se adaptassem ao manejo alimentar.
Os aquários possuíam sistema de aeração individual. Antes da última
alimentação, eles foram sifonados para a remoção de excretas dos peixes
e sobras de alimentos, retirando-se deles 40% do volume de água.
Mensurou-se a temperatura da água diariamente, pela manhã (8h 30 min.)
e à tarde (17h). Os parâmetros físico-químicos (pH, oxigênio dissolvido
[mg/L] e a condutividade elétrica [µs/cm]) foram verificados
semanalmente, utilizando-se medidores portáteis.
Ao final do período experimental, os peixes foram mantidos em jejum por
24 horas. Depois, os animais foram insensibilizados até a morte com
benzocaína na concentração de 250 mg/l e tiraram-se as medidas
individuais de peso (mg) e comprimento total (mm) de cada peixe em cada
uma das unidades experimentais. Foram avaliados o comprimento final
médio (CF), o peso final médio (PF), sobrevivência (SO), taxa de
crescimento específico (TCE) e fator de condição de Fulton (FC) dos
animais.
A taxa de crescimento específico foi calculada através da fórmula TCE =
[(ln PF – ln PI) / T] x 100, em que PF é o peso final (g), PI é o peso
inicial (g) e T é o tempo em dias (HOUDE, 1989).
A relação entre o peso e o comprimento corporal permite calcular um
parâmetro que determina o grau de bem-estar do peixe, o que se chama de
fator de condição. Dessa forma, nutrição, doenças e contaminantes são
altamente inter-relacionados com a criação do animal. O aporte
nutricional insuficiente pode alterar o fator de condição, conforme
RATZ & LLORET (2003). A estimativa do fator de condição pode ser
feita através do fator de condição de Fulton e do fator de condição
alométrico. Segundo o fator de condição de Fulton, a relação
peso-comprimento é isométrica (ROCHA
et al., 2005).
O fator de condição de Fulton foi calculado pela seguinte fórmula:
FC = W/l3
em que:
FC = fator de condição de Fulton,
W = peso corporal (g),
l = comprimento corporal total (cm).
Submeteram-se os dados ao teste de homogeneidade e normalidade da
análise de variância (ANOVA) pelo programa estatístico SAS (SAS
INSTITUTE, 2004), No nível de 5% de significância.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A temperatura da água dos aquários experimentais foi de 25,9 ± 1,40ºC,
valor inserido na faixa ideal para criação de peixes tropicais, de
acordo com PROENÇA & BITTENCOURT (1994). FRACALOSSI
et al. (2002) afirmam que o conforto térmico para jundiás se encontra entre 18,0 e 28,0ºC. PIEDRAS
et al. (2004), em trabalho com juvenis de jundiá
R. quelen
(peso médio de 24,6 g) para avaliar o crescimento em diferentes
temperaturas da água (20, 23 e 26ºC), concluíram que a espécie
apresenta maior ganho de peso (41,4 g) na temperatura de 23,7ºC.
O oxigênio dissolvido, o pH e a condutividade elétrica foram de 4,74 ± 0,71 mg L
-1, 7,97 ± 0,18 e 0,14 ± 0,06 µS cm
-1, respectivamente. BRAUN (2005) recomenda para melhor crescimento dos jundiás, valores acima de 4,3 mg.L
-1 de oxigênio dissolvido. MAFFEZZOLLI & NUÑER (2006) realizaram experimento com alevinos de jundiá
R. quelen em diferentes concentrações de oxigênio dissolvido (1,3; 2,4; 3,7; 5,4 e 7,5 mg O
2D mg L
-1), observando que o aumento da concentração desse elemento na água proporcionou maior aumento de peso e comprimento.
O pH de 7,97 encontrado neste estudo está dentro da faixa recomendada para juvenis de jundiá
R. quelen,
que é de 4,0 a 9,0 em águas moles, de acordo com BALDISSEROTTO &
RADUNZ-NETO (2005). Experimento relativo à influência do pH sobre o
desenvolvimento de larvas de jundiá
R. quelen mostrou que o melhor crescimento é obtido com pH de 8,0 a 8,5 (LOPES & BALDISSEROTTO, 2002).
Não foram observadas diferenças nos tratamentos (P>0,05) em relação
às médias de peso final, comprimento final, fator de condição, taxa de
crescimento específico e taxa de sobrevivência (
Tabela 2), indicando que a suplementação de vitamina C nos níveis utilizados não afetou os parâmetros de desempenho analisados.
