MIOGÊNESE DO
TECIDO MUSCULAR BRANQUIAL DO PEIXE EURIALINO Poecilia
vivipara (Cyprinodontiformes,
Poeciliidae) EXPOSTO À SALINIDADE
Adriana
Maria
Antunes1; Thiago Lopes Rocha1; José Oscar
Rodrigues
Morais1; Simone Maria Teixeira Sabóia-Morais1
1Laboratório de Comportamento Celular, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia-Go 74001-970, Campus II, ICB IV, Goiânia, Goiás, Brasil. - adrianaantunesbio@gmail.com, simonesaboias@gmail.com
RESUMO
Os
teleósteos Poecilia vivipara,
conhecidos popularmente como guarus, são caracterizados como
eurialinos, ou
seja, eles modulam o comportamento celular branquial para sobreviver em
ambientes com variações de salinidade. As brânquias do P.vivipara
possuem um conjunto de músculos estriados esqueléticos,
os músculos adutores e abdutores, que têm papel importante no processo
de
respiração. O presente trabalho teve como objetivos principais
descrever a
morfologia das estruturas musculares branquiais durante os estágios
iniciais do
seu desenvolvimento e realizar uma caracterização morfológica inicial
em guarus
adultos. Além disso, visou-se analisar os efeitos das diferentes
concentrações
de salinidade nas características morfológicas das fibras musculares
branquiais
de alevinos. Como resultados das investigações, observou-se que as
fibras
musculares são formadas entre a fase 2 e 3 do desenvolvimento
embrionário.
Nesse estágio de desenvolvimento, os músculos branquiais estão
inseridos na
porção basal do filamento branquial, possivelmente no tabique de
cartilagens
que suporta as brânquias, e organizados em feixes musculares
localizados ao
longo do filamento branquial. Essa organização morfológica permanece
nos adultos.
Detectou-se um aumento no diâmetro das fibras e dos feixes musculares
em
alevinos expostos a concentrações de sal marinho, o que permite
relacionar o
tamanho corporal dos guarus com o grau de salinidade do ambiente onde
vivem.
---------------------
PALAVRAS-CHAVE:
guaru; músculo branquial; ontogênese; salinidade.
MYOGENESIS
OF GILL MUSCLE TISSUE OF THE EURYHALINE
FISH Poecilia
vivípara (Cyprinodontiformes, Poeciliidae) EXPOSED TO SALINITY
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
O
guaru modula o comportamento celular
branquial para sobreviver em
ambientes com variações de salinidade (SABÓIA-MORAES et al., 1996).
Isso porque
as brânquias possuem papéis vitais para os peixes, atuando como sítios
de
trocas gasosas, em processos de íon/osmorregulação, equilíbrio
ácido-básico,
excreção de compostos nitrogenados e gustação (LAURENT et al., 1985;
MOYLE et
al., 1996; DÍAZ et al., 2005; VIGLIANO et al., 2006).
O
guaru possui quatro pares de arcos
branquiais constituídos de
numerosos filamentos branquiais, os quais possuem lamelas secundárias.
Segundo
JOBLING (1995), as lamelas secundárias representam a superfície
funcional
respiratória, por onde o oxigênio é absorvido da água e difundido ao
sangue e
aos tecidos.
As
brânquias são compostas por dois
tipos de músculos estriados
esqueléticos, abdutor e adutor (BURLESON et al., 2001). Essa
musculatura dos
filamentos branquiais desempenha a ação de bombear a água através das
brânquias, atuando no direcionamento do fluxo da água (cavidade
faríngea –
cavidades operculares – meio externo), tendo então papel nos mecanismos
de
respiração (BALLINTIJN et al., 1985).
Existem
três tipos de fibras
musculares, a intermédia, a vermelha e a
branca, cuja distribuição e frequência determinam as características
metabólicas e contráteis do músculo esquelético, revelando suas
propriedades
bioquímicas e fisiológicas (PETER et al., 1972). O músculo branco
compreende
cerca de 70% da massa miotomal e corresponde à parte comestível dos
peixes
(ZHANG et al., 1996), possui metabolismo glicolítico e contração rápida
(DRIEDZIC et al., 1976). O músculo vermelho possui metabolismo aeróbico
e
contração lenta (LUTHER et al., 1995;
JONHSTON et al., 1977). Existe uma camada muscular com características
intermediárias entre o músculo branco e vermelho; essa massa muscular
juntamente com a musculatura vermelha representa 30% do total da massa
muscular. A coloração das fibras musculares é também um indicativo do
grau de
vascularição. Assim, as fibras vermelhas são muito vascularizadas e têm
a
aparência escura devido ao alto teor de mioglobina, o que facilita a
perfusão
de oxigênio para o músculo, dotanto-o de alta capacidade para o
metabolismo oxidativo.
