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Artigos Científicos

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Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014

Demandas Técnicas para a Mão Esquerda do Violoncelista na Música Contemporânea Brasileira


Fabio Soren Presgrave (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN)

fabiopresgrave@yahoo.com


Resumo: O presente trabalho discorre sobre alguns dos novos desafios impostos à técnica da mão esquerda do vio- loncelista, pelo repertório contemporâneo brasileiro. Para a análise das novas técnicas foram escolhidos excertos de peças escritas nos últimos vinte anos pelos compositores Alexandre Ficagna, Ignácio de Campos, Silvio Ferraz, Ta- deu Taffarello, Roberto Victório, Rodrigo Cichelli e Rodrigo Lima. Como procedimento metodológico foi realizado um estudo de técnicas e dedilhados propostos por Heinrich Schiff e Darrett Adkins além de textos sobre técnica do violoncelo escritos por autores como Tortelier, Cherniavsky e Zukofsky com a objetivo de gerar exercícios para vio- loncelistas que estejam envolvidos com a perfomance de técnicas estendidas de mão esquerda.

Palavras-chave: Violoncelo; Técnicas estendidas; Música Contemporânea Brasileira.


Technical Demands on Cellist´s Left hand Technique by the Brazillian Contemporary Repertoire

Abstract: This research deals with some of the challenges presented to cellist´s left hand technique by the Brazil- lian contemporary repertoire. For the analysis of the setech niques, pieces by Alexandre Ficagna, Ignácio de Cam- pos, Silvio Ferraz, Tadeu Taffarello, Roberto Victorio, Rodrigo Cichelli e Rodrigo Lima were chosen. The goal of this study was the creation of specific exercises to address those difficulties. As a methodological procedure we studied fingerings and techniques proposed by Heinrich Schiff e Darrett Adkins and analyzed texts about cello technique by authors such as Tortelier, Cherniavsky, and Zukofsky with the goal of proposing exercises for cellists interested in left hand extended techniques.

Keywords: Violoncello; Extended Techniques; Brazillian; Contemporary Music.


  1. Introdução


    A Música escrita nos Séculos XX e XXI para o violoncelo traz consigo novas formas de pensar e utilizar a mão esquerda. Uitti (2007, p. 211) destaca que a mão esquerda foi liber- tada, na música atual, das suas posições tradicionais graças ao cromatismo, quartos de tons, aplicações extremas de vibrato e a cordas duplas e acordes dissonantes ou não.

    O surgimento de novos procedimentos técnicos para a mão esquerda do violonce- listafoi possível graças à colaboração de compositores com instrumentistas que transcen- diam qualquer limitação técnica e que, ao mesmo tempo, se interessavam em buscar novas possibilidades para o violoncelo. Segundo Mark Kosower1 (2013): “os grandes pedagogos do Século XX como Janos Starker, Bernard Greenhouse, AndréNavarra, Paul Tortelier,entre outros, formaram verdadeiros “exércitos”de excelentes violoncelistas”. A existência de um expressivo númerode violoncelistas com proficiência técnica em várias partes do mundo permitiu aos compositores a expansão das possibilidades de escrita, pois a mesma ésempre relacionada e de certa forma condicionada àinteração com intérpretes capazes de trazer a música composta do campo da abstração para a performance.

    Para apontarmos algumas das novas técnicas da mão esquerda, destacamos como exemplos obras escritas para dois violoncelistas: Mstislav Rostropovich e Sigfried Palm. Ambos proporcionaram aos compositores com quem colaboraram a possibilidade de escre- ver sem preocupação comlimitações técnicas de dedilhados, intervalos e formas de utiliza- ção de pressão (harmônicos, pressão normal e meia-pressão, com combinações diferentes em cordas duplas)


    Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 269p., n.2, 2014 Recebido em: 08/07/2014 - Aprovado em: 25/07/2014

    Nas 12 Hommages A Paul Sacher, encomendadas por Rostropovich, podemos ci- tar peças como: Sacher Variations de Witold Lutoslawsky – que utiliza sequências extensas com quartos de tom, sempre ao redor de uma nota gravitacional (Exemplo 9) –; e a “Puneña 2” de A. Ginastera – onde o compositor escreve passagens que de forma rápida alcançam toda a tessitura do violoncelo.


