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Artigos Científicos - Música em Geral

Artigos Científicos - Música em Geral

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1, 2015

A primeira fase de Ariel, uma revista de música1


Flavia Toni (Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil)

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Resumo: Entre outubro de 1923 e outubro de 1924 Sá Pereira e Mário de Andrade dirigem Ariel – Revista de Cultura Musical, publicada em São Paulo. Diferentemente de outros periódicos caros à Musicologia, a publicação da Cam- passi & Camin traz a ilustração de Antonio Paim como traço distintivo das congeneres. No periodismo ou no estudo específico sobre cada um deles a revista se destaca não só pelo momento em que circula – pouco após o fechamen- to de Klaxon – como pelo que antecipa da colaboração futura destes homens para a Música e para as Artes Plásticas. Palavras-Chave: Antonio Leal de Sá Pereira, Mário de Andrade, Ariel.


Ariel, a musical magazine: first period

Abstract: From october 1923 until october 1924 Sá Pereira e Mário de Andrade ran the magazine Ariel - Revista de Cultura Musical, published in São Paulo. Unlike other journals dear to Musicology , Campassi & Camin’s publica- tion presents Antonio Paim’s illustration as a distinctive feature, compared to others of the same genre. In periodism studies or specific studies about each of those, the magazine stands out not only due to the context it’s published - short after Klaxon’s ending - but also because it anticipates future collaborations from these men to Music and Arts. Keywords: Antonio Leal de Sá Pereira, Mário de Andrade, Ariel.


Ariel. una revista de música: primer periodo

Resumen: Entre octubre de 1923 y octubre 1924 Sá Pereira y Mário de Andrade dirigen Ariel - Revista de Cultura Musical - publicada en São Paulo. A diferencia de otros periódicos caros a la Musicología, la publicación de Cam- passi y Camin trae ilustración de Antonio Paim como un distintivo de las congéneres. En el periodismo o en el es- tudio específico sobre cada uno de estos hombres el magazine se destaca no sólo por el momento de su circulación

- poco después del cierre de Klaxon - como por lo que anticipa la futura colaboración de estos intelectuales para la Música y las Artes.

Palabras clave: Antonio Leal de Sá Pereira, Mário de Andrade, Ariel.


  1. Ariel e o estudo do periodismo


    No periodismo musical brasileiro a raridade da revista Ariel provavelmente selou a sorte de seu estudo e divulgação, hoje em dia a revista se transformou em peça a ser co- lecionada pelos bibliófilos, apesar de seu nome não representar uma novidade para os pes- quisadores, mesmo que pouco tenha sido escrito a respeito. Isto talvez se deva ao fato de que não se dispõe de nenhuma coleção completa da revista, publicada pela editora Campassi & Camin, de São Paulo, em duas fases visualmente discerníveis. A primeira destas fases, a que se estende de outubro de 1923 a outubro do ano seguinte, aparece sem falhas na bi- blioteca formada por Mário de Andrade, hoje patrimônio do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Hoje, com o auxílio da digitalização é mais fácil analisar demoradamente publicações raras ou espalhadas por instituições distantes umas das ou- tras, como no caso de Ariel cuja leitura só pode ser completada na Divisão de Música da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

    Como é sabido, os intelectuais do Modernismo gostavam de revistas e os traba- lhos na área de Literatura e de História Social, por exemplo, o vêm demonstrando. Para a Literatura universal o trabalho de SCHOLES e WULFMAN (2010), por exemplo, é excelen- te porque, alem de analisar demoradamente a revista The New Age, os autores sugerem um método de análise para periódicos. Mas os musicólogos tambem se dedicam ao estudo do periodismo, como Clarisse Andrade (2013) ao trazer à tona uma publicação do século XIX, a Gazeta Musical, do Rio de Janeiro, que circulou entre 1891 e 1893. Sobre a revista Weco,


    Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1, 2015 Recebido em: 05/04/2015 - Aprovado em: 21/06/2015

    da mesma cidade, fundada em 1928 por Luciano Gallet e encerrada em 1931, escreveu Nívea Maria da Silva Andrade (2003). Entre estes dois momentos -1891 e 1931 - tivemos outras pu- blicações, nem sempre conhecidas hoje em dia, como se observa do estudo feito por Paulo CASTAGNA (2006). Pelos resultados alcançados pela pesquisa dele ao consultar dezesseis trabalhos escritos por especialistas conclui-se que tivemos muitas publicações voltadas par- cial ou exclusivamente à música mas que sobre Ariel, tema deste artigo, há menções em sete textos assinados por Clóvis de Oliveira, Pedro Sinzig, Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, Irati Antonio e na Enciclopédia da Música Brasileira. Entre os autores não há consenso quanto ao tempo de funcionamento do periódico, oscilando entre os anos de 1923 e 1926 ou 1923 e 1929, esta última data tendo sido apontada apenas por Irati Antonio. Outra questão curiosa é que nenhum dos autores consultados nomeou Mário de Andrade entre os Diretores, o títu- lo cabendo apenas a Antonio de Sá Pereira, J. Camara, N. Rolo e M. R. Sanches.

    Pesquisa de 20122, no entanto, alinhou os resultados sobre os treze números da re- vista que circularam entre 1923 e 1924, ocasião em que tal conjunto foi confrontado com a coleção da Biblioteca Nacional completando preliminarmente o seguinte quadro: fundada em 1923 por Antonio de Sá Pereira e editada pela Campassi & Camin, de São Paulo, a pu- blicação também foi dirigida por Mário de Andrade, em 1924, ocasião em que Ariel teve seu projeto revisto pela primeira vez. E por algum motivo que não se logrou entender, na biblio- teca deste musicólogo não existem os números subseqüentes que, aparentemente, seguiram até o 74, no ano de 1929. O projeto gráfico foi revisto, o periódico tornou-se muito mais co- mercial, incluiu notícias sobre cinema e sociedade, mas continuou a publicar matéria sobre música, embora pouco se conheça sobre esta segunda fase, tambem.

    Sendo sua primeira sobretudo musical, é curioso constatar que Ariel tenha sido fo- calizada inicialmente pelas Artes Plásticas, pesquisas conduzidas por duas professoras do Instituto de Estudos Brasileiros, mesmo porque elas se interessaram por temas bastante di- versos. Yone Soares de LIMA (1985), que se dedicou aos ilustradores da década de 1920, ali aprofundou a análise dos traços de Antonio Paim, o desenhista da publicação. Marta Rossetti BATISTA (2012), por sua vez, pesquisou de que forma Ariel ajudou a irradiar as notícias sobre os brasileiros que estudavam na França através da coluna de Sérgio Milliet, “Cartas de Paris”.

    A José Miguel WISNIK (1977, p. 103) se deve provavelmente a primeira menção à importância das revistas musicais ou à música nos periódicos do modernismo ao nomear as revistas Klaxon e Ariel. Perspicaz, percebeu a atuação de Sá Pereira, o pedagogo que se dedicou notadamente ao ensino do piano, ao incluir artigo dedicado a Busoni logo no pri- meiro número de Ariel justificando afirmar que os dois periódicos estão inseridos na dis- cussão sobre a música moderna.