Em contraste, o músculo branco apresenta menor vascularização e possui
fibras
capazes de produzir energia na ausênia de oxigênio (SANTOS, 2007).
Neste
sentido, o fenótipo dos tipos de fibras musculares adultas resulta de
eventos
que ocorrem desde a fase embrionária e vários genes estão envolvidos
nesse
processo de diferenciação (SARTORI et al., 2001).
A
miogênese é o processo de formação
do tecido muscular e é um mecanismo
plástico que envolve um conjunto de células precursoras miogênicas
chamadas de
mioblastos (JOHNSTON, 1999). Os mioblastos são células indiferenciadas
presentes no miótomo que vão se especificar em miócitos e dar origem às
fibras
musculares. Durante o desenvolvimento muscular, uma população de
mioblastos não
se diferencia, permanecendo associada à periferia da fibra muscular,
entre a
lâmina basal e o sarcolema, como células satélites musculares
quiescentes
(SCHULTZ & MCCORMICK, 1994). As células satélites possuem grande
atividade
mitogênica e a sua progênie pode se fundir formando novas fibras
musculares, ou
mesmo se unir às fibras musculares já existentes. Dessa forma, elas
contribuem
para o crescimento, reparo e manutenção do músculo esquelético (HAWKE, 2001). A forma ativa das
células satélites, assim como as células precursoras musculares durante
as
fases iniciais de desenvolvimento é denominada de mioblasto (RANTANEN
et al.,
1995).
Para
os vertebrados é comum que em
alguns aspectos a ontogênese remonte
a filogênese (CARVALHO NETO & TOURINHO, 2001). Nesse sentido, mesmo
considerando outros grupos do filo Chordata (BEASTER-JONES, 2006), é
possível
verificar que durante a embriogênese a mesoderme paraxial origina os
somitos
ventromedial e dorsomedial. O somito ventromedial é responsável pela
formação
do esclerótomo mesenquimal que vai originar o esqueleto axial e as
costelas. O
somito dorsomedial origina o dermomiótomo que forma os derivados
cutâneos e o
miótomo. Assim, fatores de crescimento e de transcrição atuam juntos
durante a
formação do miótomo, de forma que o somito e estruturas adjacentes
(ectoderme,
tubo neural, notocorda e estruturas vasculares) darão origem ao tecido
muscular
após varias reações moleculares (HAWKE et
al, 2001).
O
conhecimento da miogênese do tecido
muscular permite não somente a
compreensão dos mecanismos morfofuncionais dos músculos presentes nos
filamentos branquiais, como também o entendimento da composição química
e da
citofisiologia a ser comparada com a de outras regiões corpóreas e com
os
peixes de interesse comercial. De acordo com SALES & SALES (1990),
a
musculatura de peixes é considerada de grande importância para
formulação de
dietas nutritivas apropriadas, sendo de amplo valor econômico para as
indústrias de pescado.
A
compreensão acerca da miogênese do
guaru também contribuirá para os
estudos de toxicologia experimental e ecotoxicologia aquática. Isso
porque o
guaru é um biomonitor da poluição aquática e o tecido muscular é um
órgão
bioacumulador de vários elementos tóxicos presentes nos corpos d’água
(VARSHNEY, 1991).
Objetivou-se
com o presente trabalho
descrever a morfologia das
estruturas musculares durante a diferenciação e organização das fibras
musculares estriadas esqueléticas branquiais do Poecilia
vivipara nos estágios iniciais do seu desenvolvimento,
focando as fases de embrião, larva e alevino. Visou-se analisar a
interferência
da exposição dos alevinos a diferentes concentrações de salinidade nas
características morfológicas das fibras musculares branquiais. Além
disso,
realizou-se nos espécimes adultos uma caracterização morfológica
inicial do
músculo estriado esquelético branquial.
Para
tal estudo foram necessárias 30
fêmeas de guaru gestantes em estágios de prenhês
distintos. Os animais foram aclimatados por um período
de 48 horas em tanque
com 40L de água doce (AD). A água, originalmente destinada ao
abastecimento urbano,
foi filtrada e o resíduo de cloro foi eliminado por meio de aeração,
sendo
assim utilizada água declorinada. Durante o período de aclimatação, os
índices
de oxigênio e amônia foram medidos através de Kits da LABCON TEST®,
e os parâmetros de temperatura, luminosidade e salinidade foram
acompanhados.
