Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 199p., n.2, 2013

ASSIS, A. C. Conversa com Fernando Lopes-Graça: trânsitos culturais na música brasileira.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.2, 2013, p. 168-180

Conversa com Fernando Lopes-Graça: trânsitos culturais na música brasileira1

Ana Cláudia Assis (UFMG, Belo Horizonte, MG)

anaclaudia@ufmg.br

Resumo: O presente artigo apresenta uma reflexão acerca do trânsito cultural protagonizado pelo compositor por- tuguês Fernando Lopes-Graça e alguns músicos brasileiros durante a década de 1950, dentre os quais César Guer- ra-Peixe, Cláudio Santoro, Camargo Guarnieri e Mozart de Araújo. Para tal, analisamos um importante documento publicado no Brasil (1951) e em Portugal (1952) intitulado Conversa com Fernando Lopes Graça, e que foi responsá- vel por inaugurar, simbolicamente, o intercâmbio entre estes músicos. Partimos do pressuposto de que Lopes-Graça fomentou, naquele período, a aproximação entre duas gerações brasileiras diferentes, historicamente separadas por divergências no plano estético.

Palavras-Chave: Fernando Lopes-Graça e a música brasileira; Identidade nacional e trânsitos culturais; Documenta-

ção musical luso-brasileira.

Conversa com Fernando Lopes Graça: cultural exchanges in Brazilian music

Abstract: This article presents some reflections on cultural exchanges between the Portuguese composer Fernando Lopes-Graça and some Brazilian musicians such as César Guerra-Peixe, Cláudio Santoro, Camargo Guarnieri e Mo- zart de Araújo, during the fifties. This research departed from the analysis of an important document titled Conversa com Fernando Lopes Graça, published in Brazil in 1951 and in Portugal in 1952, which was the starting point for this exchange. We departed from the idea that during that period Lopes-Graça contributed towards an approximation be- tween two different generations of Brazilian composers.

Keywords: Fernando Lopes-Graça and brazilian music; National identity and cultural exchange; Luso-brazilian mu-

sical documentation.

Durante a década de 1950, o compositor e musicólogo português Fernando Lopes- Graça (1906-1994) protagonizou, juntamente com um grupo de músicos brasileiros, um in- tenso trânsito cultural mediado por cartas, partituras, além de artigos e entrevistas publi- cados nas imprensas brasileira e portuguesa. Embora o contato pessoal de Lopes-Graça com o Brasil tenha se concretizado, naquela década, em uma única turnê realizada em 1958, o intercâmbio de idéias promovido por ele e pelos colegas brasileiros, dentre os quais César Guerra-Peixe (1914-1993), Cláudio Santoro (1919-1989), Camargo Guarnieri (1907-1993) e Mozart de Araújo (1904-1988), foi responsável pela formação de um vasto acervo documen- tal localizado, em grande parte, no Museu da Música Portuguesa em Cascais2. À título de exemplificação da documentação epistolar encontrada no Espólio de Lopes-Graça, sob a guarda do referido Museu, apresentamos um quadro que nos possibilita conhecer quem fo- ram os músicos brasileiros correspondentes, o período e o número de cartas recebidas pelo interlocutor português3:

Quadro 1: Correspondência dos músicos brasileiros encontrada no Espólio de Lopes-Graça5.

Músicos correspondentes

Nº de cartas recebidas por Lopes-Graça4

Período

Guerra-Peixe

25

06/12/1947 a dez. de 1975

Arnaldo Estrela

33

24/07/1948 a 06/12/1978

Cláudio Santoro

15

02/08/1948 a 01/08/1974

Hans-Joachim Koellreutter

1

29/12/1948

Francisco Mignone

3

12/05/1948 a 04/12/1959

Luiz Heitor Correa de Azevedo

14

09/08/1949 a 28/10/1980

Mozart de Araújo

9

25/04/1951 a 22/08/1971

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Francisco Curt Lange

4

04/06/1952 a 25/08/1969

Oneyda Alvarenga

4

08/03/1954 a 10/04/1967

Camargo Guarnieri

11

20/02/1957 a 05/01/1968

João da Cunha Caldeira Filho

5

02/03/1959 a 10/12/1960

Edino Krieger

1

29/04/1969

José Maria Neves

1

01/03/1970

Helza Cameu

5

10/03/1973 a 05/08/1974

Andrade Muricy

1

s/d

A temática principal que permeou a correspondência no período que focalizamos neste trabalho – a década de 1950 – era o debate brasileiro no âmbito da criação musical que, naquela altura, vinha sendo fomentado pelo anseio dos ex-adeptos do dodecafonismo em reconstruir a própria identidade enquanto artista nacional. Para tal, era preciso recon- siderar a antiga matriz nacionalista projetada ao longo das duas décadas anteriores no país, num duplo movimento de revisão crítica do passado e de formulação de perspectivas novas para o futuro. Naturalmente que este movimento acabou por reacender os ânimos nacio- nalistas, estes já sentidos em 1950, com a Carta Aberta aos Críticos e Músicos do Brasil de Camargo Guarnieri.
Assim, documentos como a Carta Aberta e outros textos afins além de discutidos exaustivamente no corpo da correspondência, eram enviados na íntegra a Lopes-Graça que, por sua vez, os publicava no periódico A Gazeta Musical e de todas as Artes, tornando co- nhecida em Portugal a polêmica vivenciada no Brasil6.
Dentre os documentos relativos à música brasileira que foram apresentados aos lei- tores da Gazeta, no período entre 1951 e 1958, estão:

1) Carta Aberta aos Músicos e Críticos do Brasil. Gazeta Musical, fevereiro de 1951. Originalmente publicada no Brasil em dezembro de 1950.