    Se no Modernismo alguns intelectuais destacaram-se pelo fato de serem polígrafos, os músicos que se dedicaram ao trabalho em periódicos foram de fato pouco estudados. As bibliografias dedicadas a Mário de Andrade e Sá Pereira pouco têm avançado a este respei- to, embora as exceções serão vistas adiante ao tratar do período de cada um deles em Ariel. Assim, estudar a parceria dos dois intelectuais, bem como conhecer a revista, pode acres- centar fatos importantes para a complementação das informações das quais se dispõe, no- tadamente o movimento musical das salas de concerto das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro; os temas em debate nos círculos de professores e solistas; a recepção das idéias so- bre música; as redes de sociabilidade que se enlaçam na musicologia do Modernismo; quais os perfis dos músicos e musicólogos que pertencem a estas redes; de que forma Ariel inter- cepta as biografias de Mário de Andrade e de Sá Pereira. Um dos aspectos deixados para uma segunda oportunidade objetivará demonstrar a atualidade dos homens e mulheres da

    primeira metade do século XX ao acompanharem o que se passava em outros países na es- fera musical de forma muito eficiente, porque as revistas circulavam com rapidez, ditavam moda, tornavam-se elas mesmas objetos de admiração e exemplos a serem seguidos.

    Vou descrever a gênese da revista destacando a atuação dos principais colaborado- res – Mário de Andrade e Sá Pereira - para tentar situar no tempo e no espaço qual o projeto deles visando entender se trabalharam com os mesmos propósitos, ou não. Cabe um parên- teses para esclarecer que um dos atrativos de Ariel, no plano do periodismo, reside na cola- boração do ilustrador e artista plástico Antonio Paim, que ajudou a delinear o projeto que me ocupa, embora não caiba a mim este tipo de análise. Parto do pressuposto que os dois músicos que dirigem a publicação da Campassi & Camin tinham em mente um conjunto de leitores numericamente significativo, que justificasse a circulação de noticiário mensal. Como será visto, eles atuavam como professores em estabelecimentos de ensino e acompa- nhavam a atividade didática desenvolvida por seus pares em outras cidades do país.

    Com o intuito de localizar quais os padrões perseguidos pela empresa Campassi & Camin ao fundarem a revista Ariel em parceria com Sá Pereira, Antonio Paim e Mário de Andrade, busquei periódicos que se aproximassem visualmente e localizei pelo menos dois na biblioteca do musicólogo paulista.

    Fundada em 1920 por Henry Prunieres, a Revue Musicale bem cedo ganha notorie- dade e era certamente conhecida tanto por Sá Pereira quanto por Mário de Andrade. O di- namismo de seu editor, aliado à gama elástica de tendências e colaboradores estampadas em suas páginas ampliaram o poder de penetração desta publicação o que confirma o que se tem dito a respeito do estudo do periodismo: as revistas ajudaram a alimentar as redes de sociabilidade do Modernismo e em muitos casos exerceram também forte influência em grupos de intelectuais distantes em termos geográficos.

    Uma segunda possibilidade, devido à preocupação com a ilustração de qualidade, aproxima Ariel da inglesa Fanfare, embora voltada exclusivamente à música. Tendo à frente o compositor e crítico Leigh Henry, que viveu na Itália, Fanfare circulou entre 1921 e 1922, era voltada exclusivamente para a música e se apoiava em rol diversificado de amigos e co- laboradores reunindo tendências tão diversas quanto Casella, Strawinsky, Satie, Granville Bantock e Darius Milhaud.

    Editar uma revista musical não era um projeto inovador nos círculos europeus que orbitavam em torno das casas publicadoras de livros e partituras, conservatórios e salas de espetáculos, citando apenas as instituições que mais se beneficiavam com a circulação de matérias alusivas à impressão de novas obras, a vida artística de algumas celebridades ou as novidades dos repertórios das temporadas musicais. Assim, os projetos gráficos da Revue Musicale, de Fanfare e de Ariel se aproximam, mesmo reconhecendo-se dois modelos prin- cipais, um equivalente ao das revistas com maior participação de anunciantes e outro me- nos comercial. Ariel foi incorporando cada vez mais propagandas, mas estas ficavam restri- tas a dois cadernos em separado, na abertura e no fechamento da publicação.


  2. De Magma a Ariel


    A 22 de abril de 1923 Antonio Leal de Sá Pereira escreveu para Mário de Andrade, de Pelotas, preocupado com a notícia que acabara de ler na “Crônica de Arte” do número de março da Revista do Brasil. Informação enganosa, levou o autor da carta a interpretar que o poeta paulista viajaria para a Europa, atrapalhando seus planos. Na crônica “Um duelo” o escritor conta do seu tédio com a temporada de chuvas em São Paulo, faz troça com o fato

    de ainda se falar tanto do túmulo de Tutankamon, da moda de se comer um doce enjoativo, conhecido como nougat, tendo sido salvo pelo livro de um argentino chamado d’Aguilar, mesmo falando mal do Brasil. Brincalhão, suspeita que o texto tenha sido escrito num dia de sol... em Buenos Aires. Aliás, a certo ponto Mário de Andrade afirma que o autor por- tenho “Viajou escandalosamente no país da mentira. Mentiu escandalosamente, mas não soube mentir brilhantemente”. O poeta argentino teria dito encontrar cobras na cidade de São Paulo, ao que o crítico sugeriu uma revisão de opinião, ou a eleição de um bicho mais moderno, como os que poderiam ter sido sugeridos pelos klaxistas, ou seja, aqueles que se reuniam em torno da revista Klaxon. E falando das últimas óperas ouvidas na cidade e o quão passadista é o repertório italiano para o teatro lírico, questiona a ação dos empresários que, a exemplo de Mocchi, “(...) dá o que o público pede. E começa agora a grassar por Brasil e Argentina essa epidemia que há 50 anos atrás dizimou a música européia: a wagneri- te. Horror! (...)” (Andrade, 1923, p. 250). Irônico, imagina quanto tempo ainda levaríamos para escutar óperas atuais e se consola: “Se não alimentasse a esperança de ir brevemente à Europa ouvir tudo isso, é muito possível que morresse de raiva ante a perspectiva de tão longo e lentíssimo nugá.” (Andrade, 1923, p. 250)

    Não se conhece o teor da resposta de Mário de Andrade para Sá Pereira que, dei- xando o Rio Grande do Sul rumo a São Paulo, pretendia fundar uma revista de música fi- nanciada pela editora Campassi & Camin, “revista musical de feitio absolutamente mo- derno”3 contando, para tanto, com a parceria do cronista da Revista do Brasil. E apesar do Diretor do Conservatório de Pelotas nada ter avançado neste sentido, é plausível supor que ele conhecesse o poeta e crítico de música das matérias da revista Klaxon, aquelas sobre mú- sica e, sobretudo, a respeito do piano e suas intérpretes.

    Ambicioso, Sá Pereira queria uma publicação seriada que não se limitasse ape- nas à música o que o levou a sugerir um título para a revista: “Magma”, abreviação para “Magazine de Música e Arte em geral”. No projeto há muito mais do que uma revista sim- ples, uma vez que ele arriscou sugerir ao “sócio” a flexibilidade para discutirem a colabora- ção de “músicos, literatos e artistas desenhistas4, mesmo que desse como certo que o cunho do empreendimento deveria ser “altamente artístico e distinto, até no menor dos anúncios”. Sá Pereira, de fato tem um protótipo em mente ao criticar:


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    “Agora mesmo chegaram às minhas mãos uns números duma tal Brasil Musical, do Rio - um triste aborto, uma miséria! E isso ainda mais fortaleceu a minha convicção de que é um dever nosso (que podemos fazer), fazer alguma coisa decente e artística. Como já disse, conto consigo e espero encontrá-lo ainda.”5


    O entusiasmo deve ter ecoado no musicólogo e professor paulista porque, poucas semanas antes do lançamento de Ariel, o jovem empreendedor encontrou um amigo comum no Rio de Janeiro, Renato de Almeida, que escreveu com ar novidadeiro: “Estive com o Sá Pereira, entusiasmado com Ariel e me falou com muito afeto de ti, de quem é admirador fer- voroso. (...)”(Carta de 29 de agosto de 1923) (NOGUEIRA, 2003, p. 34)


  3. Shakespeare ou Rodó?


    Em outubro de 1923 o público pode ler o primeiro número de Ariel, vulgo Magma. O novo título reporta ao personagem do teatro de W. Shakespeare na peça A Tempestade, de 1611. Ariel, um espírito dócil, encarcerado no interior de uma árvore pela feiticeira Sicorax,

    divide as cenas com o filho dela, Caliban, e Próspero, um Duque de Milão exilado que cria sua filha, Miranda, em ilha hostil jogada no meio do nada. Ariel é libertado por Próspero e se torna um eterno devedor, à medida que flexível, podendo se transformar em vários ele- mentos e na própria música, auxilia o nobre italiano nas façanhas onde Caliban e uma série de personagens secundários serão enredados.

