AVALIAÇÃO DO PRAZO DE VALIDADE DO IOGURTE
Francisco José Otto Coelho,1 Pedro Souza Quevedo,2 Angelo Menin2 e Cláudio Dias Timm2
1. Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado do RS
2. Universidade Federal de Pelotas, Departamento de Veterinária Preventiva, Faculdade de Veterinária
E-mail: timm@ufpel.tche.br
RESUMO
O objetivo do trabalho foi avaliar por quanto tempo, após a
produção, o iogurte se mantém adequado ao consumo,
quanto às características microbiológicas e de
acidez. Analisaram-se amostras de quatro partidas de três marcas
de iogurte com polpa de frutas, no dia da coleta, na data do vencimento
e 15, 30, 45 e 60 dias após o término do período
de validade. Realizaram-se contagens de coliformes totais e
termotolerantes, bem como de bolores e leveduras, e determinou-se a
acidez titulável. As contagens de coliformes totais e
termotolerantes de todas as amostras apresentaram resultado < 0,3
NMP/mL. Na data de término da validade, três partidas de
duas marcas alcançaram contagens de bolores e leveduras
superiores aos valores determinados pela legislação
brasileira. Acidez titulável abaixo dos limites estabelecidos
também foi observada em três partidas de duas marcas, na
data do vencimento. Registrou-se aumento da acidez, de bolores e
leveduras durante o prazo de validade. Após, houve
tendência à diminuição da acidez
titulável. A contagem de bolores e leveduras apresentou
crescimento gradual, entrando em declínio a partir de 45 dias
pós-vencimento. Não é recomendável a
dilatação do prazo de validade adotado para o iogurte das
marcas estudadas.
PALAVRAS-CHAVES: Acidez, bolores e leveduras, iogurte.
ABSTRACT
VALUATION OF YOGURT VALIDITY DATE
The aim of this work was to evaluate for how long before the production
the yogurt continues adequate for consumption regarding microbiological
characteristics and acidity. Samples of four lots of three makes of
yogurt with fruit pulp were analysed. Each lot was analyzed in the
collected day, in the last day of the validity date and 15, 30 45 and
60 days after finishing the validity date. The assays were total and
thermotolerant coliforms count, molds and yeasts count and titratable
acidity. All samples presented total and thermotolerants coliforms
counts < 0.3 MPN/mL. At the end of the validity date, three lots of
two makes exceeded the values established for Brazilian legislation.
Titratable acidity below the legal limits also was found in three lots
of two makes. The acidity and the molds and yeasts count increased
during the validity date. After, there was a tendency to decrease the
titratable acidity and the molds and yeasts count presented a gradual
increase, decreasing from 45 days after the last day of the validity
date. It is not recommended to increase the validity date used for
yogurt of the makes studied.
KEY WORDS: Acidity, molds and yeasts, yogurt.
INTRODUÇÃO
Entende-se por
iogurte o produto cuja fermentação se realiza com
cultivos de Streptococcus salivarius subsp. thermophilus e
Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, os quais podem ser
acompanhados, de forma complementar, de outras bactérias
acidolacticas, que, por sua atividade, contribuam para a
determinação das características do produto final
(BRASIL, 2000). No início da fermentação, o pH do
leite favorece o desenvolvimento de Streptococcus. Com o aumento da
acidificação, ou seja, do teor de acidoláctico,
há predomínio do crescimento de Lactobacillus (RODAS et al., 2001).
As
características do iogurte estão relacionadas à
sua acidez, que se altera durante o armazenamento, dependendo da acidez
inicial e da temperatura de estocagem (SALJI & ISMAIL, 1983). No
Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA) indica um valor entre 0,6 e 1,5 g de ácido
lático/100 g como aceitável para o iogurte ser liberado
para o comércio (BRASIL, 2000).
Como todos os
produtos de origem animal, o iogurte deve ter os microrganismos
patogênicos e saprófitos em limites controlados para
não causar danos ao alimento ou à saúde
pública (JOHNSON & STEELA, 2001).
Um problema que
contribui para a perda do produto, com consequentes prejuízos
para a indústria, é a contaminação por
bolores e leveduras, que podem causar alterações nas
características organolépticas, devido à
capacidade de produzir enzimas hidrolíticas (XAVIER et al.,
2006). O MAPA determina limites para contagem de bolores e leveduras em
iogurte que devem ser observados para que o produto possa ser
comercializado.
