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Artigos Científicos - Performance Musical

Artigos Científicos - Performance Musical

Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1, 2015

Polirritmia: conceitos e definições em diferentes contextos musicais


Elvis Pauli (Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, SC, Brasil)

elvispauli@yahoo.com.br

Rodrigo Gudin Paiva (Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, SC, Brasil)

paiva@univali.br


Resumo: O presente trabalho busca compreender o fenômeno polirrítmico em diferentes contextos musicais. Para isso, foram organizados na forma de um glossário diferentes conceitos, termos e definições relacionados à polir- ritmia. Para melhor ilustrar a sua utilização, exemplos musicais foram selecionados, a partir de publicações e trans- crições, demonstrando o uso de conceitos polirrítmicos e seus desdobramentos. O trabalho traz como contribuição a compilação de termos e definições que servem de ferramentas para revelar outras formas de análise musical, rela- cionadas à polirritmia, ilustradas nos exemplos musicais selecionados.

Palavras-chave: música, polirritmia, glossário de termos musicais.


Polirritmia: conceptos y definiciones en diferentes contextos musicales

Resumen: En este trabajo se busca entender el fenómeno polirrítmico en diferentes contextos musicales. Para esto, fueron dispuestos en forma de un glosario diferentes conceptos, términos y definiciones acerca de la polirritmia. Con la intención de ilustrar su uso, ejemplos musicales fueron seleccionados de las publicaciones y transcripciones, demostrando la utilización de conceptos polirrítmicos y sus consecuencias. El trabajo aporta como contribución la compilación de términos y definiciones que sirven como herramientas para otras formas de análisis de la musica, re- lacionados con la polirritmia y presentado en los ejemplos musicales elegidos.

Palabras clave: música, polirritmia, glosario de términos musicales.


Polyrhythm: concepts and definitions at different musical contexts

Abstract: The present paper seeks to understand the polyrhythmic phenomenon at different musical contexts. For this, they were organized in the form of a glossary different concepts, terms and definitions related to polyrhythm. To better illustrate its use, musical examples were selected, from publications and transcripts, showing the use of polyrhythmic concepts and its developments. The paper brings as contribution the gathering of terms and defini- tions serving as tools to reveal other forms of musical analysis, related to polyrhythm, illustrated on the selected mu- sical examples.

Keywords: Music, Polyrhythm, Glossary of Musical Terms.


  1. Introdução


    O termo polirritmia tem sido utilizado em diferentes contextos musicais e também tratado como objeto de estudo por diferentes autores da etnomusicologia, educação musical e performance. Sandroni (2001), Bessa (2010), Coelho (2008), Fridman (2012), Pitre-Vásquez & Adamowski (2013), discutem em suas pesquisas dentro da etnomusicologia conceitos de- senvolvidos por pesquisadores e estudiosos da música tradicional africana como Kolinsky, Kubik, Aron, Nketia, entre outros, que são importantes bases referenciais para diversos es- tudos, envolvendo a polirritmia e conceitos correlacionados.

    Segundo Coelho (2008), dentro da Rítmica, estudos baseados em conceitos polirrít- micos foram também abordados por autores como Gramani, Dalcroze e Gelewky. O estudo da leitura e da escrita musical a uma, duas ou mais vozes, são amplamente utilizados por educadores, despertando diferentes formas de percepção musical diretamente relacionadas à polirritmia.

    Na música erudita, compositores como Stravinsky, Béla Bartók, Debussy, entre ou- tros, fizeram uso de sistemas musicais não ocidentais, utilizando entre vários conceitos a polirritmia para expandir os limites estruturais, criando diferentes diálogos entre a música ocidental e a não ocidental (FRIDMAN, 2012).


    Revista Música Hodie, Goiânia - V.15, 233p., n.1, 2015 Recebido em: 15/07/2015 - Aprovado em: 17/08/2015

    Essa pesquisa busca compreender muitos dos conceitos que tem similaridades ou associações e são comumente usadas e interpretadas simplesmente como polirritmia. Também busca entender certos aspectos estruturais similares que dentro de outros contex- tos alteram sua função primordial1.

    A polirritmia e alguns de seus desdobramentos como: polimetria, hemíola, defasa- gem, imparidade rítmica, contrametricidade, modulação métrica, modulação métrica com- binada, odd groups, padrões subjetivos, padrão cíclico, gerados a partir de diferentes proces- sos de análise, estão reunidas na forma de um glossário de terminologias a fim de auxiliar na compreensão e nortear tópicos e discussões contidos nesse trabalho, assim como alguns exemplos musicais que ilustram o uso de algumas dessas terminologias.


  2. Metodologia


    Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa foram: revisão biblio- gráfica, iniciada a partir de periódicos especializados e aprofundada através de artigos científicos e livros; elaboração de um glossário criado pelo amplo número de terminolo- gias relacionadas direta e indiretamente à polirritmia; e seleção de repertório musical que pudesse ilustrar alguns conceitos aqui abordados. Na elaboração do glossário, constatou-se em alguns casos mais de um significado para o mesmo termo, onde partiu-se do parâmetro da origem da fonte como fator primordial, seguido de sua complementação terminológica quando necessário com fontes indiretas.


  3. A Polirritmia Dentro de Vários Aspectos e Contextos


    Sandroni, (2011), apresenta um paralelismo de definições a respeito da síncopa bra- sileira, que tramita entre a visão musicológica e etnomusicológica, ou ainda, como descre- ve Fridman (2012), sob o aspecto da música ocidental e a não ocidental. A partir dessas óti- cas, procurou-se reconhecer, comparar e contextualizar conceitos similares ou associados à polirritmia.