    A alusão entre o personagem de Shakespeare e a revista de cultura musical que acolheria outras manifestações artísticas, entretanto, não se dá de forma direta, ou seja, a alusão não é apenas ao Ariel criado pelo bardo inglês. O primeiro artigo da revista de outu- bro de 1923, aquele que ocupa as páginas de números 1 a 3, traz título pouco atraente para o estudante de música, “Assim falou Rodó”, uma vez que não esclarece ter sido extraído do ensaio do filósofo uruguaio, José Enrique Rodó (1871/1917), escrito em 1900. Neste novo ce- nário – o ensaio – atuam apenas Ariel, Caliban e Próspero, a cronologia é deslocada para a história da América Latina de final do século XIX, onde o utilitarismo permeia todos os temas e, para não fugir ao meu escopo, destaco que o espírito d’A Tempestade, o gênio do ar, o que faz música na ilha, a graça, o humor e a juventude simboliza, para Rodó, a juventude latino-americana; Próspero, o vidente e sábio, prepara os incautos contra o bruto, bárbaro e canibal Caliban/Estados Unidos. Retenha-se que o ensaio de Rodó é dedicado à juventu- de latino-americana e seu anseio por liberdade, bem como o fato dele destacar, de um lado, sua crença em uma educação eficiente e, de outro, criticar o consumismo exacerbado do norte-americano.

    O texto de abertura do primeiro número de Ariel, “Assim falou Rodó”, adapta- do do ensaio de José Enrique Rodó, é um texto breve, composto de oito parágrafos, quase todos extraídos do original: os quatro iniciais fazem parte da Introdução, “A la juventud de America”. As três frases seguintes concluem a sexta e última parte da obra do autor uru- guaio, cujo início do título não é menos sugestivo: “No existe pueblo verdaderamente gran- de para la historia, sin un ideal desinteresado. (...)”. A última frase do artigo de Ariel, escrita pelos donos da Campassi & Camin ou por um de seus diretores, parece retomar o persona- gem do teatro inglês,


    “Pois, como o gênio aéreo do drama de Shakespeare que lhe empresta o nome, colima a nossa Revista uma nobre missão: por meio da música, tal como o Ariel do drama, servir uma boa causa, auxiliar a difundir a cultura.” (Ariel, n. 1, p. 3)


    Entre os colaboradores da revista que assinam os artigos e poemas há trinta e nove nomes, alguns conhecidos como Darius Milhaud ou Jaques-Dalcroze, outros que já traba- lhavam com a crítica musical mas provavelmente não eram conhecidos do público em 1923, como Renato de Almeida. Há também os de nomes inverossímeis, como Florestan – que es- creve cinco matérias indicando aos leitores atentos a existência de pseudônimos, e muita matéria sem autoria, apontando principalmente para Sá Pereira, nos primeiros números. Nestes eles terão a certeza de que seu diretor é pessoa atualizada e Ariel, assim como as congêneres, trabalha de forma democrática e generosa, pois desde a estréia traz uma seção chamada de “Revista das Revistas”, voltada exclusivamente para divulgar outros periódicos musicais que chegavam às mãos da redação. Ali estão elencados os títulos de 20 publicações editadas entre os meses de abril e agosto daquele ano, nas cidades de Paris, Berlim, Viena, Praga, Londres, New York, Torino, Nápoles e Milão. Numericamente a França foi melhor re- presentada, com 25 % dos títulos, os Estados Unidos e a Itália ficaram empatados, com 20

    % cada um, a Alemanha com 15 %, a Inglaterra ocupou o quarto lugar com 10 % dos títulos e Áustria e Tchecoslováquia cada uma com 5 % dos títulos.

    Tendo em vista o meu foco estar voltado para a caracterização e conhecimento dos períodos em que Sá Pereira e Mário de Andrade atuaram, o projeto completo de Ariel não pode ser contemplado, embora seja necessário destacar pelo menos dois outros aspectos ine- rentes à estrutura da revista. Um deles diz respeito ao papel da ilustração na revista musical e o outro diz respeito aos pseudônimos que escondem autores próximos, como Mário de Andrade e Sá Pereira.


  4. Antonio Paim


    Nascido em São Paulo, Antonio Paim (1895/1988) trabalha como ilustrador e cera- mista para revistas e editoras de livros, destacando-se sua colaboração em Fon! Fon!, Para Todos, A Garoa, A Cigarra, Vida Moderna e Papel e Tinta (LIMA, 1985, p. 185). Como ilus- trador de Ariel as obras assinadas por Antonio Paim aparecem em várias seções e geralmen- te vão indicadas, na legenda, as técnicas empregadas pelo artista plástico que, dependendo do exemplar em questão, traz para a revista o aspecto caprichoso de um caderno de dese- nhos. As edições são visualmente variadas porque ele mescla as técnicas, “Apontamentos a pena”, “Apontamentos a lápis”, e gravuras a linóleo empregadas para desenhar Magdalena Tagliaferro, Ninon Vallin, Richard Strauss e Alberto Nepomuceno, para citar apenas alguns. O nome de Antonio Paim aparece no frontispício da revista até o número 8 e des-

    ligando-se formalmente da empresa continua a ser o ilustrador principal atuando de for- ma destacada também depois de 1924. Mesmo que não seja o caso de se especular sobre quem teria convidado o ilustrador para trabalhar na revista – se a Campassi & Camim, Sá Pereira ou Mário de Andrade – cumpre destacar que entre 14 e 25 de abril de 1928 o crítico paulistano dedicará quatro de suas colunas no Diário Nacional à exposição do artista plás- tico que mostrava suas esculturas em São Paulo. Mário louva a eleição do material escolhi- do pelo artista – a cerâmica – bem como a beleza e a originalidade dos temas brasileiros que estampam os objetos, traços familiares ao crítico e musicólogo.


  5. Antonio Leal de Sá Pereira


    Em 1922, Luciano Gallet distribui um inquérito para ser respondido pelos com- positores brasileiros e uma cópia deste formulário chega às mãos de Sá Pereira que, meti- culoso, responde as perguntas complementando os dados na carta em papel timbrado do Conservatório de Pelotas6. O plano de mudança para São Paulo talvez já estivesse em elabo- ração naquele dia 2 de dezembro quando delineia o perfil do aluno que foi, mencionando os profissionais com os quais trabalhara na Alemanha e na Suíça, únicos países citados. Entre as obras destaca aquelas escritas para o piano, canto e coro, com e sem acompanhamento instrumental, narrando ter sido ele convidado por Guilherme Fontainha, em 1918, para fun- dar e dirigir o estabelecimento gaúcho onde atuava também como professor de piano.