Os peixes foram alimentados com ração comercial ALCON COLOURS®.
Os
espécimes utilizados foram
divididos em dois grupos. No primeiro
grupo 15 fêmeas foram sacrificadas por decapitação e do seu ventre
coletados
embriões em diferentes estágios de desenvolvimento, sendo o estágio de
cada
espécime avaliado através de microscopia estereoscópica. Além da coleta
dos
embriões, foram coletados deste grupo de fêmeas os arcos branquiais,
para a
análise das brânquias de espécimes adultos. As demais fêmeas, que
constituíram
o segundo grupo, foram divididas em tanques maternidades e assim
mantidas até o
nascimento dos alevinos. Ao nascer, os alevinos foram retirados da água
doce
(AD) e expostos à água com diferentes salinidade (0‰, 5‰, 10‰,
15‰ e 20‰) (sal marinho comercial Coralife -
USA), em
sistema estático sem renovação da água, por um período total de 2
horas. Foram
colhidos 25 alevinos e utilizados cinco para cada tratamento.
Após
a coleta de embriões, larvas e
alevinos, esse material biológico
foi fixado por imersão em Karnovsky (KARNOVSKY, 1965), por duas horas,
e
mantidos em álcool etílico 70%. Em
seguida, o material foi incluso em historessina (Leica Historesin®) e
seccionados com 1 µm de espessura no ultra-micrótomo (Leica Ultracut
UCT®). Os
cortes foram submetidos à coloração de azul de toluidina aquoso a 1%,
pH 8,4,
para a visualização da organização geral das fibras musculares. Os
arcos
branquiais oriundos dos espécimes adultos foram inclusos em paraplast,
seccionados
a 4μm de espessura e corados com Hematoxilina-Eosina.
As fotodocumentações foram realizadas por
meio do fotomicroscópio (LEICA DMLB®).
A
análise morfométrica foi realizada
no tecido muscular branquial dos
alevinos expostos a variações de salinidade.
Foram sorteados dois espécimes de cada tratamento com
salinidade,
totalizando o sorteio de três lâminas e cinco cortes de cada espécime
por
tratamento. A morfometria foi realizada
por meio das fotomicrografias cujas imagens foram ampliadas em 400
vezes. Os
parâmetros histométricos utilizados foram os diâmetros das fibras e
diâmetro
dos feixes musculares branquiais. Dessa forma, em cada imagem capturada
foram
mensurados os diâmetros supracitados utilizando-se o programa IMAGE
PRO-PLUS
6.0 (Microsoft® Window 32-bit sistems Window® XP Professional). A
análise
estatística baseou-se no teste de análise de variância (ANOVA) e no
teste de
Tukey para comparações múltiplas, por meio do programa BioEstat 4.0,
adotando-se nível de significância igual a 5% (α = 0,05).
RESULTADOS E
DISCUSSÃO
Estudos
preliminares da ontogênese do Poecilia vivipara identificaram
oito
fases do desenvolvimento por meio das quais é possível a distinção das
características morfológicas observadas ao microscópio estereoscópico:
Fase 1,
ovo rico em vitelo; Fase 2, embrião com formato arredondado e início da
formação do globo ocular; Fase 3, embrião ainda circundando o vitelo,
com olhos
e região dorsal pigmentados; Fase 4, larva com formato cilíndrico,
apresentando
saco vitelínico externalizado, com grande quantidade de vitelo; Fase 5,
larva
com redução do saco vitelínico e com pigmentação acentuada do dorso;
Fase 6,
larva com pouco vitelo externalizado, indivíduo próximo ao nascimento;
Fase 7,
alevino ou pós-nascido com livre natação e apto a explorar o ambiente
externo
ao corpo materno; Fase 8, espécime jovem, com início da maturação
sexual.
É
possível observar o início da
formação das
brânquias no P. vivípara entre as
fases 2 e 3 juntamente com a formação da nadadeira caudal e do globo
ocular.
Como nesta fase ocorrem intensas modificações morfológicas, supõe-se
que a
migração das células precursoras que darão início à formação das fibras
musculares diferenciadas também tenha início. Infere-se então que, simultaneamente ao desenvolvimento das
brânquias
no P. vivípara, ocorre a miogênese do
músculo estriado esquelético branquial.