    Conforme o dicionário Grove de Música (SADIE, 1994, p. 733) “Polirritmo é a super- posição de diferentes ritmos ou métricas”, se caracterizando como um híbrido contrastivo, pois é compreendido como um fenômeno musical resultante da soma de elementos, porém ainda distintos, isto é, existe uma definição relativa à soma das duas vozes, mas estas vozes ainda são reconhecidas como elementos separados. Ao analisarmos a polirritmia dentro de um contexto musical onde ela, unida a outros elementos, resulta em um novo objeto de es- tudo, a classificamos como um híbrido homeostático2.


    Muitos ritmos africanos estão na origem de ritmos sincopados, característicos do Jazz, mas seus significados musicais e extra-musicais foram totalmente transforma- dos em um novo contexto (KARTOMI, apud SANDRONI, 2011, p.23).


    A polirritmia, assim como a síncopa, muitas vezes pode ser a origem ou o elemento primordial em um determinado ritmo ou música exercendo uma função de base na criação de alguns importantes contextos musicais. Conceitos e práticas polirrítmicas já existem há centenas de anos e são parte tradicional da música africana, do jazz tradicional (HOENIG & WEIDENMUELLER, 2009) e de alguns gêneros musicais da América Latina, particu-

    larmente das músicas tradicionais e populares do Brasil e de Cuba (PITRE-VÁSQUEZ/ ADAMOWSKI, 2013). A partir do estudo da música Africana Subsaariana, repleta de ele- mentos que fogem a métrica ocidental e que resultaram numa série de novas definições mu- sicais, criou-se a possibilidade de discussões com diferentes percepções.

    O etnomusicólogo Kubik (apud PITRE-VÁSQUEZ/ADAMOWSKI, 2013), identificou padrões rítmicos dentro da música tradicional africana que são importantes referências para estudá-la. A constância cíclica e o padrão repetitivo, Kubik chamou de “pivô de orien- tação”. Esse conceito tem sido amplamente utilizado por etnomusicólogos para análise de muitos gêneros musicais, principalmente brasileiros e cubanos. A partir dessa noção do pa- drão rítmico cíclico, surge o “pulso elementar”, que é a menor unidade de tempo que com- põem um determinado ciclo.


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    Figura 1: Adaptação gráfica de ciclo rítmico e time line (ANKU, 2000).


    Joseph K. Nketia foi o criador do termo time line pattern em 1970, também similar ao pensamento da menor unidade de tempo, ou pulso elementar, o termo time line consiste em um ponto de referência constante pelo qual, a estrutura da frase de uma canção, assim como a condução métrica linear da frase, é conduzida, geralmente tocadas por instrumen- tos mais agudos ou marcadas com palmas que servem de “base” para polirritmias e polir- ritmias mais complexas (MUKUNA apud PITRE-VÁSQUEZ/ADAMOWSKI, 2013, p.2). Na figura seguir, observamos um exemplo gráfico de um complexo padrão cíclico sobreposto:


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    Figura 2: Padrão cíclico (MUSIC THEORY ONLINE, 2000)


    Kolinsky, em sua resenha sobre a música da África Subsaariana, observa que o rit- mo estaria estruturado em dois níveis: o da métrica, que seria a infraestrutura permanen- te e o ritmo, a superestrutura onde as variações são tecidas. A partir dessa analogia, pode-

    -se dizer que o ritmo pode confirmar ou contradizer a métrica, também denominado por Kolinsky como metricidade e contrametricidade, onde “a metricidade de um ritmo seria, pois, a medida em que ele se aproxima ou se afasta da métrica subjacente” (KOLINSKY apud SANDRONI 2001, p.21). Outro conceito observado por Kolinsky é a respeito da rítmica di- visiva e aditiva, ou seja, nossa rítmica ocidental é divisiva (divisão de duração em valores iguais). Já a rítmica africana pode ser considerada aditiva (soma de unidades menores que agrupadas formam outras unidades).


    Nossa teoria musical clássica prevê dois tipos de compasso, os simples e os compos- tos. Nos compassos simples, as unidades de tempo são binárias. Por exemplo, nos compassos 2/4, 3/4 e 4/4, as unidades de tempo são as semínimas, que dividindo-se sempre por dois, são equivalentes a duas colcheias, quatro semicolcheias, etc. (...) compassos compostos como 6/8 ou 9/8, as unidades de tempo são ternárias e repre- sentadas por semínimas pontuadas (...). Mas o fato é que não há compassos que mis- turem de modo sistemático agrupamentos de duas ou três pulsações (...) É precisa- mente esta mistura que vai desempenhar um papel muito importante nas músicas da África subsaariana (SANDRONI, 2011, p. 24).


    Muitos desses conceitos tem sido importantes ferramentas de análise, pois partem de outras bases estruturais para averiguar casos, tais como a síncopa, o tresilho, o paradig- ma do Estácio (SANDRONI, 2011), o samba de roda do recôncavo baiano, (IPHAN, 2006), o samba viaduto Santa Efigênia (PITRE-VÁSQUEZ/ADAMOWSKI, 2013), entre outros.