2) Conversa com Fernando Lopes-Graça. Gazeta Musical, abril de 1952. Trata-se de uma entrevista do compositor português concedida e publicada por Mozart de Araújo no Jornal de Letras do Rio de Janeiro em 1951, e reimpressa na Gazeta portuguesa7.

3) “Que isso é esse Koellreutter?”. Gazeta Musical, abril de 1953. Artigo escrito por

Guerra-Peixe, originalmente publicado na Revista Fundamentos, em 19538.

4) Carta Aberta ao Compositor Brasileiro Guerra-Peixe. Gazeta Musical, junho de

1953. Trata-se de uma carta resposta ao artigo citado acima, assinada por Lopes-Graça.

5) GUERRA-PEIXE: Trovas Capixabas e Trovas Alagoanas, canto-piano (Ricordi, Brasileira, São Paulo, 1955). Gazeta Musical, abril de 1957. Crítica musical à edição destas duas obras de Guerra-Peixe.

6) Conversa com Camargo Guarnieri. Gazeta Musical, março de 1958. Entrevista de Guarnieri concedida a Lopes-Graça e João José Cochofel (secretário da redação da Gazeta Musical), por ocasião da passagem do compositor brasileiro em Lisboa.

7) Inquérito aos Compositores Brasileiros. Gazeta Musical, outubro-novembro de

1958; janeiro de 1959; fevereiro de 1959; março de 1959. Trata-se de um inquérito realizado por Lopes-Graça, quando de sua turné ao Brasil em 1958. Foram entrevistados: Villa- Lobos, Camargo Guarnieri, Francisco Mignone, Cláudio Santoro, Guerra-Peixe e Luiz Cosme.

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Figura 1: Inquérito aos compositores Villa-Lobos e Francisco Mignone. Gazeta Musical, outubro-novembro de 1958. N. 91/92.

Além das cartas e dos documentos impressos, um número significativo de obras musicais brasileiras fora enviado a Lopes-Graça com a finalidade de integrar a programação da Sociedade de Concertos Sonata. Segundo Teresa Cascudo:

O início das relações de Lopes-Graça com os compositores brasileiros teve lugar atra- vés da sociedade de concertos Sonata, por ele fundada em 1942 e que pretendia divul- gar o repertório musical contemporâneo. Foram no total apresentadas vinte obras da autoria de Santoro, Villa-Lobos, Mignone, Guerra Peixe e Camargo Guarneri, seis das quais em primeira audição portuguesa (CASCUDO, 1999, p. 7).

Dentre as obras que tiveram estréia mundial em Portugal, constam as Trovas Alagoanas e Trovas Capixabas de Guerra-Peixe, apresentadas em 09 de abril de 1957, segun- do nota divulgada na Gazeta Musical, no mesmo mês e ano.
Devido à impossibilidade de atermo-nos sobre a totalidade deste corpus documen- tal no âmbito de um artigo, ou mesmo de lançarmos uma discussão satisfatória quanto à re- levância de cada um destes documentos para o complexo debate que vinha sendo projetado no Brasil e em Portugal - por mediação de Lopes-Graça -, optamos em priorizar aquele que inaugurou simbolicamente o intercâmbio entre o músico português e a cultura brasileira e que, em nossa opinião, cativou definitivamente a simpatia e confiança dos nossos músicos, especialmente dos ex-dodecafonistas. Trata-se da Conversa com Fernando Lopes Graça, en- trevista publicada originalmente no Jornal de Letras do Rio de Janeiro, em 1951, e reimpres-
sa, em 1952, na Gazeta Musical e de todas as Artes, em Lisboa.

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1. Para início de conversa...