    Sem esconder certo e justificado orgulho, descreve a participação do grande coral por ele ensaiado para os festejos do centenário da Independência, a 7 de setembro de 1922, festa muito elogiada pela sociedade local. Menor não é o orgulho ao contabilizar “média de 100 alunos de piano, canto, violino, violoncelo, teoria e solfejo. Este ano vai diplomar-se a primeira aluna de piano e duas no próximo ano.” Curiosamente, não menciona a atividade

    do crítico musical em jornais e revistas de Pelotas, atividade trazida à tona pela pesquisa de Isabel Porto NOGUEIRA (2008).

    Ao analisar a produção jornalística de Sá Pereira do tempo em que ele dirige o Conservatório de Pelotas, Isabel Porto Nogueira localiza onze artigos publicados nos perió- dicos Diário Popular, Opinião Pública e Revista Ilustração Pelotense. Voltados ao canto e à música vocal estes escritos ecoam em parte o movimento dos palcos da cidade pois comen- tam o lied e o recital de Andino Abreu; críticas sobre o piano, tratando dos recitais de Ignaz Friedman, Wilheim Backhaus e Viana da Motta; e a temática voltada às “(...) instituições e gestão cultural (...)” (2008, p. 51).


    “Analisando o conjunto dos artigos, observamos que, em todos eles, Sá Pereira mani- festa uma preocupação constante em aproximar o público das idéias por ele expostas, evidenciando a intenção do autor em promover uma cultura musical verdadeira, em contraposição a uma falsa cultura supostamente vigente. Seu papel seria o de escla- recer e aproximar as platéias da música por ele considerada como verdadeira. (...)” (p. 72)


    Adiante, Porto Nogueira (2008) acrescenta que dentre os vários gêneros musicais, Sá Pereira valoriza a canção lamentando não possuirmos maior número de obras brasileiras para a voz devido à superioridade da música em relação às demais artes


    “(...) como ferramenta para tornar o indivíduo um ser humano capaz de abstrair-se do mundo material e elevar seu espírito. Num caráter mais amplo, observa que a músi- ca poderia auxiliar no processo de formação de uma cultura nacional e, para tanto, aponta a importância do papel do educador musical na formação de um público qua- lificado e capaz, papel no qual ele mesmo se coloca por diversas vezes.”(p. 74)


    Uma vez em São Paulo e Diretor de Ariel Sá Pereira envergará sempre o cargo que teve na cidade gaúcha. Ao final de cada exemplar da revista havia um “Indicador Profissional (por ordem alfabética dos nomes)”, onde anunciavam professores de piano, violino, violon- celo, canto e harmonia, espaço para um predicado e endereço, ou às vezes nem tanto. Pode- se supor, inclusive, que o espaço fosse pago e cobrado pelo número de palavras estampa- das. Para os violoncelistas Luiz Figueras e Mario Camerini cabia apenas os endereços: “Rua Humaitá, 44” e “Consolação, 111”, respectivamente; para Agostino Cantu, mestre de pia- no, vem “Catedrático do Conservatório – Rua Padre João Manoel, 57”; Mário de Andrade se apresentava como “Professor de piano e história da música no Conservatório. – Rua Lopes Chaves, 108”. Antonio de Sá Pereira era professor particular de piano e se apresentava como “Diretor fundador do Conservatório de Pelotas – Lições a domicílio – Regina Hotel”. Só no Indicador Profissional da Ariel de número 8, de maio de 1924, aparece o novo endereço de Sá Pereira: “Al. Tietê, 50”.

    Foi dito que os intelectuais do Modernismo, polígrafos que eram, muitas vezes se valiam de pseudônimos para assinarem mais de um trabalho na mesma revista ou para pu- blicações diversas. No caso da participação de Sá Pereira, porém, uma dificuldade se impõe porque não temos estudos suficientes que apontem tais possibilidades. No entanto, tudo in- dica que ele tenha empregado pelo menos o nome “Titus” para assinar matéria do primeiro número da revista.

    Na sequência relaciono as matérias assinadas por Sá Pereira, aqui compreendendo artigos, resenhas, notícias, ou seja, toda produção assinada por ele, nas diferentes seções:

    Em Ariel número 1, outubro de 1923: Idéias de Busoni sobre o momento atual da música (p. 4-8); Chimera, p. 19-24; Ricardo Strauss e a ‘Wiener Philharmoniker’, p. 32-33;

    Magdalena Tagliaferro (p. 33-35). No número seguinte, de novembro de 1923, curiosamen- te só se encontra o artigo “Audácia” (p. 55-58), assinado, confirmando a hipótese de pseu- dônimos, embora em Ariel número 3, de dezembro, o nome de Sá Pereira esteja no final de Programas (p. 107-109). Aqui, o Diretor assinou, provavelmente, com o pseudônimo “Titus”, a matéria “De São Paulo” (p. 119-122).

    Em Ariel número 4, janeiro de 1924 tem início uma série de artigos, “Técnica Racional do Piano” (p. 152 – 157) que ocupará ainda as páginas principais das revistas de números 5 (192-196), 6 (233-241) e 8 (306-313).

    Para Ariel número 5, de fevereiro de 1924, Sá Pereira traduz, de Jaques Dalcroze, “A menina e o conservatório” (p. 166-175) e assinando, provavelmente, com o pseudônimo “Titus” as Crônicas De São Paulo (p. 188-191).

    Em Ariel número 6, março de 1924, vem: Eglé de Camargo Bueno, p. 231-232; Tradução provável de Alexandre Siloti, “Como Liszt ensinava piano”, p. 208 – 210.

    Em Ariel número 7, abril de 1924: Tradução provável de Martial Douel, publicado na

    Revue Musicale, “O sentimento da morte na obra de Schubert”, p. 245-258

    Ariel número 8, de maio de 1924, é a última revista a exibir o nome de Sá Pereira como Diretor trazendo as seguintes matérias: Considerações sobre o concurso musical da revista Ariel, por A de Sá Pereira, p. 296-298.

    No número seguinte, a primeira notícia da coluna “Sinfonieta”, assinada por Mário de Andrade, conta sobre a saída do então Diretor do periódico nos seguintes termos:


    “Deixou com o número passado a direção desta revista o prof. Antônio L. de Sá Pereira. Perda é essa muito grave para nós, porquanto o ilustre musicógrafo tem sido para Ariel o seu inteligente e confiante animador. Espírito refinadíssimo de artista, nobremente sincero, estudioso e incansável, o nosso antigo diretor pôde com as múl- tiplas qualidades que o enriquecem, criar e sustentar Ariel nas formas elevadíssimas que souberam reconhecer todos quantos nos leram sem preconceitos; e fazer da revis- ta um elemento de cultura que salientaria mesmo em centros de vida musical mais intensa e desenvolvida que o nosso. Se muito nos pesa a perda que sofremos, sempre nos resta o consolo de contarmos o prof. Sá Pereira como nosso assíduo colaborador. Mas é certo que Ariel nunca poderá bastantemente agradecer os inestimáveis serviços que a ela prestou o ilustra musicista.” (Ariel, número 9, junho de 1924, p. 336)


    A última participação de Sá Pereira ocorre em Ariel número 11, agosto de 1924, com o artigo “Ferruccio Busoni” (p. 387-390).