    Kubic (2006), identificou também o que chamou de padrões subjetivos ou ineren- tes. Durante suas pesquisas em Uganda, tendo aulas de xilofone amadinda com Evaristo Muynda, constatou o fenômeno áudio-psicológico de uma gravação, onde as duas vozes que haviam sido tocadas não eram mais reconhecíveis separadamente e podiam se transformar em uma nova configuração sonora conforme sua intenção de escuta. Essa definição identi- ficada por Kubic décadas depois, seria reconhecida em grande parte do repertório da músi- ca tradicional africana assim como em características marcantes na forma de concepção do Gamelão, música tradicional da ilha de Bali e na música indiana. No sul da Índia existem os ciclos rítmicos conhecidos como talas. Um tala abrange um determinado número de be- ats ou pulsações. Essas pulsações são representadas por gestos e palmas que tem durações diferentes. Sobre essas pulsações, que são variáveis conforme o tala, estão as sílabas rítmi- cas conhecidas como “gati” de 3, 4, 5, 7, 9 divisões por beat (MONFORT, 1985). Em uma analogia com o conceito de Kolinsky, sobre a estrutura do ritmo, os talas seriam a métrica e as gatis, o ritmo. A subdivisão também deve ser observada do ponto de vista do pulso ele- mentar e rítmica aditiva.

    No estudo da rítmica nota-se uma grande semelhança entre vários conceitos rít- micos provindos de estudos sobre a música africana subsaariana com o pensamento rítmi- co de José Eduardo Gramani. Para o autor, seu principal objetivo é desenvolver e aprimorar a sensibilidade rítmica através de estudos de leituras a duas vozes. Em relação ao conceito polirrítmico, o autor afirma que ele deve ser pensado de maneira musical, buscando sentir as duas métricas propostas; “A frase rítmica não se subordina ao tempo; ela acontece sobre ele, horizontalmente; conservando suas características básicas” (GRAMANI, 2007, p. 10).

    O chamado “sentir a rítmica, ao invés de pensar” foi observado por Kubik (2006), descrevendo sua experiência com as aulas com Muynda, onde teve que desprender-se da maneira de ver ocidentalmente a música e adquirir outras formas de interpretações:

    Quando finalmente aprendi a tocar com Muyinda, dessa vez “em conjunto” com ele, e não “em relação” à sua parte, abriu-se para mim repentinamente a possibilidade de ouvir para dentro de uma trama sonora que possibilita muitas maneiras de leitura e de percepção (KUBIC, 2006, p. 94).


    Segundo Coelho (2012), Rolf Gelewski e Émile Jaques Dalcroze, utilizam-se do prin- cípio fisiológico para conscientização da rítmica. Em seu livro Rítmica Métrica, Gelewski, aplica essa metodologia com o uso de formulas métricas3 enfatizando a noção de compas- so alternado e misto e rítmica aditiva. Os valores devem ser vistos a partir de suas próprias unidades internas, focados até certo ponto isoladamente. Gramani, como observa Coelho (2008), dispunha as notas não como valores divisivos, mas aditivos, que acabam por com- por uma time-line, um ostinato ou ainda a geração de uma estrutura interna, semelhante ao pensamento de Kubik e Nketia, sobre a estrutura do ritmo. Outra forte influência para Gramani foi Igor Stravinsky, observado no seguinte comentário:


    Em 1981 [...] estava estudando a parte de violino de ‘A História do soldado’, de Stravinsky, e tendo dificuldades em alguns trechos, comecei a estudar contrapontos rítmicos fantásticos que ele escreveu. [...] montei alguns trechos a duas vozes rítmicas e estudei, resolvendo alguns problemas. Então levei para meus alunos na UNICAMP, eles estudaram e o resultado foi muito bom. Isso me animou a pensar em porque não estudar o ritmo com aquelas características (COELHO, 2012, p.13).


    Conforme Fridman (2012), “Materiais e procedimentos musicais do mundo não oci- dental passam a influenciar a música ocidental nos primórdios do século XX, trazida à Europa através de mostras culturais, feiras, museus e eventos que divulgavam a cultura oriental no ocidente”. Compositores como Béla Bartók, Igor Stravinsky, Eric Satie, Debussy lutavam para livrar-se da hegemonia germânica, que até então conduzia a música na Europa. Assim como Stravinsky, outros compositores se utilizaram dessa influência para dar iní- cio a essa liberdade estrutural e harmônica, utilizando elementos da música não ocidental. Claude Debussy, expandiu os processos escalares, combinando as configurações escalares de Java e Bali. Bartók e Ravel sofrem a influência da assimetria rítmica e a métrica com- binada do folclore húngaro, estruturas polimodais e polirritmias africanas. Stravinsky so- fre influências semelhantes às de Bartók, mas sua contribuição no aspecto rítmico, com a utilização de ostinatos, mudanças de acentuação, polimetrias e polirritmias, são elementos marcantes em sua obra.

    Outros compositores fizeram uso de elementos não ocidentais, principalmente no aspecto rítmico como Steve Reich que se utilizou da polirritmia ganense em sua peça Drumming. Reich estudou percussão africana em Gana, incluindo o ritmo conhecido como Gahu, característico da tribo Ewe, uma de suas principais inspirações para a criação dessa composição (FRIDMAN, 2012).

    Em um contexto mais contemporâneo, observamos a polirritmia intrínseca em es- tilos musicais populares, principalmente ritmos de matrizes africanas. Muitos ritmos bra- sileiros, analisados com base em alguns conceitos descritos nesta pesquisa, estão impreg- nados de elementos similares ou associados à polirritmia. Em vários desses ritmos como o tambor de mina maranhense, no xangô e no maracatu pernambucanos, no candomblé, na capoeira, sambas cariocas entre outros, aparecem fórmulas métricas que atuam como osti- natos ou time lines, coordenando muitas vezes polirritmias tão complexas quanto as africa- nas (SANDRONI, 2011).

