A QUESTÃO DA AMBIGÜIDADE NA CRIAÇÃO DO SUJEITO EM L’INCORONAZIONE DI POPPEA DE CLAUDIO MONTEVERDI

Silvana Scarinci

silvanasca@terra.com.br

Resumo: Este ensaio pretende discutir a última e mais polêmica ópera de Claudio Monteverdi. Na discussão, pretendo demonstrar que Monteverdi preocupou-se muito pouco com as possíveis conotações filosóficas ou políticas do libreto de Busenello sobre o qual escreveu sua ópera, tendo percebido, outrossim, o enorme potencial do texto para a aplicação de seu então virtuosismo composicional aliado à sua sofisticada percepção da psicologia humana.Com Poppea, Monteverdi, atinge o clímax do que perseguia desde o período próximo à criação de L’Orfeo e Arianna: a perfeita imitazione em música da subjetividade.

Palavras-chave: Monteverdi; Poppea; Subjetividade.

The question of ambiguity on the creation of the subject in L’Incoronazione di Poppea by Claudio Monteverdi

Abstract: This essay aims to discuss the last and most polemical opera of Claudio Monteverdi. I intend to demonstrate how Monteverdi was less concerned with any possible philosophical or political connotations of Busenello’s libretto, but perceived, otherwise, the enormous potential of the text to apply his mature compositional virtuosity, allied to his sophisticated perception of human psychology. With Poppea, Monteverdi reaches the climax of what he had been pursuing since the times of L’Orfeo and Arianna: the perfect imitazione of subjectivity in music.

Keywords: Monteverdi; Poppea; Subjectivity.

L’Incoronazione di Poppea, a última ópera de Claudio Monteverdi, têm sido fonte de infindáveis discussões – músicólogos e intérpretes tentam as mais diversas interpretações para uma obra aparentemente evasiva, que continua intrigando a todos e escapando a leituras unívocas. Escrita quando Monteverdi, aos 75 anos de idade, já enfrentava os sérios problemas de saúde que o conduziriam à morte no ano seguinte, Poppea – opera reggia – inaugura a tradição da ópera baseada em temas históricos. A questão de autoria por si só já se apresenta controversa – o único indício de que Monteverdi escreveu a música para o libreto de Busenello encontra-se num dos dois únicos manuscritos de Poppea, pertencente à coleção privada da família Contarini, doada à Biblioteca Marciana de Veneza em 1843. Na lombada desta partitura encontra-se estampado o nome MO NT EV ER DE, posteriormente coberto por IL NE RO NE, tornando o nome do autor quase ilegível1. Apesar de não ser meu propósito entrar no mérito desta polêmica, acredito, como Ellen Rosand2, que Monteverdi atinge em Poppea um ideal que vinha buscando desde suas primeiras tentativas na formulação musical da imitazione, revelando a coerência intelectual e musical tenaz e inconfundível do compositor. Se outras mãos3 colaboraram na concretização deste ideal, acredito4 que o gênio de Monteverdi encontra-se visivelmente presente, e L’incoronazzione não é senão a coroação final da busca de tais ideais.

No Renascimento surge a experiência da diversidade e da ruptura. As descobertas do novo mundo, a exposição a culturas não-européias e ao esplendor do oriente, a emergência do capitalismo, entre outros fatores, destruíram a relação natural do indivíduo com a sociedade, entregando a ele a possibilidade de mudança, a escolha e o controle de seu próprio destino, desestabilizando hierarquias, tornando o lugar do homem fluído e imprevisível5. O confronto do homem com a crise do Renascimento, configurou o cenário ideal para o aparecimento do que hoje se convencionou chamar de sujeito moderno6. Montaigne (1533-1592) aborda a questão do homem renascentista, descrevendo-o como um ser associado a uma posição instável, mais ou menos duradoura, a um accident. Numa explicação negativa, coloca o homem entre o nascimento e a morte, o que revela uma definição impossível do homem: “Não temos nenhuma comunicação com o ser, pois toda natureza humana está sempre no meio entre o nascer e o morrer7” Esta visão do homem no “lugar daquele que tudo pode mas nada é” aparece em diversos autores do renascimento, como na concepção do mais fecundo representante da escola pitagórico-platônica de Florença, Pico della Mirandolla (1463-1494):

Ó Adão, não te demos nem um lugar determinado, nem um aspecto que te seja próprio, nem tarefa alguma específica... Tu, pelo contrário [aos outros seres da natureza], não constrangido por nenhuma limitação, determinar-la-ás para ti, segundo o teu arbítrio, a cujo poder te entreguei. Não te fizemos celeste nem terreno, nem mortal nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano, artífice de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até os seres que são as bestas, poderás regenerar-te até as realidades superiores que são divinas, por decisão de teu ânimo8.

Inaugura-se para o homem renascentista um imenso espaço de

liberdade, cujo bom uso virá de sua própria concepção da virtude. Nas

palavras de Castiglione:

As virtudes podem ser aprendidas... por que nascemos aptos a recebêlas, tal como os vícios. E assim, tanto um como o outro se transformam em nós num hábito através de um uso prolongado, de tal modo que primeiramente praticamos a virtude ou o vício e só depois somos virtuosos ou viciosos9.

