Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 199p., n.2, 2013

PACHECO, A. J. V.; PINTO, R. M. Os hinos de D. Pedro I e Marcos Portugal: em busca de paradigmas.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.2, 2013, p. 136-167

os hinos de d. pedro i e marcos portugal: em busca de paradigmas

Alberto José Vieira Pacheco (CESEM, Universidade Nova de Lisboa, Portugal)

apacheco@post.com

Rui Magno Pinto (CESEM, Universidade Nova de Lisboa, Portugal)

ruimagnopinto@gmail.com

Resumo: O compositor Marcos Portugal (1762-1830) e o imperador brasileiro D. Pedro I (1798-1834) estão entre os mais importantes cidadãos luso-brasileiros. Dentro de seu respectivo campo de ação e influência, foram figuras de grande destaque no seu tempo. Além de contemporâneos, a relação professor-aluno, respectivamente, tornou-os muito próximos, o que nos possibilita tecer uma teia de influências e relações musicais. O que se pretende neste ar- tigo é analisar os hinos compostos por eles. Como veremos, estas composições estão entre os hinos luso-brasileiros mais importantes e longevos; afinal, algumas ainda são ouvidas regularmente por terem mantido o estatuto de hino oficial ou nacional. Nosso esforço em tipificar e analisar estas obras visa descrever possíveis paradigmas do cancio- neiro militar e político de ambos os países, bem como dar início a um trabalho que busca identificar as tópicas mu- sicais e literárias presentes nos hinos luso-brasileiros de maior sucesso.

Palavras-chave: Hinos festivos e políticos do período monárquico; Música luso-brasileira no século XIX; Marcos

Portugal; D. Pedro I do Brasil; Topoi musicais e literários.

The hymns of D. Pedro I and Marcos Portugal: seeking paradigms

Abstract: The composer Marcos Portugal (1762-1830) and the Brazilian emperor D. Pedro I (1798-1834) are among the most important Luso-Brazilian citizens. Within their respective field of action and influence, they were figures of eminence in their time. Besides being contemporaries, their teacher-student relationship, respectively, made them very close, which enables us to weave a web of musical influences and relations. The aim of this article is to present the anthems composed by them. As we shall see, these compositions are among the oldest and most important Luso- Brazilian anthems. After all, some of them are still heard regularly, for having kept the status of official or national anthem. Our efforts to classify and analyze these works aims to describe possible paradigms of the military and po- litical repertoire of both countries, as well as initiate a work that seeks to identify the musical and literary topics present in the Luso-Brazilian anthems.

Keywords: Political and festive hymns of the monarchic period; Luso-Brazilian nineteenth century music; Marcos

Portugal; D. Pedro I of Brazil; Literary and musical topoi.

Introdução

Tanto o imperador brasileiro D. Pedro I (1798-1834), quanto o compositor Marcos Portugal (1762-1830) podem ser colocados entre os mais importantes cidadãos luso-brasilei- ros. Ambos nasceram em Portugal, mas, com a independência do Brasil, tornaram-se tam- bém cidadãos do novo país. Marcos Portugal foi um dos mais importantes compositores portugueses de todos os tempos e é figura incontornável na história da música brasileira entre 1811 e 1830, período no qual atuou como compositor da Real Capela do Rio de Janeiro, entre outras atividades de primeira linha1. Por sua vez, D. Pedro permaneceu na história de ambos os países como o “Libertador”, afinal tornou o Brasil independente; libertou Portugal do regime absolutista; e foi defensor do constitucionalismo em ambos os lados do atlânti- co, sendo um dos principais responsáveis pelo estabelecimento da monarquia constitucio- nal – isto só para citar algumas das ações que justificam seu epíteto. No entanto, pouco se fala sobre sua atividade como músico apesar de ter sido instrumentista, cantor e composi- tor2. Se uma pesquisa mais aprofundada aguarda ser feita antes de termos noção exata do valor e das qualidades do músico imperador, este texto pretende ser um contributo no que diz respeito aos hinos compostos por ele, certamente as peças mais importantes e influen- tes de sua produção musical.

Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 199p., n.2, 2013 Recebido em: 23/01/2013 - Aprovado em: 09/02/2013

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D Pedro e Marcos Portugal compuseram vários hinos, alguns deles entre os mais importantes da história-luso brasileira. Este artigo tem como objetivo analisar e tipificar estas composições3. Antes de mais, é preciso salientar que Marcos Portugal tinha como uma de suas tarefas oficiais ser o mestre de música dos príncipes da família real portu- guesa/brasileira. Assim, foi o principal professor de música de D. Pedro. É claro que esta relação professor/aluno criou laços estético-musicais muito estreitos entre os dois, o que justifica perfeitamente nossa intenção de apresentar e analisar seus hinos em conjunto – para além, obviamente, de estarem muitas vezes relacionados a uma mesma conjuntura histórica.

1. Hinos de Marcos Portugal com partitura conhecida4

Tabela 1: Hinos de Marcos Portugal com partitura conhecida.

Composição

Título5

1809?

Hino da Nação Portuguesa6 [Hino Patriótico; do Príncipe; de D. João VI]

1808-13

Hino de agradecimentos a Lord Wellington

1817

Hino para a feliz aclamação de S. M. F. o Senhor D. João VI

1822

Hino da Independência do Brasil

Também resta notícia sobre um Retro Hino7, citado pelo compositor em sua “Relação Autógrafa” de obras (Portugal in PORTO-ALEGRE, 1859), contudo, esta partitura tem paradeiro desconhecido. Levanta-se a hipótese de que se tratasse de uma primeira ver- são do hino de 1809, o que aguarda confirmação documental8. Com alguma extrapolação, seria possível associar a esta lista a Cantata em Louvor de Lord Wellington9 para voz e pia- no, uma vez que esta composição em muito se assemelha a um hino. No entanto, deixare- mos a análise e apresentação desta cantata para a ocasião em que publicarmos sua edição moderna. No entanto, para preservar o rigor do trabalho deixaremos esta composição fora da lista de hinos. Dentre estes hinos, o Patriótico e o da Independência mereceram foros de “nacional”.

2. Hinos de Dom Pedro com partitura conhecida

Tabela 2: Hinos de D. Pedro com partitura conhecida.

Composição

Título10

1817

Hino [a D. João]

1821

Hino Constitucional (ou da Carta)

1822

Hino à Independência do Brasil (ou Imperial e Constitucional)

1832

Hino Novo Constitucional (da Amélia, ou de D. Pedro IV)

A esta lista poderíamos incluir o Hino Maçônico Brasileiro. No entanto, não há consenso acerca do autor do referido hino. Seja como for, justamente por estar relativa- mente restrito aos círculos maçônicos, o hino teve pouca repercussão social e importância menor na história dos hinos luso-brasileiros, pelo que resolvemos excluí-lo deste trabalho, pelo menos até que seja possível localizar fontes que confirmem sua origem11. Dentre es- tes hinos, o Constitucional, o da Independência e o Novo Constitucional mereceram foros de “nacional”.

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3. Tipificando e caracterizando os hinos

Tendo em vista sua função, podemos dividir os hinos em dois grandes grupos. Como é evidente, as fronteiras entres estes conjuntos são tênues e algumas composições guardam características de ambos. Seja como for, de forma geral, os hinos luso-brasileiros podem ser confortavelmente situados em um dos grupos:
1) Hinos Festivos ou Cerimoniais: Temos aqui hinos cuja função primeira é ce-
lebrar figuras ilustres ou datas importantes da família real, o que muitas vezes passa pela própria representação de poder. Têm a mesma função dos elogios tão comuns nos teatros luso-brasileiros daqueles dias12 e, como eles, são indissociáveis de personalidades, efeméri- des, ou ocasiões muito específicas. Na verdade, toda a produção ocasional dramático-mu- sical dos teatros luso-brasileira costuma ser finalizada com um hino festivo especialmente composto para a respectiva celebração, ou toma emprestados hinos que alcançaram algum sucesso ou oficialidade.
Dentre as composições apresentadas aqui, fazem parte deste grupo os hinos a Lord Wellington e à Aclamação de D. João VI de Marcos Portugal. Nenhum destes exem- plos permaneceu no repertório. Afinal, por seu caráter mais conjuntural e personalizado, estes hinos acabam por ter vida breve, apesar de alguns deles emprestarem às respecti- vas solenidades um carácter monumental e pomposo como é o caso do Hino à Aclamação. Este é um exemplo perfeito de como um hino pode ser usado como ferramenta de repre- sentação do poder real. Da mesma forma, o poema do Hino a Lord Wellington não apre- senta um forte carácter militar e limita-se a festejar o herói em questão, o que se reflete na escrita musical. A linha vocal, por exemplo, é um perfeito cantábile, sem os acentos nos tempos fracos, característicos dos hinos militares e heroicos. Além disto, a composição vai além do canto silábico e apresenta algumas passagens melismáticas a duas vozes, o que a aproxima mais de uma produção de câmara, do que de um hino a ser cantado pela comunidade em geral.
2) Hinos de Propaganda Político-militar: Enquadram-se aqui composições de ca-
ráter exortativo, com clara componente ideológica e política. Usados como ferramentas de persuasão, esses hinos buscam introduzir e disseminar ideias, situando-se dentro do uni- verso da propaganda e dos estudos de comunicação social13. A música, para além de ressal- tar a componente emotiva do poema, facilita a repetição e memorização do texto, graças ao próprio ato de cantar. Por apresentarem elementos ideológicos que estão direcionados ao estado ou à sociedade como um todo, estas composições tendem a ser mais longevas que os hinos do primeiro grupo. Por não estarem tão vinculados a uma personalidade, alguns conseguem dignidade de “hino nacional” quando parte importante desta sociedade passa a reconhecer neles a voz de seus anseios patrióticos. Na verdade, se tivermos em conta o desenvolvimento dos movimentos nacionalistas, como analisado por Benedict Anderson (2005), este hinos são fundamentais no processo de estabelecimento e afirmação das na- ções modernas. Não é por acaso, portanto, que os hinos nacionais ganham força à medi- da que os estados dinásticos do antigo regime são postos em cheque pelos nacionalistas constitucionais.
Neste grupo podemos situar toda a produção de D. Pedro14 e o Hino Patriótico e o da

Independência de Marcos Portugal. Graças a seu vínculo com a nação ou com uma ideolo- gia, hinos deste grupo podem ser bastante longevos. Por exemplo, o Hino da Independência de D. Pedro e o Patriótico de Marcos Portugal continuam sendo executados de forma oficial no Brasil e em Portugal respectivamente.

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Como já foi dito estes hinos são efetivos quando conseguem ser memorizados e re- petidos pela população. Assim, eventuais dificuldades melódicas originais são saneadas à medida que o hino ganha disseminação e oficialidade. Além do forte caráter militar e exortativo, esses hinos precisam ser escritos de forma acessível, com uma escrita vocal se- dutora, de fácil apreensão. Têm, portanto, um carácter menos cerimonial ou solene, explo- rando elementos burgueses e populares. Por exemplo, o Hino da Amélia tem secções onde texto e melodia são repetidos seguidamente – os versos “Nobre esforço que a honra dirige / Vai de Lisia a desgraça acabar” são reiterados com a melodia praticamente igual nos com- passos seguintes.
Determinados estes dois grandes grupos, podemos passar a uma caracterização dos hinos ao nível dos detalhes, das características musicais e poéticas comuns, ou seja, dos to- poi que acabam por estabelecer o estilo desta produção.

3.1 Descrição analítica dos hinos

3.1.1 Topoi nos hinos de Marcos Portugal e D. Pedro

Malgrado a parca existência de termos técnicos de andamento e carácter legados pelos compositores no texto musical dos hinos em análise, julgamos adequado o seu es- tudo enquanto útil e inequívoca indicação dos caracteres intuídos pelos mesmos. Marcos Portugal especificou Andante Imperioso no Hino de agradecimentos a Lord Wellington, Allegro Maestoso no Hino para a Feliz Aclamação de S. M. F. O Senhor D. João VI e Maestoso no Hino da Independência do Brasil; por sua vez, D. Pedro indicou Marziale no Hino Constitucional e Maestoso no Novo Hino Constitucional. À parte as indicações de andamento, a recomendação clara do carácter da obra é sugerida pela adição dos ter- mos Maestoso, Imperioso e Marziale, enquanto o carácter de alguma das suas secções ou de alguma frase ou motivo é determinado por étimos ocorrentes, tais como expressi- vo e dolce.
Socorremo-nos do Diccionário Musical de outro luso-brasileiro, o compositor, trata- dista e lexicógrafo Rafael Coelho Machado, publicado em 1842, cerca de uma década após a estreia do último hino de D. Pedro:

A Maestoso, adj. Magestoso; estilo grandioso e elevado. Maestá, s.f., majestade; con maestá; estilo nobre e grandioso. Imperioso, a, adj., execução imperiosa, arrogante.

Marziale, adj, marcial; expressão arrogante, ataque vigoroso, movimento marcado.

Marcia, s.f. ital. Marcha; aria militar de um ritmo pronunciado. O carácter desta música deve sempre ser análogo e apropriado à ocasião.

Marcha, peça militar, em compasso quaternário chama-se marcha grave, em binário passo dobrado. Militarmente, adv. com majestade; carácter e estilo da marcha militar; execução arrogante. Espressivo, a, adj., execução clara e distinta.

Espressione, s.f., expressão; con espressione, com expressão.

Dolce, Adj., doce; expressão doce e suave. Dolcemente, adv. com doçura, suavemente. Dolcezza, s.f., doçura; con dolcezza, com suavidade. Dolcissimo, a, adj. super. de dolce, muito doce.

