PREFERÊNCIA DE CAPRINOS EM PASTEJO: EFEITO DA ALTURA DOS DOSSÉIS DAS FORRAGEIRAS ARUANA E HEMÁRTRIA


Cláudio José Araújo da Silva,1 João Ricardo Dittrich,2 Alda Lúcia Gomes Monteiro,3
Aníbal de Moraes,4 Carina Simionato de Barros5 e Edílson Batista de Oliveira6

1. Engenheiro agrônomo, doutorando do Curso de Pós-Graduação em Produção Vegetal, UFPR.
E-mail: cja001@bol.com.br
2. Médico veterinário, professor doutor adjunto do Departamento de Zootecnia da UFPR. CEP 80035-050. Curitiba, PR
3. Engenheira agrônoma, professora doutora adjunta do Departamento de Zootecnia da UFPR. CEP 80035-050. Curitiba, PR
4. Engenheiro agrônomo, professor doutor adjunto do Departamento de Fitotecnia da UFPR. CEP 80035-050. Curitiba, PR
5. Médica veterinária, professora da Uniguaçu, CEP 84600-000. União da Vitória, PR
6. Engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Florestas. CEP 83411-000. Colombo, PR




RESUMO

O comportamento alimentar dos caprinos em pastagens cultivadas é pouco estudado, mas tem grande importância no desempenho dos animais. Avaliaram-se a estrutura das forrageiras Panicum maximum Jacq. cv. Aruana e Hemarthria altissima cv. Flórida e a preferência de caprinos em pastejo. Desenvolveu-se o experimento no município de Campo Largo, PR, em março de 2004. Utilizaram-se aruana (A) e hemártria (H) em duas alturas, menor (1) e maior (2), alocadas em delineamento experimental em blocos ao acaso em arranjo fatorial com três repetições. Foram utilizados nove caprinos distribuídos em três piquetes de 672 m2. No pasto, procedeu-se à determinação da altura, das massas de forragem e dos componentes folha, colmo e material senescente. A preferência, a taxa de bocados e a profundidade de bocados foram avaliadas nos animais. Dosséis altos e perfilhos com maior altura foram mais procurados para pastejo (p<0,05). A relação entre altura de perfilhos e profundidade de bocado mostrou-se linear e positiva (p<0,01) para a aruana em menor altura e hemártria nas duas alturas. Na hemártria, o aumento da altura provocou menor taxa de bocados dos animais (p<0,05). Conclui-se que a preferência dos caprinos foi determinada por características estruturais do pasto e não pela espécie forrageira em pastejo.

PALAVRAS-CHAVES: Bocados, forragem, Hemarthria altissima, Panicum maximum, perfilhos.      

ABSTRACT

GOATS PREFERENCE IN GRAZING: EFFECT OF CANNOPIES HEIGHT OF ARUANA AND HEMARTRIA GRASSES

Goats behavior in pastures is not so known but it is very important for goats performance. Structural characteristics of Panicum maximum Jacq. cv. Aruana and Hemarthria altissima cv. Flórida pastures and preference of goats in grazing were evaluated. The experiment was performed in Campo Largo – PR, at March, 2004. Two grasses were studied Aruana (A) and Hemartria (H) at two canopy heights Lower (1) and Higher (2), placed in randomized blocks in factorial arrangement and three replications. Nine goats were distributed in three experimental blocks of 672m2. Height, forage dry matter and leaf, stem and dead material dry matter from pastures were taken. Grazing preference, bite rate and bite depth from animals were studied. Taller patches and higher tillers were significantly more grazed (p<0.05). Relation between tiller height and bite depth was linear and positive (p<0.01) for treatments A1, H1 and H2. Increase of Hemarthria grass height caused bite rate decreasing of goats (p<0.05). It was concluded that preference of goats was determined by structural characteristics of grass and not by forage species.  

KEY WORDS: Bites, grasses, Hemarthria altissima, Panicum maximum, tillers.