Surgem os temas do homem exilado, do viajante, o tema das

fronteiras, das margens e das diferenças, do universo infinito. É no confronto

com o outro que nasce a identidade do sujeito, a partir da alteridade emerge

  1. o eu. O sujeito é aquele que toma uma posição (ou aquele que pensa, como diria Descartes – se penso, existo, passo a ser sujeito), que enfrenta ele mesmo e o outro, assumindo responsabilidade perante o outro, remetendo-se à solidão de sua liberdade. Ao determinar as seis paixões primitivas10, Descartes coloca a admiração como a fundamental, “pois se não podemos nos dar conta da presença de algo novo, nada pode provocar em nós qualquer sentimento, qualquer emoção, nem paixão alguma. Desta forma, a admiração é a paixão do sujeito que se coloca frente a um mundo onde surgem os objetos.” A subjetividade surge então de uma situação relacional – e neste mesmo contexto nasce, no início do século XVII, um novo gênero musical,
  2. o paradigma da subjetividade em música: a ópera.

A definição de subjetividade no Renascimento aparece constantemente ligada à idéia de ambigüidade, como podemos constatar em Pietro Pomponazzi (1462-1525):

O homem não é certamente de uma natureza simples, mas múltipla, de uma natureza certa, mas ambígua (...) ele não é puramente temporal nem puramente eterno, uma vez que compartilha ambas as naturezas. E para o homem que assim existe como uma média entre as duas, é dado o poder de assumir qualquer natureza que deseje. 11 (grifo meu)

A fonte da ambigüidade encontra-se no poder do livre-arbítrio que

o homem do século XVII possui:

Observo em nós apenas uma única coisa que pode nos dar justa razão para nos estimarmos, a saber: o uso de nosso livre-arbítrio e o domínio que temos sobre nossas vontades. Pois as ações que dependem desse livre-arbítrio são as únicas pelas quais podemos com razão ser louvados ou censurados, e que ele nos torna de alguma forma semelhante a Deus ao fazer-nos senhores de nós mesmos, desde que por covardia não percamos os direitos que nos dá 12

Descartes, em seu “tratado de psicologia empírica”, As paixões da alma, constata que o cerne das paixões humanas é composto por emoções multifacetadas, ambíguas em sua natureza:

Quando um marido chora a esposa morta... ele ficaria contrariado de a ver ressuscitada, pode acontecer que seu coração esteja constrangido pela tristeza nele excitada, pelo aparato dos funerais e pela ausência de uma pessoa com cuja convivência estava acostumado; e pode acontecer que alguns restos de amor ou de piedade que se apresentem a sua imaginação arranquem de seus olhos lágrimas verdadeiras, apesar de enquanto isso ele sentir no mais íntimo da alma uma alegria secreta, cuja emoção tem tanto poder que a tristeza e as lágrimas que a acompanham não podem diminuir sua força.13

A escolha do libretto de L’incoronazione di Poppea de Giovanni Francesco Busenello é por si só um enigma. Por que razão teria Monteverdi escolhido um libreto histórico, se até então todos os temas operísticos haviam girado em torno de temas mitológicos e alegóricos greco-romanos? Veneza, como várias outras cidades-estado da Itália do século XVI e XVII, abrigava núcleos de reflexão acadêmica de importância capital para toda a produção intelectual contemporânea. Assim como a Academia Fiorentina teve função transformadora na elaboração dos novos padrões de composição, dando bases ao próprio Monteverdi para a criação da seconda prattica, era natural que o mesmo estivesse de alguma forma envolvido com a Academia degli Incogniti, à qual pertencia o autor do libreto de Poppea. Tal escolha continua a intrigar seus críticos, que insistem em tentar revelar o sentido maior de uma obra tão evasiva, pois o enredo da ópera contém mensagens dúbias de estranha moral, confundindo o espectador sobre a intenção final do autor (e também do compositor numa escolha aparentemente inusitada):

Nos seus mais óbvios termos, Poppea celebra a vitória do amor; o amor de Poppea e Nerone triunfa sobre todos os obstáculos - sobre as objeções do estado, sobre a legalidade e a moral. Mas o lado negro desta vitória está igualmente presente; Poppea parece também celebrar a derrota da razão. Seneca morre, Ottavia é exilada e Ottone e Drusilla são barrados de Roma. A aparente imoralidade de tal desfecho lança uma sombra em nossa percepção da obra. É realmente o amor que triunfa, ou seria simplesmente a luxúria ou a ambição pelo poder de Poppea?14