    Suponho que outros nomes possam ter mascarado a contribuição de Sá Pereira, como as iniciais RD, do número 3, porque ele solicitava aos leitores que o auxiliassem a “engordar” os números da revista. Em um de seus artigos assinados, “Audácia” (p. 55), ele escreve no final:


    “Esta revista, no intuito de tornar-se o espelho do movimento musical em nosso país, aceita com prazer nota e comentários sobre os acontecimentos mais relevantes da vida artística de todos os Estados, desde que essas informações visem o interesse geral e venham corretamente redigidas.”


    Na quase totalidade dos artigos assinados Sá Pereira se mostra um professor preo- cupado em ampliar a cultura musical dos alunos, ou discutir aspectos técnicos do piano, traço autoral que alimentará ao longo de sua carreira quando escreve, dez anos depois, para publicações estáveis, como a Revista Brasileira de Música, na homenagem emocionada por ocasião do cinqüentenário de Mário de Andrade, inclusive.

    Na eclosão da Segunda Guerra Sá Pereira já se encontra estabelecido no Rio de Janeiro e, professor do Instituto Nacional de Música, participa da política de aproximação do comitê cultural dos Estados Unidos propondo trabalho de cooperação e intercâmbio com nossos intelectuais e artistas. Assim como Liddy Chiafarelli, vai conhecer as escolas de mú- sica norte-americanas. No regresso, o relatório detalhado tem nome eloqüente: Mobilização da juventude americana: impressões de viagem7. Tantos anos passados do primeiro número de Ariel o pedagogo talvez não tenha se lembrado dos ideais de José Enrique Rodó, captura- do que foi pela organização e qualidade de ensino que pode acompanhar durante a viagem aos Estados Unidos.


  6. Mário de Andrade e a revista Ariel


Como será visto na sequência, Mário de Andrade participa desde os primeiros nú- meros do periódico como crítico e, à medida que assume maior responsabilidade dentro da publicação, adota pseudônimos e passa a redigir partes extensas de cada publicação. Diferentemente de Sá Pereira, as cartas recebidas pelo poeta e musicólogo estão reunidas e dão margem a estudos de ordem vária no campo da epistolografia. Logo, é possível entreme- ar a relação dos artigos, notas e críticas do escritor distribuídos ao longo de cada número da revista com os amigos e colaboradores mais próximos. Alem disso, a consulta à coleção de Ariel que pertenceu a Mário de Andrade faculta algumas situações de pesquisa privilegia- das que não seriam possíveis caso folheássemos exemplares de outra instituição.

Entre junho e outubro de 1924 Mário de Andrade dirige Ariel e, curiosamente, o nome dele não aparece como Diretor. Entre as revistas de números 1 e 8, logo abaixo do tí- tulo da revista, na primeira página, aparecem: “Diretor: Antonio de Sá Pereira / Ilustrador: Paim”. A partir da nona revista e até a saída de Mário de Andrade, abaixo do titulo aparece: “Editores responsáveis: Campassi & Camin”. Mas a descrição do conteúdo de cada exemplar contendo matéria escrita por Mário de Andrade facilita perceber sua participação crescente no projeto da editora Campassi & Camin. Quando a esta descrição se alia a correspondên- cia trocada com os seus colaboradores mais próximos – Manuel Bandeira, Sérgio Milliet e Renato de Almeida – tem-se a certeza de os treze primeiros números de Ariel guardam em sua trajetória duas fases, ao invés de apenas uma.

De início a participação de Mário de Andrade foi modesta, se considerarmos que o projeto fora partilhado com Sá Pereira antes da revista ser lançada. Para Ariel de número 1 ele assinou “Coros Ucranianos” (p. 26-28), nada escreveu para a revista seguinte, para a ter- ceira, de dezembro de 1923, preparou “A vingança de Scarlatti” (p. 91-95) e para a de núme- ro 5, “Tupinambá” (p. 176-182).

A imagem de pequeno envolvimento com o projeto pode ser corroborado por um aparente distanciamento entre a edição de Ariel e os propósitos do poeta, como se surpreen- de no exemplar de fevereiro de 1924, na matéria dedicada à obra de Marcelo Tupinambá. Após longa e refletida análise sobre as canções do compositor, o escritor prepara a conclusão da matéria em longo parágrafo que merece ser transcrito:


“Marcelo Tupinambá é atualmente, entre os nossos melodistas de nome conhecido, o mais original e mais perfeito. Suas danças, como danças, passam. São esquecidas pelas orquestras mambembes dos cafés e dos salões de baile, porque em geral be- berrões e dançarinos pedem novidades – maxixes ou Fox-trots, é indiferente – mas novidades que saciem a petulância mesquinha e a indiferença má da moda. Não se ouve mais o ‘Matuto’. Ninguém mais se lembra de ‘Ao som da Viola’. Mas é possível

que um dia os compositores nacionais, conscientes da sua nacionalidade e destino, queiram surpreender a melodia mais bela e original do seu próprio povo. As músicas e Marcelo Tupinambá serão nesse dia observadas com admiração e amadas com mais constância. Elas o merecem, e o artista que as compôs, será lembrado como um dos que melhor e primeiramente souberam surpreender os balbucios da consciência nacio- nal nascente.” (Ariel, n. 5, 1924, p. 182)


Na revista, as últimas três frases foram impressas em itálico e o autor, à margem de seu exemplar, escreve o número “(1)”. O expoente serve para indicar a observação, no roda- pé da página, onde ele anota a censura:


“(1) Não mandei grifar estas frases. Isso vai na conta dos revisores, que deram assim a essas frases um ar pedante de profecia, que não estava na minha intenção.”


A observação neste caso não aponta uma idiossincrasia de Mário de Andrade, uma vez que é sabido que ele costumava defender grafia e sintaxe coerentes com sua militância a favor de um português escrito de acordo com a fala do brasileiro. Neste caso temos tam- bém a evidência de que certas fases do trabalho de edição de Ariel podem ter escapado do controle dos diretores que cuidavam do conteúdo musical.

Em Ariel número 8, de maio de 1924, sempre assinando como Mário de Andrade temos: “Reação contra Wagner (Notas rápidas para uma história da música)” (p. 279-285) e, no número 9 de junho de 1924, assinado por C. Padovani: “Ravel e o prêmio de Roma” (p. 322-323).

Em Ariel número 10, julho de 1924: assinados por Florestan: a) “A situação musical no Brasil”, p. 315-318 e b) “O revoltoso sem voz”, p. 347-351; assinado por Mário de Andrade, Seção de Crônicas: Dó bemol, p. 360-361; assinados por C. Padovani: a) Concertos, p. 362- 366 e b) “Maestro Antonio Carlos”, p. 371-372; assinado por Luis A da Silva: “Frederico Nascimento”, p. 352-354 e assinado por G. Delage: Carta de Paris, p. 358-359.

Publicado o décimo exemplar, Mário de Andrade se apressa em explicar para Sérgio Milliet, colaborador de números anteriores, o que ocorrera com a revista:


“Olha estou escrevendo umas cartas de Paris para Ariel que assinei com um nome francês imaginário. E o sujeito diz que conhece o Souza Lima, Villa-Lobos, tu. Avise os outros, por favor, para que não se assustem. Aliás é brincadeira que não faz mal. Não poderias arranjar com o Souza Lima para que escreva qualquer coisa para Ariel? Sem pagar, naturalmente. O estado financeiro da revista é miserável. ‘Déficit’: onze contos”

“Tomei a direção da revista, porque o Sá Pereira não tinha coragem para piorá-la, torná-la acessível a este público bunda do Brasil. Pois eu pioro? disse. Fiz revista in- formativa, mais variada, sem artigos pesados, cheia de notícias idiotas e elogio todo mundo. [...] Vamos ver se a diaba vive.” (DUARTE, p. 299) (Carta de 11 de agosto de 1924))


A “Carta de Paris”, “Correspondência especial para ‘Ariel’”, “traduzida” por “M de A”, traz a indicação de autoria de G. Delage, o colunista francês que na verdade é um pseu- dônimo de Mário de Andrade. Diferentemente das Cartas enviadas por Sérgio Milliet, esta traz uma data, “15 de Junho, 1924”. Na saudação ele se diz feliz ao aceitar o convite para es- crever, pois a música brasileira ele conhece “através das composições de Darius Milhaud” e por ser amigo do “estupendo” pianista João de Souza Lima.