    Nos vários diálogos com elementos polirrítmicos usados de diferentes formas na música popular, sejam elas intrínsecas em ritmos ou como elementos de tensão, passagem,

    exposição ou fusão, não se pode deixar de citar Hermeto Pascoal. Em sua “música univer- sal”, como o próprio Hermeto a descreve (apud ARRAIS, 2006), que se baseia justamente na diversidade cultural brasileira, estão presentes desde elementos polirrítmicos mais simples4 até polirritmias de alto grau de complexidade5.

    Dentro do Jazz, também um ritmo de matriz africana, existem traços polirrítmicos encontrados desde sua base rítmica primeva até expressões jazzísticas atuais em constante transformação. Desde sua célula rítmica básica no prato de condução, o jazz encontra um paradigma sobre sua divisão correta, que nunca pode ser notada de uma maneira inteira- mente satisfatória (BELLEST; MALSON, 1989). A figura a seguir demonstra alguns tipos de notações de uma base rítmica no Jazz:


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    Figura 3 - Base rítmica de Jazz (BELLEST; MALSON, 1989, p.17).


    Essas diferentes formas de escritas, quando interpretadas pelos músicos, giram em torno de um fraseado “ternário”, que pode se alterar para uma binarização, conforme seu andamento.

    A partir da quebra de certas barreiras por alguns músicos no jazz, o uso de acentu- ações independentes, contextualizando também a estrutura rítmica observada por Kubik, se faz presente. A respeito das duas estruturas do ritmo:


    Armstrong, Gillespie, Parker, Herbie Hancock – sentiram-se à vontade para transcen- der essa regra comum, deixando ouvir uma pulsação interior independente do tempo expresso pela seção rítmica; essa liberdade aparece como apanágio dos mais talento- sos (BELLEST MALSON, 1989, p. 16).


    A partir dos anos 60, músicos como Miles Davis passam a utilizar a polirritmia e alguns de seus desdobramentos de forma mais explícita:


    O Mile Davis Quintet foi um dos primeiros a utilizar essa linguagem nos anos 60 e hoje é raro achar um grupo de jazz que não utilize de uma forma ou de outra, esses vocabulários (HOENIG & WEIDENMUELLER, 2009, P. 3).


    Alguns músicos do Jazz como o baterista Ari Hoenig e o contrabaixista Johannes Weidenmueller (2009) extrapolam a aplicação e uso de conceitos polirrítmicos, utilizando além de polirritmos, alguns conceitos gerados a partir dela como modulação métrica, co- re-grooves, core-rythms, entre outros, como descrevem Hoenig e Widenmueller (2009)6, a maioria dos exemplos estão sobre formas musicais e não simplesmente sobre uma pulsação. Explicam que esse recurso em alguns casos é basicamente uma forma de tensionar o groove. Essas estruturas estariam então não somente divididas em duas camadas, como observou Kubik a propósito da estrutura de um ritmo, mas sim em quatro camadas, pois são duas pulsações sobrepostas com variações rítmicas em cada uma delas. Hoenig e Widenmueller (2009) ainda atentam para o uso desse tipo de recurso como forma de criar ainda mais expectativas para uma resolução além de ser um meio, para os estudantes, de

    trabalhar a fluência dentro das diferentes formas musicais.

    É importante observar que muitos ritmos ou células rítmicas podem, de uma per- cepção de análise mais densa, ser consideradas polirritmia. Uma tercina colocada simples- mente dentro de um compasso com subdivisão binária, pode ser classificado como contra- métrico, já que sai da metricidade do compasso. Pode ser considerado polirrítmico quando existe um pensamento relativo a estrutura rítmica de Kubik, ou seja, a estrutura métrica (binária) ao qual o ritmo (quiáltera de 3) é sobreposta.

    Esse tipo de análise tem sido cada vez mais discutido entre pesquisadores, geran- do um importante aprofundamento, além de diálogos pertinentes e algumas vezes confli- tantes, como as contradições internas no emprego de algumas definições entre Kolinsky e Aron (Sandroni, 2011).

    As diferentes formas de aplicação da polirritmia seja na etnomusicologia, no estu- do da rítmica ou em sua influência na música do século XX e XXI, de uma forma geral, de- monstram sua relevância na música. Além da sua importância teórica, atenta-se para o as- pecto prático, observado por Gramani (2007) e Kubik (2006), sobre a intenção da escuta, pois tudo pode mudar, dependendo dessa intenção, ou localização espacial, dentro de um deter- minado ritmo ou composição musical.


  4. Glossário


    Para uma maior compreensão do fenômeno polirrítmico foram organizados concei- tos ligados direta, ou indiretamente à polirritmia sendo alguns como base conceitual, ou- tros como ferramentas de análise (onde seu uso determina diferentes pontos de vista sobre o objeto analisado), e alguns como elementos funcionais aplicados (exemplos contidos em alguns métodos, livros e performances). Algumas terminologias relativas ao gamelão e à música indiana, estão descritas de maneira mais breve a fim de não se distanciar dos obje- tivos deste trabalho.


    Assimetria Rítmica: Termo que se refere a utilização de compassos de numera- dor ímpar, como 5/8, 11/8, 7/8, que sugerem uma pulsação resultante de propor- ções irregulares (FRIDMAN, 2012, p.4).