Como a ração basal formulada para este experimento já continha
suplemento mineral e vitamínico, possivelmente o tratamento que não
recebeu suplementação (controle), e que apresentava 600 mg de vitamina
C/kg de ração, atendeu às exigências das larvas de jundiá
R. voulezi
nesse aspecto. Assim, os peixes do tratamento controle desenvolveram-se
em condições normais, tendo à sua disposição a concentração necessária
de vitamina C para seus processos metabólicos.
TROMBETTA
et al. (2006), em experimento para avaliar a suplementação vitamínica no desenvolvimento de larvas de jundiá
R. quelen,
observaram que a ausência de mistura vitamínica na ração reduz a
sobrevivência e o crescimento das larvas. Para esses autores, a mistura
vitamínica que obteve melhores resultados continha 5.000 mg/kg de ração
de vitamina C, proporcionando peso final de 157,7 mg após 21 dias. No
presente experimento, após 31 dias obteve-se peso final entre 290 e 380
mg.
Observou-se que não houve sinais de deficiência nos peixes alimentados
com as rações contendo menor suplementação de vitamina C. MELLO
et al. (1999), ao avaliarem o crescimento e a sobrevivência de alevinos de piauçu
Leporinus obtusidens
suplementados com diferentes níveis (0, 50, 150, 250, 350, 450, 550,
650, 750 e 850 mg) de vitamina C na dieta, também não detectaram sinais
de deficiência desse componente, como lordose e escoliose.
BORBA
et al. (2007) analisaram a resistência à ictiofitiríase (
Ichthyophthirius multifilis) do jundiá
R. quelen
alimentado com diferentes níveis de vitamina C (0, 250, 500, 1.000 e
2.000 mg/kg de ração). Os autores não observaram efeito significativo
das concentrações de vitamina C na dieta com relação ao crescimento e à
sobrevivência dos alevinos de jundiá.
Em experimento que avaliou o ganho de peso e a taxa de sobrevivência de pós-larvas de pacu (
Piaractus mesopotamicus) alimentadas com rações contendo diferentes níveis de vitamina C, MIRANDA
et al.
(2003) concluíram que a suplementação de 250 mg de vitamina C/kg de
ração, na forma de 2-monofosfato de ácido ascórbico L, apresentou-se
como a mais indicada para a fase pós-larval desse peixe.
Na análise do fator de condição, a dieta contendo 600 mg de vitamina
C/kg de ração obteve a maior média (0,98), que não diferiu
significativamente, contudo, dos demais níveis. PEIL
et al. (2007) observaram que o fator de condição de pós-larvas de jundiá
R. quelen alimentadas
com dietas contendo 0, 3.000, 9.000 e 15.000 UI de vitamina A por quilo
de ração também não apresentou diferença entre os tratamentos, com
valores oscilando entre 0,86 e 0,94.
No presente experimento, a taxa de crescimento específico teve valores
entre 14,75% e 15,86%, porém, sem diferenças significativas (P>0,05)
entre os tratamentos. TROMBETTA
et al. (2006), em estudo que avaliaou a suplementação vitamínica para larvas de jundiá
R. quelen, obtiveram melhores TCE (18,5% e 19,7%) para os tratamentos que continham 5.000 mg de vitamina C/kg de dieta.
Os resultados do presente trabalho podem ter sido influenciados pela
disponibilidade de vitamina C no tratamento controle (600 mg/kg de
ração) e pela perda dos nutrientes para a água por lixiviação, já que a
vitamina C utilizada não tinha proteção contra esse processo.
A sobrevivência das larvas de jundiá
R. voulezi
neste experimento variou de 73,33% a 81,33%, sem diferença
significativa entre os tratamentos. A maior média, de 81,33%, foi
obtida com a suplementação de 2.600 mg de vitamina C/kg de ração.
TROMBETTA
et al. (2006), ao avaliarem a suplementação vitamínica para larvas de jundiá
R. quelen,
observaram sobrevivência de 87,3% com a mistura vitamínica que continha
5.000 mg de vitamina C/kg de ração. Portanto, o presente experimento
demonstra que a concentração de 600 mg de vitamina C/kg de dieta é
adequada para manter um bom desenvolvimento das larvas.
CONCLUSÃO
O desempenho e a sobrevivência de larvas de jundiá
Rhamdia voulezi não são influenciados pela suplementação em níveis superiores a 600 mg de vitamina C por kilograma de dieta.
AGRADECIMENTOS
Ao Grupo de Estudo em Manejo na Aquicultura (GEMAq), pela estrutura
disponibilizada. À Secretaria de Ciência Tecnologia e Ensino Superior
(SETI) Fundo Paraná.
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em: 23 jul. 2010. Aceito em: 17 jan. 2011.