INTRODUÇÃO

O entendimento da ecofisiologia das plantas forrageiras tropicais quando submetidas à desfolhação por animais é muito importante para que seja possível estabelecer estratégias de manejo baseadas em conhecimento científico e não em empirismo. As características estruturais das plantas forrageiras interferem de forma direta no comportamento ingestivo e no desempenho dos animais que, por sua vez, alteram as características morfológicas (altura, massa e densidade) e fisiológicas (taxa fotossintética e estádio fenológico) do dossel forrageiro, modificando os padrões de respostas de plantas e animais. Particularmente com caprinos, dispõe-se de pouco conhecimento sobre a forma como se comportam e se alimentam em pastagens cultivadas e de alguns mitos sobre seu comportamento alimentar em geral.
O consumo diário de animais em condições de pastejo é função de variáveis associadas ao comportamento, tais como tempo de pastejo, taxa de bocados e massa do bocado (ALLDEN & WHITTAKER, 1970). A ingestão diária de forragem é o resultado do produto entre o tempo gasto pelo animal na atividade de pastejo e a taxa de ingestão de forragem durante esse período, que, por sua vez, é o resultado do produto entre o número de bocados por unidade de tempo (taxa de bocados) e a quantidade de forragem apreendida por bocado (massa do bocado) (ERLINGER et al., 1990). Assim, o consumo diário pode ser influenciado por variações em quaisquer desses parâmetros. Esses conceitos influenciaram vários trabalhos que destacaram a importância da estrutura do dossel forrageiro como determinante e condicionadora da ingestão de forragem de animais em pastejo (STOBBS, 1973a,b).
A altura, para os animais, significa quantidade de biomassa disponível (CARVALHO, 2004). A preferência por altura significa oportunidade de alta ingestão, na medida em que a altura potencializa a profundidade do bocado, que por sua vez é o principal determinante da massa do bocado. Segundo HODGSON (1990), os animais respondem mais consistentemente a variações em altura do dossel do que em massa de forragem. Nos estudos com plantas forrageiras de clima temperado, as relações entre altura do dossel, consumo de forragem e desempenho animal são bem evidentes, demonstrando que aumentos em alturas, desde que não haja decréscimo no valor nutritivo da forragem, proporcionam incrementos no consumo individual, bem como no desempenho de diferentes categorias animais (HODGSON, 1990).
Hipoteticamente, da mesma forma que outros ruminantes, o processo do pastejo realizado por caprinos resulta da interferência das espécies vegetais e de suas características estruturais. O conhecimento desse processo permite identificar como as características estruturais de gramíneas, tais como Panicum maximum Jacq. cv. Aruana e Hemarthria altissima cv. Flórida, podem alterar a preferência de caprinos em pastejo.
O objetivo do trabalho foi determinar o efeito de diferentes estruturas das gramíneas aruana e hemártria no comportamento ingestivo de caprinos em pastejo. Objetivou-se também o conhecimento da preferência dos caprinos entre as gramíneas e entre as alturas e o conhecimento da estratégia de remoção dos componentes forrageiros pelos animais.