A contagem de
coliformes é uma análise microbiológica comumente
empregada na avaliação do iogurte. Segundo FRANCO &
LANDGRAF (2003), número elevado de coliformes totais em
alimentos processados indica processamento inadequado,
recontaminação pós-processamento e/ou
proliferação microbiana. Já a contagem de
coliformes fecais ou termotolerantes fornece, além das
informações sobre as condições
higiênicas do produto, também indicação da
eventual presença de microrganismos enteropatogêncios. A
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),
em sua Resolução nº 12, de 2001, determina que a
contagem de coliformes termotolerantes em iogurte no comércio
varejista não deve ser superior a 10 NMP/mL (BRASIL, 2001).
O iogurte, por
estar sujeito a alterações microbiológicas e
físico-químicas, deve ser submetido a análises
periódicas, de forma a estabelecer por qual período de
tempo o produto pode ser mantido no comércio em
condições compatíveis com o consumo humano.
Há vantagens econômicas na extensão da vida de
prateleira do produto, entretanto, durante o período de
validade, o alimento deve atender às exigências de
qualidade determinadas pela legislação vigente.
O objetivo do
presente trabalho foi avaliar por quanto tempo após a
fabricação o iogurte mantém
condições adequadas ao consumo, considerando a acidez, a
contagem de bolores e leveduras e as contagens de coliformes totais e
termotolerantes.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram
analisadas amostras de quatro partidas de três marcas de iogurte
com polpa de frutas coletadas durante o período de maio a agosto
de 2006 no comércio varejista da cidade de Pelotas, Rio Grande
do Sul, até dez dias após a data de
fabricação. Acondicionaram-se as amostras, mantidas nas
embalagens originais, em caixas de isopor com gelo e imediatamente
encaminhadas ao laboratório, sendo estocadas a 8ºC. Os
produtos tinham prazo de validade de 45 dias, estabelecido pelos
fabricantes. Cada partida foi analisada no dia da coleta, na data do
vencimento e 15, 30, 45 e 60 dias após o término do
período de validade. Os ensaios realizados foram contagem de
coliformes totais e termotolerantes, contagem de bolores e leveduras,
de acordo com os Métodos Analíticos Oficiais para
Análises Microbiológicas para Controle de Produtos de
Origem Animal e Água (BRASIL, 2003b), e
determinação da acidez titulável, conforme os
Métodos Analíticos Oficiais Físico-Químicos
para Controle de Leite e Produtos Lácteos (BRASIL, 2003a).
Os resultados
obtidos dentro do prazo de validade dos produtos foram confrontados com
os limites estabelecidos no Regulamento Técnico sobre
Padrões Microbiológicos para Alimentos (BRASIL, 2001) e
os Padrões de Qualidade e Identidade dos Leites Fermentados
(BRASIL, 2000).
Submeteram-se
os resultados dos ensaios na data do vencimento e pós-vencimento
à análise de variância e comparação
entre médias pelo teste de Tukey com uso do programa
Statistix® (2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As contagens de
coliformes totais e termotolerantes de todas as amostras estudadas
apresentaram resultados < 0,3 NMP/mL. Tanto no período de
validade estipulado pelas indústrias como durante o
período pós-vencimento estudado, nenhuma amostra
apresentou resultados fora dos limites estipulados pela
legislação vigente para esses parâmetros
microbiológicos. Alguns fatores não estudados neste
trabalho podem ser responsáveis ou ter colaborado para que as
contagens de coliformes, tanto totais como termotolerantes, de todas as
amostras analisadas, tenham ficado abaixo dos limites
detectáveis pela técnica utilizada. O leite utilizado na
produção do iogurte poderia ter originalmente baixa
população de coliformes ou ter sofrido tratamento
térmico que os eliminasse ou reduzisse o seu número.
Independentemente, a multiplicação das bactérias
acidolácticas durante a fermentação resulta na
produção de metabólitos, como o ácido
láctico, com efeito inibitório sobre bactérias
Gram negativas.
As contagens de
bolores e leveduras das amostras das quatro partidas das três
marcas de iogurte estudadas estão demonstradas na Tabela 1.
Todas as amostras apresentaram contagem de bolores e leveduras < 10
x 101 UFC/mL na primeira análise. Entretanto, na data de
término da validade, três partidas de duas marcas
alcançaram contagens superiores aos valores estabelecidos pela
legislação brasileira. Resultados similares têm
sido encontrados por outros autores que têm observado contagens
de bolores e leveduras acima dos limites permitidos em iogurtes
comercializados em diferentes regiões do Brasil (MOREIRA et al., 1999; MOREIRA et al., 2001; MORAES et al., 2002).