A
partir da fase 3 do desenvolvimento
é possível observar a presença do
músculo estriado esquelético branquial (Figuras 1 e 2). Os músculos
branquiais
estão inseridos na porção basal do filamento branquial, possivelmente
no
tabique de cartilagens que suporta as brânquias. A partir desse ponto
de
inserção cada tipo muscular se origina de um lado do vaso sanguíneo
localizado
abaixo da cartilagem (Figura 3),
sendo que os músculos adutores
localizam-se
entre as bases dos filamentos branquiais e os abdutores têm as suas
fibras
prolongadas ao longo do filamento branquial (Figura 4).
Essa organização do tecido muscular pode ser
observada a partir da fase 3 de desenvolvimento, e estudos da
morfologia do
músculo estriado esquelético branquial utilizando espécimes adultos, em
que as
brânquias já estão completamente desenvolvidas, podem confirmar essa
localização e organização do músculo branquial.
Ao longo dos estágios de embrião, larva e alevino, é possível observar o aumento gradual no diâmetro dos feixes musculares branquiais. A ontogênese do tecido muscular e a ativação dos tipos de fibras musculares até os momentos finais do desenvolvimento embrionário são de grande importância. O funcionamento do músculo estriado esquelético branquial é de grande valor para o alevino uma vez que, ao nascer, ele necessitará das atividades musculares para os mecanismos de respiração e para a obtenção de energia, o que possibilitará a livre natação e a fuga de predadores.
A
análise morfométrica
do músculo estriado esquelético branquial de alevinos expostos a
diferentes
concentrações de salinidades mostrou diferenças significativas no que
se refere
ao aumento do diâmetro dos feixes e das fibras musculares. Verificou-se
aumento
significativo no diâmetro das fibras (F= 20.7716 e P <
0,0001) e dos
feixes musculares (F=8.8718 e P < 0,0001) de todos os
espécimes
expostos (Figuras 5 e 6) a concentrações de sal
marinho (AS), quando comparado
com os espécimes de água doce (AD) (Tabela 1).
Ao comparar cada tratamento de AS com o grupo controle (AD), verificou-se que a maior diferença foi apresentada pelos grupos de 15‰ e 20‰, ou seja, o maior aumento no diâmetro das fibras e feixes musculares durante a exposição à salinidade foi observada na exposição a 15 e 20 ppm. Os dados referentes à variação no diâmetro das fibras e feixes musculares são apresentados nas Figuras 7 e 8.
Os dados obtidos acerca da
caracterização morfológica do músculo estriado esquelético branquial estão de
acordo com os descritos por BULERSON et al. (2001). Segundo esse autor, dois
conjuntos de músculos estão ligados ao arco cartilaginoso que suporta as
brânquias, os músculos abdutores que se localizam entre as bases do filamento
do arco branquial e os músculos adutores que estão localizados entre as
hemibrânquias. A atividade desse conjunto de músculos permite que a extração de
oxigênio da água ocorra de forma eficiente.
No guaru, a partir da fase 3
de desenvolvimento já é possível observar esse conjunto de músculos branquiais,
seguindo a mesma morfologia proposta por BULERSON et al. (2001). Essa
organização morfológica do tecido muscular branquial é também observada em
espécimes adultos de guaru.
Ao longo dos estágios de embrião, larva e alevino, foi possível
observar o aumento gradual no diâmetro dos feixes musculares branquiais.
Segundo WEATHERLEY et al.
(1988), o desenvolvimento da musculatura depende dos processos de hipertrofia e
de hiperplasia. A hiperplasia e a hipertrofia são mecanismos regulados por
fatores moleculares (WATABE et al.,
2001). Os genes reguladores têm uma taxa de expressão
mais elevada durantes as etapas iniciais de desenvolvimento e controlam a
proliferação das células miogênicas progenitoras, o que corresponde ao processo
de hiperplasia. Já outras ações moleculares mediadas por proteína controlam a
diferenciação e fusão dos mioblastos para formar as miofibras, processo de hipertrofia.
De acordo com WEATHERLEY et
al. (1988), em espécies de pequeno
porte, o crescimento muscular envolve principalmente hipertrofia das fibras
formadas no embrião durante o início da fase larval. Dessa forma, supõe-se que
o aumento do diâmetro dos feixes musculares branquiais do P. vivipara ao
longo das fases de desenvolvimento ocorre através do mecanismo de hipertrofia. No
entanto, o processo de crescimento muscular do guaru precisa ser melhor
estudado.
