Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 199p., n.2, 2013

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Composição do Ponteio nº 5 de pedro miguel a partir da modelagem sistêmica do Ponteio nº 15 de Camargo guarnieri

Pedro Miguel de Moraes (UFCG, Campina Grande, PB)

pedromiguelmusica@globomail.com

Liduino Pitombeira (UFCG, Campina Grande, PB)

pitombeira@yahoo.com

Resumo: Este artigo apresenta as etapas da modelagem de um sistema composicional baseado na análise do Ponteio Nº

15, de Camargo Guarnieri, e a posterior utilização deste sistema na composição de uma peça original para piano, Pon- teio Nº 5, do compositor Pedro Miguel. A modelagem de sistemas composicionais consiste na formulação de defini- ções a partir da observação do comportamento de parâmetros musicais de determinada obra, se configurando, assim, como uma atividade de reengenharia composicional. Este trabalho utiliza referenciais teóricos da Teoria Geral dos Sis- temas, especialmente Bertalanffy (2008), da Teoria dos Sistemas Composicionais (LIMA, 2011) e é apresentado essen- cialmente em duas fases: a primeira referente à modelagem do sistema composicional definido a partir da análise do Ponteio Nº 15 de Guarnieri e a segunda referente ao planejamento e composição de uma obra para piano a partir do sis- tema modelado. Este trabalho visa contribuir, do ponto de vista analítico, para a compreensão da linguagem guarnie- riana, e, do ponto de vista composicional e pedagógico, para a sistematização de uma prática composicional racional. Palavras-chave: Modelagem sistêmica; Ponteio Nº 15 de Camargo Guarnieri; Sistemas composicionais; Análise musical.

Composition of the Ponteio No. 5 by Pedro Miguel based on the Systemic Modeling of Guarnieri’s Ponteio No. 15

Abstract: This paper presents the steps for the modeling of a compositional system based on the analysis of Camargo Guarnieri’s Ponteio No. 15, and the subsequent use of this system in the composition of an original piece for piano, Ponteio No. 5, by the composer Pedro Miguel. The modeling of compositional systems consists of the formulation of definitions from the observation of the behavior of musical parameters within a given piece, which is something similar to a compositional reengineering. This paper uses theoretical frameworks from the General Systems Theory, especially Bertalanffy (2008), the Theory of Compositional Systems (LIMA, 2011), and is presented mainly in two phases: the first phase is related to the modeling of the compositional system defined from the analysis of Ponteio No. 15 of Guarnieri and the second phase is related to planning and composing a work for piano from the modeled system. This work aims to contribute, from an analytical perspective, to understand the guarnierian language, and, from the compositional and pedagogical standpoint, to a systematization of a rational compositional practice. Keywords: Systemic modelling; Camargo Guarnieri’s Ponteio No. 15; Compositional systems; Musical analysis.

1. Introdução

Este artigo descreve os procedimentos utilizados na composição de uma obra para piano, intitulada Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel, a partir da modelagem do sistema compo- sicional do Ponteio Nº 15, do Segundo Caderno de Ponteios de Camargo Guarnieri. O tra- balho pode ser essencialmente dividido em duas partes. Na primeira parte, analisaremos o Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri, com ênfase nos aspectos estruturais, harmônicos e texturais. Os resultados desta análise nos permitirão delinear um sistema composicional com o potencial teórico de gerar a obra analisada, analogamente ao procedimento tecnológi- co denominado engenharia reversa. Na segunda parte, descreveremos o planejamento com- posicional do Ponteio Nº5, com base na mesma estrutura sistêmica do Ponteio Nº 15.
A aplicação desta metodologia de trabalho no âmbito composicional se torna viável com a introdução do conceito de modelagem sistêmica, que pode ser basicamente definido como a formulação de uma série de hipóteses acerca dos princípios estruturais observados em diversos parâmetros musicais de uma obra. Este conceito, que, de certa forma, se inspira na modelagem matemática utilizada na engenharia, se desenvolve, como veremos na seção
3 deste artigo, a partir de uma hierarquização intrínseca à Teoria Geral dos Sistemas e mais

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especificamente à Teoria dos Sistemas Composicionais, uma vez que nosso objetivo não é reconstruir literalmente a obra analisada, mas produzir uma nova composição que apenas herde características sistêmicas isomorficamente relacionadas ao original.
Iniciaremos este trabalho com uma breve fundamentação sobre modelagem sistê- mica, sistemas composicionais e com algumas informações históricas sobre os Ponteios de Guarnieri, para, em seguida analisar o Ponteio Nº 15, extraindo daí um modelo de sistema composicional. Para finalizar, utilizaremos este mesmo sistema no planejamento da nova obra, o Ponteio Nº 5.