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    Figura 1: Puneña nr. 2, op. 45 de Alberto Ginastera (Harawi), pg. 4


    Encomendadas por Rospotrovich para o Concurso que levava seu nome em Paris po- demos citar peças como Kottos de Iannis Xennakis – com glissandi que aparecem em veloci- dade rápida, que se distanciam da função tradicional do efeito (portamento de voz) para se aproximar de inflexão da voz remetendo a gritos, soluços e murmúrios – e Spins and Spells de K. Saariaho – peça em harmônicos com scordatura e que utiliza pressão harmônica e pressão normal ao mesmo tempo, bem como trinados entre pressão normal e harmônicos.

    Sigfried Palm inspirou compositores como Mauricio Kagel e Bernd Alois Zimmerman. Kagel compôs Sigfriedp que segundo Uitti (2002, p. 215) combina o controle de harmônicos da mão esquerda com “respiração pesada, murmúrios e gemidos”. No Concerto pour violoncelle et orchestre em forme de “pas de trois”, Zimmerman escreve passagens ex- tensas que demandam grande controle da utilização dos microtons.


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    Figura 2: Microtons no Concerto de B. A. Zimmerman, primeiro movimento, pg. 1


    Para esse trabalho escolhemos refletir sobre dificuldades técnicas para a mão es- querda encontradas em peças de compositores brasileiros que utilizem materiais caracte- rísticos da música nova.

    Dentre as demandas técnicas apresentadas nas peças contemporâneas, discutire- mos quatro nesse trabalho: a utilização dos intervalos menores que o de semitom, que não fazem parte das formas de digitação automatizadas pelo treinamento tradicional; o uso constante de intervalos como segundas, sétimas e nonas, que requerem um diferente ba-

    lanceamento da mão esquerda; as extensões atípicas e os glissandi usados com uma função distinta do portamento de voz.


  2. Aspectos técnicos da mão esquerda destacados


    1. Intervalos não usuais na tradição musical anterior ao século XX


      Os intervalos usados na música atual apresentam dois problemas básicos para o violoncelista: um auditivo e outro de memória muscular. O auditivo se deve ao treinamen- to de percepção musical que em geral os músicos recebem. Nesse processo quase nunca al- cançamos a audição dos intervalos mais comuns da música moderna. O muscular resulta do fato que esses intervalos não são normalmente inseridos no treinamento técnico básico do violoncelista. Podemos observar que intervalos como terças, sextas e oitavas são exausti- vamente estudados nos métodos tradicionais em todas as suas formas e combinações possí- veis no espelho do violoncelo, mas raramente são trabalhados saltos como sétimas e nonas. Segundo o violinista Paul Zukofsky (1992, p. 2), a preocupação com o conhecimen-

      to de todos os intervalos já fora exposta há mais de dois séculos:


      No que tange aos problemas da mão e do braço esquerdo, algo básico como a sugestão de Geminiani de estudar todos os intervalos dentro da oitava ainda não foi levada a sério após 239 anos! O estudo de todos os intervalos dentro da oitava é benéfico não só para o ouvido, mas também para ‘balancear” a mão, pois fisicamente a inversão de uma oitava (primeiro dedo na corda grave e quarto na nota aguda) é a inversão de uma segunda, o inverso físico de uma terça é uma sétima e de uma sexta é uma quar- ta. Não podemos esperar que estejamos confortáveis com a afinação e os referenciais intervalares da música atual, quando não temos condições auditivas e físicas que anos de estudo de terças, sextas e oitavas fizeram com a música diatônica. Incorporar todos os intervalos em nossa rotina diária de estudo, seria um grande passo adiante para podermos melhor servir a música atual.2


      Enrico Mainardi em seus 21 Studien zur Technik dês Violoncellospiels3 abordou inú- meros intervalos em que a formação geral dos violoncelistas é frágil como segundas, sétima e nonas. Como exemplo da tentativa de familiarizar o violoncelista com diferentes interva- los, transcrevemos aqui parte do seu sexto estudo (p. 7, 1976):


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      Figura 3: Excerto do sexto estudo de Enrico Mainardi

      Como exemplo de uma peçacontemporânea brasileira que utiliza os intervalos como os descritos acima, podemos citar a obra Circuncello, de Rodrigo Lima. A peça contém diver- sos intervalos não contemplados no treinamento básico do violoncelista. Demonstraremos aqui um exemplo de um salto de nona e a sugestão de exercícios para a sua solidificação do salto guiado por algo mais comum no treinamento do violoncelista que é a referência das oitavas (relação entre polegar e terceiro dedo):


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      Figura 4: Exercício sugerido para a peça “Circuncello”, de Rodrigo Lima


      Em Chronos III de Roberto Victório encontramos um desafio semelhante. Um sal- to de sétima maior na posição do polegar em que a nota superior deve ser atingida com um forte súbito.