Quanto aos mecanismos de
contração muscular, as fibras musculares branquiais são controladas pelo sistema
nervoso central (MARK et al., 2001), modificando a posição do filamento
branquial durante a ventilação. No entanto, o padrão de contração muscular não
é bem definido durante o ciclo respiratório. PASZTOR & KLEEREKOPER (1962) observaram,
que os músculos abdutores e adutores contraem-se uma vez durante o ciclo
ventilátorio. Já BALLINTIJN et al. (1983) afirmaram que esses músculos
contraem-se duas vezes a cada ciclo. Em P.
vivipara ainda não é determinado o número de contrações musculares durante
o ciclo respiratório; entretanto, a contração do músculo branquial é de extrema
importância para a respiração branquial.
Foi verificado também que ocorre um aumento no diâmetro
das fibras e dos feixes musculares dos espécimes quando são expostos à salinidade.
Esse resultado está de acordo com os dados descritos por BIZERRIL & PRIMO
(2001), que relacionaram o tamanho corporal dos guarus com o grau de salinidade
do ambiente onde vivem, mostrando que espécimes de P. vivipara coletados em AS apresentaram maior tamanho e massa
corporal do que aqueles coletados em AD.
O aumento
do diâmetro das fibras e dos feixes musculares devido à salinidade pode ser
explicado por mecanismos fisiológicos. BOEUF & PAYAN (2001) sugerem que
pode haver mais de um mecanismo envolvido nesse aumento, como redução na taxa
metabólica basal, aumento da taxa de alimentação, aumento na conversão de
alimentos e otimização da osmorregulação em salinidades ótimas. Como os
alevinos de P. vivipara não possuem
alimentação exógena nos períodos iniciais de livre natação, supõe-se que outros
mecanismos não alimentares devem ser responsáveis pelo aumento no diâmetro das
fibras e feixes musculares.
A diferença nos gradientes de salinidade modifica os
mecanismos de osmorregulação. Os peixes em AD ou com salinidade reduzida perdem
de forma passiva íons para o meio, e essa perda deve ser compensada pela
entrada de íons oriundos do ambiente onde estão e a dieta passa a ser a
principal fonte de sais (SMITH et al., 1989). Em concentrações de salinidade
ótimas, próximos ao ponto isosmótico, os peixes apresentam uma demanda
energética menor para a osmorregulação, uma vez que há também a minimização do
consumo de oxigênio, e essa energia poupada pode ser canalizada para outros
processos do desenvolvimento somático e então acelerar o crescimento (BOEUF
& PAYAN, 2001). Dessa forma, supõe-se que os alevinos de Poecilia vivipara expostos à salinidade
aumentaram o diâmetro das fibras e feixes musculares devido a mecanismos de
osmorregulação.
Sugere-se que os alevinos expostos a concentrações de
salinidade próximas a 15 e 20‰
pode ter reduzido o gasto energético no processo de osmorregulação, devido a
esse gradiente representar um ponto isosmótico em relação aos fluídos corporais,
disponibilizando, dessa forma, mais energia para o desenvolvimento muscular
branquial. Esses dados estão de acordo com AMARAL et al. (2001), que afirmaram
que a maior atividade da bomba de sódio e potássio ocorre em 20‰ de salinidade, e que esta é a melhor salinidade
para o cultivo de P. vivipara.
No entanto, a diferença no diâmetro das fibras e feixes
musculares desse tratamento comparado com os demais grupos expostos à
salinidade não foi estatisticamente significativa, provavelmente porque o tempo
de exposição foi de apenas 2 horas.
O conhecimento dos efeitos da salinidade nas
características musculares é importante porque os guarus são espécimes que
habitam águas continentais, como lagoas, e estas podem esporadicamente se
comunicar com os oceanos através das aberturas de barras, formando gradientes
de salinidade (BIZERRIL & PRIMO, 2001). Segundo SUZUKI et al. (2002), uma
mesma lagoa pode apresentar diferentes gradientes de salinidade ao longo da sua
extensão, o que expõem essa espécie constantemente a variações de salinidade.
Dessa maneira, os alevinos, mesmos nos momentos iniciais de livre natação,
necessitam que as estruturas branquiais, com seus respectivos tipos celulares,
estejam formadas e aptas a exercerem suas funções vitais.
A compreensão da influência da salinidade no tecido
muscular possui relevância também na área da aquicultura, uma vez que o
estabelecimento do gradiente de salinidade isosmótico pode maximizar o
crescimento de espécies com valor comercial. Assim, conhecimentos adquiridos
nessa área por meio de estudos com espécies modelos como o guaru podem também
ser utilizados para melhorar a criação de peixes para consumo na alimentação.
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