Mas, antes, devemos levar em consideração que todo este trânsito de idéias e mes- mo de cumplicidades musicais foi forjado num contexto permeado pela repressão com a qual Lopes-Graça se via constantemente confrontado e também num período considerado como um final de ciclo para a música brasileira, marcado historicamente pela Carta Aberta e pela diluição do movimento Música Viva9. Nesta perspectiva, acreditamos que dentre as motivações que concorreram para intensificar o contato entre os músicos brasileiros e o co- lega português estão, de um lado, a tentativa de Lopes-Graça instalar-se no país irmão pelo menos enquanto sobrevivesse a ditadura em Portugal e, de outro, o desejo dos ex-dodecafo- nistas, ainda que inconsciente, de eleger um novo referencial estético e intelectual uma vez que Hans-Joachim Koellreutter já não ocupava mais este lugar. De certa forma, parece-nos que a figura de Lopes-Graça minimizava o sentimento de orfandade decorrente do rompi- mento com as idéias de Koellreutter.
O “nacionalismo essencial” forjado por Lopes-Graça e constituido por meio da pes- quisa sistemática e crítica das práticas populares portuguesas (LOPES-GRAÇA, 1947) ou mesmo aquele, posterior, decorrente das orientações progressistas do Congresso de Praga de 194810, iam ao encontro tanto dos interesses dos compositores nacionalistas brasileiros da geração de Camargo Guarnieri quanto dos ex-dodecafonistas. Contrário à música nacio- nalista oficial de seu país praticada por nomes como Luis de Freitas Branco (1890-1955), Frederico de Freitas (1902-1980) e Joly Braga Santos (1924-1988), mas apologista de um na- cionalismo baseado na “energia expressiva e, muitas vezes, também energia transgressiva” (CARVALHO, 2006, p.120) das práticas populares, Lopes-Graça a partir de 1939, iniciou um intenso trabalho de recolha e pesquisa da música rústica portuguesa11, a exemplo do com- positor húngaro Béla Bàrtok, cuja linguagem musical e atividades enquanto pesquisador da cultura popular representavam uma importante referência para ele.
A trajetória artística de Lopes-Graça - também pianista e ensaísta - é marcada pela convivência pouco harmoniosa entre suas atividades enquanto membro ativo do Partido Comunista e as ações anti-democráticas do Estado Novo em Portugal. Esta convivência acarretou consequências profissionais e emocionais graves, dentre as quais a impossibili- dade de usufruir uma bolsa de estudo em Paris (1934); a prisão na cadeia de Caxias por 224 dias (1936); e a cassação do diploma de professor do ensino particular (1954). Grande par- te de sua obra só foi livremente veiculada e ouvida após a revolução de 25 de Abril de 1974 (ASSIS, 2011).
Durante sua vida publicou centenas de textos em periódicos portugueses (Vértice, Seara Nova, Gazeta Musical) relativos à crítica de arte, à teoria musical e à história da músi- ca. A maioria destes textos foi reunida e transformada em livros que circularam pelo Brasil entre os anos 1950 e 1970, dentre os quais A Música Portuguesa e os seus Problemas (1973-
1989), Reflexões sobre a Música (1978), A Canção Popular Portuguesa (1953).
Após a cassação do seu diploma de professor do ensino particular, em 1954, Lopes- Graça ficou proibido de lecionar em seu país. O estreitamento das relações com os músi- cos brasileiros, naquele período, foi, dentre outros, uma oportunidade ainda que remota de transferir-se para o Brasil, como nos faz supor o trecho abaixo, extraído de uma carta de Guerra-Peixe enviada a Curt Lange, escrita no mesmo ano da cassação:

Dr. Lange, o compositor português Fernando Lopes Graça me escreveu dizendo que o governo português invalidou o seu diploma de professor, ficando, assim, o Graça, impossibilitado de lecionar em Portugal. Ele deseja sair de sua terra e não sabe como. Pensava vir para o Brasil. Mas aqui as coisas não andam bem, pois a política facilita

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os seus “afilhados”. Mesmo em São Paulo nada consegui, nem para Graça dar con- certo, fazer conferência ou lecionar. Pensei, então, que talvez se pudesse arrumar alguma coisa para ele aí na Argentina ou no Uruguai. Seria pelo menos um meio dele sair de Portugal, pois não está, no momento, prevenido economicamente. Seria possível arranjar-lhe um contrato, curto que seja? Muito eu lamento não ter podido arranjar nada para ele, pois seria um elemento muito interessante para o Brasil (Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange. Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1954).

Entretanto, como mencionado anteriormente, sua vinda ao Brasil se concretizou em uma única turnê realizada em 1958 nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Belo Horizonte, personificando, assim, o intercâmbio que já vinha sendo construído atra- vés da troca de cartas e de outros documentos.

Figura 2: Capa do programa de concerto realizado em Belo Horizonte, exclusivamente com obras de Lopes-Graça.

2. Nas entrelinhas ecoam vozes modernistas...

No terreno das discussões estéticas, o fio condutor responsável em alinhavar todo este intercâmbio luso-brasileiro durante a década de 1950 foi, como já anunciado, o debate em torno do fim do movimento que propagava o dodecafonismo no Brasil e, em contrapar- tida, a formulação por parte dos ex-dodecafonistas de uma nova maneira de expressão que reverberasse em sons os valores da cultura brasileira, porém sem cair na já desgastada “roti- na nacionalista”12. Tanto Cláudio Santoro - considerado o mais experiente dos compositores dodecafônicos brasileiros - quanto Guerra-Peixe - talvez o mais persistente e mais inventi- vo no manuseio da técnica dos doze sons -, anunciavam, já em 1948, o abandono definitivo do dodecafonismo.
Santoro, nitidamente influenciado pelas diretrizes progressistas, justificava sua mudança de orientação estética no desejo de “criar algo novo inspirado nos sentimentos, nos anelos da classe proletária, explicar em sons aquilo que a classe do futuro sente, mas que não sabe dizer” (Carta de Claúdio Santoro a Lopes-Graça. 02 de agosto de 194813). Já Guerra-Peixe, insatisfeito com as “raras” programações de suas obras dodecafônicas e, da mesma forma, com a recepção nem sempre favorável por parte do público, divulgava sua intenção de abandonar a técnica dos 12 sons e escrever uma música direcionada ao públi- co de sua época:

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Técnica dos 12: penso abandoná-la para escrever mais compreensivelmente para a maioria, já que não querem executar nossas músicas assim. Se nada conseguir de- pois, tratarei de abandonar tudo e cuidarei de ganhar dinheiro. Basta de esperar pelas raras execuções para animar. Pois, desse jeito nossas obras não poderão ter realmente função social, porque vivem somente na gaveta e nas conversas. Não sei se estou pen- sando certo. Mas, se o público não recebe uma obra, ela não existe. Tentarei uma vez mais, para uma nova experiência... e chega14. (Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1948).