Curiosamente, entre os termos técnicos utilizados e outros a eles associados obser- va-se alguma inter-relação. Então veja-se: marziale, imperioso e militarmente indicam, res- pectivamente, expressão e execuções arrogantes. Militarmente, por sua vez, resume mar-

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ziale, marcia, marcha, alla marcia e alla militare. Militarmente é o carácter e estilo da marcha e refere-se a uma – “ária” – “militar”, cujas características expressivas são “ritmo pronunciado”, “ataque vigoroso”, “movimento marcado”, de execução “arrogante”, e cujo carácter deve ser “análogo e apropriado à ocasião”. Por outro lado, militarmente indica igualmente com majestade, o que nos leva a concluir que o primeiro termo se correlaciona com este último, descrito como estilo nobre, grandioso e elevado. Ainda que não seja indi- cado por nenhum dos compositores, o advérbio militarmente surge como analogia ou sín- tese de todos aqueles indicados. Tais entradas adverbiais em língua italiana, referentes a estilos, são aquelas mais próximas à noção de topoi;15 conclui-se pois que Machado, nesta entrada específica, fazia menção ao que entendemos como “estilo militar”. Tomando como apuradas as suas definições, asseveramos que os termos técnicos de andamento e carác- ter utilizados pelos compositores indicam igualmente o estilo militar como carácter (to- pos) central dos seus hinos.
Vários termos são utilizados para sugerir que dolce requer uma interpretação ex- pressiva, “com doçura” e “suavidade”; espressivo, por sua vez, indica uma execução clara e distinta; todavia, tais indicações não nos oferecem um tão vasto esclarecimento. Não obs- tante, há uma relação de antinomia para com os adjetivos que descrevem os caracteres ge- rais da obra, ou, se assim entendermos, o estilo militar: por exemplo, uma “expressão doce e suave” é oposta ao “ataque vigoroso” e à “execução arrogante”. Desta análise podemos con- cluir que secções, frases ou motivos contrastantes, ou seja, outros topoi pontuam o carác- ter militar dominante dos hinos em análise. Este contraste assenta nos princípios composi- cionais de “unidade” e “variedade” vigentes na época, ou seja, a obra deve expor variedade que concorra para a unidade da obra. Por outro lado, o contraste pode resultar igualmente da utilização de topoi congéneres do carácter geral: por exemplo, o estilo de caça e o es- tilo militar estão associados a instrumentos da com a mesma morfologia e técnica de exe- cução, respectivamente, trompa e trompete; assim, os seus significantes partilham caracte- rísticas ao nível do contorno melódico e harmónico. Contudo, os contrastes entre topoi não explicam toda a diversidade frásica e motívica da obra: além destes, constrastes entre sub-

-tópicos do mesmo tópico podem promover variedade. Importa pois definir os sub-tópicos

do carácter dominante dos hinos, o estilo militar.

3.1.2 Significantes do estilo militar

Monelle (2006) discute profusamente o tópico estilo militar, concluindo que os seus significantes são os (sub-)tópicos sinal de clarim, fanfarra e marcha. Agawu (2009) classifi- ca os mesmos significantes como tópicos, determinando menos especificamente os toques de clarim, que parece considerar integrantes do tópico “figuras militares”. O estudo condu- zido sobre estes significantes16 tem permitido concluir, entre outros aspectos, que o seu uso na composição segue determinados parâmetros rítmicos comuns e relações melódicas pró- ximas, resultantes da morfologia e da técnica de execução do instrumentário de sopro, so- bretudo de vibração labial, ou seja, a grande maioria dos significantes do estilo militar faz uso de uma escrita idiomática própria para esta família instrumental, nomeadamente para o trompete.
Em resumo, os motivos rítmicos dominantes no estilo militar são: colcheia pon- tuada seguida de semicolcheia ou vice-versa; colcheia seguida de duas semicolcheias ou vice-versa; tercinas; quatro semicolcheias; figuras rápidas em staccato duplo ou staccato triplo. Estes últimos resultam de uma técnica comumente empregue pelos instrumentos

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de vibração labial (mas não só por estes): o ataque alternado de língua (L) e garganta (G), divisível em staccato duplo – LG – e staccato triplo – LLG. O uso contínuo deste último tipo de staccato pode ser considerado como característica rítmica distintiva do tópico no- ble horse.17

Figura 1: Excerto do toque de clarim “Assembleia” de [José Calhamar,] Os Toques de Guerra Concernentes aos Clarins dos

Regimentos de Cavalaria, 1797.

Figura 2: Toques n. 7 “Buscar os Estandartes” e n. 31 “ [Continência] Sendo Comandantes (...) em Toques de Estado e

Guerra de clarins e thinbales para o serviço da Cavalaria Ligeira dos Mandamentos Regulares, s.d.

Figura 3: Toques n. 5 “Fogo”; n.7 “Retirada”; n. 11 “Inclinar à direita; s.n em Instrucções para o exercicio dos regimentos de infanteria por ordem do (...) Senhor Guilherme Carr Beresford, Marechal e Commandante em chefe dos exércitos; com a approvação de Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal, 1810.

A distinção entre os sub-tópicos toque de clarim, fanfarra e marcha manifesta-se sobretudo através do parâmetro melódico. O toque de clarim e a fanfarra, primordialmen- te executados por instrumentos de sopro de metal sem chaves ou pistões – a trompete na- tural (vulgo trombeta), o clarim e a corneta – fazem apenas uso dos sons naturais da série dos harmónicos.

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Resumimos adiante os harmónicos utilizados nas coleções de toques de clarim e corneta em depósito na Biblioteca Nacional de Portugal, no Arquivo Histórico Militar e na Biblioteca da Academia Militar:

Coleção

Data

Dep.

Âmbito

Toques de Estado e Guerra de clarins e thinbales para o serviço da Cavalaria Ligeira dos Mandamentos Regulares18

[s.d.]

AHM

Ré: [3-8] ou oitava;

8-13: registo clarino

[José Calhamar], Os Toques de Guerra concernentes aos Clarins dos Regimentos de

Cavalaria

1797

AHM

Ré: [2]-3-6, 8, 10

Instrucções para o exercicio dos regimentos de infanteria por ordem do (...) Senhor Guilherme Carr Beresford, Marechal e Commandante em chefe dos exércitos; com a approvação de Sua Alteza Real o Principe Regente de Portugal19

1810

BNP

Dó (convenção)20 2-6

Toques de Clarim regulamentados [por decreto de 6 de Março de 1816 do Príncipe Regente D. João no Rio de Janeiro] e publicados no Regulamento para a Disciplina e Exercício dos Regimentos de Cavalaria do Exército, 1825

1816

1825

BAM

Dó (convenção): 3-6, 8-11

[Toques] Estampa21

[18--]

AHM

Dó (convenção): 3-6, 8-11

Toques de campo que se fazem com a corneta

Toques de Quartel que se fazem com o clarim

[18--]

AHM

Sol: 2-6

Dó (convenção): 3-6, 8-11

[Toques], Espólio General Ribeiro Artur

[Bartolomeu Sezinando] Ribeiro Artur (1851- 1910)?

[18--]

AHM

Dó (convenção): 3-6, 8-11

Tabela dos toques de Clarim do Regulamento para os Exercícios, Manobras e outras instruções dos Corpos de Artilharia do Exercito Portuguez

1837

1842

BAM

Dó (convenção): 3-6, 8.

António Meneses, Marchas de cornetas

186-

189-

BNP

Dó (convenção): 2-6

Regulamento para a instrucção táctica da Cavalaria

1891

BNP

Dó (convenção): 2-6

Regulamento geral para o serviço dos corpos do Exército

1896

BNP

Dó (convenção): 2-6

Artur Fão, Exercícios para caixa de guerra e clarim

1951

BNP

Dó (convenção): 3-11

Apenso ao regulamento geral do serviço nas unidades do Exército “Toques e sinais de corneta e de clarim”

1986

BNP

Sol: 2-6

Dó (convenção): 2-6

A maioria dos toques de clarim ou corneta faz uso destes harmónicos:

Figura 4: Harmônicos utilizados nas colecções de toques de clarim do período em estudo.

Das coleções de toques citadas, três foram utilizadas no período cronológico em es- tudo. A coleção de 1797 faz uso dos harmónicos 2 a 10. Por sua vez, a colecção decretada em
1810 têm um âmbito mais reduzido, compreendido entre os harmónicos 2 a 6. A colecção de toques decretada em 1816 recorre, regra geral, aos harmónicos 3 a 8.22 Porém, num dos toques desta colecção faz-se uso dos harmónicos 3 a 6 e 8 a 11:23

Figura 5: Toque “Limpeza” em Toques de Clarim regulamentados e publicados no Regulamento para a Disciplina e

Exercício dos Regimentos de Cavalaria do Exército, 1825.

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O uso destes harmónicos num toque regular e do quotidiano militar – Limpeza - leva-nos a considerar como âmbito do toque de clarim a combinação adequada, eufórica ou disfórica24, de padrões intervalares compreendidos entre os harmónicos 2, 3, 4, 5, 6, 8, 10 e
12 (oitava do harmónico 6, que integra a maioria dos toques utilizados).
O sub-tópico fanfarra consiste na disposição harmónica dos intervalos compreen- didos na série de sons naturais; para este consideramos o mesmo âmbito intervalar dos to- ques de clarim.
No que concerne ao sub-tópico marcha, importa ressalvar a existência, desde o século XVII, de diversas variantes, tais como o pas ordinaire (Ordinair-Marsch; ordinary march), o pas de routte (Manövrier-Marsch), o pas redoublé (Dopplier-Marsch; quick-step).25
Podemos confirmar na coleção de toques de clarim de 1797 que em Portugal a “marcha gra- ve”, equivalente ao passo ordinário, era executada a 60 passos por minuto (ppm); por sua vez, o passo dobrado era executado a 90 ppm. Todavia, em 1810, aquando da reestruturação do Exército por Beresford, foi determinado que as cadências de marcha das manobras se- guissem as regulamentações britânicas, estipuladas em 1798: o passo ordinário a 75 ppm, o passo dobrado a 120 ppm e o passo dobrado ligeiro ou acelerado a 150 ppm.26 Segundo Pedro Marquês de Sousa, a aplicação das cadências tácticas britânicas influenciou os an- damentos utilizados posteriormente para a marcha musical, nomeadamente para o passo ordinário e passo dobrado. Por ora, note-se que os andamentos dos hinos em análise se en- contram em conformidade com aqueles descritos para a marcha.
O sub-tópico marcha não partilha as características melódicas distintivas do toque de clarim e da fanfarra, pois está associado a efetivos de “música alta” – as madeiras – que não se encontram limitados pelo uso da série dos harmónicos. Assim, o que o caracteriza é sobretudo o parâmetro rítmico acima descrito. Contribui também para a sua identificação o uso de tonalidades em modo maior e os percursos harmónicos de tipo “classicizante”: re- lações tónica-dominante e as inflexões harmónicas à tonalidade da subdominante e domi- nante. Por fim, o género marcha (tal como algumas danças de salão oitocentista) reteve do minueto o contraste de carácter, tonalidade e dinâmica entre a secção central (A) e o trio (B). Nas marchas, a secção trio faz uso do tópico stilo cantabile, que pode ser sucintamente descrito como a composição de contornos rítmico-melódicos próprios para o canto27.
A capacidade retórica da tonalidade foi deste muito cedo afirmada pela tratadística europeia28: Schubart (1806) refere-nos que “Ré Maior [é] a tonalidade do triunfo, dos alle- luias, dos choros de guerra, do júbilo da vitória. Assim, as sinfonias convidativas, as mar- chas, as canções de feriado e os coros de júbilo celeste são escritos nesta tonalidade”, o que nos permite inferir que esta era a tonalidade correntemente associada ao estilo militar na época e local de escrita do autor.29 Importa referir que esta associação adviria possivelmente da habitual (mas não exclusiva) afinação das trompetes em ré nos estados alemães; a outra afinação possível é mib. 30
É sabido que para a constituição da Charamela Real Portuguesa – o agrupamento de “música alta” da Corte portuguesa constituído por 24 trombeteiros e 4 timbaleiros – D. João V contratou músicos e instrumentário oriundos dos estados alemães. O repertório para este agrupamento faz corrente uso de conjuntos de trompetes afinados em mib e sib, o que nos sugere a utilização de afinações como Mib, Fá ou Sib para este instrumentário. O uso contí- nuo destas afinações até à centúria seguinte é confirmado pela Colecção de Pequenas Peças de Muzica a Instrumentos de Metal do fagotista Tiago Miler Calvet, composta em 1823, des- tinada às Reais Cavalariças – instituição da Corte sucedânea da Charamela Real – que re- quer clarins, trombones e timbales, afinados em mib, sib, lá e fá. Todavia, a afinação para o instrumentário de vibração labial não estaria determinada, pois as primeiras coleções de

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toques de clarim são escritas em ré; ainda que se use a denominação clarim, também se faz referência à trombeta, o que sugere que esta última era igualmente afinada, entre outras to- nalidades, em Ré. Só com a progressiva introdução do novo instrumentário de metal – de chaves e pistões - no decurso do século XIX é que se estabeleceria uma afinição definitiva, sobretudo sib, mas também dó e lá (para cornetim).
O restante instrumentário (as madeiras) também era construído em diversas tonali- dades: a flauta terça em mib, a flauta em dó, os clarinetes em mib, dó, sib e lá, os oboés em dó. Por conseguinte, a afinação do instrumentário de sopro utilizado nos agrupamentos de sopro centrava-se, com exceções, à volta de sib e mib. Com vista a facilitar a execução mu- sical, as obras compostas para este agrupamento fizeram e ainda fazem sobretudo uso de tonalidades com bemóis.31
Face ao exposto, importa notar que, no caso português, a tonalidade de Mib Maior é, já desde o século XVIII, associada às características descritas por Schubart para o esti- lo militar. O estabelecimento das afinações do instrumentário de sopro em torno de sib e mib no decurso do século XIX e a resultante escolha frequente de tonalidades com bemóis para facilitar a execução sedimentaram esta associação; parafraseando Schubart (1806): Resultado das transformações na afinação do instrumentário de sopro, Sib Maior, Mib Maior, Fá Maior, etc., tornaram-se tonalidades “do triunfo, (...) do júbilo da vitória, (...) das marchas”. Note-se porém que a tonalidade é entendida como parâmetro contributivo do es- tilo militar aquando da existência de outros que, pelas suas características, corroboram a utilização deste significante. Fruto da profusão de afinações do instrumentário de sopro, da perda de algumas das associações retóricas à tonalidade e da sua livre escolha pelos com- positores, esta não pode ser tida como característica distintiva e indispensável ao estilo mi- litar; é um parâmetro somente corroborativo.