Busenello, antes de Poppea, já havia escrito dois libretos para ópera. Gli amori di Apollo e di Dafne e La Didone, compostas pelo mais renomado compositor de ópera da época, Francesco Cavalli, foram executadas em 1640 e 1641, dois anos antes da escolha de Poppea por Monteverdi. Busenello foi um membro ativo da Academia degli Incogniti, cuja força política e intelectual influenciou muito da produção artística veneziana do período, estando diretamente ligada à produção operística. De fato, os Incogniti fundaram e administravam o Teatro Novissimo, o mais bem sucedido espaço para as primeiras produções de ópera do período de 1641 à 1645. Os valores da Academia degli Incogniti baseavam-se em grande parte nos ensinamentos do professor de filosofia da Universidade de Pádua, Cesare Cremonini, que ensinava heterodoxia, o questionamento do dogma aceito. Considerava toda “religião falaciosa, e pregava o valor do instinto sobre a moralidade cristã, reduzindo a moral a uma simples convenção social e a religião a um expediente político”. Os Incogniti discutiam temas relativos ao amor, à beleza e à música, defendendo abertamente a libertinagem. Quase todos seus membros possuíam pelo menos uma obra no Index librorum prohibitorum. Ian Fenlon e Peter Miller, em sua leitura de Poppea15, defendem que “virtualmente nada do que acontece no palco pode ser levado ao pé da letra, e deve ser reinterpretado de acordo com sua construção filosófica sublinear”. Tal construção baseia-se nos princípios da historiografia tacicista e o neo-estoicismo de Sêneca, personagem central na ópera. Os autores defendem o argumento de que se superficialmente Poppea celebra o triunfo do amor, trata-se na realidade de uma celebração do conceito da constantia, uma virtude contraposta à percepção da alma como

...um mosaico, que parece formar uma única idéia, mas num exame mais próximo, mostra-se formada por diversos fragmentos de pequenas pedras sem valor assim como preciosas... Assim é nossa alma, na maior parte dos casos, é feita de várias peças, diferentes e conflitantes, que podem, qualquer delas, aparecer distintamente em vários momentos. Consequentemente, descrever a natureza e condição de um único homem é árduo e difícil; e é ainda mais difícil tentar explicar as ações de um homem em termos de uma única norma ou princípio.16

Questões relativas à constantia estão sem dúvida presentes no libreto, como podemos ver nas palavras de Nerone no elogio a Drusilla, quando esta, tentando salvar seu amado Ottone, põe em perigo a própria vida:

O nobile matrona, / Per ricoprir costui / D’apportar slutifere bugie, / Vivi alla fama della mia clemenza, / Vivi alla gloria della tua fortezza, / E sai del sesso tuo nel secol nostro / La tua costanza un adorabil mostro.17 [grifo meu]

Sêneca, por sua vez, é apontado como o contraponto masculino de Drusilla, por ser este o paradigma maior da constantia. Para os neo-estóicos, a morte – e principalmente o suicídio - seria o ápice da prática da constância, mostrando-se como evidência suprema de que a mente se encontraria em perfeito controle. Esta idéia é corroborada no título de um dos ensaios de Montaigne, “Que filosofar é aprender a morrer”18. É verdade que Sêneca acolhe feliz a morte:

Venga la morte pur; costante e forte, / Vincerò gli accidenti e le paure; / Dopo il girar delle giornate oscure / è di giorno infinito alba la morte. [grifo meu] 19

No entanto, seja Drusilla ou Sêneca – caracteres citados por outros musicólogos como supostos heróis em Poppea – ou qualquer outro personagem desta estranha trama, nenhum escapa ao tema prevalente da ambigüidade. Se o pano de fundo de Poppea é a defesa da constantia, e os dois personagens seriam paradigmas deste tema, fica então impossível explicar como Drusilla

-suposto epítome da coragem e da constância feminina - teria acobertado e se regozijado com o plano de assassinato de Poppea. Da mesma forma, Sêneca, que no desenrolar da ópera, é representado como o mais nobre e aparentemente mais coerente de todos os personagens, é desmascarado logo no primeiro ato (cena dois), antes mesmo de sua aparição, quando os soldados comentam sua relação com Nero:

Soldato 2: Sol del pedante Seneca si fida Soldato 1: Di quel vechi rapace?

S.2: Di quel volpon sagace!

S.1: Di quel reo cortegiano / Che fonda il suo guadagno / Sul tradire il compagno!

S.2: Di quell’empio architetto / Che si fa casa sul sepolcro altrui!20

A defesa dos autores de Song of the Soul de que Poppea tem sido fonte de incompreensão entre os críticos pela falta de tentativas mais sérias de contextualizá-la em seu panorama filosófico, parece-me uma investigação necessária, mas que acaba por reduzir a leitura de Poppea a um simples manifesto filosófico, ou um “exercício didático bi-dimensional”. Como nota Massimo Ossi, em sua crítica ao mesmo texto,

... a premissa de que ‘historiadores tacicistas... moldaram o estilo e o tom desta ópera”, o que enquadra Poppea como o produto de um esforço criativo concebido ideologicamente. Ideologia, no entanto, raramente faz um bom drama, e a leitura do livro, que atribui a matéria prima da ópera às correntes que incitavam os debates da Accademia degli Incogniti, é pouco convincente pois viola os critérios de eficácia do próprio Monteverdi: ‘Mosse l’Arianna per esser donna, et mosse parimenti Orfeo per essere homo’ (‘Arianna nos emocionou por que ela era uma mulher e assim também Orfeo por ele ter sido um homem’). Parece duvidoso que ele [Monteverdi] tivesse continuado ‘mosse Poppea per essere Incognita’. 21

O libreto de Busenello pode ser visto como um texto de propaganda das idéias que circulavam entre os Incogniti – mas tenho dúvidas de que Monteverdi se interessasse em portar-se como um mero propagador de dogmas. A razão pela qual Monteverdi escolheu tal libreto pode ser explicada pela oportunidade percebida pelo compositor no texto para explorar musicalmente a questão da ambigüidade na criação do sujeito. A ópera toda é construída sobre situações polarizadas, seja através do confronto de dois personagens, ou através da construção de caracteres em oposição. Pares se formam e se desfazem, criando constantemente a situação de alteridade: Ottone/Poppea; Drusilla/Poppea; Nerone/Ottavia; Nerone/Seneca, Seneca/ Poppea e Poppea/Nerone. Em L’incoronazione praticamente desaparecem os coros, com exceção da cena final em que um coro de Amori celebra a coroação de Poppea. O restante da ópera concentra-se em diálogos e solos –

o compositor abre mão do coro, pois não mais lhe interessa a situação difusa das vozes – o que busca agora é a voz individual, com todo seu potencial para explorar a instauração do sujeito.