Delage passa a enumerar as novidades da temporada parisiense como a encenação de Parsifal, após 10 anos de ausência; os cursos públicos da Escola Normal; as “Olimpíadas”

e a Soirée de Paris, em benefício da Obra de Assistência às viúvas da Guerra e da Comissão de Socorro aos russos refugiados. A iniciativa contou com a participação de nomes do mun- do do bailado e da música sinfônica, artistas plásticos disputados para os cenários onde os nomes de Derain, Picasso, Jean Hugo e Braque, ombreiam com Erik Satie, Darius Milhaud e Henri Sauguet. Curiosamente o cronista diz não ter gostado da obra de Satie, “Musique d’ameublement”. Preferiu Salade, de Darius Milhaud, “inegavelmente o mais bem dotado dos músicos do Grupo dos Seis.”

Quanto às Olimpíadas, não se tratava de um evento esportivo, mas um festival de música com a participação de vários países, como Rússia, Estados Unidos, Espanha, e Mário de Andrade, ou melhor, Delage emenda:


“Pena é que o Brasil também não comparecesse ao certame. No entanto João de Souza Lima, Vera Janacopulos e o compositor Villa-Lobos bem podiam ter recebido da gran- de nação sul-americana a incumbência de representá-la. Fariam figura notabilíssima e nada menor, ao lado dos célebres virtuoses e compositores que de todas as partes do mundo aqui estão.” (Ariel n. 10, p. 359)


O crítico se diz bem informado ao afirmar conhecer várias obras de Villa-Lobos, com as quais ficou “entusiasmado”, embora se saiba que Auric teria feito algumas reservas em matéria para as Nouvelles Littéraires. Termina a sua participação falando de Kubelik, um “malabarista admirável” pelo qual não nutria grande simpatia.

Os leitores precisavam ser informados a respeito das mudanças operadas:


Com a boa aceitação pública que tem tido, apreciada ou discutida como é em todos os grupos musicais, ‘ARIEL’ alarga deste número em diante a sua esfera de ação. Sem abandonar as pesquisas dos altos problemas musicais, a direção desta revista pen- sa porém em não se restringir unicamente a eles, torná-la largamente informativa, imparcialmente se referindo a todas as orientações atuais da música, mais rápida e mais leve. Assim reunirá aos especialistas, a que se dirigia, a inumerável massa dos alunos de música do Brasil, que possuirão na revista um órgão pronto a lhes fornecer toda espécie de informação possível sobre a sua arte preferida. ‘ARIEL’ conta mais ser o espelho exato de todo o movimento musical do Brasil, noticiando, comentando, aplaudindo tudo o que se fizer pela arte em nosso país. Será assim a voz ardente da música brasileira; e um repositório histórico indispensável mais tarde para quem quiser conhecer o progresso da música do Brasil em nosso tempo. Conta para isso com a especial dedicação dos seus muitos leitores que a auxiliarão difundindo cada vez mais a revista e enviando-lhe notícias e conselhos sobre possíveis falhas que apresente.

As pequenas modificações de disposição têm sempre em vista melhorar o mensário, torná-lo mais facilmente legível e manuseável Quanto ao papel, ‘ARIEL’ espera breve ter a sua tipografia própria e poder então entrar em relações diretas com os grandes importadores americanos do norte. Vê-se por enquanto obrigada a se sujeitar às con- dições do mercado e substituir o material de que se servia por outro de mais fácil aquisição. Assim porém que se normalizar o atual estado de coisas ‘ARIEL’ voltará ao papel antigo, mais nobre e discreto.” (Ariel, 1924, n. 9, p. 339)


E na mesma página 339, na coluna “Prestíssimo”, nota intitulada “A Revolução” o próprio Mário de Andrade explica que o atraso do mensário se devia à revolução que trou- xera “(...) o sangue para estas ruas pacíficas, o luto para o seio das famílias e a horrorosa banda musical das granadas, dos obuses e das metralhadoras (...)”

Acalmada a situação política, o novo número da revista demonstra a intensidade do trabalho do diretor. Em Ariel número 11, de agosto de 1924 encontra-se os seguintes artigos e notas: assinados por Mário de Andrade: a) Seção de Crônicas: Dó bemol, p. 407-408 e b)

Seção de Crônicas: Concertos, p. 408-410; assinado por Florestan: “Companhias Nacionais”,

p. 383-386; assinado por C. Padovani, Concertos, p. 411-413; assinado por Raul de Moraes: “Francisco Mignone”, p. 395-397

Com a revista na rua, Mário de Andrade pode avaliar o trabalho escrevendo para os amigos com os quais partilhava a tarefa de diretor. Confessando-se cansado pelo fato de ter sido sincero, acabando por atrair “(…) ódios, inimigos, derrotas, cegueiras (…) desabafa com Renato de Almeida:


(...) Já te deve ter chegado as mãos o meu primeiro Ariel. Tu compreenderás tudo o que lá de hipocrisia diabólica com o artigo de Florestan e os elogios a todo instante. Quero ver se faço a revista viver para fazer alguma coisa de bom nela. Eu creio que não será preciso chegar à vilania. Aquela palavra canalha que empreguei há pouco está me queimando horrivelmente. Não Renato, não sou canalha nem chegarei à vi- lania; mas displicente, cínico revoltadamente cínico, vê bem: “revoltadamente” não desiludidamente ou pessimistamente. (…).” ( Carta datada “S. Paulo 1 de setembro de 1924.) (NOGUEIRA, 2003, p. 40)


Tempos depois Renato também encontra a calma para avaliar trabalho publicado em outro periódico, mas que também ecoa na Ariel de numero 11:


Meu Mário: não te devo carta, mas numa hora de saudade e de lazer há sempre en- sejo para se conversar com os amigos. Recebi o último número de Ariel, magnífico. A propósito, numa entrevista com o Mignone, citas minha opinião sobre “Congada”. Que pena a ópera não corresponder a esse trecho interessante, vivo e nosso, encrava- do naquela coisa detestável, nesse filhote de Puccini! Aqui o êxito foi indiscutível e só seria para espantar que o não fosse. (Carta datada de [Rio de Janeiro, setembro de 1924]) (NOGUEIRA, 2003, p. 86)


Às vésperas de completar o primeiro ano de vida a participação de Mário de Andrade aparentemente diminui. Em Ariel número 12, de setembro de 1924, encontra-se: assinado por Mário de Andrade: a) “O caso Magda Tagliaferro”, p. 428-430 e b) Seção de Crônicas, Dó bemol, p. 436-438; assinado por Florestan: “Programas”, p. 425-427; assinado por C. Padovani: Concertos, p. 438-440 e assinado por Eugenio Luz: “Canção desabalada”, p. 431.