As
análises de acidez titulável das amostras das quatro
partidas das três marcas de iogurte estudadas são
apresentadas na Tabela 2.
Na primeira análise, três partidas da marca A e uma da
marca B apresentaram acidez titulável abaixo dos valores
recomendáveis. Esse fato reflete a preocupação das
indústrias em produzir iogurte com baixa acidez, deixando o
produto com características sensoriais mais aceitáveis
por parte do consumidor, o que pode ser obtido pela
redução do tempo de fermentação. Embora
não seja provável, pois o problema foi observado em
quatro partidas de duas diferentes marcas, a presença de
resíduos de substâncias conservadoras não pode ser
descartada. Na data do vencimento da validade, três partidas de
duas marcas estavam com acidez titulável abaixo dos limites
estabelecidos. Embora a acidez média das amostras tenha
aumentado durante o prazo de validade, algumas partidas apresentaram
comportamento diferente, apresentando diminuição nos
valores de acidez. Interessante observar que duas dessas amostras que
tiveram a acidez diminuída durante o prazo de validade
também apresentaram contagens de bolores e leveduras acima dos
limites legais.
validade,
passando o valor médio inicial das amostras de 0,66 g de
ácido láctico/100 g, no momento da coleta, para 0,72 g de
ácido láctico/100 g, na data de vencimento, o que
provavelmente se deveu à alteração denominada
pós-acidificação. TAMINE & ROBINSON (1991)
denominaram pós-acidificação o incremento na
acidez após o período de incubação, ou
seja, desde o resfriamento até o consumo. Segundo esses autores,
a acidez varia, durante a estocagem, em maior ou menor grau, dependendo
da acidez inicial, da temperatura de armazenamento e do poder
acidificante da cultura. A acidez do iogurte é
consequência da acidificação láctica obtida
ao final da incubação e da
pós-acidificação durante a estocagem (BEAL et al.,
1999). FERNANDEZ-GARCIA & McGREGOR (1994) demonstraram que o
aumento na concentração de ácido láctico no
iogurte ocorre até, pelo menos, quatro semanas após a
fabricação. LONGO et al.
(2006), analisando a acidez de iogurtes naturais no Paraná,
obtiveram resultados semelhantes aos do presente trabalho e
consideraram a pós-acidificação como a
possível causa do aumento da acidez titulável de algumas
amostras analisadas.
Após o
término do período de validade, houve
variação significativa (P < 0,05) na acidez
titulável, com tendência à diminuição
(Figura 1).
Este fato deveu-se, provavelmente, ao concomitante aumento na contagem
de bolores e leveduras. A pós-acidificação resulta
em aumento da acidez titulável e diminuição do pH
do iogurte. O acúmulo de ácido láctico inibe o
crescimento das bactérias ácido-lácticas,
favorecendo, com a diminuição do pH, o crescimento de
bolores e leveduras (SURIYARACHCHI & FLEET, 1981). Algumas
espécies de bolores e leveduras utilizam ácido
láctico, levando, consequentemente, ao aumento no pH do meio
(FRANCO & LANDGRAF, 2003). SURIYARACHCHI & FLEET (1981)
isolaram de iogurte espécies proteolíticas de leveduras
capazes de elevar o pH do produto através da hidrólise da
caseína. A variação entre as marcas estudadas
também foi significativa (P < 0,05), o que pode ser
decorrente de diferenças no processamento industrial com
repercussões na acidez do produto.
Após o
prazo de validade, não houve diferenças estatisticamente
significativas (P > 0,05) nas contagens de bolores e leveduras, que
apresentaram crescimento gradual, entrando em leve declínio a
partir de 45 dias pós-vencimento (Figura 1), possivelmente devido a condições nutricionais e ambientais desfavoráveis.
CONCLUSÕES
Não
é recomendável a dilatação do prazo de
validade adotado para o iogurte das marcas estudadas, uma vez que
algumas delas apresentaram partidas com amostras fora dos
padrões estabelecidos na legislação para os
parâmetros avaliados.
A
fiscalização do iogurte oferecido ao consumo no
comércio varejista deve ser mais rigorosa, quanto aos limites de
acidez titulável e de contagens de bolores e leveduras.
Adicionalmente, as empresas devem estar dotadas de eficiente controle
de qualidade no processamento e armazenamento dos produtos,
estabelecendo prazos de validade compatíveis com a
manutenção dos parâmetros microbiológicos e
físico-químicos dentro dos limites determinados pela
legislação vigente.
Os coliformes não são o principal motivo de preocupação quanto à qualidade do iogurte
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