Monteverdi seguidamente alterava os textos poéticos que musicava, desprezando esquemas de rimas, métrica ou mesmo o sentido original do poema – tudo sob o desígnio supremo de expressar emoção. Gary Tomlinson apontou para as modificações que Monteverdi viu-se forçado a fazer no texto de Striggio (Orfeo), que amarrava as mãos do artífice em suas intenções expressivas. Através de repetições, e mesmo acréscimo de palavras, Monteverdi transforma passagens inexpressivas em momentos de grande poder retórico. A melhor relação entre libretista e compositor deu-se em Arianna, cujo lamento (cerca de dez minutos de música) foi o único trecho que sobrou de toda a bem sucedida ópera. Em Arianna, Monteverdi usa o texto de Rinuccini sem alterar uma única rima, sílaba ou repetições. Rinuccini parece escrever seus textos com uma percepção musical profunda, sabendo exatamente o efeito que suas escolhas poéticas revelarão ao serem musicadas. Observemos como Monteverdi manipula o libreto de Busenello com a intenção de enaltecer a questão da subjetividade/alteridade. Na cena em que Nerone enfrenta Sêneca (e o povo, o Senado, a esposa, os céus e o inferno, o certo e o errado), numa tentativa desesperada e autoritária de afirmar a sua vontade própria contra a do outro (Sêneca acabara de aconselhá-lo contra a ligação amorosa com Poppea).

Como nota Mauro Calcagno, os pronomes e advérbios que indicam (apontam) e localizam o eu, são artifícios linguísticos para a instauração da subjetividade,22 conhecido pela teoria literária como dêicticos. Nesta cena, nota o autor, Monteverdi enfatiza tais indicadores com repetições (que não aparecem no libreto original): o pronome tu é repetido três vezes, assim como o advérbio hoggi - advérbio que localiza no tempo o sujeito - e o pronome possessivo mia (sarà mia moglie). Hoggi tem um significado marcante no enredo -hoje Seneca morrerá e Poppea será a mulher de Nerone. “O suicídio de Sêneca representa um momento crucial na trama não somente em virtude de sua posição e das conseqüências dramáticas... mas também por causa do alto valor simbólico que a morte possuía para a audiência contemporânea de ópera. No século XVII, a morte como uma rápida passagem do ser para o não-ser, era vista e tematizada como o punctum, ou ponto zero, a hic et nunc.23 A determinação de Nerone marca um momento central na trama - o tempo é o presente absoluto (hoggi), momento em que

o futuro e o passado se congelam.

Note-se a seguir como resulta a letra desta cena, conforme a manipulação de Monteverdi:

Tu, tu, tu mi sforzi all sdegno, mi sforzi allo sdegno, allo sdegno, allo sdegno, allo sdegno / al tuo dispeto e del popol in onta / e del senato e d’Otavia, / e del cielo e dell’abisso / siansi giuste, siansi giuste / od ingiuste le mie voglie, / hoggi, hoggi, hoggi, Poppea sarà mia moglie, sará mia moglie.

L’incoronazione apresenta múltiplas ocasiões para observarmos de perto situações que lançam luz sobre a questão da ambigüidade do sujeito; por exemplo, a crueldade de Nerone com Ottavia e sua clemência soberana com Druzilla; a maquinação desta sobre o assassinato de Poppea e sua fidelidade generosa com Ottone; as oscilações de Ottone entre o amor por Poppea e seu ódio assassino, e assim por diante. Examinarmos de perto cada uma dessas situações expandiria fastidiosamente este trabalho. Em função disto, decido ater-me ao personagem de Poppea, talvez o maior paradigma da ambigüidade em toda L’incoronazione. Poppea nos remete ao antigo moto de Monteverdi (mosse l’Arianna per esser donna – nos comove Arianna por ser mulher), mas ao mesmo tempo percebemos o longo caminho traçado pelo compositor desde então (Arianna foi estreada em 1608, quase trinta anos antes de Poppea). Não há dúvida quanto às intenções de Monteverdi e até hoje Arianna cumpre as intenções do autor, emocionando-nos por expressar