Se o esforço para fazer uma revista variada e atraente para os leitores compensa o trabalho, Mário de Andrade não tem como avaliar. Ao que se sabe, as revistas brasileiras de música não costumavam fazer pesquisas entre os leitores para acompanharem a pene- tração das matérias e escutarem o gosto da população. O público que estudava piano em escolas como o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo ou o Instituto Nacional de Música era certamente diverso daquele que estudava violão. Talvez sem atentar a esta ques- tão, Manuel Bandeira escreve no início de setembro respondendo ao convite do amigo:


“Escrever artigo? Hum! Tenho uma carta interessante de Vincent d’Indy sobre litera- tura de violão. Acha que isso, misturado com 3 lugares comuns e umas frasezinhas sentimentais pode dar um artigo intitulado “Literatura de violão”? Se acha, anuncie que eu misturo e mando sem vergonhissimamente.” (Rio de Janeiro, 1 de setembro [de 1924]). (ANDRADE e BANDEIRA, p. 127)


O poeta ainda não se dera conta do projeto de Mário de Andrade que planejava ho- menagear Henrique Oswald e chega a encomendar para Renato de Almeida:


Renato querido, quase que te fiz esperar um mês por esta resposta! Perdoa. Aqui vai primeiro ponto por ponto o que exige resposta minha: Teu artigo prometido para logo

ainda não chegou. Se é sobre Oswald como pedi não tem muita pressa pois o número de Ariel dedicado a Oswald será talvez o de janeiro. Quero fazer coisa importante, que preste. O artigo do Rodrigues Barbosa que pedi, se não me engano, é também sobre a música de câmara do Oswald, não é? Tem pois, ele tempo de sobra até dezembro para escrevê-lo. O número de aniversário da revista parece que sairá coisa boa. Ao menos já tenho do Ronald o Mercado de Ouro Pérola e Esmeralda, que é uma das obras-

-primas da poesia brasileira legítima maravilha. Teremos Guilherme também. Se tens tempo manda-me também qualquer coisa. Mas não exijo. Sei como deves estar. (…) Quanto aos outros amigos, raro os vejo. Quase que só por uns 15 minutos às sextas na Vienense. Nem tenho mais espaço para ir lá nos outros dias. É só de Ariel para as alunas, desta para o conservatório, deste para um trabalho escrito. Ler, quase não leio mais. Paciência. (...) (Carta data de “São Paulo. 25 de setembro [1924]”) (NOGUEIRA, 2003, p. 78)


Poucos dias após Mário de Andrade ainda está assustado com a trabalheira decor- rente do acúmulo de projetos. Alem de arrematar o livro de poemas Clã do jabuti, cobra a participação de Manuel Bandeira para o número seguinte de Ariel e anuncia os demais tra- balhos que estão sendo ultimados:


Espero com urgência “Carta do Rio”. Ariel sai amanhã (30). Socorre-me!

Começo esta semana o trabalho sobre as tuas Poesias. Por ironia dá-lo-ei à Revista do Brasil. Vai ver o meu Futebol do André Lhote que está na casa do Ronald. Os outros são da Tarsila. A Escrava entra para o prelo. Copio pela 3ª e espero última vez o romance Fräulein. // Ciao. Abraços. //Mário. [São Paulo, 29 setembro de 1924]. (ANDRADE e BANDEIRA, p. 130)


A dinâmica que se estabelece entre os colaboradores possibilita restabelecer as redes de sociabilidade que giravam em torno das redações das revistas. Quando Manuel Bandeira escreve o trecho a seguir provavelmente ainda não lera o que o editor paulista es- crevera. Mas solidário se apressa em explicar:


Mário.

Aqui vai o artiguete sobre violão. Mando-lhe também uma coleção de Picasso para você ver se se pode aproveitar uma das Guitare como ilustração.

A crônica seguirá dentro do prazo habitual (até 10 não é assim?).

Apreciei muito o teu artigo sobre a música e a revolução. Porém há mais coisas inte- ressantes do tempo da revolta de 93. Entre elas a deliciosa canção:

“Pé espaiado / Quem foi que te espaiou? / Foi uma bala / Que o Javari mandou”. Acho bom você não contar com o artigo do Lachmund. Ele prometeu dá-lo mas em prazo indefinido. O diretor da revista Brasil Musical não tem recebido o Ariel. É bom mandar-lho. (Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1924.) (ANDRADE e BANDEIRA, p. 128)


Por outro lado, mesmo sabendo contar com a colaboração de Manuel Bandeira o musicólogo sugere:


(...)Ando ocupadíssimo com o nº de aniversário de Ariel, por isso tem um pouco de paciência. Hoje entreguei quase todos os originais pra tipografia. E esta semana rece- berei provas da Escrava... Que talvez saia ainda este mês! Meu Deus! Deixa-me em- brulhar os assuntos, estou com pouca paciência pra pensar. Número de aniversário de Ariel saiu bonzinho, vais ver. Seis bons poemas, entre os quais o “Pianola” do Gui e o maravilhoso “Mercado de prata etc.”, nome pau! do Ronald. Teu artigo, Florestan, um Amaral rabugento, o meu estudinho sobre o amor em Beethoven e Dante, coisa sem importância, apenas legível. Falar nisso, numa das tuas cartas elogiaste umas escrituras sobre canto nacional popular histórico. Pelo amor de Deus, nunca me fales

nas minhas coisas em Ariel. Se visses como são escritas... Me lembrei muito bem da cantiga que citaste, o “Pé espalhado”. Não a citei porque... paciência, é isso mesmo: no momento engasguei na palavra Javary. Não sabia se era Javary ou outra palavra de que agora não me lembro. (...)

O Villa chegou então? Imagino o Villa contando!... Ainda com as mesmas filosofias? Conta-me dele alguma coisa. Ou pra Ariel, se quiseres.” [São Paulo, outubro de 1924]. (ANDRADE e BANDEIRA, p. 140-141)


O “correspondente” do Rio de Janeiro, “vulgo” poeta Manuel Bandeira, aceitara a sugestão e o Diretor da revista se entusiasma:


Manuel, / recebi as coisas que mandaste pra Ariel. Tomei a liberdade de mudar o título “Cartas do Rio” pra “Villa-Lobos”, porque chama mais a atenção e para variar. Serve. O escrito está excelente. O artiguete “Futurismo” creio que não sairá no próximo nú- mero por não haver Sinfonieta. Há matéria demais. Farei reproduzir os maravilhosos olhos de Heloísa. (Carta datada de [São Paulo], 31 de outubro de 1924.) (ANDRADE e BANDEIRA, p. 142)


A nota de Marcos Antonio de Moraes (ANDRADE e BANDEIRA, 2000, p. 143) para o trecho acima desvela a importância da parceria entre os dois poetas e amantes de música ao mesmo tempo que antecipa o que um estudo aprofundado sobre Ariel logrará acrescen- tar para a musicologia:


A crônica “Villa-Lobos”, noticiário sobre a chegada de Villa-Lobos ao Brasil, conta os sucessos do musico em Paris. MB mostra uma personalidade genial, dotada de “imaginação alucinatória”, trocando em miúdos algumas das declarações polêmicas de Villa-Lobos: “Noto aqui, maliciosamente, que o nosso querido amigo voltou brabo com os modernos. Não é moderno! [...] Eu não tenho estilo! [...] Aqui há um mal enten- dido sobre palavras.” Também conseguiu-se incluir “Futurismo”, tradução de crônica divulgada em L’illustration de setembro desse ano. MB, sem assinar a nota inicial, justifica a inclusão desse texto escrito por Le Semainier: “As idéias que [a crônica] propugna são assustadoramente modernistas. Como, porém, aparecem numa velha revista de orientação e feitio tradicionais bem conhecidos, fiamos que também não destoarão nas páginas de Ariel.” O último número de Ariel também estampa a foto da pianista moça Helena Accioly de Brito, a quem MB imputa “agilíssima vivacidade de temperamento”(“Brasil em fora – Rio de Janeiro”).