    Bi-Rhythm: Duas diferentes métricas tocadas simultaneamente. Bi-rhythms co- mumente usados na música africana incluem dois contra três, três contra quatro e três contra oito (MONFORT, 1985, p. 41)


    Beat e Off-beat: Beat e off-beat representam a marcação e a batida entre as mar- cações. As acentuações melódicas do repertório africano caem predominante- mente fora da marcação, ou, na terminologia ocidental, fora do primeiro tempo do compasso. Dentro do acontecimento musical a marcação representa um refe- rencial onipresente, assim como também a pulsação elementar. Ambos referen- ciais agem simultaneamente (KUBIK 1984 apud PINTO, 2001, p. 239)


    Cross Rhythm7: É a justaposição de ritmos aditivos e divisivos e também a jus- taposição de dois diferentes ritmos divisíveis (MONFORT, 1985, p. 41)


    Cometricidade e Contrametricidade: Seria o quanto o ritmo pode confirmar ou contradizer o fundo métrico, que é constante. (SANDRONI, 2001, p.21).

    Core Rhythms8: Subdivisões tais como colcheias, tercinas e semi-colcheias po- dem ser agrupadas para formar o que se chama de Core Rhythm. Por exemplo, uma semínima pontuada é um Core rhythm. Ela é baseada na subdivisão de 3 colcheias. Core rhythms são a base para os Core Grooves (HOENIG & WEIDEN- MUELLER, 2012, p. 4).


    Core Grooves9: É uma aplicação mais musical dos Core Rhythms. Para criar um Core Groove, primeiramente parte-se de um Core Rhythm e toca-se em grupos de 3, 4, 5 etc. Exemplos de Core Grooves incluem um swing (jazz) básico, que é sobreposto, causando uma sensação diferente de tempo (HOENIG & WEIDEN- MUELLER, 2012, p. 4).


    Defasagem: É um procedimento que consiste em um cânone gradual feito a par- tir de duas ou mais camadas onde uma estrutura rítmica permanece estática e outra mantém o mesmo padrão rítmico, mas afasta-se para depois reencontrar a voz que fica fixa (no cânone as camadas nunca se encontram) (FRIDMAN, 2012, p.4).


    Deslocamento Ritmico10: Um deslocamento rítmico é qualquer ritmo ou frase musical que inicia em uma parte diferente do beat, marca original do começo clássico (Dal Capo) (HOENIG & WEIDENMUELLER, 2012, p.5).


    Dissociação Ritmica: Proposta de educação rítmica polimétrica criada por José Eduardo Gramani, que propõe a independência da métrica e da subdivisão. Essa dissociação é obtida a partir de vários planos rítmicos que se superpõem e se relacionam em forma de contrapontos (COELHO 2012, p.9)


    Estrutura Profunda: Sistema rítmico de uma lógica distinta de organização de durações. Termo usado por John Blacking no livro How Musical is Man? (SAN- DRONI, 2001, p.26)


    Fórmula Métrica: São combinações de valores curtos e longos na proporção de 1 para 2. Assim, o binário: prop: [1.1], o ternário: prop: [1.1.1] [1.2] [2.1], o quater-

    nário: prop: [1.1.1.1] [2.2] [2.1.1] [1.2.1], etc (GELEWSKI apud COELHO 2012, p.12)


    Formula Rítmica Assimétrica: Fórmula rítmica baseada na imparidade rítmica, ou seja, dividida em partes diferentes, muito usada nas “linhas-guias” Africanas (SANDRONI, 2001, p.25)


    Gamelão: música tradicional balinesa formada por um conjunto composto prin- cipalmente de percussão (MONFORT, 1985, p. 61).


    Hemíola: Na rítmica africana, é o uso de seções alternadas de métrica dupla e tripla (MONFORT, 1985, p. 61), mas também é definida por alguns autores como um deslocamento do acento rítmico caindo em um diferente tempo do compasso (BESSA, 2010, p. 81).

    Imparidade Rítmica: A mistura de agrupamentos binários e ternários (a nossa semínimas e semínimas pontuadas) dava sempre origem a períodos rítmicos pares: por exemplo, a série 3+3+2 (ou seja, duas semínimas pontuadas + semí- nima) configura um período de oito unidades; a série 3+2+3+2+2 configura um período de 12 unidades, e assim por diante. Mas qualquer tentativa de dividir estes períodos pares em dois, respeitando uma estrutura interna, levava a duas partes necessariamente desiguais, estas impares. Assim, nesse tipo de lógica rítmica, o período de oito não pode ser dividido em 4+4, mas somente 3+5( ou 3+[3+2]) ou seja, em quase metades, assim como o período de doze em 5+7 e assim por diante (ARON apud SANDRONI, 2001, p.25)


    Kotekan: Faz parte do gamelão balinês. São frases sobrepostas executadas por músicos experientes divididas de tal modo que os músicos toquem notas alter- nadas da linha melódica MONFORT, 1985, p 45)


    Métrica: Infraestrutura permanente sobre a qual a superestrutura tece suas va- riações. (SANDRONI, 2001, p.21)


    Modulação Métrica11: Em termos técnicos, modulação métrica significa mudar o tempo de uma parte de modo que um novo tempo tenha algum tipo de relação matemática com o tempo original. Isso é possível por criar o valor de uma nota do primeiro tempo equivalente ao valor de uma nota no segundo. Por exemplo, se você pegar uma mínima, no seu tempo original e fazer com que a mínima se iguale a semínima no novo tempo, você termina com uma modulação na metade do tempo (HOENIG & WEIDENMUELLER, 2012, p. 4).