MATERIAL E MÉTODOS

A área experimental pertence ao Capril Campo Largo, localizado no município de Campo Largo, Paraná, com coordenadas de 25º 27’ 34” de latitude Sul, 49º 31’ 40” de longitude oeste e 956 m de altitude. O clima predominante, segundo Köppen, é do tipo Cfb (MAAK, 1968). O estabelecimento da área experimental foi realizado no segundo semestre de 2003, havendo necessidade de manutenção contínua da área, por meio de roçadas e adubação, até a entrada dos animais, que ocorreu no mês de março de 2004.
O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso em arranjo fatorial, sendo as espécies e as alturas os tratamentos. Testaram-se quatro tratamentos com três repetições.
Para os tratamentos, escolheram-se duas espécies: Panicum maximum Jacq cv. Aruana e Hemarthria altissima cv. Flórida. A área experimental utilizada foi de 672 m2, estabelecendo-se cada uma das espécies em 50% (336 m2) da área. A área experimental foi dividida em três piquetes, contendo as espécies aruana (A) e hemártria (H) e sendo estabelecidas duas alturas para cada uma delas. As maiores alturas pretendidas foram de 70 cm para a aruana e 50 cm para a hemártria, e as menores, 30% destas, ou seja, em torno de 21 cm para aruana e 15 cm para hemártria. Essas alturas foram formadas em faixas contínuas ao longo de cada piquete e ficaram dispostas de forma alternada, em oito faixas de 2,10 m de largura em cada área, estabelecendo-se os seguintes tratamentos: A1 – aruana altura menor; A2 – aruana altura maior; H1 – hemártria altura menor; e H2 – hemártria altura maior.
Obtiveram-se as alturas por meio da rebrota da pastagem após o manejo da roçada. Em uma primeira etapa, no dia 22 de janeiro de 2004, foi roçada toda a área a 10 cm do solo. Esse manejo inicial visava preservar os meristemas e favorecer a rebrota das forrageiras. No dia 5 de fevereiro de 2004, fez-se uma segunda roçada nas faixas demarcadas para o tratamento de menor altura. Esse manejo serviu para proporcionar a diferença pretendida na altura entre os tratamentos (espécies e alturas), quando se iniciou o período de avaliações no dia 8 de março de 2004. Os hábitos de crescimento entre as espécies e as alturas proporcionaram arquiteturas foliares distintas.
As alturas foram medidas com o uso do sward stick, baseado em BARTHRAM (1985), por meio de vinte leituras, de modo aleatório, em cada faixa, totalizando oitenta medidas por tratamento. Caracterizou-se a altura dos tratamentos nos dias 8, 10, 12, 15, 20 e 21 de março de 2004.
As massas de forragem, folha, colmo e material senescente foram quantificadas por meio de um quadrado com área de 0,25m² (0,5 x 0,5m). Colheram-se cinco amostras de cada tratamento, para a construção de regressões entre a altura e a massa total de forragem e de seus componentes. As amostras foram cortadas rentes ao solo, pesadas e secas em estufa de circulação forçada de ar em temperatura de 65ºC até peso constante. Obteve-se, assim, a produção média de massa seca total e de cada componente morfológico por tratamento, expressa em kg de MS.ha-1. A relação folha:colmo foi obtida dividindo-se a produção de massa seca de lâminas foliares pela de colmo mais bainha. Efetuaram-se as coletas de pastagem nos dias 8, 15 e 21 de março de 2004. 
Com o objetivo de manter os efeitos do comportamento natural dos herbívoros de pastejo em grupo, foram utilizados três animais em cada um dos três piquetes (PENNING et al., 1993), sendo duas fêmeas e um macho não castrado, totalizando nove caprinos sem raça definida, e peso médio de 33,28 kg. 
Para a adaptação dos animais ao ambiente experimental, eles permaneceram juntos durante o dia, de primeiro a 8 de março de 2004, em um piquete de 400 m2 anexo à área experimental, que continha as mesmas forrageiras utilizadas no experimento.
As variáveis identificadas nos animais foram a preferência e a velocidade de ingestão. Identificou-se a preferência de duas maneiras. Na primeira, três avaliadores, cada um responsável por um piquete, observaram e anotaram, a cada dez minutos, o tratamento em que o animal estava em “pastejo” ou “não pastejo” (HODGSON, 1982). Essas avaliações foram realizadas nos dias 9 (avaliação 1), 10 (avaliação 2), 11 (avaliação 3), 13 (avaliação 4), 20 (avaliação 5) e 21 (avaliação 6) de março de 2004. Os horários previstos para as avaliações foram das 7:00 às 19:00h, com troca de avaliadores a cada quatro horas, porém, as avaliações eram suspensas sempre que acontecia algum evento (chuva ou barulho anormal) com interferência no processo de pastejo. A segunda forma de avaliação de preferência foi por meio da identificação do percentual de perfilhos pastejados e não pastejados (CARRÈRE et al., 1997). Para isso, foram marcados 160 perfilhos em cada piquete, divididos em dezesseis transectas, uma em cada faixa de tratamento. Transecta é um equipamento formado por um barbante e em cada ponta do barbante é amarrada uma haste de ferro para fixação no solo. As transectas foram colocadas antes do início das avaliações de pastejo. A partir do ponto escolhido, marcou-se um perfilho a cada quarenta centímetros na sua base com fio de telefone colorido e este preso à transecta com prego. Marcaram-se dez perfilhos por transecta, cada uma recebendo numeração plastificada, a qual apresentava o número do perfilho e o número da transecta. Essas transectas foram localizadas de maneira a distribuir as unidades vegetativas por toda a área.
Efetuaram-se as avaliações visuais dos perfilhos antes e depois das avaliações de pastejo. Nos perfilhos pastejados, quantificou-se a menor altura em que ocorreu a desfolha (HPEp) (Figura 1), permitindo-se identificar a profundidade de bocado (PB) de acordo com a seguinte equação: PB = HPE(i-1) – HPEp(i), em que HPEp(i) significa a altura do perfilhos estendido no dia i e HPE(i-1) a altura desse mesmo perfilho no dia precedente. HPE é a altura do perfilho no início do novo período.
Procedeu-se à identificação da velocidade de colheita da forragem ou taxa de bocados, entre os tratamentos, com auxílio de contador e cronômetro, em cada animal, anotando-se o tempo gasto para a realização de vinte bocados (HODGSON, 1982; DOUGERTY, 1992; PRACHE, 1997) e identificando-se o tratamento onde o animal realizava esses bocados. As datas e horários das avaliações foram as mesmas das observações de preferência.
Os dados foram submetidos à analise de variância, pelo programa estatístico SAS (1993), e a comparação das médias dos tratamentos realizada pelo teste Duncan ao nível de significância de 5%. Fez-se a comparação das regressões por meio dos testes de paralelismo e coincidência de retas, descritos em NETER & WASSERMAN (1974).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As alturas reais foram próximas às pretendidas inicialmente (Tabela 1, entrada dos animais).
Observa-se na Tabela 1 que, tanto no início quanto no final das avaliações, o tratamento A2 teve sua altura superior aos demais tratamentos (A1, H1 e H2), o que demonstrou haver diferença significativa (p<0,05) nas alturas, dentro dos e entre os tratamentos, nas espécies forrageiras antes da entrada dos animais para o pastejo. Essa diferença permaneceu até a saída dos animais e era esperada, dado o manejo das roçadas realizado nas pastagens.
Em análise das alturas no início e final do período experimental (Tabela 1), observa-se que houve redução de 29,99%, 44,81%, 19,98% e 36,36% nas alturas médias para A1, A2, H1 e H2, respectivamente, entre a primeira e a última avaliação de pastejo. Esses resultados demonstraram haver redução mais acentuada nos tratamentos de maior altura.
As massas de forragem no início das avaliações (Tabela 2, 8/3/2004) refletiram as alturas estabelecidas, à medida que a altura da pastagem está diretamente relacionada com a massa de forragem disponível (PENNING et al., 1991) e não havia ainda o efeito da seleção e preferência dos animais. A disponibilidade de forragem não apresentou limitações que pudessem interferir na ingestão dos animais para todos os tratamentos, sendo a oferta média diária ao redor de 18% do peso vivo, excedendo o valor recomendado por HODGSON & BROOKES (1999), que apontaram que o desempenho animal seria otimizado com ofertas de 10% a 12% do peso vivo.
Para o cultivar aruana (Tabela 2), antes do pastejo, a massa de folhas da altura maior foi superior à da altura menor (p<0,05); nas datas subsequentes, não houve diferença significativa entre as alturas. As massas de colmo e total para aruana mais alta foram superiores à mais baixa (p<0,05) em todas as datas avaliadas, caracterizando o hábito de crescimento da espécie cespitosa. Logo, a aruana de menor altura teve melhor relação folha:colmo do que a mais alta (p<0,05), em todas as datas avaliadas.
A diferença no estádio de crescimento para aruana nas duas alturas justifica a diferença encontrada para a relação folha: colmo na primeira data avaliada, sendo fruto do manejo adotado para formação das diferentes alturas de pastejo.