Como veremos a seguir, o documento inaugural deste intercâmbio - a Conversa com Fernando Lopes Graça - congregava tanto as idéias defendidas pelos já consagrados compositores nacionalistas quanto os novos rumos apontados pelos ex-dodecafonistas no sentido de uma linguagem musical em diálogo constante com as questões de seu tempo e seu meio.
Os tópicos principais deste documento encontram-se anunciados já na epígrafe:

CERTAS QUESTÕES, como as da acessibilidade da música contemporânea, da sua orientação humanís- tica, do valor das correntes nacionais, da viabilidade do dodecafonismo, estão hoje na ordem do dia e adquiriram mesmo uma importância crucial, a ponto de depender da solução que se lhes venha a dar o futuro da própria música. Parece-nos pois oportuno recolher nas nossas colunas as opiniões que, sob a epígrafe supra, a tal respeito o nosso colaborador Fernando Lopes-Graça confiou a Mozart de Araújo, em entrevista para o Jornal de Letras do Rio de Janeiro, e que reúnem ainda o interesse de lançar um golpe de vista sobre a actual música brasileira, infelizmente tao pouco conhecida entre nós.

Figura 3: Entrevista de Lopes-Graça realizada por Mozart de Araújo, publicada na Gazeta Musical em abril de 1952.

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À medida que percorremos as linhas desta entrevista concedida a Mozart de Araújo, ouvimos ecos de uma voz muito conhecida da sociedade brasileria. Indagado sobre o “problema do nacionalismo musical” bem como sobre o “patrimônio folclórico português”, Lopes-Graça apresenta logo de início uma perspectiva muito semelhante àquela proposta por Mário de Andrade no Ensaio sobre a Música Brasileira (1928):

(...) há de facto no nosso folclore musical riquezas insuspeitadas capazes de, quando inteligentemente aproveitadas, conduzirem-nos à criação de uma verdadeira música nacional. A questão é sabermo-nos servir da nossa música popular apenas como uma fonte de ideias, como um método e uma disciplina para a consecução de uma lingua- gem e de um pensamento musicais autónomos, evitando cair no puro folclorismo, que nunca poderá constituir o ideal último de uma arte superior15 (...).

Sem dúvida, a afinidade entre as idéias de Lopes-Graça e de Mário de Andrade já havia sido observada por Guerra-Peixe antes mesmo da publicação deste documento e, provavelmente, tenha sido esta observação que despertou em Mozart de Araújo o desejo de preparar a entrevista. Em carta ao musicólogo brasileiro enviada do Recife, em março de 195016, Guerra-Peixe recomenda a Mozart de Araújo que leia o livro Música e Músicos Modernos (1943) de Fernando Lopes-Graça: “É maravilhoso. Esse homem também tem mu- dado de convicção ultimamente”. Entretanto, o que mais nos interessa é a frase seguinte: “Do mesmo autor, (...) o livro Problemas da Música Portuguesa é muito interessante. Esse cara eu tenho a impressão que é o Mário das bandas de lá17.”
A partir destas primeiras impressões de Guerra-Peixe, Mozart de Araújo organiza então a conversa/entrevista, cujas perguntas e respostas foram trocadas na correspondên- cia entre eles. O conteúdo da entrevista explicita o projeto nacionalizante de Lopes-Graça, no qual a música popular serveria apenas como fonte de idéias para o desenvolvimento de uma linguagem autônoma evitando, assim, cair no “puro folclorismo”, este incapaz de se tornar “o ideal último de uma arte superior”18. A autonomia a qual ele se refere não implica, contudo, no “repúdio das aquisições, descobertas ou sugestões das outras escolas ou cul- turas musicais”, ao contrário, era desejável que estas fossem “incorporadas e assimiladas ao nosso próprio espírito ou sentir musicais”. Em sua perspectiva, era exatamente por meio da combinação dos “dados éticos, culturais e psicológicos” com as técnicas atuais no pla- no da arquitetura musical, que o compositor ou sua obra atingiria o “sentido universal”. No caso específico de Lopes-Graça, o resultado desta combinação foi a formação de um estilo que o compositor passou a denominar de expressionismo dramático mais ou menos atonal (LOPES-GRAÇA, 1978)19.
Assim como Mário de Andrade, Lopes-Graça defendia a idéia de que “não existe uma música universal” mas sim “música de valor e projecção universais, o que não é de modo nenhum incompatível com o nacionalismo musical”. Fundamentando-se na própria história tradicional da música ocidental, Lopes-Graça argumentava que:

O russo Mussorgsky ou o russo Prokofieff, o polaco Chopin ou o polaco Szymanowski, o checo Smétana ou o checo Martinú, o húngaro Bartok ou o húngaro Kodaly, o es- panhol Albeniz ou o espanhol Falla, são tão universais e a sua música tão universal como o são as personalidades e a música dos mestres antigos clássicos ou romântico

– um Janequin, um Monteverdi, um Rameau, um Bach, um Mozart, um Schumann, um Franck ou um Wagner, que nos habituamos, ou nos habituaram, a considerar sub speciae universalis, sem atentarmos em que eram, antes de mais nada, e profunda- mente, compositores italianos, franceses e alemães.