3.1.3 Análise dos Hinos de Marcos Portugal e D. Pedro

Marcos Portugal

Hino da Nação Portuguesa (Hino Patriótico; do Príncipe; de D. João VI)

O Hino Patriótico encontra-se estruturado em três secções: introdução instrumen- tal; 1ª estrofe; 2ª estrofe. A introdução instrumental é divisível em 2 subsecções. A 1ª sub- secção é caracterizada pela seguinte construção frásica: membro de frase a, membro de frase b, membro de frase a, membro de frase c. Os três primeiros membros de frase são com- postos segundo os preceitos do sub-tópico marcha do tópico estilo militar. A ligação entre o membro de frase antecedente e o seu congénere consequente é realizada mediante o uso de um outro tópico, alla zoppa.32 O quarto membro de frase sugere o uso do tópico stilo canta- bile. Na segunda subsecção, um motivo ascendente e descendente em terceiras, em sub-tó- pico marcha, assenta sobre um toque de clarim com os harmónicos 2 e 3 (ou 4 e 6). A intro- dução é concluída por uma alusão a uma fanfarra, constituída por um toque de clarim, com os harmónicos 8, 6, 5 e 4; este motivo finalizará as secções seguintes.
Na segunda secção, à disposição temática abacd correspondem os versos 1, 2, 3, 4 e 4 da primeira estrofe. O período compreende dois segmentos frásicos, constituídos pelo mesmo membro de frase inicial; o verso final é repetido em carácteres distintos. No que concerne aos tópicos utilizados refira-se que o primeiro e terceiro membro de frase são con- cebidos enquanto alusão a um toque de clarim, com os harmónicos 6, 8, 9, 10 ou, se omi- tirmos uma semicolcheia, 3, 4 e 5. O segundo membro mantém o mesmo ritmo, mas o con-

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torno melódico não se presta a instrumentos naturais, sendo assim classificado enquanto marcha. O terceiro membro compreende stilo cantabile na primeira voz, com cláusula em sub-tópico marcha, enquanto na segunda voz se observa um toque de clarim com os harmó- nicos (6 e 8 ou 3 e 4). O quarto membro de frase é composto em sub-tópico marcha. Sucede- lhe a cláusula final, similar à da introdução.
No que diz respeito à terceira secção - segunda estrofe –, importa sublinhar que enquanto o primeiro dístico mantêm uma construção frásica, o segundo assenta sobretudo numa construção motívica. Sugerimos como disposição para o primeiro dístico a estrutu- ra musical aa’. A primeira frase musical, destinada ao primeiro verso é concebida no sub-
-tópico marcha, sendo iniciada por uma sexta que pode ser incorporada nos harmónicos constituintes dos toques de clarim; a mesma frase é depois variada, sem perder o carácter marcial, servindo o segundo verso. Dois motivos em sub-tópico marcha, em ritmo similar (colcheia pontuada semicolcheia semínima, semínima), mas de contorno melódico descen- dente conjunto e disjunto, respectivamente, servem o terceiro verso. Dois outros motivos, de novo com o mesmo ritmo, mas com contorno melódico conjunto ascendente e disjunto descendente, servem primordialmente o verso final. O último verso é repetido em stilo can- tabile, sendo reiterado duas vezes “ou morrer”. Aquando da reiteração, o texto é exposto em estilo militar, mas os intervalos utilizados (à parte a ornamentação) aludem ao significan- te toque de clarim; o motivo é, ainda assim, também uma fórmula comum na conclusão do repertório vocal, e, por esta razão, pode ser igualmente classificado como stilo cantabile. A orquestra pontua a recapitulação destas palavras com materiais musicais profusamente figurados, classificáveis como style brillant. Uma cláusula similar às restantes de final de secção conclui a peça.

Hino de agradecimentos a Lord Wellington

O Hino de Agradecimentos a Lord Wellington está estruturado em quatro secções: introdução instrumental, primeiro período, segundo período, e conclusão instrumental. A introdução instrumental apresenta diversas semelhanças com a secção congénere do Hino Patriótico. Esta secção compreende 2 subsecções. A 1ª subsecção é caracterizada pela cons- trução frásica motivo a, motivo b, motivo a, motivo c, motivo c’, com uso do sub-tópico mar- cha. A segunda subsecção tem uma construção em uníssono, em style brillant; a redução do motivo sugere um toque de clarim: harmónico 4, 6, 8,6,4 ou 2,3,4, 3, 2, cujo incipit é o mes- mo do Hino Patriótico. A cláusula está disposta em sub-tópico fanfarra, que pode ser cons- tituído por toque(s) de clarim.
O primeiro período segue também de perto a estrutura presente no Hino Patriótico. A primeira quadra é disposta em dois segmentos frásicos: dos cinco membros de frase em estrutura musical abcdd’, os dois primeiros constituem o segmento inicial, enquanto os res- tantes três, dada a repetição do verso final, perfazem o final. O primeiro membro de frase é escrito em sub-tópico fanfarra, ainda que numa prática pouco habitual. É necessário al- guma clarificação, e para esta, apropriamos dois conceitos da escrita para trompete natu- ral: clarino (a escrita nos registos médio, agudo e sobre-agudo, com recurso aos harmónicos superiores) e principale: (a escrita nos registo grave e médio, com recurso aos harmónicos inferiores; ao primeiro corresponde a linha melódica, e ao segundo o suporte rítmico-har- mónico.33 Estabelecemos este sub-tópico pois a escrita musical do primeiro membro de fra- se é idiomática para trompete natural, e poderá de facto ser realizada por um ensemble des- tes instrumentos; recorde-se a propósito, a Charamela Real activa em Lisboa na centúria anterior. A primeira voz esboça um contorno melódico próximo ao de clarino, constituída pelos harmónicos (6) 8 a 11. A segunda voz faz, com excepção de um caso, uso dos harmó-

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nicos 5 e 8, com incidência no registo médio. A terceira voz faz uso dos harmónicos 4 a 8, com incidência no registo grave-médio. O segundo membro de frase do primeiro segmento frásico segue uma construção semelhante, mas o contorno melódico das três linhas meló- dicas é agora concebido em graus conjuntos, não sendo executável por instrumentário de metal; assim, o segundo membro de frase é classificado como sub-tópico marcha. No tercei- ro membro de frase, o compositor procura recuperar o tópico de fanfarra usado no primei- ro membro de frase: a transposição para uma série de harmónicos sobre a fundamental fá permite identificar, na primeira voz, os harmónicos 8,7, 6, 5, 4, mas a cláusula final já não pode ser considerada como próxima à escrita baseada na série dos harmónicos; por outro lado, na terceira voz, é claro o uso dos harmónicos 4 e 6 (ou 2 e 4) de um instrumento afi- nado em Sib. Malgrado, a escrita da segunda voz, em graus conjuntos, não se aproxima de todo de uma escrita para instrumento de sopro natural em registo grave-médio. A qualidade dúbia deste membro de frase leva-nos a sugerir uma atribuição bipartida: por um lado, fan- farra, resultante do intuito de escrita para instrumentário de sopro manifesto no primeiro membro de frase, e, por outro, o sub-tópico marcha, mais consensual e adequado a todas as linhas melódicas do membro de frase. O quarto e quinto membros de frase, destinados ao verso “Graças a Wellesley”, são concebidos num tropo constituído por stilo cantabile e sub-
-tópico marcha, na tonalidade da dominante. Uma cláusula constituída pelos sub-tópicos fanfarra e toque de clarim conclui a secção.
O segundo período exibe, à semelhança do Hino Patriótico, uma escrita tanto frási- ca como motívica. O verso “Vós, ó filhas da memória” é exposto duas vezes: uma primeira, mediante o uso de um pequeno motivo em estilo militar (similar em ritmo aos identifica- dos no Hino Patriótico), distinguido pela harmonização; uma segunda, com uma frase as- cendente em stilo cantabile, com cláusula em sub-tópico marcha. O segundo verso dispõe igualmente um contorno melódico ascendente, iniciado pela célula típica do estilo mili- tar – colcheia pontuada semicolcheia – e concluído em suspensão; o acompanhamento or- questral é exclusivamente constituído pelo mesmo tipo de célula do estilo militar, o que nos permite classificar este membro frásico como sub-tópico marcha. Uma segunda sub- secção inicia-se após esta suspensão: um primeiro tema em estilo cantabile serve o terceiro verso, e precede a recapitulação dos membros de frase já utilizados para o verso “Graças a Wellesley” no primeiro período, agora na tonalidade geral. Após estes, o nome de Wellesley é duas vezes pronunciado, em pequenos motivos que podem ser classificados como sub-
-tópico toque de clarim, se não atendermos à ornamentação ou diminuições: o primeiro recorre aos harmónicos 6 e 5 e o segundo aos harmónicos 6, 3 e 4. O final da secção coral é seguido por uma conclusão instrumental, iniciada pelo primeiro motivo da introdução orquestral, mas que recorre depois a novos motivos, em style brillant e sub-tópico marcha. Uma cláusula idêntica àquela que finaliza o primeiro período, desta feita na tonalidade central, conclui a obra.

Hino para a feliz aclamação de S. M. F. o Senhor D. João VI

Cada estrofe do Hino para a Aclamação de D. João VI está estruturada em quatro secções: introdução instrumental e 1º dístico, 2º dístico, 3º dístico, mediados por intercala- ções instrumentais. Enquanto nos restantes hinos, cada secção corresponde habitualmente a uma estrofe, neste caso cada secção serve um dístico: o 3 dístico é comum a todos as es- trofes e tem função de refrão. Nos dois primeiros dísticos, observa-se a repetição do segundo verso e quarto verso; no refrão (3º dístico) a repetição do texto é profusa, correspondendo a “longo seja”, “é tão amado”. Após cada estrofe, é de novo apresentada a introdução orques- tral, como se de um Da Capo se tratasse.

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A introdução orquestral pode ser dividida em três subsecções: cada uma delas com- preende uma exposição temática/motívica realizada nas tonalidades central e da dominan- te, finalizada por uma ou duas cláusulas motívicas de carácter contrastante. A primeira subsecção é iniciada por um motivo (e sua repetição, na tonalidade da dominante) que, em nosso entender, tem como núcleo uma fanfarra, constituída por possíveis toques de clarim, aos quais foram adicionados ornatos inferiores e superiores e demais ornamentação. A pri- meira voz requer os harmónicos 8, 10, 12; a segunda e terceira vozes empregam os harmó- nicos 4, 5, 6; a quarta e quinta vozes utilizam a harmónicos (2, 4) à distância de oitava34. A repetição deste motivo consiste numa transposição quase linear à quinta inferior, com alte- rações relevantes: o âmbito melódico da primeira voz mantém-se, sendo requeridos os har- mónicos 8, 10, 12; o contorno melódico das vozes intermédias é todavia distinto: a segunda e terceira voz utilizam os harmónicos 5, 6, 8 e 10; a quarta e quinta voz utilizam agora o in- tervalo de quarta ascendente, compreendido entre o harmónico 3 e 4 ou 6 a 8. A primeira subsecção da introdução instrumental é concluída pelo mesmo sub-tópico, mas com duas fulcrais diferenças, cujo intuito visa à distinção com os motivos precedentes: o uso de uma célula rítmica distinta empregue também no “estilo militar”; não são identificados quais- quer contornos de toque de clarim (à exceção das vozes inferiores). Os harmónicos utiliza- dos são a fundamental ou harmónicos superiores correspondentes (2, 4) na terceira voz, o harmónico 9 e 12 na segunda e terceira voz; e os harmónicos 12 e 14 na primeira voz.
Poder-se-á obstar a esta leitura por diversas razões.35 Não obstante, mantemos esta
classificação de fanfarra, constituída por toques de clarim, atendendo ao conhecimento da prática da época: o efetivo instrumental poderia compreender instrumentos em diversas ti- pologias: trombetas, cornetas ou clarins, cuja afinação poderia distar uma oitava.36 De igual forma, as vozes mais graves poderiam ter sido realizadas por instrumentos como trompa, trombone, serpentão, ou oficleide, sem que o carácter do motivo fosse perdido.37 Por outro lado, a realização do motivo em tonalidades distintas é possível pela troca ora de instru- mento, ora de intérprete.38 Note-se que os significantes toque de clarim e fanfarra não per- dem a sua capacidade de correlação, apesar das constantes alterações necessárias do instru- mentário (a que se encontra associado) para a sua realização; o que os determina enquanto tópicos ou sub-tópicos são as relações intervalares típicas da série dos harmónicos existen- tes nos motivos/temas. É tampouco o uso deste significante em instrumentos não limita- dos pelo uso da série dos harmónicos que permite estas diversas combinações. Podemos as- sim tomar como provável que 1) Marcos Portugal terá concebido o motivo inicial enquanto alusão a uma fanfarra, resultante da combinação de toques de clarim constituídos, por um lado, pela fundamental e harmónicos correspondentes nas vozes mais graves, e por outro, pelos harmónicos 4 a 10 nas vozes superiores, que seria obrigatoriamente realizada por ins- trumentos de vibração labial de afinações diversas; 2) o seu intuito de reiteração/manuten- ção do carácter, mediante escolha de uma repetição quase linear do mesmo motivo, era exe- quível à luz da prática instrumental da época.
A segunda subsecção é constituída por um segmento frásico em estrutura abac. O parâmetro rítmico, de carácter marcial, é justaposto a um contorno melódico pontuado por graus conjuntos e intervalos amplos em expressão dolce e piano, sob processo harmónico complexo entre tonalidade central e homónimo menor, o que pode sugerir um tropo entre estilos militar e cantabile. Por ora, note-se a proximidade deste membro de frase com outro que surgirá adiante, para o texto “Longo seja o seu reinado”: este membro que aqui surge pode ser considerado como a variação e transposição à terceira superior do tema cantado. Outros sub-tópicos ocorrentes finalizam o segundo e quarto membros de frase, respectiva- mente, um toque de clarim na voz inferior e um “gesto de reverência” (movimento 2-1 na