    Modulação Métrica Sobreposta12: O pulso sobreposto ou o pulso da camada, ou o que é definido como Core Rhythm e Core Groove, criam a ilusão de mudança momentânea de tempo, mas na verdade não é (HOENIG & WEIDENMUELLER, 2012, p. 4).


    Metricidade: A metricidade de um ritmo seria pois a medida em que ele se apro- xima ou se afasta da métrica subjacente (KOLINSKI apud SANDRONI 2001, p. 21).


    Métrica Combinada: Procedimentos de caráter sucessivo/horizontal que envol- ve a mudança de acentuação rítmica no decorrer de uma peça. Tais mudanças podem ser evidenciadas tanto por acentuações marcadas em uma mesma formu- la de compasso como na troca de formulas de compasso durante a peça (FRID- MAN, 2012, p.4).


    Métrica Dupla: É a divisão da duração de um tempo dentro de um grupo de dois, quatro, oito ou dezesseis pulsos iguais (MONFORT, 1985, p. 41).


    Métrica Tripla: É a divisão da duração de um tempo dentro de um grupo de três, seis, doze, vinte e quatro (etc...) pulsos iguais (MONFORT, 1985, p. 41).

    Métrica Multipla: É o uso simultâneo de duas ou mais métricas (MONFORT, 1985, p. 41).


    Ostinato: Termo que se refere a repetição de um padrão musical por muitas ve- zes sucessivas (SADIE, 1994, p. 687).


    Ostinato Variado: Termo batizado por Sinha Arom onde a fórmula rítmica assi- métrica ora é repetida, ora é variada através de improvisações do músico respon- sável pela “linha-guia” (SANDRONI, 2001, p.25).


    Odd Groups: Agrupamento de frases ímpares. Geralmente, esses agrupamentos são contrários à fórmula de compasso na qual a música está sendo executada. Desta maneira, a acentuação das frases acaba gerando a sensação de que a mú- sica está, naquele momento, sendo executada em outra fórmula de compasso. (GONÇALVES, 2013, p.50).


    Padrões Subjetivos ou inerentes13: Quando duas partes rítmicas não podem mais ser identificadas separadamente, surgindo uma nova configuração sonora, uma estrutura em fluxo que pode se transformar a cada instante dependendo da intenção de escuta. É um um fenômeno audiopsicológico encontrado por Kubick em repertórios de música africana. (KUBIK, 2008, p. 94).


    Padrão Standard14: Padrão rítmico conhecido na música africana representado por Jeff Pressing utilizando dígitos como 22323 ou ainda utilizado por Kubik representado da seguinte maneira: [x.x.x..x.x..] (FERNÁNDEZ, 2007, p.5)


    Polifonia: Termo derivado do grego significando “vozes múltiplas”, usado para músicas em que duas ou mais linhas melódicas soam simultaneamente (SADIE, 1994, p. 733).


    Polirritmia: É um fenômeno rítmico relativo ao aspecto vertical, onde será possí- vel detectar dois ou mais padrões rítmicos ocorrendo simultaneamente, mas to- dos estarão baseados em uma mesma fórmula de compasso. É bastante frequente a utilização de quiálteras nos procedimentos polirrítmicos, como os encontrados na música africana em geral, podendo haver também uma série de combinações possíveis para este procedimento (FRIDMAN, 2012, p.5).


    Polimetria: Definimos a polimetria como qualquer fenômeno rítmico em que se possa distinguir auditivamente a utilização simultânea de mais de uma formu- la de compasso, sendo este então um fenômeno restrito ao aspecto vertical. Há vários tipos de polimetria, sendo a defasagem um exemplo deste procedimento (FRIDMAN, 2012, p.4).


    Pulsação Isócrona: Métrica que caracteriza as polirritmias africanas, possibili- tando a coordenação do conjunto, por vezes manifestadas pelas palmas ou pas- sos de dançarinos (SANDRONI, 2001, p.21).

    Pulsação Elementar: É a pulsação contínua de valores de tempo mínimos (KU- BIK, 1985 apud PINTO, 2001, p. 239).


    Quiáltera: Alteração convencional no valor das figuras musicais, permitindo que três delas sejam executadas no lugar de duas. Também chamamos de terci- na, é indicado por uma linha curva e o algarismo 3. Por extensão, costuma-se aplicar o termo a alteração análogas abrangendo 5, 7, 9 notas, ou a transformação de um grupo ternário em binário (SADIE, 1994, p. 758).


    Rítmica Aditiva: É a rítmica que atinge uma dada duração através da soma de unidades menores, que se agrupam formando novas unidades, que podem não possuir um divisor comum (é o caso de 2 e 3), a exemplo da rítmica africana (KOLINSKY apud SANDRONI, 2001, p. 24).


    Rítmica Divisiva: É a rítmica que baseia-se na divisão de uma dada duração em valores iguais. A base da teoria ocidental, ou seja, uma semibreve se divide em duas semínimas e assim por diante (KOLINSKY apud SANDRONI, 2001, p. 24).


    Síncopa: É qualquer alteração deliberada do pulso ou métrica normal. Nosso sistema rítmico baseia-se no agrupamento de pulsações iguais em grupos de 2 ou 3, com um acento regular recorrente da primeira pulsação de cada grupo. Qualquer desvio em relação a este esquema é sentido como uma perturbação ou contradição entre o pulso subjacente (normal) e o ritmo real (anormal) (HAR- VARD DICTIONARY OF MUSIC apud SANDRONI, 2001, p. 21).