o mais recôndito da alma da mulher em desespero. O Lamento é um exercício da mais pura imitazione do sofrimento feminino, sua fala “involuntária apela para a compaixão do ouvinte, principalmente por parecer autêntica, isto é, não fabricada com o propósito de manipulação.”24 Arianna é um personagem mais direto e franco – a quintessência da heroína trágica. Poppea, não sendo uma heroína, não provoca catarse tanto quanto Arianna. Sua ambigüidade não permite que a consideremos boa ou má – e, portanto nos afastamos emocionalmente da personagem. Em L’incoronazione, Monteverdi parece alcançar uma compreensão mais sutil do psicológico – e sua música destila o caráter multifacetado de sua personagem não-heróica. Poppea talvez não nos emocione da mesma forma como Arianna, mas nos fascina e nos envolve na sua complexidade, tornando-se quase um exercício de degustação do psicológico em música. A ópera parece desafiar os princípios demonstrados por Teresa de Laurentis, que diz:

na narrativa ocidental, o herói deve ser masculino, não importando o gênero da imagem-texto, pois o obstáculo, qualquer que seja sua personificação, será morfologicamente feminino... O herói, o sujeito mítico, é construído como ser humano e como masculino; ele é o princípio ativo da cultura, aquele que estabelece a distinção, o criador da diferença. Feminino é o que não é suscetível à transformação, à vida ou à morte; ela é um elemento de espaço narrativo, do topos, da resistência, da matrix e da matéria.

Nenhum destes princípios parecem se aplicar à L’incoronazione. Os personagens escapam às construções tradicionais de cada gênero. Não há um confronto entre o feminino e o masculino para estabelecimento de identidade, “pelo bem da conclusão satisfatória da narrativa”. A conclusão é ambígua para qualquer ouvinte – mesmo para o incauto espectador que não lembrasse do desfecho trágico da história da não-heroína, coroada Imperatriz de Roma por Nerone, e apenas três anos mais tarde, grávida, assassinada a pontapés pelo próprio marido. Susan McClary argumenta que Poppea “usurpa e perverte para seus próprios fins os instrumentos da persuasão patriarcal” - de certa forma, Poppea estaria mais ligada à figura de Orfeu, como aquele que possui o poder retórico da sedução. McClary define Poppea como uma cortesã, “perita nas artes eróticas da sedução, de forma que seria capaz de sustentar duas ilusões essenciais: primeiro que ela realmente queria dizer o que dizia... e segundo que ela atuava sobre suas pobres vítimas passivas masculinas, que podiam então negar qualquer responsabilidade por suas aventuras eróticas”.

As luzes da primeira cena recaem metaforicamente sobre a figura de Poppea, quando Ottone, amante abandonado, queixa-se de seu descentramento, estabelecendo imediatamente Poppea como centro:

E pur io torno qui qual linea al centro Qual foco a sfera e qual ruscello al mare, E se bem luce alcuna non m’appare, Ah, so bem io che sta ‘l mio sol dentro24 [grifo meu]

Ottone, em seu lamento, descortina o nó central do enredo – o envolvimento do Imperador, Nerone - casado com Ottavia - com sua amada Poppea. A futura imperatriz só aparece na cena três, ao amanhecer, amorosamente enlaçada com Nerone, em prolongada despedida.

Nesta primeira aparição, entramos em contato com a mais terna das criaturas. Delicada e frágil, Poppea circunda Nerone em sua contida melodia (exemplo 1), circulando no limitado âmbito das primeiras notas da escala de ré menor, enfatizando sempre o grau que marca o caráter menor desta passagem, o fá (são exatamente vinte e uma notas fá durante os nove compassos de apresentação de Poppea). Neste pequeno exemplo, podemos apreciar o engenho de Monteverdi. Aqui, como já havíamos notado, os versos regulares settenari são levemente modificados pela repetição da palavra inicial Signor. Uma pequena modificação que poderia passar despercebida, mas que sutilmente descreve Poppea como um ser delicado e reverente (a cortesã de McClary?). O acento métrico também sofre outra sutil modificação, acentuando a interjeição deh sobre a nota mi, uma dissonância não preparada, criando outra vez significação além do texto original do libreto. A interjeição, (em português poderia ser traduzido por um simples ah!) neste contexto, reforça a posição de Poppea frente a Nerone: a dissonância, criando uma acentuação sincopada, transforma deh num lânguido suspiro quando Poppea se refere ao amante (Signor!), instaurando o caráter sensual e sedutor do que se seguirá. Monteverdi, o madrigalista, sustenta a nota mais longa na palavra sostien e continua circulando e circundando o centro (circondano il cor mio), abraçando ré menor. A música mimetiza a idéia geral de círculo/abraço explicitada por Busenello, mas Monteverdi usa um artifício que vai além do que havia desenvolvido em Orfeu, ou imitar col canto chi parla. Em sua maturidade, a linguagem de Monteverdi alcança um nível “baseado numa nova concepção do poder da música”, revelando a emoção por detrás da palavra, “comprovando a confiança do compositor na habilidade da música em funcionar no nível do psicológico” 25:

Exemplo 1: ato I, cena 3, compassos 255 - 263, p. 29.

Ainda nesta mesma cena, a eloqüência de Poppea marca um reflexo de uma das cenas mais pungentes do início da ópera: o momento em que Silvia, a mensageira, traz a notícia da morte de Euridice a Orfeu. Monteverdi incorpora o vocabulário harmônico (ambos os trechos percorrem tríades tão chocantes entre si como mi maior, sol menor, dó menor e lá maior) 26 usado para representar a trágica notícia da morte de Euridice na fala de Poppea, quando esta ameaça morrer com a premente partida de Nerone (exemplo 2). O resultado é autêntico como em Orfeu – a fala amorosa de Poppea não deixa dúvidas no espectador (ou em Nerone):

Exemplo 2: ato I, cena 3; compassos 280 - 287, p. 30.

