Revista Música Hodie, Goiânia - V.14, 238p., n.1, 2014
GUERRA, A. Conrado Silva (1940-2014) – Um Legado para a Música Eletroacústica Brasileira.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.14 - n.1, 2014, p. 224-227
Prof. Dr. Anselmo Guerra (Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO)
temporânea para latino-americanos.
Conrado Silva (1940-2014) – A legacy for the Brazilian Electroacoustic Music
Conrado Silva de Marco nasceu em Montevidéu, Uruguai, em 1940. Estudou com Héctor Tosar e frequentou vários cursos de férias e workshops, sob a direção de Boulez, Stockhausen, Kagel, Ligeti, Riedl, Pousseur e Jonh Cage. Especializou-se em acústica ar- quitetônica e em música eletroacústica. Fixou residência no Brasil a partir de 1969, contra- tado como professor do Departamento de Música da UnB. Foi o criador de importantes estú- dios universitários no Brasil: na UnB em 1969; no Intituto de Artes da Unesp em 1977; e na Faculdade Santa Marcelina em1985. A partir de 1986 criou seu estúdio particular denomi- nado Sintesis. Criou juntamente com Coriúm Aharoniãn os Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea, que ocorreram entre 1971 e 1989, em diversos países da América Latina. Coordenou o Núcleo Música Nova em São Paulo. Influenciou gerações de compo- sitores e pesquisadores brasileiros com seu conhecimento técnico, sabedoria e gererosida- de ímpar.
Ao pensarmos na música eletroacústica da América Latina e sua consolidação no Brasil, história e biografia de Conrado Silva se entrelaçam profundamente. De acordo com registros do próprio Conrado (SILVA 1985) o provável início da música eletroacústi- ca na América Latina foi em 1958, com os compositores e engenheiros Juan Amenábar e José Vicente Assuar, na Universidade Católica de Santiago do Chile. Assuar passou pela Universidade Técnica de Karlsruhe, na Alemanha (1960), por Caracas (1966), voltando pos- teriormente à Universidade do Chile (1972). Na Argentina, os primeiros registros surgem em 1969, na Faculdade de Arquitetura da Universidade Nacional de Buenos Aires, com o compositor Kröpfl. Com a criação em 1962 do Centro Latino Americano de Altos Estudos
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Musicais do Instituto Torquato Di Tella, sob a direção de Alberto Ginastera, foi confiado a Kröpfl um estúdio de música eletroacústica que tornou-se referência na América Latina, atuando como centro de pesquisa, criação, inclusive fornecendo bolsas de estudos a jo- vens compositores latino-americanos. Dessa geração, Conrado Silva e Coriúm Aharoniãn, também uruguaio, desenvolveram posteriormente um trabalho em forma de cooperativa
– Núcleo Música Nova (1965) e ELAC (1974). No Brasil, a música eletroacústica iniciou no Instituto Villa Lobos, com Reginaldo Carvalho, e mais tarde com Jorge Antunes, em meados da década de 1960. Em 1970, Conrado Silva se radicou no Brasil para criar um estúdio na UnB, e em 1978 no Instituto de Artes da Unesp, no qual tive o privilégio de ser seu aluno, e posteriormente membro do Núcleo Música Nova de São Paulo na década de 1980.
Criados por Conrado Silva e Coriúm Aharoniãn, os Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea ocorreram entre 1971 e 1989 inicialmente no Uruguai e depois, por conta do regime ditatorial, em outros países, inclusive no Brasil (AHARONIÁN 1992 e 2007). Autores como Teresinha Rodrigues Prada Soares (2006 e 2006a) e João Marcos Coelho (2008a) identificam nos Cursos Latino-americanos uma postura politizada, inspira- da no movimento estudantil de 1968, pregando ideologia de resistência às ditaduras então vigentes na América Latina. Festival Música Nova (Criado por Gilberto Mendes em 1962, onde a produção eletroacústica encontrou espaço para difusão e interação) e os Cursos Latino-americanos contribuíram na formação de uma identidade latino-americana e servi- ram de modelo para várias iniciativas posteriores na formação de grupos e estúdios de mú- sica eletroacústica.