2. Modelagem sistêmica

Segundo Bruno Mororó (2008, p. 87), “um modelo é definido como a representação simplificada de um sistema real com o objetivo de estudo deste sistema”. Na engenharia, a modelagem inclui basicamente o modelo físico, que é criado em uma escala geométrica re- duzida, mas conservando as mesmas características essenciais do sistema real (protótipo), bem como o modelo matemático, que propõe uma estrutura formal capaz de reproduzir o sistema real, em termos de seus dados de entrada e saída. Este modelo matemático pode ser estático, dinâmico, determinístico, estocástico, discreto ou contínuo.
No Gráfico 1a, observa-se uma curva construída a partir dos dados produzidos por um sistema real qualquer. Supõe-se aqui uma dependência da variável contínua y com re- lação à variável contínua x. Neste caso, se x for tempo e y energia, estaremos representando um sistema onde a energia aumenta com o passar do tempo.
No Gráfico 1b, observa-se a representação de uma modelagem matemática, que re- produz, satisfatoriamente, este sistema real. A curva relativa a este modelo é construída a partir da função linear y = ½ x + 3, determinada por um procedimento de tentativa e erro. Desta forma, mesmo sem reproduzir literalmente, em nível microscópico, a curva de dados do sistema real, o modelo matemático simula sua tendência ascendente (inclusive com in- clinação similar) e a dependência entre as variáveis, contendo até mesmo diversas coinci- dências de valores, como por exemplo, para x = 2, y = 4, tanto no sistema real, como no mo- delo matemático. Além disso, a equação nos permite determinar a situação de y para valores futuros de x que não estão explícitos na amostragem de dados do sistema real. Este mode- lo matemático é dinâmico (supondo que o eixo das abscissas representa o tempo), contínuo (porque as variáveis são contínuas, ou seja, não ocorrem por incrementos discretos) e de- terminístico, porque, além de se poder determinar estados futuros, não faz uso de variáveis aleatórias próprias de modelos probabilísticos.
A modelagem sistêmica é aplicada na análise musical como uma analogia à modela- gem matemática e tem por finalidade compreender os princípios estruturais observados em diversos parâmetros musicais de uma obra, bem como as relações entre os valores associados a esses parâmetros, em suas diversas dimensões1. Mais especificamente com fins composi- cionais, o resultado da modelagem se concretiza pela definição de um sistema, que descreve, de forma generalizada, a aplicação desses parâmetros e suas relações internas. É importante salientar que, como no domínio composicional o objetivo é criar obras originais, a genera- lização dessas relações se constitui em uma etapa fundamental na definição do sistema. As particularidades são definidas em uma fase posterior, denominada planejamento composi- cional, cuja definição nos é fornecida por J. Orlando Alves (2005, p. 35).2 A obra original é, assim, um dos possíveis planejamentos composicionais derivados de uma estrutura maior – o sistema composicional – que passaremos a definir pormenorizadamente na próxima seção.

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Gráfico 1a: Curva representativa de um sistema real qualquer. Gráfico 1b: Curva representativa de um modelo matemático para este sistema real.

3. Sistemas composicionais

“Um sistema é um complexo de elementos em interação”. Esta definição nos é for- necida pelo formulador da Teoria Geral dos Sistemas, Ludwig von Bertalanffy (2008, p. 84). Bertalanffy propõe uma categorização de sistemas, posicionando a música, as artes em ge- ral e a linguagem em um grau de hierarquia que ele denomina de Sistemas Simbólicos, nos quais os padrões se estabelecem a partir de códigos simbólicos ou, como ele mesmo desig- na, a partir de “regras do jogo” (idem, p. 53). A Tabela 1 mostra, de forma resumida, a hie- rarquização de sistemas proposta por Bertalanffy.

Tabela 1: Categorização dos Sistemas, segundo Bertalanffy (2008), p. 52-53.

Nível

Descrição e Exemplos

Teoria e Modelos

1.

Estruturas estáticas

Átomos, moléculas,...

Fórmulas químicas

2.

Relojoaria

Relógios, sistemas solares,...

Mecânica Newtoniana e Einsteiniana

3.

Mecanismo de controle

Termostato

Cibernética

4.

Sistemas abertos

Células

Metabolismo, Genética

5.

Organismos inferiores

Vegetais

Faltam teorias e modelos

6.

Animais

Sistemas nervosos, aprendizagem,...

Teoria dos autômatos, retroação,...

7.

Homem

Simbolismo, autoconsciência,...

Incipiente teoria do simbolismo

8.

Sistemas socioculturais

Populações de organismos, comunidades de- terminadas por símbolos,...

Leis estatísticas de dinâmica populacional, sociologia, economia, história

9.

Sistemas simbólicos

Linguagem, lógica, matemática, arte, moral,...

Algoritmos de símbolos: “regras do jogo”, tais como nas artes visuais, na música etc.

Diversamente dos sistemas naturais, isto é, “sistemas que não devem sua própria existência a um planejamento ou execução consciente do homem” (LAZLO, 1972, p. 23 apud Vasconcellos), os sistemas musicais consistem em “conjuntos bem definidos de opera- ções realizadas em configurações musicais” (WINHAM, 1970, p. 43, tradução nossa)3. Estes conjuntos de operações podem consistir, por exemplo, de transposições, inversões, retro- gradações, filtragens etc., as quais são aplicadas em parâmetros musicais, que Winham de- nomina de configurações.
Neste artigo, empregamos a definição de Sistema Composicional, sugerida por
Flávio Lima (2011, p. 63): “um conjunto de diretrizes, formando um todo coerente, que co- ordenam a utilização e interconexão de parâmetros musicais, com o propósito de produzir

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obras musicais”. Em termos práticos, os sistemas composicionais são constituídos de uma série de definições originalmente criadas ou que refletem as características paramétricas de uma obra analisada, como é caso deste trabalho. Quanto mais abertas essas definições, isto é, quanto menos o sistema estabelece especificidades, maior é a multiplicidade de planeja- mentos potencialmente provenientes desse sistema.
Propomos que um sistema composicional pode ser original, isto é, elaborado com base em definições criadas pelo compositor (conectadas ou não com algum modelo extra- musical, extraído das artes visuais, da literatura etc.) ou modelado a partir da análise de uma determinada obra musical. Em ambos os casos, um sistema composicional pode ser fe- chado ou aberto. Um sistema fechado produz informação sem necessidade de conexões ex- ternas (input) e um sistema aberto atua como uma estrutura transformacional, apresentan- do na saída (output) versões modificações das informações fornecidas na entrada, de acordo com operações internas pré-definidas. Exemplos deste último caso são os sistemas intertex- tuais, que, realizam alterações, com diversos níveis de inteligibilidade, em intertextos ali- mentados na entrada.