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      Figura 5: Excerto da peça Chronos III de Roberto Victório com salto de sétima maior nas posições do polegar


      O violoncelista Darrett Adkins (2002), professor da Juilliard School of Music, enfati- zava a importância da confiança na memória muscular para o tipo de passagem no exemplo acima. O exercício proposto por Adkins consistia de três etapas: 1 - Tocar a nota mais aguda sustentando-a vigorosamente com vibrato por aproximadamente 30 segundos; 2 - Continuar a sustentar a nota aguda, reparando a abertura do cotovelo, a posição dos ombros, atétrans- formar essa nota na “melhor sensação possível”, 3 - estudar o salto objetivando chegar não ao sol sutenido mas na sensação adquirida nos dois passos anteriores.

      Em outra passagem de Chronos III podemos notar uma sequência de sétimas maio- res. Utilizando a constatação de Zukofsky (2002) que a sétima é o inverso físico da terça, um exercício que propomosé o estudo das terças maiores (comuns ao treinamento do violonce- lista) para então realizarmos o estudo das sétimas conforme descrito abaixo.


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      Figura 6: Exercício proposto para Chronos III de Roberto Victório


    2. Quartos de Tom


      Uma das grandes revoluções na escrita dos Séculos XX e XXI para instrumentos de cordas é a utilização dos microtons. O violoncelo fornece aos compositores uma gama de possibilidades para a utilização desse recurso. Conforme Uitti (p. 216): “os compositores re- centemente se voltaram ao violoncelo como um dos instrumentos preferidos para a escrita microtonal devido ao comprimento de suas cordas e a clareza do timbre”

      Para examinarmos melhor o estudo dos microtons realizaremos uma divisão em duas funções possíveis para o aparecimento dos mesmos: uma função melódica e outra harmônica.


    3. Função Melódica


      Os quartos de tom podem possuir uma função melódica. Esse fato se deve ao esgo- tamento do cromatismo, e à influência da música oriental na Música Atual. Para violonce- listas habituados à “afinação expressiva”, a audição melódica dos quartos de tom é uma evo- lução natural dessa técnica. Sobre o conceito de afinação expressiva proposto por Casals, observamos o comentário de Cherniavsky (1952, p. 1):


      Casals fala da “justesse expressive”, ou ‘afinação expressiva’, o que ele define como uma forma muito mais natural e articulada do que a que é normalmente empregada. Como ele nota, a afinação regular tem sido muito influenciada pela afinação tempe- rada dos instrumentos de teclado, de tal forma que as notas têm sido consideradas quase que entidades independentes de posições fixas ao invés de diferentes passos de uma linha orgânica. Esses passos, ao invés de serem determinados mecanicamente, ou pelo compromisso artificial da afinação temperada, deveriam responder de forma sensívelàs implicações melódicas e às progressões harmônicas nas quais estão basea- das. Progressões estas que tendem a atrair algumas notas e separar outras.4


      O violoncelista francês Paul Tortelier, no seu livro “How I Play, How I Teach” (p. 36, 1975) também comenta sobre os usos dos semitons na afinação expressiva:


      Sabemos que afinação absoluta não existe. O que importa é que um equilíbrio satis- fatório seja encontrado na relatividade e atratividade dos sons. A melhor forma de

      obter isto é ser capaz de distinguir claramente as pequenas diferenças determinantes dos três diferentes tipos de semitom, que caracterizam os intervalos. 1 - O semitom diatônico, entre a sensível e a tônica, que será descrito como VS (muito pequeno), 2 - o outro semitom diatônico, que será descrito como S (pequeno), 3 - o semitom cromáti- co que será descrito como L (grande).”5


      Uma forma de utilização da função melódica dos quartos de tom pode ser encon- trada na peça “Circuncello” de Rodrigo Lima. Nela o autor usa um processo composicional onde a peça que consiste em uma nota central circundada a notas próximas a ela, incluin- do os quartos de tom. O nome da peça se deve a esse processo composicional. No início de “Circuncello”, a nota Lá é o centro gravitacional sobre o qual são atraídas as diversas notas que a circulam, como Si bemol, lá sustenido (acrescido de quarto de tom), Sol sustenido e Lá bemol (abaixado em quarto de tom).