A massa de folhas da hemártria mais alta era superior (p<0,05) no início das avaliações, não se mantendo assim no decorrer do ciclo de pastejo. Com relação à massa de colmo e total, as médias para hemártria mais alta foram sempre superiores à mais baixa. Já para relação folha:colmo, não houve diferença (p>0,05).
Tomando-se como base especificamente o primeiro dia avaliado, em que não havia influência do pastejo, observou-se que a diferença de estádio vegetativo, conseguido por meio das roçadas, não provocou diferença na relação folha:colmo entre as alturas, presumindo-se que o hábito de crescimento estolonífero da hemártria não alterou a relação folha:colmo nessa espécie.  
Entre os tratamentos nas duas espécies forrageiras (Tabela 2), observou-se que a massa de folhas antes da entrada dos animais para pastejo foi superior (p<0,05) para H2 em relação aos demais tratamentos.
As massas total e de colmo apresentaram médias para H2 superiores (p<0,05) às dos demais tratamentos, em todas as datas avaliadas. Para a relação folha:colmo, a média de A1 foi superior (p<0,05) à de A2, H1 e H2.
Apesar da superioridade inicial da massa de folhas de H2 em relação a A2, este último possuía uma maior relação folha:colmo, fato esse causado pela maior quantidade de colmos observada na hemártria mais alta. Nota-se, porém, que ao final do experimento a superioridade inicial dessa maior relação folha:colmo não se manteve, o que indica que o crescimento e a elongação das hastes do aruana mais alto levaram à redução na relação folha:colmo.
Existe dificuldade de se manter área foliar em plantas com hábito de crescimento cespitoso após o pastejo (CORRÊA & SANTOS, 2003), como no caso do aruana, quando comparadas com as plantas de hábito de crescimento estolonífero, como a hemártria, fato que pode ter influenciado na igualdade na relação folha:colmo após a saída dos animais entre os pastos de maior altura. 
Os dados aqui apresentados demonstraram que a desfolha do animal não é realizada de forma indiferente à estrutura (L’HUILLIER et al., 1986), pois as maiores variações ao longo do período experimental ocorreram nas massas de folhas e principalmente nas maiores alturas. No cultivar Aruana, os resultados corroboram com o trabalho de CECATO et al. (2002), indicando haver diminuição da relação folha:colmo em espécies com maior altura de dossel, com o passar do tempo.
Na Figura 2, observa-se que, de maneira geral, o percentual de tempo em pastejo dos animais nos tratamentos A2 e H2 foi maior quando comparado com A1 e H1, indicando a preferência pela maior altura do pasto.
Os caprinos preferiram os pastos com maior altura, que também apresentaram maior massa de folhas e de forragem total. O maior tempo de permanência em A2 na primeira avaliação de pastejo pode ser justificado pelo maior percentual de folhas em relação à massa de forragem total e maior relação folha:colmo dessa área, quando comparado com o tratamento H2.
O padrão de igualdade no tempo de permanência em pastejo encontrado entre A2 e H2 pode ser justificado pela semelhança encontrada na massa de folhas entre esses tratamentos no dia 15 de março (Tabela 2).
No final do experimento, houve maior redução na relação folha:colmo em A2, provocando igualdade nessa variável para as duas espécies em maior altura (componente já discutido na Tabela 2). Essa mudança morfológica provocada pela desfolha justifica o comportamento dos animais, que passaram a permanecer por mais tempo na hemártria mais alta. A mudança de comportamento pode ter ocorrido com o objetivo de maximizar a colheita de forragem, já que esse tratamento continha maiores massas de folha e total, quando comparado com o aruana mais alto, confirmando que a estrutura da vegetação pode modificar o padrão de preferência dos animais.
A preferência por altura pode significar oportunidade de alta ingestão. A permanência dos animais por mais tempo em áreas de pasto com maiores alturas foi constatada por autores como BETTERIDGE et al. (1994), CARVALHO (1997) e DITTRICH et al. (2005), que, estudando respectivamente bovinos, ovinos e equinos, concluíram que estes selecionavam sempre sítios de pastejo cuja altura era superior à do resto da população. Os dados do presente trabalho demonstram que os caprinos seguem a mesma lógica no processo de escolha entre as gramíneas.