Figura 1: Sistema Intertextual.

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O diagrama da Figura 1 exemplifica um sistema original aberto, cuja estrutura é formada pela coordenação de quatro ferramentas ou subsistemas internos: um filtro de al- turas, que tem a função de abstrair as alturas, armazenando a estrutura rítmica em um bu- ffer, para posterior utilização (sendo o próprio buffer um subsistema); um desordenador4, cuja função é embaralhar as alturas de determinado segmento; e, finalmente, um remetri- ficador, que reaplica a estrutura rítmica original armazenada no buffer às alturas produ- zidas pelo desordenador. Assim, ao alimentarmos esse sistema com os cinco compassos iniciais das Variações para Piano, Op. 27, de Anton Webern, o sistema inicialmente remo- ve a estrutura rítmica armazenando-a em um buffer, desordena as alturas (individualmen- te para as pautas inferior e posterior), reaplica a estrutura rítmica original e fornece uma nova saída, com a mesma estrutura rítmica da peça original, mas com as alturas totalmen- te desordenadas. Observe-se que esse sistema é insensível ao andamento, às dinâmicas e às articulações do texto original, e, assim, estes parâmetros são eliminados durante o pro- cesso transformacional. Um estudo aprofundado sobre sistemas intertextuais, incluindo diversas aplicações composicionais a partir da manipulação de intertextos, pode ser en- contrado em Lima (2011).
Um exemplo de sistema original fechado, arbitrariamente batizado aqui de Sistema Pentatônico, extremamente simples e, por isso, com uma grande flexibilidade para pos- sibilitar a elaboração de diversos planejamentos composicionais, é mostrado na Tabela 2. Observe-se que esse sistema não fornece informações com relação à dinâmica, à textura, à instrumentação, à estrutura etc., devendo esses aspectos ser definidos pelo compositor du- rante a fase de planejamento composicional.

Tabela 2: Proposição de um Sistema Composicional Original.

Sistema Pentatônico

Definição 1

A textura musical utilizará exclusivamente sonoridades provenientes de duas escalas pentatônicas assemitônicas com duas alturas comuns.

Definição 2

A conexão entre as sonoridades ocorrerá predominantemente de forma parcimoniosa5, isto é, as conexões internas, em nível de “vozes”, dar-se-ão de forma econômica, por intervalos de segunda menor.

A partir deste sistema, planejaremos, a título de exemplo, dois pequenos trechos de oito compassos, para quinteto de madeiras, com a finalidade de tornar mais clara a dis- tinção entre sistema composicional e planejamento composicional. Ambos os trechos são totalmente fieis às restrições sistêmicas e focalizam exclusivamente no parâmetro altura, bem como no procedimento de conexão parcimoniosa entre as sonoridades. Para o planeja- mento do Trecho 1 decidimos que a textura varia de densa para rarefeita e a dinâmica cres- ce e decresce. Para o Trecho 2, a dinâmica cresce do início ao final e a textura se comporta de maneira inversa à textura do Trecho 1. As conexões entre as sonoridades também ocor- rem de maneira diferenciada nos dois trechos: enquanto no primeiro trecho o movimento entre as sonoridades ocorre em blocos verticais sincronizados, conservando constantemen- te características sonoras pentatônicas, no segundo trecho o movimento é assíncrono, pro- duzindo entidades verticais que são estranhas às sonoridades pentatônicas.
No diagrama da Figura 2, apresenta-se o planejamento das alturas e das conexões entre as sonoridades para o primeiro trecho (parte superior) e para o segundo trecho (parte inferior). Os números na parte superior dos diagramas se referem aos números de compas- sos dos trechos. As escalas pentatônicas escolhidas para ambos os trechos também são dis- tintas: para o primeiro trecho escolhemos as pentatônicas de Dó e Lá, que têm duas alturas em comum (Mi e Lá), segundo solicita a Definição 1 do sistema; para o segundo trecho, es-
colhemos as pentatônicas de Ré e Fá, também com duas alturas comuns (Ré e Lá). O siste-

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ma também não fornece informações acerca da estrutura rítmica, ficando a definição desta a cargo do compositor. Desta forma, o primeiro trecho será construído com maior comple- xidade e atividade rítmica do que o segundo trecho.

Figura 2: Planejamento das conexões de alturas em dois trechos para quinteto de madeiras.

As Figuras 3 e 4 mostram respectivamente os Trechos 1 e 2, compostos a partir das características planejadas. Observe-se que, enquanto ambos os trechos seguem rigoro- samente as definições impostas pelo sistema, as flexibilidades possibilitadas pela genera- lização, que são características ontológicas do sistema, e as diferenciações decorrentes das decisões composicionais adotadas na fase de planejamento, conferem a estes trechos perfis bastante distintos.
Desta forma, o Trecho 1, conforme determina a Definição 1, se restringe exclusi- vamente às alturas determinadas na fase de planejamento (Figura 2) e as conexões entre as sonoridades seguem a Definição 2, que estabelece a parcimônia de condução como o prin- cípio predominante, mas não exclusivo. Das onze passagens de conexão entre as sonorida- des (inícios dos compassos 3, 6 e 7) uma passagem apenas não utiliza a parcimônia (oboé entre o compassos 6 e 7) e outra passagem, embora utilizando um intervalo de segunda menor, vai em direção contrária ao estabelecido no planejamento (clarinete entre os com- passos 5 e 6). A textura, conforme foi estabelecido no planejamento, vai de densa para ra- refeita, segundo se verifica pela quantidade decrescente de instrumentos atuantes (5-4-3-
2). A curva dinâmica do trecho cresce e decresce. Com relação às configurações rítmicas, observa-se que o Trecho 1 é mais complexo quando comparado ao Trecho 2, de acordo com o planejado.