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Convidado a opinar sobre as tendências da música contemporânea e, naturalmen- te, sobre o dodecafonismo e sua repercussão em Portugal, Lopes-Graça não teve dúvida em afirmar que a música contemporânea caminhava para uma maior simplificação de seus processos e de seus propósitos, juntamente com a “revalorização do seu significado hu- manista e da sua missão étnica”. Para ele, era exatamente esta “necessidade de humani- zação” que impossibilitou o dodecafonismo de se expandir em países como o Brasil ou mesmo Portugal: “ou o dodecafonismo se humaniza, isto é, desce das nuvens da pura abs- tracção teórica, deixando de ser aquela construção intelectualista, aquela como que esco- lástica musical defendida e propugnada pelos seus mais zelosos prosélitos, ou tem os seus dias contados”. Sem mencionar diretamente o trabalho dos compositores brasileiros que aderiram ao dodecafonismo, principalmente o trabalho de conciliação estética desenvolvi- do por Guerra-Peixe cujos fundamentos o compositor português já conhecia desde a década de 1940, Lopes-Graça observou que o desejo de “humanização” já havia sido demonstrado por alguns compositores que confrontaram a “dogmática do sistema” e, por conseguinte, fo- ram conduzidos “à sua própria negação”20. No caso específico do dodecafonismo no Brasil, Lopes-Graça acreditava que a “acção disciplinadora da técnica dodecafônica (a sua princi- pal virtude) ” jamais poderia se sobrepor à verdadeira essência da música brasileira: “a sua luxuriância, a sua força primitiva derivada de um contacto directo com as fontes da vossa rica música popular”.
Sobre a Carta Aberta aos Músicos do Brasil de Camargo Guarnieri, publicada no Brasil em dezembro de 1950 e reimpressa na Gazeta Musical em fevereiro de 1951, Lopes- Graça foi bastante econômico em seus comentários, evitando, assim, tomar partido de seu autor e tão pouco ofender o líder do movimento Música Viva, pelo qual nutria também al- guma admiração:

[A carta] Parece-me defender, com calor e absoluta sinceridade, embora talvez com um tudo nada de exagero polêmico, uma doutrina e, digamos, uma ideologia ético-

-estética, que são certamente as que convêm à música brasileira. Pouco conheço do dodecafonismo praticado no Brasil. Sei que tem um defensor acérrimo e cer- tamente inteligente em Hans Koellreutter, sei que o seguiram e dele se afastaram posteriormente um Guerra Peixe e um Cláudio Santoro, mas ignoro a sua verdadeira força proselítica, qual a sua expansão e aceitação nos meios musicais e intelectuais brasileiros21.

Se o dodecafonismo praticado no Brasil lhe era estranho, o mesmo não se pode di- zer em relação ao seu conhecimento sobre a música nacionalista e seus defensores. Isso fica claro quando, ao final da conversa/entrevista, Mozart de Araújo pergunta a opinião de Lopes-Graça sobre a música brasileira em geral, “seu valor estético, seus autores, etc.”:

Já por mais de uma vez tenho tido ocasião de me referir com a maior simpatia à actual música brasileira, que se me afigura a escola mais original e viva das duas Américas. Com compositores do valor de um Vila Lobos, um Guarnieri, um Mignone, e, dentre os mais novos, um Santoro ou um Guerra-Peixe (...); com musicólogos da categoria do admirável e saudoso Mário de Andrade; com historiadores do nível de um Renato Almeida ou de um Luis Heitor; com críticos como um Nogueira França, um Aires de Andrade ou um Andrade Muricy; com folcloristas esclarecidos como uma Oneyda Alvarenga; com os vossos pianistas e cantores, alguns deles de renome internacio- nal – como não acreditar na realidade de uma cultura musical brasileira, como não esperar que esta cultura se fortaleça cada vez mais e constitua dentro em breve uma das melhores afirmações do Brasil?

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Reconhece ainda que a “moderna produção brasileira” é praticamente ignorada em Portugal, apesar de seus esforços em fazê-la conhecida dentro do “quadro da música de câ- mara, nos concertos Sonata”. Tornava-se necessário, segundo ele, a criação de “um efetivo intercâmbio musical dos dois países, que só as entidades oficiais estão à altura de promo- ver”. E conclui que “em matéria de música, o Brasil só conhece Portugal através do fado, como Portugal só conhece o Brasil através do samba”.

3. Repercussões e desdobramentos...

Antes mesmo da conversa/entrevista ter sido publicada no Jornal de Letras, Mozart de Araújo anunciava sua empreitada em consolidar o intercâmbio proposto por Lopes-Graça: “sua vinda ao Brasil, portanto, ideada e sugerida por mim, não tem apenas um significado político de aproximação entre os nossos países, mas decorre também da admiração que te- nho pela sua obra construtiva e pela sua inteligência” (Carta de Mozart de Araújo a Lopes- Graça. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1951). Muito embora a Conversa com Fernando Lopes Graça tenha obtido excelente repercussão entre os músicos brasileiros e o público em geral, somente sete anos após sua primeira publicação é que a vinda de Lopes-Graça ao Brasil se concretizou de fato, subsidiada, então, pelo governo brasileiro durante a gestão de Clóvis Salgado como ministro da Educação e Cultura. Naquele ano, em 1958, Camargo Guarnieri era assessor técnico do ministério para assuntos relacionados à música e conseguiu apoio para que o compositor português viesse ao Brasil e realizasse concertos e conferências em diferentes capitais, elencadas no início deste texto.
A boa recepção da Conversa com Fernando Lopes Graça pode ser comprovada atra- vés de três cartas enviadas ao músico português. A primeira, assinada pelo próprio entre- vistador, enfatiza sua “repercussão notável”:

Meu caro Lopes Graça, com um atraso quase constrangedor, mando hoje a sua entre- vista. O “Jornal de Letras” é o jornal da moda, da elite intelectual e artística. Por isso, vive sobrecarregado de matéria. Pela natureza do jornal, é natural que a literatura absorva as outras artes. Isto não impediu que sua entrevista tivesse uma repercus- são notável que me deixou feliz. É curioso, como a letra de forma soleniza as idéias. Eu achava excelentes as suas respotas. Impressas, achei-as melhores ainda (Carta de Mozart de Araújo a Lopes-Graça. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1951).