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voz superior). Segue-se a cláusula da subsecção, um motivo em tercinas em staccato na voz superior, exposto à primeira vez em intensidade forte e à segunda vez em intensidade pia- no. É acompanhado, à primeira vez, pela célula rítmica colcheia semicolcheia em resolução dominante-tónica, e, à segunda vez, por colcheias staccato. A classificação deste motivo é assaz complicada: escolhemos, à falta de melhor, o tópico associado às cláusulas cadenciais, grosso modo, em percurso harmónico dominante-tónica – “hammer strokes”39 – tomando em conta que a tercina, constituída por um ornato, é uma diminuição. Assim, classificamos a primeira exposição do motivo como tópico “hammer strokes” finalizado com sub-tópico toque de clarim, acompanhado por células rítmicas de estilo militar; a segunda contém ape- nas o tópico “hammer strokes”.
A terceira subsecção é constituída por um segmento frásico e dois motivos, todos eles em diversos sub-tópicos do estilo militar. O segmento frásico, em estrutura abab, com- preende uma pequena marcha, com um membro de frase de contorno descendente, em per- curso harmónico tónica-dominante, e um membro de frase consequente de contorno har- mónico ascendente, no mesmo percurso harmónico. A primeira exposição é realizada em intensidade forte, com orquestração do acompanhamento em oitavas; a segunda, em inten- sidade piano assai, faz uso de uma orquestração mais contida, de textura menos densa. O acompanhamento, em intervalos de quinta descendente e quarta ascendente, pode igual- mente ser considerado um toque de clarim. Este segmento frásico é sucedido por um toque de clarim, constituído pelos harmónicos 6, 5 e 4, exposto na tonalidade central, em unísso- no, orquestrado em quatro oitavas e em intensidade forte assai. O terceiro motivo é uma fan- farra na tonalidade da dominante, com os harmónicos 8, 6, 5 e 4 nas vozes superior e média, e com harmónicos à distância de oitava (2º ou 4º) nas vozes graves. Este motivo é concluído por “hammer strokes”, na tonalidade da dominante.
O primeiro dístico, em estrutura abac, é composto igualmente em diversos sub-tó- picos do estilo militar, sob relações tonais de tónica-dominante e em intensidade forte as- sai. O primeiro e terceiro membros de frase correspondem ao primeiro dístico; todavia, no terceiro membro a apresentação temática é exclusivamente instrumental. O contorno rítmi- co-melódico deste membro de frase assemelha-se a um toque de clarim (com exceção das últimas duas notas) constituído pelos harmónicos 6 a 12. O segundo e quarto membros de frase são criados em sub-tópico marcha, com cadência em “gesto de reverência” (cf. “Rei”) nas vozes femininas. A reexposição da cláusula da segunda subsecção da introdução ins- trumental serve como intercalação entre dísticos.
O segundo dístico é igualmente exposto em sub-tópico marcha mas num percurso harmónico mais complexo: o primeiro verso deste dístico é exposto apenas uma vez, num percurso dominante-tónica para o homónimo menor. O segundo verso é utilizado extensi- vamente: à semelhança de outros hinos, Marcos Portugal recorre ao motivo rítmico caracte- rístico colcheia pontuada semicolcheia duas semínimas para a primeira exposição do texto poético “sem do tempo”; este motivo é repetido, tomando o lugar da última semínima uma mínima, prosseguindo então a exposição integral e reexposição do verso. A substituição da semínima pela mínima – bem como a inflexão ao III grau da tonalidade geral que a serve – gera uma combinação entre o sub-tópico marcha e o tópico alla zoppa que caracteriza todo o material musical utilizado para o segundo verso. A intercalação instrumental seguinte agrega a primeira exposição da cláusula da segunda subsecção da introdução instrumen- tal, em “hammer strokes” e estilo militar, com a fanfarra que finaliza a terceira subsecção da mesma introdução.
O refrão é iniciado por uma associação retórica clara entre os textos poéticos e musicais: em “longo seja”, o compositor recorre ao sub-tópico fanfarra, exposto em figuras

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de longa duração, precedidas pela célula rítmica colcheia pontuada semicolcheia. Os har- mónicos utilizados são: na primeira voz, 6º, 5º, 7º e 6º; na segunda voz, 5º, 4º, 6º e 5º; na terceira voz, 4º e 2º; na quarta voz; 2º. (À exceção do 7º e 2º harmónicos, todos os demais são utilizados nos toques de clarim). O acompanhamento orquestral é classificável como style brillant.
A segunda subsecção do refrão compreende um período constituído por duas fra- ses: o primeiro verso do refrão, e primeiro membro de frase, é exposto duas vezes e é carac- terizado por uma escrita em terceiras em sub-tópico marcha, iniciada pelo sub-tópico toque de clarim e concluída por “gesto de reverência” na primeira voz. O segundo verso, e segun- do membro de frase, exposto apenas uma vez, combina a primeira voz, em stilo cantabile iniciado com a célula rítmica de estilo militar colcheia pontuada semicolcheia, com uma se- gunda voz bastante simples, constituída apenas pela tónica, e que aqui escolhemos classifi- car como um (arcaico) sub-tópico toque de clarim. O acompanhamento instrumental desta secção é igualmente simples, com marcação rítmico-harmónica a tempo. Uma curta célula em style brillant leva-nos à terceira subsecção, com uma nova célula de acompanhamento, colcheia, pausa de semicolcheia, semicolcheia, que serve enquanto incremento à pulsação métrica e ao carácter militar da nova subsecção.
Marcos Portugal recupera o primeiro membro de frase da subsecção anterior, ex- pondo-o em uníssono nas quatro vozes e mantendo a segunda voz no acompanhamento, para o justapor a um novo segundo membro de frase, assemelhado ao segundo membro de frase do segundo dístico, em sub-tópico marcha e alla zoppa, que serve o texto poético “quem d’um povo”. O terceiro membro de frase, para o texto poético em falta “é tão amado”, é caracterizado pelo uso de uma escrita em sub-tópico marcha. O contorno melódico prin- cipal deste membro de frase é constituído por três motivos: os dois primeiros encontram-se associados em antecedente e consequente, e são repetidos duas vezes; o terceiro serve como cláusula final, à primeira vez sobre a primeira inversão do acorde e à segunda na tónica. A voz de contralto é escrita à distância de uma terceira. A voz de tenor utiliza apenas o pri- meiro motivo, sustentando a dominante aquando do segundo motivo. A escrita dos dois pri- meiros motivos para a linha de baixo, apesar de recorrer a um contorno típico de harmoni- zação, pode também ser classificada como toque de clarim, recorrendo aos harmónicos 4, 5,
3 e 4. No motivo final o contorno melódico das vozes masculinas segue movimento contrá- rio àquele usado nas vozes femininas. A análise até aqui conduzida serve o seguinte texto musical, constituído pela recapitulação da introdução instrumental e pela idêntica dispo- sição musical das estrofes seguintes; não a realizaremos aqui, certos de que o exposto ser- virá suficientemente o leitor na classificação dessas secções. Retomamos a análise apenas para a conclusão instrumental constituída por três motivos em estilo militar. O primeiro trata-se do motivo inicial em sub-tópico fanfarra da introdução instrumental. Sucede-o um novo motivo em sub-tópico marcha, no percurso harmónico IV-V-I, iniciado por toque(s) de clarim – no baixo (6º, 5º 3 º harmónicos em Sib); na voz principal (5º, 6º, 8º e 10º em Mib). A obra é finalizada na tonalidade geral por um toque de clarim – em uníssono (ou a duas li- nhas, com as mesmas notas em oitavas distintas) com os harmónicos 4/8, 6, 5 e 4 – e “ham- mer strokes”.

Hino da Independência do Brasil

O Hino da Independência do Brasil encontra-se estruturado em cinco secções: intro- dução instrumental, 1º período/1º verso, 2º período/1º dístico do refrão, interlúdio instru- mental, 3º período/2º dístico do refrão e conclusão instrumental. A introdução instrumen- tal compreende um período bi-frásico, em estrutura ab/ac. O primeiro – e terceiro – membro

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de frase, em sub-tópico marcha, surpreende pelas suas relações harmónicas entre os acor- des da tónica e da sensível da dominante (I-vii/V), construídos sobre a tónica pedal. O se- gundo membro de frase recorre ao mesmo sub-tópico, numa escrita em terceiras assente num percurso tonal-tónica dominante; o acompanhamento é pontuado por um possível to- que de clarim compreendido entre o 3º e o 4º harmónico. O quarto membro de frase é carac- terizado por uma escrita baseada na série dos harmónicos e nas suas notas adjacentes, com intervalos de terceira, sexta e oitava. Podemos classificar este membro de frase como sub-
-tópicos marcha ou fanfarra – recordemos os duos de trompetes característicos nas Sonatas existentes no corpus de obras da Charamela Real – ou como sub-tópico do estilo de caça bicinia. As características deste último sub-tópico compreendem sobretudo a escrita em graus conjuntos sobre notas da série dos harmónicos, em intervalos de terceira, que se con- vertem, no registo grave, em intervalos de sexta e oitava. A associação de um sub-tópico do estilo de caça ao estilo militar pode ser estabelecida, dado que o instrumentário associado a estes estilos (trompas e trombetas, respectivamente) possui semelhante morfologia, e por conseguinte, possibilidades de escrita idênticas.40 Por sua vez, o acompanhamento do quar- to membro de frase pode, à semelhança do segundo membro, ser considerado enquanto fan- farra, constituída pela junção de diversos toques de clarim: voz inferior, harmónicos 3, 6 e
2; voz intermédia, harmónicos 6, 8 e 4; voz superior, harmónicos 6, 10 e 4.
O primeiro período segue uma estrutura abacd, similar à da introdução, com repe- tição do último verso da estrofe. Embora possamos considerar o primeiro e terceiro mem- bros de frase como sub-tópico marcha iniciado por toque de clarim – com os harmónicos
8, 9 e 10 – este membro de frase já não expõe claramente o métier composicional presente nos anteriores hinos. O segundo e o quarto membros de frase são compostos em sub-tópico marcha. O quinto membro de frase, que recorre ao mesmo texto do quarto membro de fra- se, expõe um contorno rítmico-melódico distinto e pronunciado, bem como um percurso tonal mais complexo, próprios de stilo cantabile. A disposição musical do verso final, nos dois membros de frase, é próxima daquela usada no final da primeira secção cantada da Cantata de Louvor a Lord Wellington. Um toque de clarim, constituído pelos harmónicos
4, 5, 6 e 8, finaliza a secção (veja-se adiante o Hino Constitucional de D. Pedro, composto no ano anterior, em 1821, que utiliza uma semelhante intercalação orquestral entre sec- ções vocais).
O segundo período compreende duas sub-secções. À semelhança de hinos anterio- res, a escrita do segundo período é motívica: a primeira subsecção é constituída por dois motivos em estrutura ab/ab, num percurso tonal tónica-dominante-tónica. Um primeiro motivo em sub-tópico marcha (cuja redução ilustra a sua constituição pelas notas da série dos harmónicos 5, 4, 5, 7 em Fá) serve o texto “brava gente” e “longe vá te-”. O motivo se- guinte, que serve o texto “Brasileira” e “-mor servil”, é um toque de clarim realizado com os harmónicos 5, 6, 5 e 4; em “lei” e “vil”, o acompanhamento realiza uma pequena fanfarra. A segunda subsecção, que utiliza apenas o segundo verso do dístico, recorre a um motivo an- tecedente e a um membro de frase consequente. Um primeiro motivo cromático ascendente em colcheias, classificável como stilo cantabile (ou recitativo), é pontuado por uma figura similar a um rufo, que optamos denominar coup d’archet, por encontrarmos neste tópico a mesma função de antecipação, por diminuições, de uma nota. Sucede-lhe o membro de fra- se, constituído por um motivo em sub-tópico marcha em movimento harmónico dominan- te-tónica-dominante. No que concerne ao motivo cromático ascendente, por ora adiantamos que Marcos Portugal poderá ter tomado de empréstimo uma ideia empregue por D. Pedro em dois motivos da primeira secção vocal do Hino Constitucional, composto no ano ante- rior, que são caracterizados pela mesma relação cromática.

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No interlúdio instrumental podem identificar-se os seguintes tópicos: style brillant;

stilo cantabile e estilo militar.

No terceiro período, Marcos Portugal empreende alguma economia de meios, re- correndo a motivos e frases musicais previamente compostas para outros hinos41. Este pro- cesso de auto-citação, corrente na época, havia já sido empregue pelo mesmo, no âmbito da música ocasional, entre dois géneros distintos: no Hino de Agradecimentos e na Cantata de louvor a Lord Wellington. Inicialmente, o dístico “Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil” é servido pelo primeiro membro de frase da segunda subsecção do refrão do Hino de Aclamação: “Longo seja o seu reinado”. Como acima foi referido, este consiste num exem- plo do sub-tópico militar marcha, iniciado pelo sub-tópico toque de clarim e concluído por “gesto de reverência”; o acompanhamento encontra-se simplificado, procurando conferir à melodia um carácter solene. Aquando da repetição do primeiro verso – “Ou ficar a Pátria livre” – o compositor faz uso de outra citação com uma mínima alteração, nomeadamen- te o primeiro membro de frase respectivo ao primeiro verso do segundo dístico do Hino da Aclamação: “Sustentar promete a lei”. O tema é exposto em sub-tópico marcha, num per- curso harmónico dominante-tónica para o homónimo menor, resolvido, todavia, em cadên- cia interrompida ao VI grau. A divisão do último verso em duas partes “Ou morrer/Pelo Brasil” serve como fonte textual ao remanescente da obra. Um pequeno motivo de três no- tas em estilo militar – assaz habitual, como acima verificámos, nas obras em análise des- te compositor – é utilizado para “ou morrer”. Dele encontramos facilmente correspondên- cias ao seu contorno rítmico-melódico: as que surgem como mais relevantes são citações do Hino Patriótico: enquanto por glória” evidencia uma maior semelhança com o contor- no rítmico melódico, “ou morrer” expõe o mesmo conteúdo semântico do texto e proximi- dade sintática para com o motivo musical. Por sua vez, o incipit de “Pelo Brasil” – três col- cheias em contorno melódico conjunto ascendente – recorda o motivo utilizado no mesmo Hino Patriótico para o texto “vencer”. O membro de frase antecedente que se segue, que dis- põe o verso em inversão “pelo Brasil, ou morrer” para o depois cadenciar com o motivo de três colcheias ascendente discutido, tem um contorno rítmico-melódico em sub-tópico mar- cha finalizado em “gesto de reverência” sob um percurso tonal tónica-subdominante (IV)- dominante(V)-tónica; não nos parece erróneo classificar o mesmo membro de frase, apesar do seu parâmetro rítmico, também como stilo cantabile, pela sua semelhança com alguma escrita idiomática para canto, ou como tropo estilo militar/stilo cantabile. Uma subsecção final deste dístico compreende a reiteração do texto “Pelo Brasil”. Os motivos escritos para o canto podem ser reduzidos da sua ornamentação e diminuição, surgindo como toques de clarim: o primeiro recorre aos harmónicos 10, 9 e 8 e é próximo de outro usado no Hino da Aclamação, em “amado”; o segundo aos harmónicos 12, 6, 8. Não obstante, a escrita para canto e o acompanhamento são característicos de stilo cantabile, o que nos leva a sugerir, para sua classificação, um tropo sub-tópico toque de clarim/stilo cantabile, à semelhança do que acima fizemos para a subsecção precedente.
A obra é concluída com a recapitulação da introdução instrumental (veja-se acima a tipificação), sendo-lhe adicionada, como cláusula, uma fanfarra.