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      Figura 7: Excerto da peça “Circuncello”, de Rodrigo Lima


      É importante notar que os quartos de tom nesse caso devem ser executados pela memória muscular da mão esquerda, e não atingidos através de glissandi, a não ser que isso seja especificado pelo compositor. Para tal propomos os exercícios abaixo, em que a distân- cia do primeiro para o quarto dedo deve ser uma segunda maior e não uma terça menor como na posição tradicional:


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      Figura 8: Exercício para a afinação dos quartos de tom


      Podemos notar este mesmo tipo de procedimento na peça Sacher Variations, de Witold Lutoslawsky (p. 1, 1980). Ao observarmos o dedilhado proposto pelo editor Heinrich Schiff6 (dedo 1 no si bemol abaixado de quarto de tom, dedo 2 no Si bemol, dedo 3 no si bemol acrescido de um quarto de tom) nós vemos que os quartos de tom precisam ter uma “forma” da mão muito clara, sem que se faça glissandi entre as notas:

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      Figura 9: Excerto inicial de “Sacher Variation”, de Witold Lutoslawski


      Há casos no entanto em que os quartos de tom devem ser alcançados por meio de Glissandi. Na peça Aspidospermapolyneuron, de Tadeu Taffarello (p. 1, 2006), o compositor um uníssono de fás sustenidos entre a primeira e segunda corda que logo é dissolvido pela movimentação de glissando na corda Lá entre fá sustenido aumentado de quarto de tom e mi sustenido aumentado de quarto de tom.


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      Figura 10: Excerto de Aspidospermapolyneuron de Tadeu Taffarello com a utilização de microtons em glissando


    4. Função Harmônica


      Os quartos de tom podem ser utilizados também com uma função harmônica. Um exemplo dessa utilização está na peça Supreme Fiction de Ignácio de Campos. O compo- sitor se utiliza da seguinte “scordatura”7: Lá quarto de tom acima, Ré, Sol Sustenido e Si Quarto de somacima. Não se trata de uma atração melódica, mas sim, da criação de um es- pectro de harmonias e reverberações no violoncelo. Como exemplo, podemos citar a seguin- te passagem:


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      Figura 11: Excerto da peça Supreme Fiction, de Ignácio de Campos

      Uma forma de abordar o estudo desta peça é utilizar cordas duplas, provenientes dos acordes escritos por Ignácio de Campos, para que seja gerada uma memória auditiva e muscular desta combinação não usual de sons, como no exercício abaixo:


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      Figura 12: Exercícios sugeridos para “Supreme Fiction”, de Ignácio Campos


    5. Extensões atípicas da mão esquerda


      Na música contemporânea o conceito de extensão é expandido: o uso tradicional da extensão de meio tom é aumentado em um ou mais semitons, fazendo com que o polegar te- nha que ser utilizado de forma rápida e flexível.

      Esta situação acarreta um processo completamente novo, não só para a realização das próprias extensões, mas também para se chegar e sair delas, sendo que o relaxamento do polegar nestes casos torna-se imperativo não apenas para se alcançar as notas, mas prin- cipalmente para manter este dedo saudável.

      Para o funcionamento das extensões é necessário que os dedos, a mão e o pulso mantenham exatamente o mesmo ângulo em relação ao espelho no momento em que o po- legar for retirado de trás do braço do instrumento. Em outras palavras, ao se executar as ex- tensões sugerimos o ângulo formado com relação ao espelho pelo pulso deverá ser alterado o mínimo possível.

      Na peça “Circuncello” (p. 1, 2006), de Rodrigo Lima, sugerimos que o eixo do se- gundo deva permanecer totalmente inalterado com a subida do polegar ao espelho. O po- sicionamento dos dedos deve se dar com tal independência que nenhum deles encoste na corda vizinha.