A segunda, escrita por Guerra-Peixe também em 1951, demonstra como a interlo- cução e a cumplicidade com as idéias de Lopes-Graça lhes eram caras naquele momento:

Acabo de ler no JORNAL DE LETRAS, do Rio de Janeiro, a sua palestra com o meu patrício Mozart de Araújo (...). Fiquei muito contente verificando que os conceitos do amigo coincidem com os meus, muito embora os seus livros, em geral, tenham contri- buído para eu me guiar nos difíceis problemas da música contemporânea brasileira. É que, de fato, o problema musical das duas pátrias é o mesmo. (Carta de Guerra-Peixe enviada a Lopes-Graça. Recife, 09 de outubro de 1951).

A identificação de Guerra-Peixe com as idéias de Lopes-Graça, nos convida a recu- perar aqui nosso pressuposto inicial de que a figura de Lopes-Graça contribuiu para mini- mizar o sentimento de orfandade deixado pela ruptura com Koellreutter e alimentou, por sua vez, a esperança de um novo recomeço no então jovem Guerra-Peixe.
Certamente o documento mais revelador quanto ao impacto causado pela entrevista
de Lopes-Graça nos jovens compositores brasileiros, é a carta enviada por Mozart de Araújo

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em agosto de 1952. Escrita quase um ano após a publicação da Conversa com Fernando Lopes Graça e já decantada pelo tempo, esta carta deixa-nos perceber como a vinculação entre o pensamento de Lopes-Graça e as idéias de Mário de Andrade dos anos 1920, trouxe um ânimo novo para a música brasileira. Devemos lembrar que as feridas abertas pela Carta Aberta de Guarnieri ainda eram recentes e, portanto, o momento era bastante oportuno para que o conteúdo da Conversa com Fernando Lopes Graça viesse a público.
Transcrevo aqui boa parte da carta de Mozart de Araújo pois creio que assim pode- mos perceber alguns significados que foram atribuídos ao documento em foco neste nosso trabalho, bem como à própria imagem que se construía do compositor português:

Meu caro Lopes Graça,

Antes de tudo, desejo reiterar o que já lhe disse em relação à entrevista que tive o prazer de fazer publicar no Jornal de Letras. Além de muito bem recebida, ela huma- nizou muito a sua individualidade, só conhecida no Brasil através dos seus livros. Ora, no frontispício dos livros, o nome do autor é, de certa forma, uma abstração que não nos dá a sensação que ele, autor, é também uma pessoa que... sofre. Na entrevista você falou, não escreveu propriamente, ao contrário do que se dá nos livros, nos quais a gente escreve o que nem sempre está disposto a dizer. Por essa razão, o que você disse na entrevista soou como um novo alento no espírito dos compositores jovens do Brasil, que empenham o seu entusiasmo e a sua inteligência no esforço de dar relevo histórico e estético ao movimento musical brasileiro, cujos fundamentos teóricos de- vemos ao saudoso Mário de Andrade. Graças a esse esforço, já podemos afirmar que o Brasil levará também a sua contribuição ao grande edifício da música universal. Entretanto, se me é grato fazer essa afirmação, por outro lado sofremos dos mesmos males acusados em sua carta, com relação a Portugal. A cegueira dos homens respon- sáveis pela cultura nacional, o egoísmo (diria melhor, o narcisismo) dos artistas que vivem preocupados e absorvidos unicamente em projetar as suas mesquinhas pesso- as, tudo isso retarda e impede o trabalho dos que possuem um pouco de desprendi- mento, um pouco de idealismo. Idealismo que consistiria apenas em colocar a música em primeiro plano. Idealismo que exigiria apenas o sacrifício de ser humilde... O mal, porém, meu caro Graça, não é só do Brasil nem de Portugal. É de todos os países e de todos os tempos. E essa verificação atenua um pouco a revolta que sofremos quando imaginamos como o mundo seria bem melhor, se os homens fossem mais solidários, mais abelhas, menos águias... Mas acontece, caro Graça, que você já cumpriu uma bela missão. Sua obra é valiosa e admirável, tanto mais quanto sei o sacrifício e as injustiças que você sofreu. Mas você realizou algo, ao passo que eu nada fiz. (Carta de Mozart de Araújo a Lopes-Graça. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1952).