D. Pedro:

Hino [a D. João]

O Hino a D. João de D. Pedro partilha texto poético, estrutura musical e tonalida- de com o Hino Patriótico de Marcos Portugal. Este primeiro hino de D. Pedro encontra-se estruturado em três secções: introdução orquestral; 1ª estrofe; 2ª estrofe. Não obstante, no

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que concerne à estrutura interna das suas subsecções, são notórias substanciais diferenças. Como será visto, tais diferenças aproximam esta peça do Hino da Aclamação de D. João VI
– também em Si bemol Maior –, composto por Marcos Portugal no mesmo ano.
Ainda que a macroestrutura desta obra se adeque ao Hino Patriótico, já na introdu- ção orquestral ficam claras as relações com o Hino de Aclamação. À semelhança deste últi- mo, a introdução instrumental é constituída por três subsecções. A 1ª subsecção é concebi- da na seguinte disposição frásica: membros de frase ab/ab. A subdivisão destes membros de frase não é clara: todavia, o seu significante é comum: sub-tópico marcha. O primeiro mem- bro de frase é precedido por coup d’archet e/ou toque de clarim, com os harmónicos 6, 8 e10.
Curiosamente, identificamos na segunda subsecção diversos exemplos de emprés- timo (ainda que não se saiba se foi do aluno para com o professor ou vice-versa). No primei- ro período, em estrutura ab/ab, podemos identificar o sub-tópico bicinia, comum aos dois autores, ainda que seja mais evidente na obra de D.Pedro. Os harmónicos utilizados nesta obra são 12, 10, 9 e 6 na primeira voz e 10, 8, 9 e 5 na segunda voz; todavia, nem todas as notas existentes integram a série dos harmónicos. O empréstimo entre compositores é dis- farçado pela inversão dos intervalos ou das linhas melódicas e por diminuição dos valores ou redução das mesmas diminuições. Embora a relação de empréstimo motívico/frásico en- tre ambos não seja tão clara neste caso, a exposição do motivo seguinte afirma-a contun- dentemente: D. Pedro e Marcos Portugal recorrem, após o tema em bicinia, a um toque de clarim em uníssono, exposto em quatro oitavas, constituído pelos harmónicos 6, 5 e 4 de um instrumento afinado em Sib. Este motivo é por sua vez concluído por ambos os com- positores com outro sub-tópico do estilo militar, uma fanfarra constituída por um toque de clarim com os harmónicos 8, 6, 5 e 4, na tonalidade da dominante. A distinção no uso deste sub-tópico entre ambos os compositores resulta da orquestração: D. Pedro dispõe no regis- to grave, além da oitava utilizada por Marcos Portugal, os harmónicos 3, 4 e 5. Este motivo, que para Marcos serve como cláusula das secções seguintes, não é utilizado por D. Pedro; não há aliás, no Hino a D. João, qualquer intercalação instrumental entre secções, há ape- nas o uso de um acorde final em bloco no segundo tempo. D. Pedro finaliza esta subsec- ção com outro tópico, cuja associação ao repertório luso-brasileiro ainda não foi discutida, mas que é reconhecido no repertório orquestral europeu: “Mannheim rocket” ou “foguete de Mannheim”, a escala antecipatória típica dos ataques iniciais das obras nas execuções da orquestra de Mannheim.
Finalmente, D. Pedro adiciona uma nova subsecção na introdução instrumental: a exposição prévia de um tema cantado do hino, neste caso, o período correspondente à pri- meira estrofe, em stilo cantabile, que classificamos mais pormenorizadamente adiante. Por ora, recordamos que também Marcos Portugal utiliza um período em stilo cantabile no Hino da Aclamação, cujo primeiro (e terceiro) membro de frase pode ter sido derivado do mate- rial musical que serve o texto “Longo seja o seu reinado”. Este período em stilo cantabile tem localização distinta entre os dois compositores: no hino de Marcos Portugal ocorre na segunda subsecção, antes dos motivos em bicinia, fanfarra; no hino de D. Pedro encontra-
-se na terceira subsecção, antes do canto, e assume função de exposição instrumental dos temas seguintes.
A primeira estrofe é servida por uma disposição musical comumente utilizada - aba’c. São no entanto notórias e relevantes algumas alterações para com a prática que acima descrevemos: primeiro, a conjunção entre os membros de frase antecedente e consequente; segundo, a transformação do terceiro membro de frase para justaposição ao quarto membro; terceiro, a ausência da habitual repetição do último verso; quarto, a escolha por um tópico dominante – stilo cantabile, concluído com “gesto de reverência” – distinto do habitual es-

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tilo militar, que ainda assim é retido no parâmetro rítmico; por último, o percurso harmó- nico complexo. Nestes últimos casos, é difícil afirmar que o contorno melódico se preste à fácil memorização; a peça terá até surpreendido pela audácia do contorno melódico – so- bretudo cromático no primeiro membro de frase – e pela progressão harmónica respectiva. O primeiro membro de frase não expõe uma clara harmonia funcional: tónica, dominante, quinto grau aumentado do homónimo menor, dominante do homónimo menor (em inver- sões diversas), homónimo menor/tónica. O segundo membro de frase realiza o percurso har- mónico inverso: homónimo menor, dominante da dominante, dominante, dominante com nona maior e décima primeira, dominante com sétima, dominante sem terceira, tónica. O terceiro e quarto membros de frase conduzem o parâmetro harmónico para a tonalidade da dominante através de um percurso claro: tónica, dominante da dominante, dominante tó- nica em Fá Maior, subdominante (II m/b3), dominante em segunda inversão, dominante em estado fundamental, tónica. Um acorde final no segundo tempo finaliza a secção.
A segunda quadra é composta em dois períodos e é constituído por cinco mem- bros de frase distintos, na seguinte estrutura: ab/cdce; entre cada dois membros de frase (ab e cd/ce) há uma clara relação antecedente/consequente. Nesta secção, D. Pedro parece seguir mais de perto os modelos composicionais do género hino estabelecidos por Marcos Portugal, já claramente determinados no Hino Patriótico. No primeiro membro de frase, o texto “Por vós, pela Pátria” é servido por um adequado sub-tópico toque de clarim, constitu- ído pelos harmónicos 6, 8, 6, 10, 6, 12, 10, 8 (ou 3, 4, 3, 5, 3, 6, 5, 4) em Sib. Na orquestração observa-se numa fanfarra, resultante da sobreposição de vários toques de clarim realizados num instrumento em Sib: vozes graves – harmónicos 3/6, 4/8; vozes intermédias - harmóni- cos 6, 5, 6, 8, 6/4, 10/6, 8/6, 4/6; a voz superior é idêntica à linha de canto. O membro de frase seguinte recorre, nos mesmos parâmetros – uma linha vocal e sua orquestração em terceiras
–, ao sub-tópico marcha. A seguinte subsecção, na tonalidade da dominante, constitui, fruto da repetição do dístico final, um período e recorre, para os membros de frase antecedente e consequente, aos tópicos alla zoppa e stilo cantabile, respectivamente. Para os terceiro (e quinto) membros de frase, com texto “Por glória só temos”, D. Pedro intui uma nova apro- ximação ao Hino da Aclamação, nomeadamente à segunda secção que emprega os tópicos estilo militar e alla zoppa, e que servem o texto “quem d’um povo é tão amado”, contribuin- do possivelmente, de forma subliminar, para uma nova associação exortativa ao seu pai. Os membros de frase consequentes são classificáveis como stilo cantabile ou estilo militar (no- te-se o acompanhamento). Chamamos só à atenção para a semelhança do contorno melódi- co do quarto membro de frase com o membro de frase que serve “Triunfal coroa tecei” no Hino de agradecimentos a Lord Wellington; ainda que se trate agora de uma associação mais difícil de justificar, pois não se trata de um hino para a nação ou monarca, julgamos ainda assim apontá-la, pois, a ser possível, serviria a continuação da laude para com o Rei D. João VI. Para o quinto membro de frase (e conclusão da obra) é recuperado o quarto membro de frase da primeira secção. O habitual acorde final no segundo tempo conclui a obra.

Hino Constitucional (da Carta)

No Hino Constitucional é notória a relação entre as práticas composicionais lega- das, na quase totalidade dos seus hinos, por Marcos Portugal e o seu uso e desenvolvimen- to por D. Pedro. O Hino Constitucional apresenta uma estrutura tripartida: introdução ins- trumental; 1ª estrofe; 2ª estrofe. A introdução instrumental é divisível em três subsecções, todas estas caracterizadas pelo uso de vários sub-tópicos do estilo militar. A primeira sec- ção combina alternadamente uma fanfarra, estabelecida sobre a fundamental e demais sons naturais, e um toque de clarim uníssono, em quatro oitavas, que, à semelhança do Hino da

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Aclamação de Marcos Portugal sugerem a mudança de instrumentário entre primeiro moti- vo, na tonalidade da tónica, e motivo consequente, na tonalidade da dominante; neste caso, a realização destes motivos por instrumentos naturais implica o uso de instrumentário em Mib e em Sib, respectivamente. No que concerne à fanfarra são utilizados, no compasso1, em Mib, a fundamental, harmónicos 2, 4, 5, 6, 8; no compasso 3, em Sib os harmónicos 2, 3,

6, 8,10, 12. Por outro lado, o toque de clarim requer a utilização da família dos instrumen- tos de metal soprano, contralto, tenor e baixo para a realização das quatro oitavas. No to- que de clarim faz-se uso, no compasso 2, dos harmónicos 4, 3, 4, 5 em Mib; no compasso 4 recorrem-se aos harmónicos 6, 4, 6, 7 em Sib. A resolução do acorde seguinte na tonalidade de Mib não limita a sua significação, pois a subsecção poderia ser realizada por dois grupos de instrumentistas. Na subsecção seguinte, a linha melódica em terceiras, com carácter de marcha, assenta sobre resoluções harmónicas de tipo tónica-dominante-tónica, executáveis por instrumentário natural: considere-se para isso o uso dos dois grupos de instrumentis- tas, em Mib e Sib, acima referidos. A terceira subsecção compreende a justaposição de vá- rios toques típicos de clarim em uníssono, cujas afinações necessárias para a sua realização são distintas: o primeiro, em Mib, com os harmónicos 6 e 8/5; o segundo, em Mib, com os harmónicos 8, 12, 10, 8, 12 (ou 4, 6, 5, 4, 6); o terceiro, em Sib, com a fundamental e harmó- nicos à distância de oitava 2, 4 e 8.
As secções vocais, cada uma das quais constituída por dois períodos, são caracte- rizadas pela combinação entre escritas frásica e motívica. Na segunda secção, o primeiro período compreende dois membros de frase, em estilo militar. É sobretudo relevante, nesta secção, a manutenção do sub-tópico toque de clarim na quase totalidade do primeiro mem- bro de frase, prática já acima identificada na obra de Marcos Portugal: são utilizados os har- mónicos 6, 8, 6, 5 da tonalidade de Mib (tónica) até à cláusula, cujo conteúdo musical não se enquadra já na série de sons naturais. O segundo membro de frase, que realiza o percurso tonal para a dominante, é exposto em sub-tópico marcha, cadenciado em “gesto de reverên- cia”. O segundo período da segunda secção compreende dois motivos e um membro de fra- se. Os dois motivos expõem um contorno melódico assaz próximo, que é caracterizado pelo uso dos tópicos stilo cantabile (note-se o contorno melódico cromático) e estilo militar (no- te-se o parâmetro rítmico, sobretudo na versão instrumental). O membro de frase, repetido duas vezes, consiste num toque de clarim (ou marcha42), cujo contorno melódico é consti- tuído pelos harmónicos 8, 9 e 10 em Sib; aquando da primeira exposição o percurso harmó- nico executa uma cadência interrompida na tonalidade da dominante; na segunda exposi- ção é realizada a cadência perfeita na tonalidade central. Finaliza a secção uma fanfarra, constituída por toque de clarim, com os harmónicos 4, 5, 6, 8 em Sib. Note-se a repetição do membro de frase final e a utilização da fanfarra enquanto intercalação instrumental como arquétipos já estabelecidos no hinário de Marcos Portugal.
Na terceira secção, o primeiro período é constituído por quatro motivos em estilo militar. Os dois primeiros podem ser classificados como exemplos do sub-tópico toque de clarim: no primeiro motivo, na tonalidade da dominante (Sib maior), o intervalo de tercei- ra maior é realizado entre os harmónicos 4 e 5; no segundo motivo, na tonalidade central, o intervalo de quarta é realizado entre os harmónicos 3 e 4 (ou 5 e 8). Os restantes motivos enquadram-se no sub-tópico marcha. O segundo período é constituído por dois membros de frase, em sub-tópico toque de clarim. O primeiro membro de frase, na tonalidade da subdo- minante, faz uso dos harmónicos 6, 8, 9, 10, 12 em Láb. A orquestração não faz uso do mes- mo sub-tópico, mas antes do sub-tópico marcha e do tópico alla zoppa, por via da sua pro- gressão harmónica:43 I-V-I em Láb Maior e cadência, no segundo tempo do compasso, no VII grau de Sib Maior. O último membro de frase, o sub-tópico toque de clarim, com os harmó-

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nicos 8, 9 e 10, é comum a ambas as secções vocais: enquanto na segunda secção encontra-
-se na tonalidade da dominante, na terceira secção é exposto na tonalidade central. O per- curso harmónico é, ainda assim, aproximado: dominante/dominante do homónimo menor, homónimo menor (cadência interrompida), dominante da dominante (VII grau), dominante (V64), dominante, tónica. A adição da dominante da dominante (VII grau) realiza, à segun- da vez, uma marcação no segundo tempo do compasso, característica do tópico alla zoppa (tal como acima se notou para o primeiro membro de frase).
Os materiais musicais da introdução servem parte da conclusão instrumental, sen- do alterada a terceira subsecção: as três células motívicas são dois toques de clarim em Mib, intercalados por uma fanfarra. Neste último sub-tópico, apenas as vozes nas extremidades podem ser consideradas toques de clarim. Correndo o risco de nos contrariarmos, a reali- zação em instrumentos naturais desta fanfarra requer a alteração de afinação de Mib para Sib no decurso da célula motívica, ao contrário dos outros exemplos referidos, pelo que nos parece mais rigorosa a classificação como fanfarra.
Em resumo, importa referir a profusa utilização do sub-tópico toque de clarim nes- te hino. Entendemos ser relevante que aquando do seu u`so, o sub-tópico se ajuste à tonali- dade da secção (como se fizesse uso de um instrumento nessa afinação), o que torna ainda mais inteligível o seu uso. Por outro lado, recordem-se as relações intertextuais que unem Marcos Portugal e D. Pedro, sobretudo no que concerne, do segundo para o primeiro, ao uso de modelos estruturais e arquétipos composicionais estabelecidos, e, do primeiro para com o segundo, ao reaproveitamento motívico de algumas ideias do Hino Constitucional (1821) no Hino da Independência do Brasil (1822).