Tomando-se como referência exclusivamente as duas espécies forrageiras e as médias do tempo de permanência em pastejo, observaram-se, respectivamente, 67,87 e 65 minutos para aruana e hemártria, sem diferença significativa (p>0,05) entre as espécies. Assim, embora se trata de espécies com hábitos de crescimentos contrastantes, ambas foram pastejadas pelos caprinos.
Outra forma de verificar a preferência foi a avaliação do pastejo de perfilhos marcados. Assim, os valores percentuais dos perfilhos pastejados foram de 34,92%, 65,08%, 39,47% e 60,17%, para A1, A2, H1 e H2, respectivamente, sendo os tratamentos de maior altura superiores aos de menor altura (p<0,05), confirmando que os animais utilizaram a altura como critério de escolha da pastagem a ser consumida. Essa é uma estratégia usada pelo caprino para maximização do consumo, fato já demonstrado por BAZELY (1990), com ovinos.
A regressão da profundidade do bocado e altura do perfilho (Figura 3 e Figura 4) mostrou que os modelos lineares foram todos significativos (p<0,01), exceto para aruana em maior altura, como descrito na Figura 3. Isso pode ser explicado em virtude da maior elongação dos colmos, que leva à não ocorrência de remoção constante da altura do perfilho pelo bocado. Observa-se, na Figura 3, que os pontos de profundidade do bocado obtidos de perfilhos com até 50 centímetros encontram-se mais próximos da reta, sugerindo melhor ajuste.  Os perfilhos marcados na aruana mais alta que apresentavam inflorescência eram todos maiores que 50 centímetros, altura na qual se acentua a variabilidade da regressão. A altura, a menor proporção de folhas e o estádio de desenvolvimento são os fatores que, individualmente ou em conjunto, justificaram a variabilidade encontrada na profundidade do bocado dos animais em aruana mais alta.
Os testes de coincidência e paralelismo de retas entre as equações para aruana foram significativos (p<0,01), indicando que as retas são diferentes entre si. No tratamento A1, o coeficiente de regressão (b = 0,4228) mostrou que os perfilhos foram pastejados de maneira mais intensa do que em A2 (b = 0,1864). Esse fato pode ser justificado pelo fato de, antes da entrada dos animais, para avaliação de pastejo, 40% dos perfilhos marcados em A2 continham inflorescência; além disso, a relação folha:colmo de A2 foi menor que A1 durante todo o período experimental, o que não aconteceu entre as alturas de hemártria.
CARVALHO (1997), trabalhando com ovinos em pastagem de festuca (Festuca arundinacea cv. Florine), encontrou coeficientes de regressão de 0,184 e 0,596, respectivamente, para perfilhos reprodutivos e vegetativos, com coeficientes de determinação de 0,44 e 0,99, dados semelhantes aos encontrados no presente trabalho para aruana.
A proporção de folhas e a presença de inflorescência influenciaram a estratégia de pastejo, o que foi evidenciado na aruana nas duas alturas, exaltando a importância das características morfológicas, do componente folha e do estádio de desenvolvimento, em pastos de maior altura. SCHWARTZ et al. (2003), trabalhando com ovinos em pastagem de milheto, observaram que, quando o pasto era muito alto, os animais eram forçados a pastejar as folhas individualmente, devido ao seu comprimento, reforçando a importância do conhecimento das características desse componente.
Para hemártria, o teste de coincidência foi significativo (p<0,01) e o teste para paralelismo não significativo. Esses resultados mostraram que, embora as equações sejam diferentes, nas duas alturas houve remoção constante da altura do perfilho pelo bocado do animal (Figura 4). 
Os coeficientes de regressão para A1, H1 e H2 indicaram constante de proporcionalidade em relação à altura dos perfilhos estendidos de 0,42, 0,55 e 0,46, respectivamente, e são valores semelhantes aos encontrados com outras espécies de herbívoros: 0,55 e 0,43 (CARVALHO, 1997; BETTERIDGE et al., 1994) para ovinos e 0,51 para equinos (DITTRICH et al., 2005). Trabalhando com caprinos, BETTERIDGE et al. (1994) encontraram relação linear entre a altura do perfilho e a profundidade do bocado, com 0,45 para coeficiente de regressão. Recentemente, BRATTI et al. (2009) encontraram, em pastagens de azevém (Lolium multiflorum) e aveia-preta (Avena strigosa) submetidas ao pastejo de caprinos, coeficientes de regressão de 0,52 e 0,43, respectivamente, dados muito próximos aos encontrados neste trabalho. Todos esses resultados demonstraram que há um padrão no processo da desfolha de caprinos em pastejo, semelhante ao de outros herbívoros. O trabalho de DITTRICH et al. (2005) com o gênero Cynodon indica haver similaridade na intensidade de remoção de perfilhos para espécies tropicais e temperadas.