Em nossa perspectiva, a admiração e gratidão demonstradas por Mozart de Araújo em sua carta, não se restringiam exclusivamente ao fato de Lopes-Graça apoiar a adoção de práticas nacionalistas ou de estar alinhado filosoficamente à formulação do nacionalis- mo modernista de Mário de Andrade. Parece-nos que o sentimento de gratidão manifesta- do aqui dá-se também e sobretudo em relação à aproximação que Lopes-Graça fomentou entre duas gerações diferentes, historicamente separadas por divergências no plano estéti- co. E esta aproximação pressupunha agora o reestabelecimento de uma unidade - não ho- mogeneidade - à nível estético e ideológico para a música brasileira. Além disso, Lopes- Graça era um importante interlocutor, assim como foi Curt Lange na década de 1940, na medida em que favorecia a difusão, no velho continente, das ideias (publicadas na Gazeta Musical) e das músicas (interpretadas na programação dos Concertos Sonata) dos composi- tores brasileiros.
Não obstante, como dito na introdução do nosso trabalho, a intensificação deste intercâmbio se configurou a partir de diferentes interesses e necessidades, dentre eles o
desejo de Lopes-Graça de se transferir para o Brasil. Não podemos ignorar ainda o fato de

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que o que acontecia aqui era, para o músico português, um argumento para rever atitudes e posições enquanto artista. Além do mais, o dinamismo das atividades musicais no Brasil ajudou Lopes-Graça a definir, segundo CASCUDO (1999), os “contornos, à maneira de um espelho, da sua avaliação da prática musical portuguesa”. Embora tais aspectos nos estimu- lem a refletir sobre a forma como este trânsito cultural repercutiu diretamente na trajetória do compositor português, restringimos aqui o nosso olhar sobre este primeiro documento - a Conversa com Fernando Lopes Graça - buscando extrair dele informações novas acerca de um tempo histórico não muito distante, marcado por interseções e rupturas, e ainda mere- cedor de particular atenção por parte da musicologia brasileira.

Notas

1 O presente artigo insere-se no âmbito de um projeto de pós-doutorado, desenvolvido em 2010 e parte de 2011 no Centro de Estudos em Sociologia e Estética da Música (CESEM) da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e no Museu da Música Portuguesa, sob a supervisão de Mário Vieira de Carvalho e com apoio da FCT. Dentre seus objetivos, interessava-nos investigar a forma como os movimentos musicais produzidos no Brasil – entre 1930 e 1950 – dialogaram com a música em Portugal, a partir da trajetória dos compositores Fernando Lopes-Graça (Portugal) e César Guerra-Peixe (Brasil), bem como as motivações político-culturais que conduziram este diálogo.

2 Meses antes de sua morte, em 27 de novembro de 1994, Lopes-Graça doou todo seu Espólio ao Museu da Música

Portuguesa.

3 Importante trabalho a respeito da correspondência luso-brasileira é o artigo de Ricardo Tacuchian intitulado

Relações da Música Brasileira com Lopes-Graça, de 2004. Ver bibliografia.

4 Até o presente momento foi-nos possível conhecer somente as cartas recebidas por Lopes-Graça.

5 Os nomes de H.J.Koellreutter e Curt Lange constam da lista de correspondentes brasileiros por estarem intimamente relacionados à historiografia musical brasileira do século XX.

6 A Gazeta Musical, posteriormente denominada Gazeta Musical e de todas as Artes, foi um periódico mensal, criado por sócios da Academia de Amadores de Música de Lisboa, em 1950, como um “órgão defensor dos interesses da música, em todos os seus aspectos, dos mais modestos aos mais eruditos, desde que, de fato, representem a verdadeira arte, e portanto o melhor meio de promover o mais importante de todos os progressos humanos: o intelectual, pois que o próprio progresso moral do intelectual depende, como a história nos ensina”. Trecho extraído do número que inaugura a Série. Lisboa, 15 de outubro de 1950.

7 Não conseguimos, até o presente momento, localizar a data exata em que esta entrevista foi publicada no Jornal de Letras. Apenas pudemos averiguar que foi entre abril e agosto de 1951, segundo cartas de Mozart de Araújo a Lopes-Graça, enviadas em 25 de abril de 1951 e em 21 de setembro de 1951.

8 Neste artigo o compositor brasileiro denuncia Hans-Joachim Koellreutter de copiar trechos do livro Música e Músicos Modernos (1943) de Fernando Lopes-Graça, e publicá-los como sendo de sua autoria no artigo Música Brasileira, de 1946, lançado pela Revista Música Viva.

9 Sobre a Carta Aberta e o movimento Música Viva, ver NEVES (1981), KATER (2001), EGG (2004), ASSIS (2006).

10 Vale observar que em 1948, Cláudio Santoro, Luís Heitor e Arnaldo Estrela já haviam conhecido Lopes-Graça em Paris e unidos pela militância no Partido Comunista, participaram juntos do Congresso de Praga, fato que corroborou também para o estreitamento das relações entre eles (CASCUDO, 1999).

11 O termo música rústica é empregado por Lopes-Graça em analogia às práticas musicais populares de seu país.

12 Expressão utilizada frequentemente por Guerra-Peixe em cartas a Curt Lange em referência ao uso excessivo de certos procedimentos comuns na música nacionalista como o emprego constante da célula rítmica: .

13 Na carta não há indicação do local onde ela foi escrita.

14 Grifos do compositor.

15 O desenvolvimento de um pensamento musical autônomo baseado no folclore ao qual Lopes-Graça se refere corresponde ao que Mário de Andrade idealizou como terceira etapa do percurso que os compositores brasileiros deveriam necessariamente atingir, a fase da “inconsciência nacional” (ANDRADE, 1972).

16 Carta localizada no Acervo Mozart de Araújo no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.

17 Grifo nosso.

18 A partir de agora, todas as citações entre aspas e blocadas referem-se à fala de Lopes-Graça no documento que estamos analisando, salvo quando outro documento for mencionado, o qual terá sua devida referência.