Figura 3: Trecho 1, elaborado a partir do Sistema Pentatônico.

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Figura 4: Trecho 2, também elaborado a partir do Sistema Pentatônico.

Neste artigo, trabalharemos exclusivamente com o sistema modelado do tipo fecha- do. Primeiramente, deve-se compreender que a delineação de um sistema composicional a partir de modelagem, ou seja, a partir da observação de características paramétricas de uma determinada obra, não pretende ser exaustiva ou absoluta. Isto significa que a modelagem depende do repertório analítico do observador, bem como da prioridade que é dada a um conjunto de parâmetros específicos. Assim, por exemplo, se o analista se inclina a focali- zar sua análise no parâmetro contorno6, o modelo produzido nessa perspectiva de observa- ção será bem diferente do modelo produzido a partir da focalização no parâmetro simetria7.
Para exemplificar esta metodologia, elaboramos um sistema que se estabelece a partir da modelagem dos sete primeiros compassos das Variações para Piano, Op. 27, de Anton Webern, mostrado na Figura 5. Salientamos que esta modelagem não descreve as re- lações estruturais da obra como um todo (uma composição que consiste de três variações com duração total de 10 minutos), uma vez que estamos tomando um trecho isolado, apenas para efeito de exemplificação da metodologia de modelagem sistêmica.

Figura 5: Sete compassos iniciais das Variações para Piano, Op. 27, de Webern.

Em nossa análise do trecho, focalizaremos somente nos parâmetros altura e ritmo. Inicialmente, verificamos que Webern agrupa as classes de alturas8 em segmentos tricor- dais distribuídos na textura de forma palindrômica. Observamos também que os quatro primeiros tricordes (mão direita e esquerda), até o compasso 4.19, formam um agregado cro- mático, isto é, a junção destes quatro tricordes produz as doze alturas cromáticas. O mesmo ocorre, consequentemente, com a metade complementar do palíndromo.
A Figura 6 mostra o mesmo trecho de Webern, agora com as classificações dos con- juntos de classes de alturas e um diagrama (abaixo) com uma hipótese da distribuição da
série dodecafônica entre os tricordes de cada metade do palíndromo. A série dodecafônica

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do trecho é formada pela justaposição de quatro classes de conjuntos que têm a possibilida- de de se conectar parcimoniosamente pela alteração de apenas uma classe de altura: [012], [013], [014], [015]. A estrutura rítmica também é palindrômica, como se pode verificar ao considerarmos apenas os pontos de ataque10 do trecho, isto é, eliminando o aspecto duracio- nal dos eventos rítmicos (Figura 7). Observa-se que a máxima simultaneidade de pontos de ataque que ocorre no trecho se dá no somente em nível de díades e que a resultante rítmica da justaposição dos conteúdos de ambas as mãos do piano, gera um padrão de grupos de se- micolcheias separados por pausas de semicolcheias (linha inferior da Figura 7) que não se sintoniza com a métrica ternária indicada na superfície.

Figura 6: Análise dos sete compassos iniciais das Variações para Piano, Op. 27, de Webern.

Figura 7: Estrutura palindrômica no ritmo dos sete compassos iniciais das Variações para Piano, Op. 27, de Webern.

As características aqui enumeradas nos permitirão elaborar um sistema compo- sicional. O primeiro passo na elaboração desse sistema consiste na generalização destas características, ou seja, consideraremos o texto original como um caso particular de pla- nejamento composicional derivado de uma estrutura hierarquicamente mais profunda: o sistema composicional. Nesta generalização desaparecem as informações de superfície, tais como, fórmula de compasso, andamento, dinâmica, constituição particular da série, ordem

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de apresentação da série etc. Permanecem como características fundamentais as ideias de palíndromo (para as alturas e para o ritmo), de construção da série por tricordes com alto grau de relação parcimoniosa, de uso de segmentos tricordais, de assincronismo entre fór- mula de compasso e figurações rítmicas e de máxima simultaneidade de ponto de ataque em nível de díade.
É nossa hipótese que um sistema capaz de gerar um planejamento composicional que produza o trecho recortado das Variações para Piano, Op. 27, de Webern é formado pe- las definições elencadas na Tabela 3. Denominaremos esse sistema de W-27.

Tabela 3: Proposição de um Sistema Composicional Original.

Sistema W-27

Definição 1

O material básico da obra é uma série dodecafônica derivada a partir de tricordes que se conectem parcimoniosamente pela alteração de apenas um de seus valores constituintes.

Definição 2

Sempre que se conclui a apresentação de uma forma da série esta é reapresentada palindromicamente utilizando sua forma retrógrada.

Definição 3

A série é sempre apresentada em segmentos tricordais.

Definição 4

A estrutura rítmica é palindrômica.

Definição 5

Não haverá mais do que dois pontos de ataque simultâneos.

Definição 6

A estrutura rítmica resultante da combinação das diversas camadas é assíncrona com relação à métrica proposta na fase de planejamento.

Tomando como base este sistema, que foi construído a partir de generalizações do trecho de Webern, planejaremos uma nova obra para trio de madeiras (oboé, clarinete e fa- gote). O primeiro passo consiste em construir uma série que siga as restrições impostas na Definição 1 do sistema W-27, ou seja, uma série derivada, cujos tricordes se conectem par- cimoniosamente pela alteração de apenas um de seus valores constituintes. Decidimos pela utilização das classes tricordais: [024], [025], [026] e [027], que se adequam perfeitamente à Definição 1. Escolhemos então, da paleta de transposições e inversões desses tricordes, aqueles com a possibilidade de formar um conjunto de doze alturas diferenciadas e assim chegamos à série {9B318602457A}. A Figura 8 mostra a série e seus tricordes constituintes.