Hino à Independência do Brasil (ou Imperial e Constitucional)

Como acima foi referido, os hinos à Independência do Brasil de Marcos Portugal e D. Pedro foram compostos em datas próximas, e fazem uso do mesmo texto poético, da au- toria de Evaristo Ferreira da Veiga. Todavia, as tonalidades e estruturas utilizadas não são as mesmas: as relações que se observam entre as duas obras dizem respeito sobretudo à seg- mentação frásica, periodização e topoi utilizados. Não faremos todavia uma descrição com- parativa entre as duas obras; já analisámos acima o hino de Marcos Portugal, pelo que nesta secção só apontaremos os aspectos distintivos e similares entre as mesmas.
Enquanto Marcos Portugal utiliza uma estrutura hexapartida – introdução instru- mental, 1ª estrofe, 1º dístico da segunda estrofe, interlúdio instrumental; 2º dístico da se- gunda estrofe; recapitulação/conclusão instrumental -, D. Pedro utiliza uma estrutura te- trapartida – introdução instrumental, 1ª estrofe, interlúdio/intercalação instrumental, 2ª estrofe, recapitulação/conclusão instrumental.
Para a introdução instrumental, D. Pedro compõe dois períodos em tópicos con- trastantes: o primeiro período é gerado através de um motivo comum, em tipologia contra- dança e com recurso ao tópico alla zoppa. O motivo é exposto na tónica, dominante, sub- mediante e dominante da tonalidade geral, Mib Maior. A relação de motivo antecedente e consequente parece ser, todavia, estabelecida num plano tonal dominante-tónica: ainda que o primeiro acorde seja o da tónica, este serve enquanto dominante da subdominante; na frase seguinte, é realizada a mesma relação tonal em direção à dominante. A confirmação tonal surge assim já no segundo período, composto no sub-tópico marcha e tópico alla zo- ppa. A relação entre antecedente e consequente é de novo interessante, visto que a segunda frase não é mais que a quase inversão da primeira. O acompanhamento rítmico-harmónico da primeira frase pode ser classificado como sub-tópico fanfarra. O comum clímax das li- nhas melódicas de D. Pedro, ocorrente, grosso modo, no segundo tempo, é aqui marcado, no

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acompanhamento, por um toque de clarim com os harmónicos 6, 5 e 4. Um acorde em blo- co, no segundo tempo, finaliza a introdução instrumental.
O tratamento estrutural da primeira estrofe é, por um lado, próximo ao da segunda estrofe do Hino de D. João, e por outro, próximo daqueles hinos, acima referidos, que recor- rem à reexposição do verso final. À semelhança da secção referida do Hino de D. João, a dis- posição textual da estrofe é realizada em dois períodos, mas numa estrutura interna distin- ta: ab/cdef. Os seis membros de frase servem a estrofe na seguinte disposição – versos 1, 2,
3, 4, 4, 4. A exposição tripartida do verso final já havia sido realizada no refrão do Hino da Aclamação de Marcos Portugal; não obstante, a prática comum parece ter sido o uso de um único período com exposição bipartida do verso final, tal como o faz D. Pedro na segunda estrofe deste hino e Marcos Portugal no seu Hino da Independência do Brasil.
O primeiro período é constituído por dois membros de frase. À semelhança da qua- se totalidade dos hinos em análise, o primeiro membro de frase faz uso do sub-tópico toque de clarim, com recurso aos harmónicos (6), 12, 10, 8, 9, 12, 8. O segundo membro de frase procede com o sub-tópico marcha. O segundo período emprega ambas as construções mo- tívica e frásica, respectivamente, nos terceiro e quarto membros e nos quinto e sexto mem- bros de frase. Os terceiro e quarto membros de frase, que utilizam como topoi estilo militar e alla zoppa, são idênticos: ambos são constituídos por dois motivos, com o ritmo (semi- colcheia) colcheia pontuada semicolcheia semínima mínima; distingue-os a conjunção ou disjunção do contorno melódico e a harmonia, dominante ou tónica em Mib Maior. (O con- fronto destes motivos com aqueles utilizados para a segunda estrofe no Hino Patriótico de Marcos Portugal permite asseverar alguma similaridade). O quinto membro de frase com- bina duas linhas melódicas, uma vocal, outra instrumental, caracterizadas pelo uso do mesmo sub-tópico marcha. O sexto membro, pelo contrário, justapõe uma linha vocal em carácter marcial com outra própria para canto na orquestração, obtida através da ornamen- tação da linha vocal; são assim combinados estilo militar e stilo cantabile. Embora o hino congénere de Marcos Portugal pareça afastar-se já um pouco deste modelo, pelo uso de um motivo pouco clarificado enquanto toque de clarim para o primeiro membro de frase, a uti- lização de topoi para a primeira secção vocal é assaz similar nos hinos da Independência destes compositores.
A intercalação instrumental é constituída por um motivo cuja classificação nos apresenta grandes dificuldades: pode tratar-se de um exemplo de tipologia contradança ou de marcha. Esta secção é concluída por um bloco harmónico no segundo tempo.
A quarta secção tem muito de semelhante com o segundo período da primeira sec- ção, pois evidencia uma composição motívica e frásica, no que concerne respectivamen- te, aos primeiro e segundo e aos terceiro, quarto e quinto membros de frase. Além disso, os dois primeiros membros de frase são criados também por dois motivos idênticos, com o mesmo ritmo colcheia pontuada semicolcheia semínima mínima e com a mesma rela- ção harmónica dominante-tónica; desta feita, diferencia-os o contorno melódico conjunto ascendente versus descendente. Os tópicos são, recordemos, estilo militar e alla zoppa. O acompanhamento é também distinto daquele exposto na primeira secção. O terceiro e quar- to versos são expostos em três membros de frases de âmbito alargado (conjunto ascendente, disjunto, e conjunto descendente). O compositor recorre a um contorno melódico próprio para canto – stilo cantabile – sendo mantido o parâmetro rítmico da marcha – estilo militar. A escrita instrumental – que recupera o acompanhamento para a melodia em stilo cantabile da primeira secção – combina também, curiosamente, estes dois tópicos. Se atendermos ao Hino da Independência de Marcos Portugal, apesar da distinção estrutural, voltamos a iden- tificar semelhantes processos e características composicionais, entre as quais, escolhemos

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sublinhar o recurso à construção motívica, ao uso de semelhantes topoi e, em particular, à utilização de um tropo stilo cantabile/estilo militar.
Para a conclusão instrumental é utilizada a introdução com duas transformações: a alteração da segunda frase do segundo período e a adição de uma fanfarra. Observa-se, na segunda frase do segundo período, a reutilização da frase em tercinas que acompanha o final do último verso da primeira quadra. A fanfarra final, que substitui o bloco harmóni- co no segundo tempo, utiliza a fundamental e os harmónicos 2, 4, 5, 6, 8 e 10. Finalmente, note-se a proximidade do métier para a conclusão instrumental, mormente para o recurso ao tópico fanfarra, na obra de ambos os compositores.
Em conclusão, esta breve leitura comparativa asseverou que, apesar do uso de es- truturas distintas, os compositores recorrem a modelos composicionais estabelecidos, com características assaz similares em aspectos como periodização, relação texto poético-músi- ca (leia-se construção frásica ou motívica) e significação; note-se contudo que, na pena de D. Pedro, o hino oferta um carácter mais sonante, e em Marcos Portugal, um carácter mais associado ao mundo operático do que ao mundo militar. Foram igualmente identificadas au- tocitações e empréstimos entre compositores (a que acima aludimos na análise da obra de Marcos Portugal) que, além da estima manifestada entre professor e aluno e/ou empregado e patrono, sugerem um reconhecimento mútuo enquanto compositores, relevante sobretu- do se atendermos a que um domínio musical deste nível não era requerido a um monarca.

Hino Novo Constitucional (da Amélia, ou de D. Pedro)

D. Pedro faz uso da seguinte moldura estrutural no Hino de D. Amélia/Novo Constitucional: introdução orquestral, primeira estrofe e segunda estrofe (subdivisível em duas subsecções). Não obstante, por força das relações temáticas entre secções, a estrutura empregue é a mais complexa entre as identificadas no hinário composto por D. Pedro. Por outro lado, a versificação deste texto poético é distinta dos demais hinos, o que se reflete na periodização frásica: a habitual disposição musical das redondilhas menor ou maior em membros de frase é substituída por uma composição em frase, constituída por membros de frase antecedente e consequente, necessária a uma versificação em nove sílabas.
Apesar de tudo isto, a introdução orquestral parece não ter-se prestado a uma cons- trução frásica distinta das habituais. A estrutura desta subsecção – ab’acc’[d(cláusula)] – é, como vimos, corrente. Os três primeiros membros de frase são compostos em sub-tópico marcha; sobre eles também se pode sugerir que, no seu estado mais simplificado, fazem uso de harmónicos empregues nos toques de clarim. O quarto membro de frase parece prestar-
-se a uma classificação que já temos feito uso: o tropo stilo cantabile/estilo militar, visto que o seu contorno melódico surge-nos como uma fórmula corrente da escrita para canto, en- quanto faz uso, no incipit, de uma contraparte rítmica típica do estilo militar. A cláusula fi- nal faz uso dos tópicos style brillant – na possível ornamentação de um toque de clarim – e “hammer strokes”.
Tal como em anteriores hinos, D. Pedro utiliza, para a primeira secção cantada, uma estrutura com repetição do dístico final. Mas o que surge como relevante neste caso é a transformação desse mesmo modelo, por via da adição de dois motivos finais, com uso da última palavra da estrofe; sobre esta adição importa também recordar que é uma práti- ca já empregue por Marcos Portugal. A primeira secção cantada fica assim estruturada em aa’bcbcdd. As quatro frases – dispostas para os versos 123434 – e os dois motivos fazem uso de vários significantes do estilo militar. A primeira frase faz uso do sub-tópico marcha, abandonando (tal como o também poderá ter feito Marcos Portugal) o sub-tópico toque de clarim. A segunda frase, com incipit em estilo militar, aproxima-se do stilo cantabile. A ter-

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ceira (e quinta) frase fazem uso do sub-tópico marcha, ainda que possam também ser clas- sificadas enquanto tropo estilo militar/stilo cantabile. O sub-tópico toque de clarim acaba por surgir na quarta (e sexta) frase e nos motivos. Um toque de clarim com os harmónicos
6, 5, 4 e 3 serve o texto “Lísia a disgra-”, inserido numa frase em sub-tópico marcha, com cadência em “gesto de reverência”. Os dois motivos podem ser classificados como stilo can- tabile – enquanto uso de uma fórmula vocal comum - ou como sub-tópico toque de clarim
– com uso dos harmónicos 6 e 4. Note-se que motivos congéneres são utilizados por Marcos Portugal na Cantata de louvor a Lord Wellington e no Hino Patriótico. O acompanhamento instrumental destes motivos é realizado em style brillant e sub-tópico fanfarra.
A segunda secção cantada –a secção coral a três e/ou duas vozes – é divisível em duas subsecções. A primeira subsecção recorre a um arquétipo composicional comumente utilizado por ambos os compositores nesta secção: a concomitância entre construções mo- tívica e frásica. O primeiro verso é disposto com quatro motivos; o segundo verso faz uso, fruto da sua repetição, de duas frases. A estrutura desta primeira secção pode ser resumida em [motivos] aabb’ [frases] cd. No que concerne ao primeiro verso, note-se que, para além da comum construção motívica, a grande maioria dos quatro motivos da primeira secção faz recordar, pelo seu contorno rítmico melódico (semicolcheia, colcheia pontuada, semíni- ma, semínima), as secções congéneres em outros hinos, sugerindo o uso em conformidade, na totalidade dos seus parâmetros, de um modelo já estabelecido/utilizado. Os dois primei- ros motivos são constituídos por duas semínimas: os intervalos entre vozes podem sugerir o sub-tópico fanfarra, mas é problemática a atribuição de um tópico; por essa razão optamos não estabelecer qualquer classificação. Aliás, deve ressalvar-se que a criação de material musical pode enquadrar-se a tópicos já estabelecidos ou concorrer para a gestação de novos tópicos; o teórico deve reprimir a atribuição forçada a casos dúbios, dado que no período ro- mântico a associação convencional a um determinado tópico é perdida (AGAWU, 1991, pp.,
30, 137; MONELLE, 2006, p. 7). Os motivos seguintes, similares a outros no hinário de am- bos os compositores, sugerem o sub-tópico marcha.
Uma curta intercalação instrumental, em sub-tópico fanfarra, separa as duas sub- secções da segunda secção vocal. A segunda subsecção exibe uma estrutura similar à da primeira secção, vindo a apropriar desta os materiais musicais para a repetição do dísti- co final. Assim, a estrutura desta subsecção é: frases aa [novo material musical]; frases bc; motivos dd [provenientes da primeira secção vocal]. A nova frase, composta em sub-
-tópico marcha, segue um contorno melódico similar a outro utilizado em peças – “Diana”, “Estandartes” – reunidas na colecção Toques de Estado e Guerra de Clarins e Timbales para o serviço da Cavalaria Ligeira dos Mandamentos Regulares. A breve consulta deste manus- crito permitiu-nos concluir que este tipo de escrita, de tipo clarino, servia os toques para apresentação dos estandartes (símbolo nacional ou militar), bem como das figuras sociais de maior relevância. No que concerne às restantes frases, a frase antecedente recorrem ao sub-tópico marcha ou tropo estilo militar/stilo cantabile, enquanto a frase consequente uti- liza os sub-tópicos marcha e toque de clarim. Os dois motivos finais são classificáveis como stilo cantabile ou como sub-tópico toque de clarim; o acompanhamento instrumental recor- re ao tópico style brillant e ao sub-tópico fanfarra (veja-se a análise acima). A peça é conclu- ída por este último sub-tópico.
Este hino conduz-nos a uma outra discussão, mormente pelo seu acompanhamento instrumental. A nossa análise assevera que a manutenção do uso do estilo militar é só rea- lizada na introdução instrumental e nos finais frásicos. Nas demais secções, o acompanha- mento utilizado – veja-se o sistema respectivo à mão esquerda do piano na edição de Ziegler
– presta-se mais a repertório vocal ou instrumental de outra índole. E tal facto não pode ser

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desprezado numa obra desta natureza. O carácter ambivalente que resulta da conjugação entre os topoi do estilo militar utilizados no canto e topoi do stilo cantabile adequa-se as- sim mais ao ambiente estético onde foi gerado, indo de encontro a um repertório de carácter mais cosmopolita, diminuindo (mas não abandonando) a importância de estratégias com- posicionais instituídas e praticadas já desde o Antigo Regime.