    Tresilho: Construção assimétrico sobre um ciclo de oito pulsações, ou 3+3+2. Como esse ritmo comporta três pulsações os cubanos o chamaram de tresilho (SANDRONI, 2001, p. 28).


    Time-Line: Consiste em um ponto de referência constante ou uma espécie de me- trônomo pelo qual a estrutura da frase de uma canção, assim como a condução métrica linear da frase, é conduzida. (MUKUNA 1985 apud PITRE-VÁSQUEZ/ ADAMOWSKI, 2013 p. 2).


    Time Span: É uma unidade fixa de tempo a qual pode ser fragmentada dentro de/ou um número igual de segmentos, ou agrupamentos de pulsações de diferen- tes valores de tempo (MONFORT, 1985, p. 41).


  5. Material Musical Selecionado


Foi selecionado um repertório contendo exemplos em diferentes gêneros musicais que tenham de forma direta ou indireta, características e fenômenos rítmicos que envolvam a polirritmia. A fim de não se distanciar demasiadamente dos objetivos propostos somente informações biográficas e históricas mais relevantes foram citadas.

Boi do Maranhão: Em muitos estados brasileiros existe a brincadeira de Boi, sendo o estado do Maranhão um dos mais representativos. Lá existe o chamado Boi do Maranhão, que tem suas variantes através dos estilos e diversos sotaques como: de orquestra, de za-

bumba, de matraca, entre outros, criados a partir do uso de seus instrumentos e local de origem do estilo (MÚSICA do Brasil, 2000). A transcrição do ritmo abaixo é referente ao Boi Paz do Brasil, sotaque Pindaré ou da Baixada15, composto pela instrumentação de Pandeirão de Boi16, Matraca, Agogô e Cuíca Grave.


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Figura 7: Boi paz do Brasil, sotaque Pindaré (MÚSICA do Brasil, 2000)


Neste trecho observa-se uma polirritmia de 2:3. Abre-se um parêntese sobre o em- prego correto da escrita desse tipo de termo, isto é, 2:3, 3:2, 5:2, ou, como encontramos em algumas fontes, três contra dois ou ainda três sobre dois. O emprego correto da terminolo- gia para exemplos parecidos, muitas vezes podem ser determinados pela horizontalidade e verticalidade da interpretação. Se partirmos do ponto de análise de uma polirritmia ba- seada no 3 e 2, temos sua grafia de várias formas em diferentes contextos, como ilustra o exemplo abaixo:


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Figura 8: Exemplos de polirritmias em 3:2


A diferença entre uma polirritmia de 2:3 e 3:2 está na metricidade das vozes sob o aspecto vertical na estrutura rítmica natural. Na primeira figura temos um exemplo de três sobre dois, pois a voz contramétrica se faz presente na tercina, oposto da segunda figura, pois a metricidade do compasso é baseada na mínima pontuada ou “ternarizada”, dessa for-

ma a subdivisão alterada se torna a quiáltera de 2 notas. Esse tipo de polirritmia é visto em quase todos os sotaques de boi, sendo uma característica marcante do Boi do Maranhão.

Oceano (Djavan): O exemplo a seguir traz a música Oceano (1989) do compositor Djavan. A música17 originalmente foi transcrita por Chediak (1997) em 3/4 com mudança para 6/8 na parte C, que finaliza o chorus. O trecho selecionado nesse tema se encontra em 4:10 minutos, onde se observa um deslocamento de acentuação do groove da bateria que muda para um 2/4 sobre a estrutura do 6/8 que é a base rítmica para a melodia e harmonia. A célula rítmica do violão não coincide com os tempos fortes do compasso, causando um deslocamento rítmico em relação ao binário composto. A percussão segue a mesma subdivi- são de semínima pontuada, porém fechando seu ciclo rítmico em um compasso 12/8.


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Figura 13: Trecho da música “Oceano” - Djavan


Jazz Norte Americano: Os elementos polirrítmicos no jazz, tem sido amplamente explorados e existe um número extraordinário de exemplos de aplicações das mais varia- das formas (EVANS, 2012). Para tanto, optou-se por exemplificar alguns elementos polirrít- micos aplicados.

O baterista Bill Stewart é um dos músicos de jazz ou também chamado “Modern Jazz” que utiliza em grande escala elementos polirrítmicos. Na música Junior’s Arrival (dis- co Joy Spring, liderado pelo pianista Bill Carrothers), Stewart apresenta grupos de frases agrupadas sobre um pulso de tercina de semínima,


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Figura 19: Transcrição do trecho música “Junior’s Arrival” (GONÇALVEZ, 2013, P.76)


O exemplo traz a aplicação de um recurso conhecido como modulação métrica, onde, sobre o pulso natural do compasso é sobreposta uma nova pulsação e a partir des- sa, uma nova subdivisão, porém mantendo a estrutura/forma da primeira camada original. A ilustração a seguir demonstra o recurso da modulação métrica explorado em ou-

tras subdivisões.

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Figura 20: Modulação métrica de 7/8 sobre 4/4 ((HOENIG & WEIDENMUELLER, 2009, p.17)


Nesse exemplo, o quadro menor, demonstra a célula de sete notas dispostas em uma subdivisão de colcheias, resultando musicalmente na célula básica do jazz e uma nova pul- sação, sobreposto ao 4/4, reconhecido como as três colcheias tocadas no prato de condução. Este deslocamento, ou hemíola leva 7 compassos (linha contínua sobre o trecho musical) para voltar a ser executada no mesmo lugar, nesse caso, na cabeça do compasso.