Figura 8: Série dodecafônica do sistema W-27.

Também nesta fase de planejamento, definimos que a fórmula de compasso é 5/16, de tal forma que em cinco compassos temos o equivalente a 25 semicolcheias, as quais po- dem ser distribuídas em seis grupos de três semicolcheias, iniciadas, finalizadas e separa- das por sete pausas de semicolcheias. A disposição destes grupos de três semicolcheias se relacionam com a Definição 6, que trata do assincronismo entre a métrica natural da fór- mula de compasso e a estrutura rítmica dos pontos de ataque resultante da justaposição das camadas instrumentais. Esta distribuição nos auxiliará a inserir os pontos de ataque na textura musical, observando a restrição da Definição 5, que limita a ocorrência de si- multaneidade a no máximo dois pontos de ataque. Na Figura 9 temos uma realização des- te planejamento em notação musical, onde se observa a aplicação das Definições 2 (ime- diata reapresentação palindrômica da série), 3 (segmentos tricordais) e 4 (estrutura rítmica palindrômica).

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Trataremos agora da modelagem do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri, com o objetivo de definir um sistema composicional que possibilite a criação de uma obra origi- nal (Ponteio Nº 5). Antes, porém, façamos uma rápida contextualização musicológica dos Ponteios de Camargo Guarnieri.

Figura 9: Trecho composto a partir do sistema W-27.

4. Os Ponteios de Camargo Guarnieri

Segundo Belkiss Carneiro de Mendonça (2001, p. 402), os Ponteios “são pequenas miniaturas sem forma definida, a maioria monotemática, variando o espírito e a maneira de exprimir, mas conservando em todos eles o profundo sabor da música nacional”. A palavra ponteio vem do verbo “pontear”, que se relaciona com o procedimento, entre os violeiros, de averiguar a afinação através da execução de um prelúdio antes de iniciar a tocar. Para Guarnieri, os Ponteios, “na verdade, são prelúdios que têm caráter clara e definitivamente brasileiro” (VERHAALEN, 2001, p. 128).
Os Ponteios de Guarnieri foram criados entre 1931 e 1959 e consistem em cinquenta obras divididas em cinco cadernos, cada um com dez obras. O primeiro caderno foi compos- to entre 1931 e 1935, o segundo caderno, entre 1947 a 1949 e o terceiro caderno, entre 1954 e 1955. Depois desse período inicial, os cadernos foram escritos com uma maior regularida- de. Assim, o quarto caderno foi escrito de 1956 a 1957, e o quinto caderno, de 1958 a 1959.

Uma análise prospectiva inicial nos revela que determinadas características ma- nifestam-se na maior parte dos Ponteios. Estas congruências, assim como as peculiarida- des de cada peça, nos permitem traçar um perfil aproximadamente homogêneo para o con- junto. Assim, observamos que, com exceção dos Ponteios Nº16 e Nº20, todas as peças do segundo caderno, por exemplo, apresentam-se na forma ABA’. Nos Ponteios Nºs 14, 15 e 19, há duplicação de seções. No Ponteio Nº19, por exemplo, a macroestrutura consiste num ABB’A’. É frequente o uso de codas e bem mais raro o uso de introduções. Guarnieri “con- siderava quase todos os Ponteios monotemáticos, com exposição seguida por reexposição” (VERHAALEN, 2001, p. 128). Essa afirmação de Guarnieri gera ambiguidades com relação à existência de uma seção central com material independente nessas peças. De fato, em al- guns momentos, mostra-se duvidosa a existência ou não de tal seção central. Estes trechos, aos quais chamamos de seção B, muitas vezes parecem apenas constituir uma “continua- ção do material principal”, como aponta Verhaalen (2001, p. 128). A comparação detalhada

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do comportamento da textura, ritmo, melodia e harmonia nos trechos centrais e nas seções temáticas dos Ponteios leva à conclusão que tais comportamentos contrastam entre si o sufi- ciente para criar a percepção de uma estrutura formal heterogênea, ainda que materiais mo- tívicos (rítmicos, melódicos ou harmônicos) sejam emprestados das seções temáticas para originar as seções centrais, estreitando assim sua relação. A heterogeneidade fica mais clara no ponto seccional que marca o retorno do tema, cuja articulação reforça a ideia de contras- te. Contraste tão marcante para o aspecto macroestrutural que aponta para a delimitação de uma seção B em 80% das peças observadas.
Outro aspecto que aproxima boa parte dos Ponteios são as figurações rítmicas que Guarnieri utiliza. Em grande parte dessas peças percebe-se um movimento perpétuo de determinadas figuras rítmicas, que pode aparecer tanto na forma de ostinatos (Figura 10) quanto de estruturas harmônicas em style brisé11 (Figura 11), observado, sobretudo, em to- catas barrocas.

Figura 10: Gestos iniciais do Ponteio Nº 18, de Camargo Guarnieri, onde se observa o uso de ostinato na mão esquerda do piano.

Figura 11: Gestos iniciais do Ponteio Nº 21, de Camargo Guarnieri, onde se observa o uso de style brisé.