4. Paradigmas

4.1 Os textos poéticos

No que diz respeito aos poemas, o primeiro denominador comum é a escolha da língua. Todos os hinos estão em Português. Isto é relevante se levarmos em conta que o ita- liano era a uma língua muito presente na produção vocal do período, mesmo no universo da canção. No caso dos hinos nacionais, isto é sintomático do que posteriormente se iria desenvolver na forma dos nacionalismos linguísticos. O segundo é a presença de refrões ou bordões, seja na forma de estrofes inteiras, ou de trechos menores como é o caso do último verso das estrofes do Hino a Lord Wellington, ou do trecho “Longo seja o seu reinado / Quem d’hum povo he tão amado” do Hino da Aclamação. Estas células poéticas que se repetem fa- cilitam a memorização do texto e sua consequente disseminação.
De modo geral, o conteúdo dos poemas é, guardadas as exigências do próprio estilo poético da época, relativamente simples e direto, pois necessita ser apreendido por um pú- blico alargado. Isto explica muitas vezes a crítica severa que este gênero de poema tem rece- bido. Contudo, tendo em conta o objetivo persuasivo dos hinos, sua simplicidade e frontali- dade – características presentes, por exemplo, no Hino da Carta – são elementos cultivados e não defeitos. Por outro lado, nos casos aqui apresentados o texto é formalmente muito bem construído. Prevalecem as redondilhas, exceção vista somente no Hino da Amélia. Temos uma maioria de redondilhas maiores, sendo o Hino Patriótico o único exemplo de opção pe- las menores. O uso deste tipo de versos, a chamada “medida velha”, parece ser uma busca, consciente ou não, pelas tradições mais antigas da poesia ibérica que só mais tarde aceitou a “medida nova”, constituída pelos decassílabos do renascimento italiano. Este retorno às raízes em busca de um passado imemorial da comunidade é um dos expedientes caracte- rísticos do nacionalismo (ANDERSON, 2005) e podemos ver aqui alguns de seus sintomas. É preciso salientar que todos os poemas têm uma grande preocupação com o rigor métrico. Por exemplo, todos os versos têm acentos que recaem sempre sobre as mesmas sílabas poé- ticas: 3ª e 7ª sílabas, nas redondilhas maiores, 2ª e 5ª sílabas, nas menores; 3ª, 6ª e 9ª, nos versos do Hino da Amélia. Isto não é apenas virtuosismo e tem uma razão prática: as estro- fes, sempre quadras, precisam ter um padrão rítmico igual entre si, para tornar possível a aplicação de todas elas à mesma música. Quanto às rimas, as opções são mais variadas, mas são um elemento sempre presente, pois aumentam a musicalidade do texto e facilitam sua memorização. O caso do Hino da Carta e o da Independência é notável. Temos aí o bordão “divinal constituição” e “Brasil” respectivamente, que é sempre repetido no último verso, com rima no segundo. Sendo assim, através da rima constante com as sílabas “ção” e “sil”, que se repete em todas as estrofes, temos a valorização da constituição e da nação livre, o Brasil. Dito isto, é bom ressaltar que é muito comum o emprego de palavras oxítonas no úl- timo verso das estrofes. Estas terminações masculinas ajudam a conferir o caráter vigoroso e marcial das obras. Na busca por ressaltar e manter este caráter o alla zoppa é muitas vezes empregado de forma a acentuar os tempos fracos do compasso. Este expediente acrescenta

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maior vigor à música, ao transformar momentos de relativo “relaxamento” em enérgicos. É como se a música dissesse palavras de ordem, usando seu próprio léxico e gramática. Efeito ainda mais expressivo quando obriga a linha vocal a contrariar a prosódia do poema:

Figura 6: Trecho do Hino para Aclamação, Marcos Portugal.

Ainda no tocante à relação entre texto e música, tópico importante é a opção pela canção estrófica. Ao nível musical, isto tem a mesma função das células poéticas que fun- cionam como refrão ou bordão, facilitando a memorização da canção.

4.2 Os textos musicais

O estudo do texto musical visou debater o entendimento do carácter dos hinos. Em resumo, asseveramos que, apesar da confirmação do carácter militar como dominante, deve tomar-se em conta que a diversidade motívica e melódica da obra, assente nos princípios composicionais de unidade e variedade, é obtida através do uso de: 1) sub-tópicos distintos do estilo militar; 2) tópicos e sub-tópicos congéneres do estilo militar, tal como o estilo de caça; 3) tópicos contrastantes: stilo cantabile, entre outros.
O uso de significantes de estilo militar, certificado pelos parâmetros rítmicos, me- lódicos e harmónicos, é ainda corroborado pelo parâmetro tonal: sete dos oito hinos são compostos nas tonalidades de Sib e Mib Maior. Como acima referimos, julgamos que estas tonalidades são, no período em estudo, significantes que aludem ao “triunfo, dos alleluias, dos choros de guerra, do júbilo da vitória”.
A utilização dos significantes do estilo militar visa uma correlação à figura míti- ca44 do militar virtuoso, a personificação do herói; por conseguinte, os significados a que alude são o heroísmo, a virilidade, a nobreza, o espírito aventuroso e as virtudes morais de um indivíduo (vide MONELLE, 2006, p. 35ss.). Estes “códigos de heroísmo”45 (KABAWATA,
2004, p. 91) no hinário de Marcos Portugal e de D. Pedro são usados para conferir os sig- nificados acima referidos a individualidades específicas (D. João VI, Lord Wellington) ou à comunidade do Estado-nação, que, por sua vez, e através deles, vê a sua grandeza e as suas virtudes pronunciadas.
Talvez seja legítimo procurar identificar outros significados correlacionados a estes significantes. Por um lado, pode entender-se do uso do sub-tópico de clarim um significado mais direto. O sinal por si integra o entendido vulgarmente como “ordem unida”, que dita a execução de um determinada actividade táctica ou labor em prol de uma entidade superior. Julgamos assim que o toque de clarim representa, no âmbito dos hinos, a mesma ordem em união (ou ordem e união) em prol da nação.
A concepção de significados associados a estes “códigos de heroísmo” pode igual- mente ser relacionada com a praxis musical portuguesa e brasileira, mais especificamente lisboeta e carioca. Assim, importa também notar que os significantes se mantêm após a ins- tituição da monarquia constitucional em Portugal e da proclamação da independência do Brasil. Apesar destas transformações, os significantes do estilo militar servem à manuten- ção da grandeza, da liberdade, da virtude da nação sobre um novo período político. Entre

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estes tópicos, todavia, alguns outros significantes indicam novas características estilísticas, associadas ao gosto público. E a manifestação destas características musicais é, por sinal, também bastante significativa: indica, no seio da “grande”, “nobre” e “livre” nação, a exis- tência de uma nova sociedade, cosmopolita, literada e ilustre, a par com as suas congéneres europeias.
Finalmente, no que concerne às estruturas, a tipificação por nós apresentada em duas categorias - hino festivo ou cerimonial; hino de propaganda político-militar - encontra conformidade nos aspectos tanto poéticos como musicais analisados, dispondo estruturas próprias que resultam da inter-relação entre eles.

4.3 Avaliação dos paradigmas

Como foi possível demonstrar, alguns dos hinos aqui apresentados podem ser si- tuados sem sombra de dúvida entre os mais importantes no meio luso-brasileiro – são ao todo cinco hinos “nacionais”. Dentro da produção musical dos compositores em questão, eles também são relevantes, quanto mais se lembramos que o Hino Patriótico de Marcos Portugal e o da Independência de D. Pedro continuam sendo executados regularmente com carácter oficial, representando desta forma símbolos vivos das nações portuguesa e brasi- leira respectivamente, fato que os coloca entre as peças mais longevas e disseminadas de ambos os compositores.
Por outro lado, a caracterização destes hinos aqui não é um simples exercício de análise. Se a pesquisa documental apresentada comprova a importância dos hinos em ques- tão, em especial daqueles que conseguiram alguma oficialidade, estabelecendo-os como modelos dentro do repertório, a identificação de topoi torna possível determinar o que há de comum a estes hinos. A localização destes mesmos topoi em outras composições do hinário político luso-brasileiro poderá determinar até que ponto estes modelos realmente funciona- ram como paradigmas. Este é o próximo passo de um percurso que pretendemos comple- tar ao publicarmos em breve uma antologia de hinos anteriores à instauração da república brasileira e portuguesa. Neste processo será possível também estabelecer outros eventuais paradigmas ou modelos, tecendo relações entre eles. Ao final, teremos conseguido localizar pontos de referência para a análise e avaliação de todo o repertório em questão. Isto será um contributo importante, pois ao fazer avaliações de hinos o musicólogo acaba por esbarrar na falta de parâmetros seguros pelos quais se guiar. Acaba por comparar hinos com outros tipos de produção mais estudados ou conhecidos, seja no que diz respeito à poesia – que é comparada com outros gêneros poéticos – seja a música – que é cotejada com outros tipos de canção ou até outros gêneros vocais mais desenvolvidos como cantatas e óperas. Este tipo de comparação acaba por ser contraproducente, pois o hino não pretende ser nenhum destes outros objetos. Dentro do contexto histórico e estético aqui abordado, o hino quer ser hino. Se o compositor escreve um hino e este acaba resultando num lundu, ou numa berceuse, por exemplo, podemos dizer que o resultado não é satisfatório, pois não atinge seus objeti- vos primeiros. Para sermos rigorosos e justos, os hinos devem ser avaliados dentro de seu próprio gênero e nunca em outro, tomado de empréstimo por proximidade. De outra forma, o analista moderno pode cair no erro de considerá-los como algo de interesse histórico ape- nas e sem qualquer valor musical, se comparados, por exemplo, com uma ária de ópera. Isto não quer dizer que não possamos tecer relações com outros gêneros. Afinal, alguns chegam a ser usados como tema para outras composições instrumentais com identidade própria, ex- trapolando desta forma os limites do repertório vocal.

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Após estabelecer estes modelos locais, estaremos também prontos para colocar estes paradigmas em confronto com outros modelos estrangeiros, como a Marseillaise (França), o Hino de Riego (Espanha), o God Save the King/Queen (Inglaterra), e outros que, como es- tes, mostrarem relações históricas e influências que justifiquem uma análise comparativa. Contudo, neste momento já é de certa forma possível testar a influência destes hinos luso-
-brasileiros, esboçando inter-relações entre eles próprios. Como pudemos ver, D. Pedro e Marcos Portugal partilham de textos poéticos, o que por si só mostra a relação estreita que há entre a produção dos dois compositores. Ao que tudo indica, o Hino Patriótico de Marcos Portugal parece ter sido o primeiro modelo local deste tipo de canção. O fato de ser o hino mais antigo entre aqueles ditos “nacionais” por Sassetti já confirma isto em grande medi- da. É evidente a influência deste primeiro modelo no primeiro hino de D. Pedro, que segue os moldes dados pelo seu mestre – o Hino a D. João tem o mesmo texto do hino patriótico, mesma tonalidade, mesmo intervalo de início.
No entanto, apesar da inegável influência do estilo de Marcos Portugal nas compo- sições de D. Pedro, este chega a revelar um gosto ou estilo pessoais. Não podemos esquecer que apesar de Marcos Portugal ter sido seu professor mais constante, D. Pedro pode ter rece- bido algumas lições musicais de outros importantes compositores como o Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) e Sigismund von Neukomm (1778-1858)46. Além disso, a música de Marcos Portugal não era a única influência, pois D. Pedro era figura presente em even- tos musicais e nos teatros, tendo grande paixão pela música de Rossini, quem chegou a co- nhecer pessoalmente em sua estadia em Paris em 1831. Sendo mais específicos, podemos dizer que o primeiro hino de D. Pedro diverge um pouco do modelo proposto por Marcos Portugal, o que é indicado, por exemplo, pelo trecho melódico rico em cromatismos presen- te na introdução. Todavia, este hino pode ser visto como um arroubo de jovem compositor, pois os dois seguintes mostram-se perfeitamente em acordo com os modelos estabelecidos por Marcos Portugal. No entanto, o ultimo hino de D. Pedro dá um passo além em direção ao estilo burguês e cosmopolita, o que pode ser reflexo de sua vivencia musical em Paris logo antes da composição do hino, sem falar da falta do velho mestre, falecido no Rio de Janeiro, em 1830. O importante é frisar que seria simplista afirmar que D. Pedro foi apenas uma sombra de seu mestre, pelo menos no que diz respeito à composição de hinos. Mas fa- zendo também justiça a Marcos Portugal, é importante sublinhar que, no único hino deste compositor que tem como homenageado a nação e já não o Antigo Regime, o autor se dis- tancia dos seus próprios modelos - tais como a clara construção melódica do incipit musical do primeiro verso vocal em sub-tópico toque de clarim - podendo até de quando em quando notar-se uma aproximação a um universo burguês, como se pode notar na primeira estro- fe. Todavia, o autor usa igualmente processos de significação anteriores, e recorre à auto-
-citação: entendemos que com estes procura perpetuar a mesma significação, conferindo ao novo Estado-nação as mesmas virtudes.
Para além do gosto pessoal, as especificidades dos hinos de D. Pedro e Marcos Portugal vêm da diferença do público alvo dos compositores. Marcos Portugal, um músi- co da corte, tinha como destino principal a própria nobreza, logo, parece mais preocupa- do com o cerimonial e a representação do poder real – lembremos que ele compôs dois hi- nos festivos, enquanto D. Pedro não compôs nenhum. Por sua vez, o primeiro imperador do Brasil é um estadista liberal e tem como público, além da nobreza, as classes burguesas emergentes e o próprio povo em geral. Ele está, desta forma, mais preocupado em conseguir a adesão de todos à sua ideologia. Podemos dizer que D. Pedro parece querer levar os mo- delos palacianos de Marcos Portugal para a atmosfera dos salões burgueses e dos ambien- tes mais populares – sabemos que os hinos tornam-se repertório constante nos salões luso-

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-brasileiros, dividindo espaço com as modinhas, lundus, valsas e outros gêneros de salão. Assim, podemos dizer que, se Marcos Portugal estabeleceu os primeiros padrões, D. Pedro foi importante na sua disseminação e atualização.
Antes de finalizar, é conveniente situar este texto dentro dos estudos sobre Marcos Portugal. É preciso dizer que o conhecimento sobre a obra e vida deste compositor foi imen- samente enriquecido pelo projeto de pesquisa a seu respeito, desenvolvido no CESEM da Universidade Nova de Lisboa. No entanto muito ainda deve ser feito no sentido de avaliar- mos a obra para além do próprio compositor, determinando como esta produção se relacio- nou ou dialogou com a obra de outros compositores, menores ou não, e até que ponto in- fluenciou a produção musical como um todo. O presente texto é um dos primeiros esforços nesta direção.