A velocidade de colheita da forragem ou taxa de bocados praticada pelos animais mostrou que, entre o aruana nas duas alturas e a hemártria mais baixa, não houve diferença significativa (p>0,05; Tabela 4). Em avaliação das espécies forrageiras separadamente, observou-se que apenas a hemártria apresentou diferença entre as alturas com relação à taxa de bocados, o que demonstrou que, nessa espécie, a maior altura determinou a diminuição na taxa de consumo instantânea dos animais. Na aruana, as diferentes alturas não alteraram a velocidade de ingestão dos animais.
O tempo de manipulação do bocado é representado pela soma de dois componentes mutuamente exclusivos: o tempo de apreensão, que é constante, e o tempo de mastigação, que é proporcional ao peso do bocado (PRACHE, 1997). Provavelmente, houve diminuição na massa do bocado quando os animais pastejavam nos tratamentos com menor altura, acarretando diminuição no tempo de mastigação (UNGAR, 1996), o que permite aos animais efetuar mais rapidamente os bocados, situação essa que explica os resultados encontrados na espécie hemártria. Redução na taxa de bocados com o aumento da altura do dossel também foi registrada por GRIFFITS (2003). Como a aruana apresenta hábito ereto de crescimento e diferente apresentação espacial dos componentes em relação à hemártria, pode-se afirmar que a taxa de bocados foi igual para as alturas.
As frequências de bocados aqui encontradas, entre 21 e 27 bocados por minuto, são inferiores aos 55 bocados por minuto reportados por TREVISAN et al. (2004), trabalhando com novilhos de corte em pastagens de clima temperado, e ao intervalo de 30 a 70 bocados por minuto sugerido por CARVALHO (1997), para herbívoros em geral. Também avaliando pastagens tropicais, CHACON et al. (1976) relataram entre 55 e 59 bocados por minuto para vacas adultas, no outono e primavera, respectivamente, sendo que os maiores valores de bocado observados por esses autores resultaram do fato de que, para caracterização do bocado, foram considerados todos os movimentos mandibulares realizados e não apenas aqueles relativos à apreensão da forragem.
PARENTE et al. (2005), trabalhando com grama estrela (Cynodon nlemfuensis), registraram, para cabras Saanen, 20 bocados por minuto; BARROS et al. (2007), também trabalhando com caprinos, em pastagens de braquiária-mulato (Brachiaria híbrida cv. Mulato), encontraram valores entre 21 e 29 bocados por minuto, valores que se aproximam aos obtidos neste trabalho. Taxa de bocados muito baixa em pastagens tropicais já havia sido relatada por SCHWARTZ et al. (2003) e SILVA et al. (2007), indicando que o tipo de estrutura da pastagem limitaria o processo de ingestão de forragem.
Na forrageira hemártria, em que a diferença na taxa de bocados foi significativa entre as alturas, o tempo de formação dos bocados variou de 2,40 a 3,05 segundos, com acréscimo de 27% no tempo para realização de cada bocado, entre a menor e a maior altura. As pastagens apresentaram diferenças estruturais, resultado da dispersão espacial dos seus componentes e de suas biomassas nos planos vertical e horizontal, determinando as variações no tempo de formação dos bocados.

CONCLUSÕES

Os caprinos não apresentaram preferências distintas entre as espécies forrageiras aruana e hemártria. As características estruturais do dossel determinaram os locais de preferência de pastejo dos caprinos. Os animais priorizaram a altura do pasto em detrimento à espécie forrageira no processo de preferência alimentar, destacando a importância do manejo pela altura para caprinos em pastagens.
Diferenças no estádio de desenvolvimento dentro de uma mesma espécie forrageira limitaram a profundidade do bocado, em virtude do enrijecimento e alongamento das hastes.

REFERÊNCIAS

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BARTHRAM, G. T. Experimental techniques: the HFRO sward stick. Aberdeen: Hill Farming Research Organization/Biennial Report, 1985. p. 29-30.

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BETTERIDGE, K.; FLETCHER, R. H.; LIU, Y.; COSTALL, D. A.; DEVANTIER, B. P. Rate of removal of grass from mixed pastures by cattle, sheep and goat grazing. Proceedings of New Zealand Grassland Association, v. 56, p. 61-65, 1994.

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Protocolado: 13 fev. 2007.  Aceito em: 13 maio 2009.