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Em relação ao aspecto textura, podemos traçar uma linha divisória, observando exclusivamente o segundo caderno de Ponteios, a partir da qual podem ser verificados ba- sicamente dois tipos texturais: o primeiro tipo, que pode ser encontrado nos ponteios s11,

13, 15, 17, 19 e 20, consiste em camadas que desempenham funções distintas (melodia, har- monia e baixo), mas colaboram para construir o mesmo ambiente musical. Os quatro pri- meiros compassos do Ponteio Nº 13 (Figura 12) exemplificam esse tipo textural, onde é pos- sível perceber três camadas (superior, intermediária e inferior) que em conjunto constroem um único ambiente sonoro. O segundo tipo textural, que pode ser encontrado nos ponteios Nºs12, 14, 16 e 18, consiste na sobreposição de camadas que, embora coexistindo no mes- mo espaço musical, representam ambientes sonoros completamente distintos, seja do pon- to de vista rítmico, harmônico, ou de ambos. A Figura 13 mostra o início do Ponteio Nº 12, que exemplifica esse tipo textural, onde a camada superior (mão direita) realiza uma linha melódica que implica uma harmonia com fortes relações tonais, enquanto a camada infe- rior executa acordes que não seguem essa harmonia implícita. Nas peças em que Guarnieri emprega esse segundo tipo textural (sobreposição), uma das camadas situa-se próximo de uma linguagem mais tonal ou modal, enquanto a outra camada traz sonoridades comple- tamente atonais ou, quando de mesma natureza harmônica (ou mesmo distinta), traz am- biguidade rítmica.

Figura 12: Início do Ponteio Nº 13, de Camargo Guarnieri.

Figura 13: Início do Ponteio Nº 12, de Camargo Guarnieri.

Considerando os aspectos melódico-harmônicos, podemos traçar características ge- rais dos materiais utilizados pelo compositor e a maneira como este os utilizou. Um dos pro- cedimentos que se observa nos Ponteios é a construção de um tema sobre uma escala mo- dal, por vezes indefinida, sendo este tema inserido em ambientes cromáticos, quartais, de tríades e tétrades, criando assim uma sonoridade bastante peculiar que se torna marcante na obra de Guarnieri. Vemos na Figura 14, o início do Ponteio Nº 11. A linha melódica da voz superior pode estar no modo Mi Eólio, faltando apenas a classe de altura Dó para que se possa garantir esta afirmativa. Assim, o fato do modo ser apresentado incompleto indica indefinição com relação ao material escalar, uma vez que existe a possibilidade da classe de

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altura implícita ser Dó#, alterando o modo para Dórico. Esta linha melódica é acompanha- da por duas linhas que utilizam alturas estranhas ao contexto do modo Mi Eólio. De fato, neste fragmento, a única altura cromática ausente é o Sol#.
Outro procedimento que pode ser observado nos Ponteios é a harmonização cro- mática gerada por movimentações parcimoniosas das vozes que formam as estruturas ver- ticais. Assim, por exemplo, os acordes da mão esquerda do piano, nos quatro primeiros compassos do Ponteio Nº 12, mostrado Figura 13, se conectam parcimoniosamente, como se demonstra no diagrama da Figura 15. Em muitos Ponteios podemos ver linhas de baixo em movimentos cromáticos descendentes, o que gera, muitas vezes, uma sintaxe harmônica complexa. Um exemplo deste procedimento é observado na Figura 12.

Figura 14: Início do Ponteio Nº 11, de Camargo Guarnieri.

Figura 15: Conexões parcimoniosas na mão esquerda do Ponteio Nº 12, de Camargo Guarnieri.

Falaremos agora mais especificamente sobre o Ponteio Nº 15, com a finalidade de detectar um modelo sistêmico para esta obra, particularmente no que se refere à estrutura, harmonia e textura.

4. Análise do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri

A macroestrutura do Ponteio Nº 15 consiste em um ABA’A (Tabela 4), com coda e conectores entre as seções. A peça pode ser compreendida texturalmente como um con- junto de três camadas. Na camada superior da Figura 16, observa-se um ostinato deline- ando o ritmo de baião. Desse ostinato destaca-se uma linha melódica, que constitui o que

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denominaremos camada intermediária. Uma voz mais grave com notas longas constitui a camada inferior.

Tabela 4: Macroestrutura do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

A

B

A'

A

Coda

a1

a2

K1

b

K2

al'

al''

K3

a1

a2

1-4

5-1

12

13-20

21-22

23-26

27-33

34-35

36-39

40-46

47-53

Embora seja possível detectar indícios tonais, tanto com relação ao vocabulário (trí- ades) como com relação à sintaxe (progressões), a estrutura harmônica nas seções da obra parece se desenvolver prioritariamente pelo prolongamento de acordes alterados e acordes com sétima, conectados, em nível estrutural, de forma parcimoniosa. Na Figura 16, que mostra a textura pianística original do período a1 com sua respectiva redução a quatro vo- zes, a harmonia é articulada em torno do tetracorde [0157], que ocorre nos tempos fortes e é pontuado por acordes ornamentais. É interessante ressaltar que, nos três compassos ini- ciais do período a1 (regiões A e D do Gráfico 2), as vozes exteriores (equivalentes a sopra- no e baixo da redução coral da Figura 16) são distribuídas contrapontisticamente de forma especular, com relação ao eixo 10/11-4/5 (Sib/Si-Mi/Fá)12. As distâncias intervalares, mos- tradas dentro de quadrados entre cada ponto das regiões A e D, confirmam esta simetria axial. A linha melódica superior também apresenta uma simetria especular entre dois de seus segmentos: segmento Ré-Mi-Sol-Mi-Ré (região B do Gráfico 2) pode ser visto como o inverso do segmento contíguo Mi-Ré-Si-Ré-Mi (região C do Gráfico 2). A linha inferior, nes- ses quatro compassos, possui uma forma periódica, como se observa na parte inferior no Gráfico 2 (E = F).