Os Cursos Latino-americanos tiveram origem no Uruguai e se espalharam por vá- rios países da América do Sul: Argentina, República Dominicana, Venezuela e Brasil e eram divididos em oficinas, palestras, mesas redondas, audições de gravações e concertos. De acordo com Terezinha Prada -
“Os cursos nasceram do Núcleo de Música Nueva de Montevideo, fundado em 1966 por Coriún Aharonián e Conrado Silva, ambos alunos de Héctor Tosar na ocasião. Os compositores do Núcleo resolveram criar em 1971 o I Curso Latinoamericano de Música Contemporánea que se deu em Cerro del Toro, Uruguai, e logo nesse pri- meiro evento compareceu o compositor italiano Luigi Nono, famoso por sua obra de vanguarda tanto quanto por seu comprometimento político de esquerda, apoiando e confirmando o ideal dos compositores uruguaios em buscar uma via própria na linguagem composicional, que não ficasse mais sob a tutela histórica da Europa”. (SOARES 2006, p. 3)
Assim, foram realizadas quinze edições dos cursos, conforme documentado por Coriún AHARONIÁN (2007): Cerro del Toro, Uruguai (1971); Cerro del Toro, Uruguai (1972); Cerro del Toro, Uruguai (1974); Cerro del Toro, Uruguai (1975); Buenos Aires, Argentina (1976); Buenos Aires, Argentina (1977); São João del-Rei, Brasil (1978); São João del-Rei, Brasil (1979); Itapira, Brasil (1989); Santiago de los Caballeros, República Dominicana (1981); Uberlândia, Brasil (1982); Tatuí, Brasil (1984); San Cristóbal, Venezuela (1985); Cerro del Toro, Uruguai (1986); Mendes, Brasil (1989).
Segundo Terezinha Prada, há uma relação íntima entre Cursos Latino-americanos de Música Contemporânea e o Festival Música Nova:
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“Foi ao entrar em contato com os uruguaios e ao passar a frequentar os Cursos que Gilberto Mendes teve interesse em convidar e trazer vários músicos do Curso Latino- americano de Música Contemporánea para o Festival Música Nova – há pelo menos
40 nomes em comum que transitaram pelos dois eventos. Assim, uma ligação forte entre as duas mostras se estabeleceu ao longo da década de 70 e início dos anos 80”. (SOARES 2006, p. 3)
Então, a identidade musical contemporânea latino-americana foi construída a partir da orientação predominante esquerdista. Paradoxalmente, nos países de origem hispânica se adotava a estética nacionalista e os compositores brasileiros com quem compartilhavam ideologia política eram de orientação estética universalista, uma vez que os compositores brasileiros nacionalistas adotavam claramente uma postura alinhada ao posicionamento político de direita e, consequentemente, simpáticos à ditadura militar vigente no país.
Dado o contexto político vigente no Brasil na época ditatorial, Conrado Silva viu-
-se afastado da UnB, radicando-se em São Paulo. Foi um período em que vinculou-se ao
Instituto de Artes do Planalto da UNESP, onde criou o laboratório de eletroacúsica em
1977 e mais tarde na Faculdade Santa Marcelina (1985). Nesse intervalo de tempo publi- cou o livro “Elementos de Acústica Arquitetônica” (SILVA 1982). Desenvolveu vários proje- tos de acústica arquitetônica através de sua empresa denominada “Consultor”. Nessa época também liderou o Núcleo Música Nova que, entre outras atividades, coordenou o Festival Música Nova de 1988 e 1989.
Entre seu afastamento político da UnB, a abertura política e o processo jurídico de reintegração, passaram-se cerca de duas décadas para o retorno de Conrado Silva à univer- sidade federal. Retomando suas atividades acadêmicas, concluiu seu doutorado em tese com o tema: “Análise acústica de auditórios musicais depois de construídos”, em 2009. Logo de- pois, ao completar os anos de serviço, se aposenta da universidade e volta para São Paulo, com o intuito de retomar seus trabalhos artísticos e em arquitetura acústica. Entretanto, com a saúde debilitada pela idade, vem a falecer em 2014.
O legado de Conrado Silva não se limita à sua produção artística, mas sobretudo à uma atuação que transcende as fronteiras geográficas, ideológicas e estéticas, fomentando a integração artística latino-americana, divulgando a música eletroacústica por meio das ofi- cinas de música, dos festivais, dos cursos que idealizou e realizou. Muitos compositores de- vem a ele o impulso, o incentivo e a doação irrestrita. Desse fato, faço de minha experiência pessoal meu testemunho.
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