A criação do stile concitato aparece no oitavo livro de madrigais, Madrigali Guerrieri et amorosi, uma descoberta de Monteverdi que permitiu a ele alcançar a imitação de uma nova gama de emoções. Segundo sua teoria, a música até então era imperfetta, nó havédo hauto che gli duoi generi, molli, & téperato (imperfeita, não havendo senão dois gêneros, suave e moderado). Com esta criação, o compositor pensa que il qual principio havendolo veduro a riuscire alla immitatione del ira (com tal princípio, conseguiu alcançar a imitação da ira). Ellen Rosand nota que “o stile concitato, com suas miméticas repetições musicais e fanfarras, não contribui em nada para a inteligibilidade das palavras; tendendo, ao contrário, a obscurecê-las”. A idéia de Rosand é de que Monteverdi afasta-se com isto da antiga premissa de que a música deve simplesmente imitar a palavra – neste caso, a música ultrapassa o texto para atingir sua raiz emocional.

Na cena seguinte, começamos a vislumbrar uma outra Poppea, destemida, altiva. A candura anterior desaparece. Defrontamo-nos com uma mulher consciente do poder que exerce – segura de seus atos e capacidade de sedução, Poppea fala em stile concitato: per me guerrieggia Amor e la Fortuna! 27

Exemplo 3: Ato I, cena 4; compassos 507 - 515, p. 43.

Poppea retorna na scena decima, outra vez ao lado de Nerone, quando se desenvolve uma cena de conteúdo altamente erótico. As frases sinuosas literalmente desenham formas do corpo de Poppea (di questo, di questo seno). A cena toda se articula entre árias bem definidas em ritmo ternário com melodias “sensualmente curvelíneas” e súbitas quebras rítmicas, com repetições insistentes de duas notas, interrompidas por pausas, imitando o ritmo dos corpos em atividade erótica (exemplo 4a, 4b, 4c, 4d)28. A alternância entre esses dois motivos (ária ternária e a pulsação rítmica de duas notas interrompidas por pausas) conduzem irresistivelmente o ouvinte

- juntamente com Nerone - à rendição: Poppea levará Sêneca à morte. A cortesã interrompe a ária (o jogo amoroso) e ataca subitamente em recitativo (exemplo 4e), induzindo Nerone a crer na incriminação de Sêneca feita por Poppea.

Exemplo 4a: Ato I, cena 10; compassos 1259 - 1263.

Exemplo 4b: Ato I, cena 10; compassos 1272 - 1275.

Exemplo 4c: Ato I, cena 10; compassos 1316 - 1319. Exemplo 4d: Ato I, cena 10; compassos 1336 - 1339.

Exemplo 4e: Ato I, cena 10; compasso 1393 - 1406.

O exercício de representação dos estados de espírito ambíguos de Poppea continuam por toda a ópera, como no final do diálogo desta com Ottone, onde se revela sua ambição em chegar à posição de Imperatriz e sua impaciência e explosão de hostilidade com o antigo amante. Como notou Rosand, a música em L’incoronazione mimetiza diversas ações, e uma das mais notáveis talvez seja a cena em que Poppea adormece no jardim ao lado de sua confidente Arnalta. Monteverdi habilmente repete

o motivo inicial da cena em que Poppea comemora a morte de Sêneca e pede a Amor que fammi sposa al mio Re (faça-me esposa de meu Rei). O ouvinte já escutou a mesma frase diversas vezes na abertura da cena, e quando esta reaparece mais tarde, o efeito do sono é facilmente reconhecido: o mesmo motivo aparece interrompido por pausas, rompendo a coerência do discurso.

Exemplo 5: Ato II; cena 12, compassos 1105 - 1113, p. 183.

Poppea retornará a cena após a tentativa de seu assassinato frustrado por Ottone/Drusilla. Nesta cena há uma insistência no uso do pronome io29 na fala de Poppea, pela primeira vez Poppea se estabelece como sujeito: hoggi rinasco (hoje renasço) (exemplo 6a) – a passagem é um palíndromo da antiga ameaça de morte de Poppea a Nerone na cena três do primeiro ato (ver exemplo 2 acima). Calculando-se de trás para a frente, excluindo o último dueto Pur ti miro (sobre o qual recaem as dúvidas de autoria discutidas no início deste ensaio), a última cena de Nerone e Poppea é também a terceira (exemplo 6b). Harmonicamente há uma relação entre as duas cenas, em ambas os encadeamentos se dão entre acordes distantes dentro da tonalidade. No entanto, na primeira cena, a harmonia se torna mais e mais obscura na direção de acordes com bemóis ao mesmo tempo que a melodia e o baixo descem cromaticamente. Na última cena, a harmonia se abre, um sol maior inicial encadeia-se num mi maior na palavra (dia), a melodia e o baixo ascendem cromaticamente num jogo de espelhos com a antiga cena.

Exemplo 6a: Ato III, cena 5, compassos 314 - 316, p. 217.