Figura 16: Redução do período a1, do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

Outro fato observável nesses quatro primeiros compassos da obra diz respeito ao material escalar utilizado. Mesmo sem a exclusão das notas ornamentais, constata-se uma predominância da escala diatônica de Dó maior com centricidade em Fá, o que poderia ca- racterizar o emprego do modo Lídio, ou simplesmente um uso pandiatônico do material es- calar. As alturas empregadas na linha melódica também têm relação com a pentatônica de Sol incompleta (sem o Lá).

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Gráfico 2: Simetria especular na bifonia do período a1, do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

Entre as alturas dos acordes pilares da seção A, como um todo, predomina a cone- xão parcimoniosa. Destes acordes, o primeiro é um [0157], o segundo é um tetracorde [0268] (comumente encontrado no período tonal com a denominação de sexta francesa), e os dois últimos são tríades com sétima, configurando um Ré menor com sétima menor, [0358], e um Dó maior com sétima maior, [0158]. A Figura 17 mostra estes acordes pilares e os compas- sos da seção A onde ocorrem.

Figura 17: Acordes pilares da seção A, do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

A harmonia da seção B se articula claramente em torno de Dó menor, ou seja, o ma- terial harmônico é preponderantemente triádico, com justaposições de sétimas, apresentan- do ênfase no ii grau meio-diminuto e no VI grau. No entanto, a focalização constante nessas duas funções compromete a sintaxe e cria ambiguidade com relação à identidade tonal da seção. Um acorde emprestado da tonalidade do iv grau tem a função de conectar cromatica- mente a linha do baixo no compasso 19. A Figura 18 mostra a redução da seção B.

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Figura 18: Acordes pilares da seção B, do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

A harmonia da seção A’ opera de maneira similar ao que ocorre no desenvolvimen- to de uma forma sonata, onde as essências contrastantes dos temas se alternam e se fun- dem. Nessa seção, o primeiro período (a1’) configura Dó maior e o segundo período (a1’’) Mib maior, que pelo parentesco com Dó menor, pode ser associado à seção B. Os acordes pi- lares dessa seção são mostrados na Figura 19.

Figura 19: Acordes pilares da seção A’, do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

Os conectores k1, k2 e k3, mostrados na Figura 20, embora remetrificados para aco- modar o material motívico ao compasso 3/2, sustentam a proposta rítmica inicial. O mate- rial harmônico do conector k2 é o que mais contrasta com os textos adjacentes apresentan- do blocos de quartas ascendentes. A coda, por sua vez, enfatiza o arquétipo tonal V-I e em seguida conclui com uma cadência plagal (dois últimos compassos). Os gestos na coda se movem ascendentemente, similarmente ao que ocorre no conector k2, como se pode obser- var ao comparar este conector (k2), na Figura 20, com a coda, mostrada na Figura 21. A ter- minologia de sexta ajuntada (número 6 entre parênteses) para o acorde final de tônica, que pode ser interpretado como um bloco sonoro de quartas consecutivas (Si-Mi-Lá-Ré-Sol-Dó), é fundamentada em Kostka (1994, p. 426).

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Figura 20: Conectores K1, K2 e K3 do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

Uma vez analisado o aspecto harmônico do Ponteio Nº 15, segue-se uma conclu- são sobre as características observadas, para, logo em seguida apresentarmos uma proposi- ção de sistema composicional para esta obra. Um último detalhamento analítico é digno de nota: ao longo da peça, podemos observar que as notas do ostinato que são escritas na mão direita são preenchidas verticalmente com um intervalo de quinta justa e outro de quarta justa (formando uma oitava entre as notas extremas). Em cada compasso, nas quatro primei- ras colcheias, a nota mais grave antecipa-se ao intervalo de quarta justa, mas, na última col- cheia, as três notas são simultâneas. Este aspecto textural pode ser contemplado de alguma forma na definição do sistema composicional, ou mesmo na fase de planejamento.

Figura 21: Estrutura harmônica da coda, do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri.

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5. Conclusões analíticas

O Ponteio Nº 15 tem as seguintes características: a forma é ABA’A + coda, com as seções A e A’ tendo dois períodos. As seções se interligam através de três conectores. A tex- tura é organizada em três camadas, sendo as duas superiores interconectadas com as fun- ções de ostinato e linha melódica. A camada inferior dá sustentáculo harmônico, através de uma linha de baixo. O ostinato da camada superior é formado por dois intervalos (quinta justa e quarta justa) que podem ocorrer de forma defasada ou simultânea. A harmonia uti- liza os conjuntos de classes de notas [016], [025], [027], [0157], [0268], [0358] e [0158] alter- nados livremente com acordes cromáticos. A seção B apresenta um contraste com a seção A ao focalizar o discurso harmônico em uma tonalidade menor. Partindo dessas conclusões, e com base na análise mais detalhada realizada na seção 4, proporemos, na próxima seção, um sistema composicional que, ao generalizar características específicas do Ponteio Nº 15 de Guarnieri, tenha o potencial de servir de subsídio para o planejamento de uma obra ori- ginal com traços de similaridade em relação à obra de Guarnieri e ao mesmo tempo tenha suas próprias especificidades.

6. Definição do sistema composicional do Ponteio Nº 15, de Guarnieri

Alguns detalhamentos identificados no Ponteio Nº 15 durante a fase analítica se- rão tratados de forma aberta, de maneira a possibilitar que a obra original a ser composta, o Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel, trilhe caminhos distintos, embora fundamentados nas mes- mas intenções arquetípicas. Um desses detalhamentos diz respeito à dicotomia maior-me- nor que é clara entre as seções A e B dessa obra de Guarnieri e que aqui não será utilizada. Outro aspecto se relaciona à irregularidade nas dimensões dos períodos, algo que o sistema não contemplará. O sistema composicional do Ponteio Nº 15, de Guarnieri, consistirá no se- guinte conjunto de definições:

Definição 1 - A forma da peça é ABA’A sendo as seções A e A’ formadas por mais de um período. As seções são interligadas por conectores. No final há uma coda.