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      Figura 13: Exemplo de extensão atípica em Circuncello de Rodrigo Lima


      Sugestões de exercícios:


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      Figura 14: Exercícios sugeridos para a manutenção do eixo do pulso e flexibilidade do polegar


      Encontramos outro exemplo de extensão atípica na peça Linha Torta (p. 2, 2007), de Silvio Ferraz, quando temos que tocar um Mi com o polegar na quarta corda e um sol be- mol na terceira corda.


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      Figura 15: Exemplo de extensão atípica na peça “Linhas Tortas”, de Silvio Ferraz


      Para esta passagem complexa, sugerimos o seguinte exercício, para a fixação da me- mória muscular:


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      Figura 16: Sugestão de exercício para a fixação da memória muscular de uma passagem da peça “Linhas Tortas”, de Silvio Ferraz

    6. Glissandi


Os glissandi na música atual têm uma função bem distinta do portamento usado na tradição romântica, o qual imita gestos típicos do bel canto. Na Música Nova eles não funcionam comoponte entre as notas, mas sim, como eventos sonoros específicos, podendo gerar sons multifônicos, diferentes combinações de harmônicos, gestos, entre outras pos- sibilidades. Na música escrita desde o início do Século XX, quando o compositor indica o glissando, significa que o mesmo deve ser realizado logo no início da nota e não no final como na tradição romântica.

Na passagem abaixo, da peça de “Latitudes Emaranhadas” (p. 7, 2002), de Rodrigo Cicchelli, durante os glissandos nos harmônicos artificiais, o terceiro dedo move em velocidades distintas indicadas pelo compositor, esta técnica gera inúmeros tipos de sonsmultifônicos.


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Figura 17: Exemplo de glissando extraído da peça “Latitudes Emaranhadas”, de Rodrigo Cicchelli


Na peça Linhas Soltas (p. 5, 2006), de Silvio Ferraz, para violoncelo e piano, pode- mos observar uma utilização complexa dos glissandi. Neste caso, uma das vozes está sem- pre em movimento, a mão é dividida em duas partes, uma que se movimenta ascendente- mente na corda Lá e outra que se movimenta ascendentemente na corda Ré em tempos e momentos diferentes.


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Figura 18: Exemplo de glissando extraído de excerto da peça “A quem interessar possa...”, de Vanessa Rodrigues


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Figura 19: Exemplos de glissando com ritmos diferentes extraído da peça “Linhas Soltas”, de Sílvio Ferraz


Para treinar diferentes coordenações de glissandi, aberturas e contrações da mão esquerda presentes nesta passagem, propomos o seguinte exercício:

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Figura 20: Exercício com exemplo de coordenações diferentes de glissando


Considerações finais


A música dos Séculos XX e XXI requer do violoncelista um conhecimento ainda mais complexo da “geografia”do espelho do instrumento. Os grandes saltos, a audição e o reconhecimento físico de intervalos, incluindo as divisões menores que o semitom, que não estão presentes no treinamento tradicional do violoncelo, consistem em desafios da técnica de mão esquerda atual.

O estudo das novas técnicas auxilia o violoncelista não somente na performance na Música Nova contemporâneo mas também em peças de outros estilos. Ao desenvolvermos a sensibilidade auditiva e física para os microtons, temos a sensibilidade geral para a afina- ção aguçada. O mesmo pode-se dizer a respeito das extensões atípicas e glissandi solicitados pela Música Contemporânea, eles servem para ampliar as habilidades do instrumentista em todos os tipos de repertório.

As novas complexidades técnicas têm as suas soluções em procedimentos jáesta- belecidos por gerações de violoncelistas, as novas técnicas nesse sentido são expansões da técnica tradicional do instrumento e nessa acepção da palavra o termo estendido ganha sig- nificado especial.


Notas


1 Mark Kosower - Violoncelista Americano, professor do Cleveland Instituteof Music e Primeiro Violoncelo da

Cleveland Orchestra

2 Texto Original: “As regards left hand/arm problems something as basic as Geminiani’s suggestion of practicing all the intervals within the octave has still not been taken seriously after only 239 years! The practice of all the intervals is not only beneficial as regards training the ear, but also serves to ‘balance’ the hand, in that the phy- sical inverse of an octave (first finger on lower string, fourth finger on upper string) is a second (first finger on upper string, fourth finger on lower); the physical inverse of a third is a seventh; and that of a sixth is a fourth. We can hardly expect to feel comfortable with the pitch and intervallic concerns of today’s music when we have neither the aural nor physical coziness that the habitual practicing of traditional interval scales (thirds, sixths, octaves and tenths) provides for diatonic music. Incorporating all the other intervals in our daily practice routi- ne would be an enormous step forward in our ability to be of service to today’s music”.