Considerações Finais


O estudo da polirritmia tem sido amplamente discutido em diversas áreas do estudo da música. Sua importância está na descoberta de novos termos e definições que acabam por revelar outras formas de análise musical, geralmente observados sob parâmetros ocidentais. Espera-se que os exemplos musicais ilustrados neste trabalho e o glossário de ter-

mos e definições aqui apresentados possam auxiliar na análise musical trazendo ferramen- tas importantes para compreender a polirritmia e seus desdobramentos em diferentes con- textos musicais.

Dentro da experiência prática pessoal, esses estudos contribuem severamente para entender questões rítmicas subjetivas que atentam para diferentes aspectos como a intenção da escuta e a percepção de duas ou mais vozes. Portanto, entende-se que a partir do reco- nhecimento de certos elementos polirrítmicos, a localização e a compreensão de uma mú- sica pode mudar significativamente, assim como a intenção de escuta, e consequentemente, a forma de interpretação.


Notas


1 Por exemplo, ao analisar uma aplicação de um tipo de polirritmia contida em um ritmo africano, entende-se que sua função dentro deste é o elemento central e que outros elementos são secundários. Em outros casos, esse mesmo elemento polirritmico pode ser um elemento secundário servindo apenas como um recurso musical de tensão ou passagem.

2 Hibrido Homeostático é quando os elementos A e B não são reconhecíveis, formando assim um outro elemento.

3 Formulas Métricas utilizadas por Geleswki, são combinações de valores curtos e longos na proporção de 1 para

2. Assim, o binário: prop: [1.1], o ternário: prop: [1.1.1] [1.2] [2.1], etc

4 Elementos mais simples: Polirritmos de 3:2, Hemíolas sobre divisões quaternárias, etc.

5 Modulações métricas sobre tempos ímpares, defasagens, hemíolas mais complexas, etc.

6 Em dois volumes “Intro to Polyrhythms” e “Metric Modulation”(2009), livro e DVD.

7 Cross rhythm: the juxtapositionof additive and divisive rhythms; also juxtaposition of two diferente divisive rhythms (Tradução: Cibelle Cristina da Silva)

8 Core Rhythms: Subdvisions such as eight notes, triplets and sixteenth notes can be grouped to form what we call a core rhythm. For instance, a dotted quarter note is a core rhythm; it is based on the subdivision of eighth notes in groupings of three. The basic core rhythms that we are exploring in Volume 2 are: eighth notes grouped

in five and seven, triplets grouped in four, five and seven, half notes, dotted quarter notes in 5/4 and 7/4 time, and quintuplets. Core Rhythms are the basic building blocks for what we call core grooves.

9 Core Grooves: Core grooves are a more musical application of core rhythms. To create a core groove, first we take a core rhythm and play it in groupings of two, thre, four, or five etc...Examples of core grooves include a basic swing, samba or bossa that is superimposed over a different time feel.

10 Rhythmic Displacements: A Rhythmic displacement is any rhythm or musical phrase that begins on a different part of the beat than its original starting point.

11 Metric Modulation: In technical terms, metric modulation signifies changing the tempo of a piece so that the new tempo has some kind of mathematical relation to the original tempo. This is achieved by making a note value from the fist tempo equivalent to a note value in the second. For example, if you take a half note in your original tempo and make that half note equal to the quarter note in the new tempo you end up with a modulation to half time.

12 Superimposed Metric Modulation: The superimposed or layered pulse, or what we call core rhythm and core groove, create the illusion of the tempo momentarily shifting when in fact it is not.

13 Originalmente: “Inherent or subjectives partterns”

14 Patrón Estándar: Jeff Pressing (1983) utiliza com frecuencia dígitos, por ejemplo, 22323, para representar la línea temporal africana conocida como patrón estándar. Em la notacion usada por Kubik el mismo se resentaria así: [x.x.x..x.x..] (Tradução minha)

15 A trilha foi retirada do documentário Música do Brasil – Programa n. 4 - Música para Boi, do trecho entre 13 e 15 minutos. (Música do Brasil, 2000)

16 Geralmente em 3 tamanhos: agudo, médio e grave.

17 Transcrições somente da harmonia e melodia.


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Elvis Pauli - é Bacharel em Música pela Universidade do Vale do Itajaí (2014), compositor, arranjador e multi-ins- trumentista. Ganhador do prêmio “Mérito Acadêmico”, foi bolsista dos projetos PROLER e PIBID. Em 2013 lançou o trabalho autoral de música instrumental “Tempo Bom”. Fez parte do Grupo de Percussão de Itajaí, Quarteto Sagaz e Orquestra da Univali. Integra o Grupo Cultural Tarrafa Elétrica, Homem Banda e Sua Mina, Quarteto Elvis Pauli e Orquestra de Acordeom de Brusque. É Idealizador do projeto “Jazz Pra Uma” - Univali.


Rodrigo Gudin Paiva - é licenciado em Música pela UDESC, mestre e doutorando em Música pela UNICAMP, professor nos cursos de licenciatura e bacharelado em Música da UNIVALI. Atua como pesquisador nas áreas de educação musical e performance, integra a orquestra Camerata Florianópolis, Luiz Gustavo Zago Trio, e coordena o GPI – Grupo de Percussão de Itajaí. Autor dos livros: “Bateria e Percussão Brasileira em Grupo” (2010), “Livro do aluno – Bateria” (2013) e “Livro do aluno – Percussão” (2013), lançados pelo Projeto Guri.

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