Notas

1 Para informações biográficas detalhadas, ver Marques, 2012.

2 Para informações biográficas detalhadas, ver Pacheco, 2012a.

3 Todos os hinos aqui analisados serão brevemente publicados pelas Edições Musicais Caravelas, e ficaram disponíveis em: http://www.caravelas.com.pt/Edicoes_Musicais.html

4 Textos que tratam de toda a produção ocasional de Marcos Portugal podem ser lidos no livro Marcos Portugal: uma reavaliaçã. David Cranmer (Ed.). Lisboa: CESEM/Colibri, 2012. É possível consultar aí uma apresentação destes hinos e uma contextualização histórica dos mesmos.

5 Os títulos estão em acordo com a fonte/citação mais antiga conhecida.

6 “Um Hymno da Nação Portuguesa, com acompanhamento de toda a banda militar”, segundo “Relação Autó- grafa” (Portugal in PORTO-ALEGRE, 1859, p. 493).

7 “Retro Hymno com o acompanhamento tambem de toda banda militar. Dedicado á mesma Nação Portuguesa” (Portugal in PORTO-ALEGRE, 1859, p. 493).

8 O termo “retro” talvez faça referência ao hino anterior na lista de títulos, “Um Hymno da Nação Portugueza...”, o que sugere que se tratasse da mesma música.

9 Cantata em Louvor de Lord Wellington Com Acompanhamento de Fortepiano Do Snr. Marcos Portogal (manu- scrito sem data guardado na Biblioteca Nacional de Portugal, cota M.M. 341//23)

10 Os títulos estão em acordo com a fonte/citação mais antiga conhecida.

11 Uma apresentação de todos estes hinos e sua contextualização histórica poderá ser consultada brevemente na introdução da sua edição crítica, a ser disponibilizada brevemente pela Edições Musicais Caravelas.

12 Para uma visão geral sobre este tipo de repertório ver Pacheco, 2009.

13 Segundo Alejandro Pizarroso Quintero: “A música, especialmente o canto, foi sempre utilizada como instrumento propagandístico: os cantos guerreiros desde a Antiguidade, os cantos religiosos em todas as épocas, os hinos, as canções revolucionárias, as pequenas composições satíricas cantadas, etc., serviram para fortalecer a coesão dos grupos para introduzir neles novas ideias fáceis de reter e repetir graças à música” (QUINTERO, 2011, p. 21).

14 O Hino a D. João pode ter sido escrito em homenagem ao rei, mas tem uma componente política e exortativa tão importante que seria simplista considerá-lo como um hino festivo apenas.

15 Machado expõe na “Advertência” e nas definições de estilo e carácter do seu Diccionário Musical o seguinte conjunto de ideias: 1) o compositor constitui, através do uso apurado dos diversos parâmetros musicais, determinados materiais que, de acordo com as suas características, se filiam em conformidade com categorias específicas (estilos, caracteres); 2) tais categorias são tornadas claras ao executante pelo uso de termos técnicos específicos, ditos de andamento, carácter e/ou expressão; 3) o reconhecimento destes materiais musicais e da sua categoria específica é acessível às audiências, apesar do desconhecimento do termo técnico; 4) a audiência associa os materiais musicais à categoria específica, bem como a outros exemplos congéneres, correlacionando- os com “os sentimentos que o autor intenta pintar”; 5) a obrigatoriedade de “satisfação do auditório” sugere que o compositor segue, em casos específicos, trâmites estabelecidos para a composição de determinado repertório: o contexto produtivo da obra determina o seu carácter dominante, e, consequentemente, os seus materiais musicais; estes trâmites são do conhecimento do compositor, dos intérpretes e das audiências. As tipificações, a definição de vários caracteres e/ou estilos e a referência ao seu respectivo uso e reconhecimento nos processos poiético e estésico descritas por Machado encontram uma clara correspondência com a aplicação musical da teoria de topoi, encetada por Leonard Ratner (1980). Este autor identificou um “dicionário de figuras características”, de lugares comuns (topos kóinos) no discurso musical oitocentista, bem como concluiu que a particulares referências convencionais estão associados determinados significados, sublinhando não apenas a

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acessibilidade do compositor a estas “figuras características” mas também a compreensão, pela audiência, dos seus significados. Esta noção da eventual existência de um código comunicativo musical estabelecido numa particular cultura – baseado exclusivamente em sintaxe, pois a música é um uso da linguagem asemântico

– conduziu ao uso das disciplinas linguística (sobretudo saussureana) e semiótica (sobretudo peirceana) em estudos recentes sobre topoi. Por claras razões de espaço, não podemos aqui expor o estado da arte sobre a teoria de topoi, que pode ser consultado em Ratner 1980; Monelle 1992, 2000; Agawu 1991, 2009; Hatten 1994. Para uma discussão mais aprofundada da teoria de topoi e da correspondência entre o termo carácter e tópico na obra de Machado e de outros tratadistas e lexicógrafos oitocentistas portugueses, vide Pinto, 2010, 2012.

16 Vide Pinto 2012.

17 Vide Monelle, 2000, pp. 45-65; Pinto, 2010: pp. 116).

18 Apesar dos vários esforços, não foi possível estabelecer uma datação para esta fonte. Nela pode identificar-se o uso do registo clarino, compreendido entre os harmónicos 8 a 13, em toques de carácter solene, especialmente na apresentação e desfile de estandartes. Por outro lado, outros toques fazem uso da terceira maior no registo grave o que indica que todos os toques inclusos poderão ter sido realizados no registo clarino. O confronto entre as várias coleções permitiu identificar, entre todas, a existência de peças e motivos comuns: uma linha melódica em registo principale, destinada ao acompanhamento dos toques de carácter solene, executados em consorte, é utilizada sobre o título “marcha grave” no manuscrito de 1797, e terá permanecido como toque comum no repertório de clarim, pois ainda se encontra, sob o título “marcha de guerra”, no Apenso publicado em 1986 pelo Estado Maior do Exército. É nosso intento debruçarmo-nos sobre esta matéria noutro artigo.

19 SOUSA (2012; 2013) asseverou a similitude entre os toques de clarim britânicos e portugueses, necessários ao entendimento operacional dos militares das nações da Aliança, aquando das Guerras Napoleónicas.

20 O clarim, na época de Beresford é afinado em sol, “Gsolreut”. O manuscrito está, todavia, escrito em Dó, evidenciando uma convenção de escrita que visava facilitar a leitura.

21 As fontes [Estampa], Toques de campo (...), Toques de Quartel e [Toques] do espólio General Ribeiro Artur fazem uso de toques existentes na colecção de 1816; a sua datação não é possível no âmbito deste artigo, mas podemos concluir que terá sido realizada após 1816 ou 1825 e antes da publicação dos Regulamentos da década de 1890, visto que estes últimos incluem alguns dos toques identificados.

22 Ainda que se desconheça o âmbito da aplicação destas colecções de toques no reino português, parece-nos crível o seu uso no reino e suas colónias, bem como o possível conhecimento das coleções pelos compositores em discussão neste artigo. Quanto à validade da tessitura considerada para o toque de clarim no âmbito deste artigo após a independência do Brasil, acreditamos que a eventual génese de toques de clarim para o novo Estado se encontraria em conformidade com a tessitura empregue até então e no período seguinte, nomeadamente o uso dos harmónicos 3 a 10, com omissão do harmónico 7.

23 Este toque compreende a tessitura consensual do clarim. Nos Exercícios para a caixa de guerra e clarim, Artur Fão lista os harmónicos (em dó) 3 a 12 como âmbito do clarim e faz uso dos harmónicos 3 a 11 nos exercícios, afirmando que os harmónicos 7 e 11 são defeituosos, mas que este último “usa-se com a mais completa tolerância do ouvido como fá”.Fruto de tal confirmação, tomamos por correcto o âmbito do toque referido.

24 Vide Monelle, 2006, pp. 35-181.

25 Vide Monelle, op. cit..

26 Sousa, 2012. Os autores agradecem a Pedro Marquês de Sousa as informações gentilmente cedidas.

27 Vide, por exemplo, a entrada “Cantabile” no Diccionário Musical (1842) de Rafael Coelho Machado.

28 Para o estudo das propriedades afectivas correlacionadas com tonalidade, vide Steblin (1983) e Ishiguro (2010).

29 Christian Schubart, Ideen zu einer Aesthetik der Tonkunst (1806) apud Rita Steblin, A History of Key Charac- teristics in the 18th and Early 19th Centuries. UMI Research Press, (1983). Não será todavia certo que a obra do autor fosse conhecida em Portugal ou Brasil, ou que o entendimento das associações retóricas a determinadas tonalidades fosse obrigatoriamente o mesmo nestes países. Todavia, a importação de instrumentário, de instrumentistas oriundos dos estados alemães e dos seus modelos de actividade e técnica instrumental justifica o uso desta obra como fonte (vide DODERER, 2003, pp. 7-34).

30 Vide Edward Tarr, “Trumpet” in Stanley Sadie (ed.), The New Grove Dictionary of Music and Musicians, 2001.

31 Vide “Clarinete”, “Flauta”, “Oboé” in Vieira 1899.

32 Alla zoppa (“cambalear”) é um tópico caracterizado pelo uso de irregularidade métrica, que visa contrastar com materiais musicais em regularidade e uniformidade métrica, no intuito de promover variedade.

33 Vide Edward Tarr, op. cit.

34 Deve notar-se que a fundamental é dificilmente realizável nos instrumentos de vibração labial; todavia, neste artigo, faz-se referência à fundamental em relação aos demais harmónicos utilizados.

35 A classificação dos harmónicos utilizados é dúbia: estabelecemos as correspondências entre os toques, tomando como fundamental a nota da quarta voz; a quinta voz ficaria uma oitava abaixo dessa fundamental. Por outro lado, a realização desta fanfarra pelo mesmo instrumentário exigiria o uso de registo agudo para as primeira e segunda vozes, o que não se observava nos toques de clarim, mas no âmbito concertístico ou marcial; como acima foi dito, os toques de clarim fazem uso habitual dos harmónicos 2 a 8 e, em casos raros e específicos, dos harmónicos 4 a 6, 8 a 10 e 12. Finalmente, a repetição do motivo e a realização da cláusula não seriam possíveis no mesmo instrumentário.

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36 Nesse caso, o contorno melódico, que num efectivo constituído por instrumentário similar, requeria os harmónicos 8 a 16, em instrumentos diversos, afinados à distância de oitava, exigia apenas os harmónicos 4 a

10 para as primeira e segunda vozes.

37 Assim poder-se-à justificar a voz escrita uma oitava inferior da fundamental como possível harmónico de um instrumento de registo grave.

38 Se atendermos à escrita orquestral para o instrumentário de vibração labial, é requerida muitas vezes a alteração da afinação, possível através da adição de bombas ou roscas no corpo do instrumento. Consideramos a troca de intérprete e ou instrumento à luz das práticas de orquestração empregues até à importação do instrumentário com chaves, pistões ou válvulas: por exemplo, no século XIX eram utilizados dois pares de trompas em afinações distintas, compreendidas, na maioria dos casos - e à semelhança do exemplo em discussão – à distância de uma quarta inferior.

39 A tradução literal é “golpes de martelo”, que se refere a blocos harmónicos curtos, em relações harmónicas de tónica e dominante, em intensidade forte e ataque marcato.

40 Este tipo de escrita para trompas surge frequentemente nas obras instrumentais para solista e efectivo acompanhador do compositor Francisco Santos Pinto, activo entre as décadas de 1830 e 1860.

41 As relações textuais que dela resultam, no âmbito de uma nova obra, adquirem suma relevância. A associação do Hino da Independência do Brasil aos Hino de Aclamação de D. João VI e ao Hino Patriótico poderão, além da clara economia de meios, visar outros intuitos. A citação musical gera um texto paralelo que potencia possivelmente um entendimento mais amplo do que o ideário manifesto na letra do hino, e que se encontrava acessível à sociedade brasileira coeva. Entre estes refiram-se por exemplo a associação da Independência do Brasil à Dinastia de Bragança. Recorde-se, por exemplo, que o último título de D. João VI é Imperador do Brasil e que a Dinastia brigantina reinou no Brasil até 1889, e em Portugal até 1910.

42 Se não for tomado em conta o harmónico 9, é justificada a classificação em sub-tópico marcha.

43 A duração das figuras rítmicas sugere uma marcha grave.

44 A significação não é contemporânea mas mítica: a figura do militar, que personifica a figura do herói, está des- ligada das virtudes morais (MONELLE, 2006, pp. 35ss.).

45 Kabawata (2004, p. 91) denominou “códigos de heroísmo” aos significantes em estilo militar existentes no repertório violinístico francês composto após a Revolução. A autora afirma que estes se inseriam no aparato heróico da cultura musical da época posterior à Revolução e que a associação destes significantes musicais a esse significado era certificada por um discurso que conferia aos intérpretes qualidades de heroísmo, poder e virilidade.

46 Ver Pacheco, 2012a.

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Alberto José Vieira Pacheco - Doutor em música pela UNICAMP. Atualmente realiza seu pós-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, CESEM, como bolsista da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal), pesquisando “O Repertório de obras dramático-musicais ocasionais em Portugal e no Brasil”. Nesta mesma ins- tituição é um dos membros fundadores do Caravelas, Núcleo de Estudos da História da Música Luso-Brasileira. É Presidente do Conselho Fiscal da Sociedade Portuguesa de Musicologia.

Rui Magno Pinto - Doutorando, bolsista da FCT, em Ciências Musicais Históricas na Faculdade de Ciências So- ciais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e membro integrado do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical. A sua dissertação de doutoramento, orientada pelo Prof. Dr. Paulo Ferreira de Castro, discute a “emergência de uma cultura sinfónica em Lisboa entre 1846 e 1911.” Concluiu na mesma instituição de ensino em

2010 o mestrado em Ciências Musicais, variante de Musicologia Histórica, com a dissertação “Virtuosismo para instrumentário de sopro em Lisboa (1821-1870)”, e a licenciatura em Ciências Musicais em 2007. Foi bolsista dos seguintes projectos de investigação, financiados pela FCT e orientados pelo CESEM: “Património Musical – Fun- dação Jorge Álvares” (Julho a Novembro de 2011) e “O Teatro de São Carlos: as artes performativas em Portugal (Outubro de 2007 a Outubro de 2010).


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