TENEBRAE FACTAE SUNT, PASTORINHAS e ABC DO SERTÃO *

Ângelo Dias

ganimedes@brturbo.com

TENEBRAE FACTAE SUNT

Este moteto (5º responsório das Matinas da Sexta-feira Santa) narra os últimos instantes da vida do Cristo, sua agonia e morte. Dramaticamente, surgem múltiplas possibilidades musicais, seja no emprego da harmonia ou das possibilidades timbrísticas do coro a seis vozes (SSATTB). No início, uma textura densa e grave seguida de um episódio de intenso cromatismo, descreve as trevas que cobriram o céu no dia da crucificação. O coro (SSATTB) segue na narrativa que culmina na primeira fala do Cristo, (em C) “Deus meu, porque me abandonaste?”. As notas mais longas [2/2] sugerem respeito quando Ele invoca o Pai, concluindo em extremo abandono, com apenas as quatro vozes superiores. A frase seguinte “E inclinando a cabeça, entregou o espírito” tem compassos superpostos e se apóia em uma cromática descendente no baixo, terminando com as quatro vozes inferiores. A seção E inicia o que seria a segunda parte da peça, cujo ponto focal é a frase “Pai, em Tuas mãos entrego meu espírito”, onde o coro se reduz a cinco vozes, buscando, através da harmonia e do contraponto mais singelo, uma idéia de recolhimento e resignação. O texto “E inclinando a cabeça, entregou o espírito” retorna com uma intrincada escrita cromática imitativa descendente, à qual as vozes femininas respondem triunfantes numa cromática ascendente, simbolizando o caráter elevado do sacrifício na cruz.

* Música Hodie é uma publicação acadêmica e sem fins lucrativos. Os autores que aqui publicam suas obras e arranjos não são remunerados

PASTORINHAS e ABC DO SERTÃO (arranjos)

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos regentes corais brasileiros é a falta de repertório de boa qualidade. A quase inexistência de edições nacionais das grandes obras inviabiliza economicamente sua aquisição. Por outro lado, nem todos os coros e regentes estão tecnicamente preparados para o desafio proposto pelo repertório “sério”. Assim, os arranjos corais, fáceis de encontrar em qualquer nível de dificuldade, tornaram-se a marca registrada da maioria dos grupos corais do país. Porém, a dura realidade é que a funcionalidade da escrita parece ter eclipsado sua verdadeira função: criar uma releitura coral de alto nível, tendo como base melodias já consagradas. Um arranjo é uma composição, e sua confecção deveria seguir o mesmo árduo caminho trilhado por uma peça original. Pastorinhas e ABC do sertão são dois exemplos de como a escrita cuidadosa, pensada em nível estrutural, harmônico e vocal pode resultar em arranjos de grande efeito, ainda que de fácil execução. O primeiro encanta pela curva elegante da escrita e pela linearidade. O segundo, uma piada musical, tenta unir os cânones do contraponto imitativo ao gingado irresistível do baião.

Ângelo Dias - Desenvolve uma atividade profissional diversificada no campo da música vocal, seja como cantor, regente, arranjador ou professor. Na canção de arte e na ópera, suas performances têm conquistado elogios de público e crítica. Recentemente, cantou em primeira audição mundial o ciclo “Sete Poemas de Amor de Robervaldo Linhares”, de Almeida Prado. Ao longo de sua carreira como regente, tem dirigido diversos grupos vocais e instrumentais, tanto no Brasil quanto no exterior. Além do trabalho na performance e no ensino, Angelo sempre encontrou na composição uma forma ímpar de expressão artística. Suas obras para coro e arranjos de música popular e folclórica tem alcançado reconhecimento, em especial pela desenvoltura técnica e expressiva da escrita vocal. Angelo Dias é Doutor em Artes Musicais (DMA, Canto e Regência Coral) pela University of Oregon (USA), Mestre em Música (MM, Canto) pela University of Wyoming (USA), e Bacharel em Canto pela Universidade Federal de Goiás. Atualmente, é professor dos cursos de Graduação e membro do Colegiado de Pós-graduação na EMAC/UFG.

DIAS, A. (p. 113-129)

DIAS, A. (p. 113-129)