Pelo que se acompanha, Mário de Andrade trabalha dobrado para o número 13 de Ariel e, ao menos de início, não se dá conta de que será a última revista dirigida por ele que assina: a) “O amor em Dante e Beethoven: trecho de conferência literária”, p. 478-487;

b) Seção de Crônicas, Dó bemol, p. 493-495 e c) Seção de Crônicas, Concerto Souza Lima,

p. 499-500; assinado por Florestan: “Festa de aniversário”, p. 455-460; assinados por C. Padovani: a) “Rossini insulta Haydn e Beethoven”, p. 490-491 e b) Concertos, p. 496-499; as- sinado por Bernardo Koch: “Vocação” (Conto de Ariel), p. 514-517 e assinado por A. G. Do Amaral: “Música Nacional”, p.469-472

A constatação sobre a realidade financeira do empreendimento da editora talvez tenha motivado a homenagem a Sá Pereira e Antonio Paim, o tema da coluna Sinfonieta:


Ariel – entra hoje no seu segundo ano de existência a nossa revista. Germinada no cé- rebro ativo do ilustre maestro A. de Sá Pereira a idéia da criação duma revista musical que não se limitasse a simples noticiário e cópia de artigos estrangeiros Ariel conse- guiu sair a público devido à intensa dedicação de Sá Pereira e do apoio inteligente da firma Campassi & Camin. Veio completar essa feliz união o raro senso artístico e largo tino de ilustrador de Antonio Vieira Paim. E dessa colaboração de A. Sá Pereira,

Paim, Campassi & Camin, Ariel surgiu. Ao celebrarmos o primeiro aniversário da revista é grande prazer para os atuais diretores de Ariel honrar aqueles que a cria- ram e lhe deram uma tradição de arte e elevado pensamento. É a Sá Pereira, Paim e Campassi & Camim que S. Paulo deve uma revista que realmente correspondeu às tradições musicais da cidade. (Ariel n. 13, p. 506)


Nem todas as colaborações solicitadas para a revista devem ter sido publicadas de- vido à saída de Mário de Andrade, pois, como se acompanha, ele solicitava aos amigos que enviassem suas contribuições. Eis o caso de Renato de Almeida, que já colaborara em nú- mero anterior do periódico:


Meu Mário: um grande e saudoso abraço. (…) Quero ver se te mando uma coisa para o aniversário de Ariel. Será um meio de reagir um instante, de me libertar das coisas materiais, o que raramente me acontece agora. Às vezes, vejo o Ronald, ontem o Graça esteve à noite lá em casa e falamos muito de ti. (carta data de “Rio de Janeiro, 03 de outubro de 1924.) (NOGUEIRA, 2003, p. 83)


Nas semanas seguintes os amigos se dão conta de que a revista não será mais edi- tada, a correspondência de Mário de Andrade do período não alcança explicar exatamen- te como transcorreu o processo de transformação do periódico, a não ser na carta enviada a Sérgio Milliet datada de 11 de agosto de 1924 quando ele anunciara o déficit financeiro. Manuel Bandeira talvez tenha sido o único a se lastimar:


Mário. / Então Ariel semi-morreu. E morreu para nós. Tenho pena, também. Tinha meu fraco por Ariel. (Carta datada de [Rio de Janeiro], 16 de novembro de 1924.) (ANDRADE e BANDEIRA, p. 148)


Amigo dedicado, pois provavelmente não chegou a receber por todo o trabalho en- viado para a revista porque, foi visto, a publicação estava deficitária, Manuel Bandeira es- crevera cinco artigos: Crônicas do Rio (Ariel número 10), Carta do Rio (Ariel de números 11 e 12), Literatura do violão e Villa Lobos (Ariel de número 13).

A despedida do cargo deve ter pesado também nas finanças do professor do Conservatório Dramático e Musical de S. Paulo. Tendo que complementar o orçamento es- crevendo para outros veículos de informação, sabemos que Mário de Andrade emprega o artigo “Marcelo Tupinambá”, publicado em Ariel fevereiro de 1924, também na Revista do Brasil, do mês de abril do mesmo ano. Este, como “Reação contra Wagner”, da Ariel de maio de 1924 e “O amor em Dante e Beethoven”, conferência lida na Vila Kyrial, de Freitas Vale, do mês de outubro do mesmo ano, serão posteriormente incluídos na edição de Música, doce Música, o que é eloqüente.

Encerrada a participação de Mário de Andrade como diretor de Ariel – ele enviará pelo menos mais um artigo até o encerramento da revista, o que se dá provavelmente apos o número 74, em 1929 – coube a Manuel Bandeira avaliar, ainda que de forma indireta, qual a linha adotada pelo musicólogo à frente da publicação da Campassi & Camin. Em novembro de 1924, respondendo à carta do Diretor “ocupadíssimo” que solicitara não comentar suas “escrituras” para a publicação, Bandeira é taxativo:


“(...) Fica sabendo de uma vez por todas que o seu grande valor é a personalidade. É um bicho, uma prosopopéia, um Adamastor!! Imitas e sai Mário de Andrade. Brincas e sai Mário de Andrade. Fazes simbolismo, impressionismo e sai Mário de Andrade. Cospes no simbolismo, sai Mário de Andrade. És bom rapaz, fazes ironias, “não dás absolutamente importância” e “pelo amor de Deus, não fale no que escrevo

em Ariel” e sai Mário de Andrade. Sai sempre Mário de Andrade! O Mário acaba sempre puxando os 200 réis! (Carta datada Rio de Janeiro, 20 de novembro [de 1924].) (ANDRADE e BANDEIRA, p. 151)


Porém, sempre franco, escreve lacônico, poucas semanas após receber o último nú- mero dirigido por Mário de Andrade, quase como uma frase que ficasse esquecida de ser dita ao amigo, abaixo da assinatura: “Bonzinho o Ariel de despedida!” (Carta datada de Rio de Janeiro, 16 [dezembro de 1924].) (ANDRADE e BANDEIRA, p. 161)


Notas


1 Trabalho parcialmente apresentado no V Simpósio de Musicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro ocorrido no mês de agosto de 2014.

2 Pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida no Instituto de Estudos Brasileiros, sob minha orientação, por Isa- dora Bertollini Labrada, intitulada Mário de Andrade e Ariel – Revista de Cultura Musical (Bolsa FAPESP, 2012)

3 Carta datada de Pelotas, 22 de abril de 1923, manuscrito tinta preta. Arquivo Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.

4 Grifo do autor

5 Carta datada de Pelotas, 22 de abril de 1923, manuscrito tinta preta. Arquivo Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.

6 Pasta 18, Biblioteca Alberto Nepomuceno, Escola de Música

7 Rio de Janeiro: Escola Nacional de Música; Ministério de Educação e Saúde, 1942.


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Flávia Camargo Toni - Professora Titular e musicóloga do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), orientadora nos Programas de Pós-Graduação do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes e do IEB-USP. Membro da Equipe Mário de Andrade no IEB-USP. Bolsista de produtividade do CNPq. Suas áreas de interesse em torno da obra de Mário de Andrade compreendem as pesquisas do intelectual sobre música brasileira, gestão cul- tural e patrimônio imaterial. Preparou, entre outras edições anotadas, A enciclopédia brasileira (Edusp/Giordano/ Loyola, 1993), Introdução à estética musical (Edusp/Hucitec 1995) de Mário de Andrade. Publicou A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade (Sesc, 2004).

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