Exemplo 6b: Ato III, cena 5, compassos 328 - 331, p. 217.

O que se segue é um dueto de amor entre Poppea e Nerone. Finalmente após o juramento de Nerone (Oggi sarai, ti giuro, Di Roma Imperatrice) 30, Poppea entrega o que foi incansavelmente anunciado até então: Idolo del cor mio, giuta è pur l’ora / Che del mio ben godrò 31 (exemplo 7a) e pela primeira vez as duas vozes se entrelaçam,32 atingindo uma explosão de felicidade quando ambos cantam pela primeira vez, simultaneamente, a mesma linha melódica em terças (exemplo 7b):

Exemplo 7a: Ato III, cena 5, compassos 378.

Exemplo 7b: Ato III, cena 5, compassos 415 - 416, p. 223.

A história de Poppea praticamente encerra-se nesta cena. Seguir-se-á a grandiosa cena de coroação e o dueto final Pur ti miro entre a Imperatriz e Nerone. Escutando somente a fala de Poppea, acreditaríamos nas aparências: realmente L’incoronazione celebraria “a vitória do amor; o amor de Poppea e Nerone triunfando contra todos os obstáculos.” No entanto, pouco antes do final, ainda escutamos a voz solitária de Ottavia, num trágico e doloroso lamento, despedindo-se da pátria e de tudo o que lhe era caro. Neste momento, concordo com Teresa de Laurentis – Ottavia representa o outro feminino, aquela que se contrapõe como obstáculo à dominância masculina de Poppea. Com seu pungente lamento, Ottavia revela a construção ambígua de Poppea, colocando-a no lugar incômodo da não-heroína. L’incoronazione mantêm-se esquiva em seu plano narrativo. Talvez

seja justamente a má qualidade do libreto que permite ao artífice esculpir

em música, as mais recônditas sutilezas da psique humana. O ouvinte de L’incoronazione di Poppea é como o personagem de

Descartes: conduzido sem resistência a celebrar o amor de Poppea, em seu

íntimo chora a despedida de Ottavia. L’incoronazione não somente expõe a

ambigüidade de seus personagens, como define e inaugura o ouvinte do

século XVII como sujeito moderno, ambíguo em sua natureza.

Notas

1 A questão da autoria de L’Incoronazione di Poppea é amplamente discutida por CURTIS, Alan. In: La Poppea Impasticciata or, Who wrote the Music to L’Incoronazione (1643)? In: Journal of the American Musicological Society, n. 1, 1989 (pgs 23-54).

2 ROSAND, Ellen. Monteverdi’s mimetic art: L’incoronazione di Poppea. In: Cambridge Opera Journal, vol 1, no. 2, 1989.

3 Alan Curtis defende a autoria do último dueto da ópera ser do compositor e alaudista Filiberto Laurenzi, apontado também por Bianconi como sendo o autor do texto de “Pur ti miro.”

4 Minha sugestão é reforçada pela idéia de Eric Chafe, que acredita numa coerência da dimensão tonal-alegórica de Poppea, onde Monteverdi teria comunicado seus planos para a ópera a jovens compositores. Segundo ele, isto só poderia ocorrer pelo fato de existir uma linguagem alegórica comum corrente entre os compositores venezianos da época, o que tornaria possível para que outras mãos pudessem perceber as intenções de Monteverdi. Em Eric Chafe, Monteverdi’s Tonal Language. New York: Schirmer Books, 1992.

5 Na visão de Agnes Heller, ela explica que: “O fato de “o homem ser um membro da comunidade” é para ele uma “realidade dada naturalmente”...Com o desenvolvimento do capitalismo, à medida que a produção de riqueza se transforma na meta a atingir, todas as características sociais previamente existentes podem tornar-se e tornam-se de fato restritivas, e o homem “não deseja continuar a ser aquilo em que se transformou, antes vivendo num processo de constante devir”... No processo interminável da produção “ a necessidade natural na sua forma direta desaparece, porque uma necessidade historicamente criada se substituiu à natural”. Em O homem do renascimento. Lisboa: Editora Presença, 1996; p. 11-12.

6 Para uma discussão da história da subjetividade, ver Luís Claudio Figueiredo, A invenção do psicológico: quatro séculos de subjetivação, 1500-1900, São Paulo: Escuta/Educ, 1996.

7 Nous n’avons aucune communication à l’estre, par ce que toute humaine nature est tousjours au milieu entre le naistre et le mourir, em Marie–Luce Demonet, ed., Montaigne et la question de l’homme, Paris: Presses Universitaires de France, 1999.

8 Idem em Luís Claudio Figueiredo.

9 CASTIGLIONE, Baltasare. Il cortigiano. Milano: Oscar Classici Mondadori, 2002 (trad. Em Luís Carlos Figueiredo)

10 DESCARTES, René. As paixões da alma. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

11 Em Luís Claudio Figueiredo, Ibid., p. 24.

12 René Descartes, Ibid., p. 135.

13 Ibid., p. 130.

14 ROSAND, Ellen. Seneca and the Interpretation of L’Incoronazione di Poppea. In: Journal of the American Musicological Society, XXXVIII (1985), p. 34: In its most obvious terms, Poppea celebrates the victory of Amor; the love of Poppea and Nerone triumphs over all obstacles – over objections of state, over legality and morality. But the dark side of that victory is equally present; Poppea seems also to celebrate the defeat of reason. Seneca dies, Ottavia is exiled, and Ottone and Drusilla are banished from Rome. The apparent immorality of the denouement casts a shadow over our perception of the work. Is it really love that triumphs or is it mere lust, or Poppea’s greed of power?