3 21 StudienzurTechnik des Violoncellospiels–Mainardi, E. Ed: Schott, 1976.

4 Texto Original: “Casals speaks of “la justesse expressive”, or ‘expressive intonation’ by which he means a far more natural and articulate than that which is usually employed. As he points out, ordinary intonation has become much too influenced by the equal temperament of keyboard instruments, and in such a way that notes have come to be regarded as almost independent entities of fixed positions rather than as variable stages in an unfolding organic line. Now the stages, instead of being determined mechanically or by the artificial compro- mise of equal temperament, should respond sensitively to their melodic implications and to the harmonic pro- gressions on which they are based – progressions that tend to draw certain notes together and drive other.”

5 Texto Original: “We all know that an absolute intonation does not exist. What matters is that satisfactory equi- librium be found in the relativity and the attractiveness of sounds. The best way to attain this is to be able to distinguish as clearly as possible the minute determining differences between the three kinds of semitones, which caracterise the intervals. 1- The diatonic semitone, between the leading note and the tonic, the smallest of the three, which will be annotated by VS (very small), 2- The other diatonic semitone, which will be annotated by S (small), 3- The chromatic semitone which will be annotated by L (large)”.

6 Heinrich Schiff - Violoncelista e maestro austríaco, conhecido por sua colaboração com compositores como Be- rio, Casken, Henze e Penderecki.

7 Afinação das cordas diversa da usual.


Referências


ADKINS, Darrett. Aula de Mestrado na Juilliard School of Music, 10 de Maiode 2002. Nova Iorque.

CAMPOS, Ignácio de. SupremeFiction. Partitura, São Paulo: Manuscrito, 2006.

CHERNIAVSKY, David. Casals´s Teaching of the Cello.Musical Times, Londres, página 1, Setembro, 1952.

FERRAZ, Silvio. Tríptico das Linhas. Partitura. São Paulo: Manuscrito. 2006. GINASTERA, Alberto. Punenanr 2. Partitura. Londres: Bosey and Hawkes, 1977.

KOSOWER. Mark. Entrevista a Fabio Presgrave no Festival de São Braz do Suaçui (MG). 2013. LIMA, Rodrigo. Circuncello. Partitura. São Paulo: Ed. Rodrigo Lima, 2006.

LUTOSLAWSKY, Witold. Sacher Variation for Solo Cello. Partitura. London: Chester Music, 1980.

MAINARDI, Enrico. 21 Studienzur Technik des Violoncellospiels. Mainz: Schott Music, 1976. TAFARELLO, Tadeu. Aspidosperma Polyneuron. Londrina: Manuscrito. 2006.

TORTELIER, Paul. How I Play, How I Teach. 1. ed. Londres: Chester Music, 1975.

UITTI, Frances-Marie. The Frontiers of Technique. In: STOWELL, Robin. The Cambridge Companion to the Cello. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

VELLOSO, Rodrigo Cichelli. Latitudes Emaranhadas. Partitura. Rio de Janeiro: Manuscrito. 1993.

VICTÓRIO, Roberto. Chronos III. Partitura. Cuiabá: Manuscrito, 2000.

ZIMMERMANN, Bernd Alois. Concerto pour violoncello et orchestra en forme de “pas de trios”. Mainz: Schott Music, 1965.

ZUKOFSKY, Paul. Aspects of contemporary technique. In: STOWELL, R. (Ed.). The Cambridge companion to.


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Fabio SorenPresgrave - Bacharel e Mestre pela JuilliardSchool em Nova Iorque onde estudou com H. Shapiro e J. Krosnick. Apresentou-se como solista com orquestras como Qatar Philarmonic, Sinfônica Brasileira, Orquestras Sinfônicas do Paraná, Campinas, Espírito Santo, Sergipe, Minas Gerais dentre outras. Atuou como professor convi- dado na Musikhochschule de Münster, RoyalAcademyofMusic - Aarhus, Festival de Campos do Jordão, Folkwan- gUniversitat der Künste-Essen. É Doutor pela UNICAMP e Professor da UFRN.

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