19 Segundo CARVALHO (2006), Lopes-Graça adotou em suas composições um método crítico ao trabalhar sobre o material musical popular buscando uma atitude de problematização, uma espécie de equilíbrio entre identificação e estranhamento, estimulando, também do lado da recepção, uma atitude crítica.

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20 Durante sua fase dodecafônica (1944-1949), Guerra-Peixe tentou conciliar música popular com a técnica dos doze sons, através do seu projeto da “cor nacional”. À medida que o compositor tentava “nacionalizar” o dodeca- fonismo, ia se afastando cada vez mais de seus princípios básicos, e se convertendo, naturalmente ao nacionalis- mo (ASSIS, 2006).

21 Ao contrário do tom aparentemente neutro de Lopes-Graça, na Gazeta Musical de outubro-novembro de 1953 encontramos uma nota do crítico Manuel Dias da Fonseca que diz: “as afirmações de um Guarnieri ao fazer corresponder o dodecafonismo ao abstracionismo na pintura, e ao charlantanismo na ciência, são do mais ridículo que é possível conceber-se” (p. 172).

Referências

ARAUJO, Mozart de. Conversa com Fernando Lopes-Graça. Gazeta Musical e de todas as Artes, Lisboa, n.19, p. 6-7, 1952.

ASSIS, Ana Cláudia de. Compondo a Cor Nacional: conciliações estéticas e culturais na música dodecafônica de César Guerra-Peixe. Per Musi, Belo Horizonte, n.16, p. 33-41, 2007.

. Fernando Lopes-Graça. Espelho de um Tempo. Revista Estúdio, Lisboa, v.2, n.3, p. 57-62,

2011.

. Os Doze Sons e a Cor Nacional: Conciliações estéticas e culturais na produção musi- cal de César Guerra-Peixe (1944-1954). Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, 2006. Belo Horizonte, 268p.

CARVALHO, Mário Vieira de. Pensar a Música, Mudar o Mundo: Fernando Lopes-Graça. Lisboa: Campo das Letras, 2006. 267p.

CASCUDO, Teresa. A Configuração do Modernismo Musical em Portugal através da Acção de Fernando Lopes-Graça. Disponível em: <http://www.campusvirtual.unirioja.es/titulaciones/ musica/fotos/TCascudo_ConfiguracModernismo.pdf. 2004>. Acesso em: 20 de agosto de 2011.

. Brasil como tópico, Brasil como espelho, Brasil como argumento: as relações de Fernando Lopes-Graça com a cultura brasileira. Disponível em: <http://www.revista.akademie-brasil-eu- ropa.org/CM66-01.htm>. 1999. Acesso em 20 de agosto de 2011.

EGG, André Acastro. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e

1950: o compositor Guerra Peixe. Dissertação de mestrado. 2004. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Curitiba. 243p.

KATER Carlos. Música Viva e H.J.Koellreutter: movimentos em direção à modernidade. São

Paulo: Atravez/Musa, 2001.

Lopes-Graça, Fernando. Apontamento sobre a canção popular da Beira-Baixa. Seara Nova, Lisboa, Ano XXVI, p. 51-54, 1947.

. Reflexões sobre a Música. Lisboa: Edições Cosmos, 1978. 264p.

NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1981. 200p. TACUCHIAN, R. Correspondência entre Guerra-Peixe e Lopes-Graça. Revista Música, São

Paulo, v.11, p. 97-110, 2006.

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2004.

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Correspondência pesquisada em Arquivos Públicos

ARAUJO, Mozart de. Carta a Fernando Lopes-Graça. Rio de Janeiro, 25 de abril de 1951. Espólio

Lopes-Graça. Museu da Música Portuguesa, Cascais, Portugal.

ARAUJO, Mozart de. Carta a Fernando Lopes-Graça. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1952. Espólio Lopes-Graça. Museu da Música Portuguesa, Cascais, Portugal.

GUERRA-PEIXE, César. Carta a Fernando Lopes-Graça. Recife, 09 de outubro de 1951. Espólio

Lopes-Graça. Museu da Música Portuguesa, Cascais, Portugal.

GUERRA-PEIXE, César. Carta a Francisco Curt Lange. Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1948. Acervo Curt Lange, Biblioteca Universitária da UFMG, Belo Horizonte.

GUERRA-PEIXE, César. Carta a Francisco Curt Lange. Rio de Janeiro, 11 de agosto de 1954. Acervo Curt Lange, Biblioteca Universitária da UFMG, Belo Horizonte.

GUERRA-PEIXE, César. Carta a Mozart de Araujo. Recife, 08 de março de 1950. Acervo Mozart de Araújo, Centro Cultural do Banco do Brasil, Rio de Janeiro.

SANTORO, Cláudio. Carta a Fernando Lopes-Graça. 02 de agosto de 1948. Museu da Música

Portuguesa, Cascais, Portugal.

Ana Cláudia Assis - Pianista, Professora Adjunta da Escola de Música da UFMG, Doutora em História (UFMG/ Université Le Mirail - FR) e Mestre em Práticas Interpretativas da Música Brasileira (UNI-RIO), concluiu, em 2011, Pós-Doutorado junto ao Centro de Estudos em Estética e Sociologia da Música na Universidade Nova de Lisboa da (CESEM-UNL). Desenvolve projetos de pesquisa buscando conciliar a prática musicológica com a prática interpre- tativa. Como intérprete, dedica-se à interpretação da música contemporânea realizando, constantemente, concertos no Brasil e na Europa.


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