15 FENLON, Ian. The Song of the Soul: Understanding Poppea. Londres: Royal Musical Association, 1992.

16 ...el nostro animo è composto di Mosaico, ch’in apparenza forma una sol Idea, & avvicinandoseli dimostra esser compaginata de varii fragmenti di pietruzze vili, e pretiose connesse e commesse insieme; cosi l’animo nostro per il più, è composto di diferenti, e discrepanti pezzi, che in varii occasioni ogn’uno di loro fa di se distinta apparenza, onde il descrivere la natura, e conditione d’un sol huomo è cosa molta ardua e difficile, tanto più il volere tutte le sue attioni ad una sol norma, & Idea rifferirle. Simone Luzzato, Discorso circa il stato de gl’Hebrei, et in particolar dimoranti nella inclita città di Venetia (1638), traduzido para o inglês em Ian Fenlon e Peter Miller, The Song of the Soul: Understanding Poppea. Londres: Royal Musical Association, 1992, p. 18.

17 O nobre Senhora / Ao proteger esse homem / Através de mentiras devotadas / Vivei à luz de minha clemência / Vivei na glória de tua coragem / E sejais em nosso tempo o exemplo reverenciado / De vosso sexo e da constância.

18 Montaigne, Essais, II.29, “Das virtudes”

19 Que venha a morte; constante e forte,/ Vencerei a dor e o medo; / após estes dias de escuridão, / a morte é a aurora de um dia infinito.

20 Soldado 2: Ele [Nerone] não confia em ninguém senão em Sêneca, seu professor.

S.1: Aquele velho trapaceiro?; S.2: Aquela raposa esperta!; S.1: Aquele cortesão malvado / Que tira proveito / traindo seus amigos!; S. 2: Aquele ímpio arquiteto / que constrói sua casa sobre o sepulcro dos outros!

21 ... the premise that “Tacitist historians... gave this opera its style and mood” (p. 91), which frames Poppea as the product of na ideologically driven creative effort. Ideology, however, seldom makes for good dramma, and the book’s reading, which attributes the opera’s raw power to the historiographic currents that drove the debates of the Accademia degli Incogniti, fails to convince because it violates Monteverdi’s own criteria for effectiveness: “Mosse l’Arianna per esser donna, et mosse parimenti orfeo per esser homo” (“Arianna moved us because she was a woman, and similarly Orfeo because he was a man”). It is doubtful that he would have continued “mosse Poppea per essere Incognita.” In: OSSI, Massimo. Reviews In: Journal of the American Musicological Society, vol. XLVIII, No 3, 1995, p. 490-507.

22 CALCAGNO, Mauro. ‘Imitar col canto chi parla’: Monteverdi and the Creation of a Language for Musical Theater. In: Journal of the American Musicological Society, vol 55, no. 3, 2002.

23 Em Calcagno, Ibid, p.421 24 MCCLARY, Susan. Feminine Ending:, Music, Gender and Sexuality. Minnesota: University of Minnesota Press, 1991.

25 E mais uma vez retorno, qual linha ao centro,/como fogo ao sol, e qual riacho ao mar./ e mesmo que nenhuma luz me alcance,/ah! bem sei que meu sol dentro de mim está.

26 ROSAND, Ellen. Monteverdi’s mimetic art: L’incoronazione di Poppea. In: Cambridge

Opera Journal, vol 1, no. 2, 1989. 27 por mim guerreiam o Amor e o Destino! 28 O alto conteúdo erótico desta cena já foi por outros notada, como Ellen Rosand no

mesmo ensaio citado acima. 29 Em italiano a conjugação da primeira pessoa deixa implícito o uso do pronome. 30 “Hoje serás, te juro, de Roma, a Imperatriz”.

31

“Ídolo de meu coração, o momento é chegado de deliciar-me em meu amor”

32 Ellen Rosand sugere que nas cenas anteriores de sedução de Nerone por Poppea, a representação de movimento físico podem revelar “gestos de algum tipo, auto-erótico num primeiro momento e certamente recíproco em outros” (Ibid. p. 131). Argumento que é somente nesta cena que Poppea conduz sua promessa erótica à consumação.

Referências Bibliográficas

CURTIS, Alan. La Poppea Impasticciata or Who wrote the Music to L’Incoronazione (1643?) In: Journal of the American Musicological Society,

n. 1, 1989. p. 23-54.

ROSAND, Ellen. Monteverdi’s mimetic art: L’incoronazione di Poppea. In: Cambridge Opera Journal, vol 1, n. 2, 1989

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ROSAND, Ellen. Monteverdi’s Mimetic Art: L’Incoronazione Di Poppea. In: Cambridge Opera Journal, vol 1, no. 2, 1989.

Silvana Scarinci - Doutoranda pelo Departamento de Música da Unicamp. É teorbista, atuando no Brasil e exterior em repertórios do século XVII e XVIII, principalmente italiano.