Definição 2 - A textura é dividida em três camadas: [1] Camada superior: um os-

tinato construído a partir de dois intervalos, que deverão ser definidos na fase de planeja- mento; tais intervalos podem ocorrer de forma defasada ou simultânea. [2] Camada inter- mediária: intimamente interligada com a camada superior, mas dela se sobressaindo através uma linha melódica que se guia pela estrutura harmônica sugerida pelo baixo da camada inferior; esta melodia é enfatizada por acentos. [3] Camada inferior: uma linha de baixo que dá sustentação harmônica.

Definição 3 - A obra é construída a partir do prolongamento das seguintes sonori-

dades: [016], [025], [027], [0157], [0268], [0358] e [0158]. Estas podem ser livremente alterna- das com funções harmônicas tonais (diatônicas ou cromáticas) e acordes alterados, gerando ambiguidade no discurso harmônico.
Definição 4 - “Erros” sistemáticos de pequena proporção13, isto é, aberturas estru-
turais, bem como notas ornamentais podem ser utilizadas livremente.

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7. Planejamento da obra original intitulada Ponteio Nº 5 de Pedro Miguel

Partindo do sistema composicional modelado para o Ponteio Nº 15, de Guarnieri, na seção anterior, aplicaremos, nesta fase de planejamento, o conjunto de definições expli- citadas para este sistema, com um maior grau de especificidade, de tal forma a possibilitar a composição do Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel, que é uma obra bastante diferenciada, mes- mo seguindo uma estrutura sistêmica idêntica à peça de Guarnieri. Na fase de planejamen- to, nos concentraremos nos aspectos estruturais, harmônicos e texturais.

7.1 Estrutura

A estrutura será similar à do Ponteio Nº 15 de Guarnieri, porém com uma redução na quantidade de compassos (Tabela 5).

Tabela 5: Macroestrutura do Ponteio Nº 5.

A

B

A'

A

Coda

a1

a2

K1

b

K2

al'

al''

K3

a1

a2

1-4

5-8

9

10-17

18

19-22

23-26

24

28-31

32-35

36-40

7.2 Textura

A textura será formada por três camadas. As camadas superior e intermediária, intimamente conectadas e indivisíveis, consistirão de um ostinato de colcheias, dentro de uma métrica 7/8 para os períodos e 10/8 para os conectores. O material desse ostinato será formado por dois intervalos consecutivos: uma terça (maior ou menor) e uma segunda (maior ou menor). Estes intervalos aparecerão de maneira simultâneos, sendo a terça, prio- ritariamente, o intervalo superior. Um componente importante desse ostinato é uma linha melódica, estruturalmente pertencente à camada intermediária, que se sobressairá e será indicada por acentos. Esta linha melódica utilizará as notas de uma escala pentatônica que se adequará à harmonia planejada. Um exemplo genérico da construção dessas duas cama- das é mostrado na Figura 22, na qual as características acima indicadas podem ser observa- das. Uma característica importante, que foi utilizada por Guarnieri somente no período a1, mas que integrará grande parte da linha melódica do Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel, é que, esta melodia será construída de forma especular com relação à linha do baixo, a qual tam- bém utilizará material de uma escala pentatônica livremente determinada.

Figura 22: Exemplo genérico de construção das camadas intermediária e superior.

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Assim, elaboraram-se os elementos referentes a estas três camadas separadamente e realiza-se a justaposição desses elementos, seguidos de ajustes idiomáticos. A Figura 23 mostra o planejamento para o período a1, onde se pode destacar o ostinato (primeira linha), a estrutura harmônica (segunda linha), o contraponto da melodia com a linha do baixo (ter- ceira e quarta linhas) e o resultado final. Seguindo o mesmo modelo, a Figura 24 mostra o período a2, em cujo final pode-se observar um “erro” sistemático de pequena proporção, que consiste no movimento não especular do baixo em relação à melodia. Ao se movimen- tar dois semitons acima em direção à nota Lá, o baixo prepara uma cadência em direção ao Ré, finalizando a seção A. As Figuras 25a e 25b mostram a partitura do Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel.

Figura 23: Planejamento das camadas do período a1 do Ponteio Nº 5 e sua realização pianística.

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Figura 24: Planejamento das camadas do período a2 do Ponteio Nº 5 e sua realização pianística.

8. Considerações finais

O presente trabalho teve por objetivo central a composição de uma obra original baseada no sistema composicional do Ponteio Nº 15, de Camargo Guarnieri. Esta compo- sição foi concebida a partir da elaboração de um planejamento situado dentro do univer- so de definições do sistema composicional elaborado, sistema este que foi definido com base na análise do comportamento de diversos parâmetros musicais (altura, duração, textura, dinâmica, articulação,...) utilizados por Guarnieri na composição de seu Ponteio Nº 15. O trabalho aqui apresentado dividiu-se basicamente em dois tipos de atividade: um envolvendo análise musical, no qual o Ponteio Nº 15 serviu como objeto de estudo, e outro envolvendo a metodologia composicional propriamente dita, consistindo da elabo- ração do sistema e do planejamento composicional, cujo produto constituiu o resultado final deste trabalho.
O primeiro tipo de atividade, referente à análise musical, e cujas conclusões ob- tidas foram acima apresentadas resumidamente, apresenta seu resultado na forma de um sistema composicional. Esse sistema foi modelado com base nas características observadas no Ponteio Nº 15 do segundo caderno de Ponteios de Camargo Guarnieri, e contém instru- ções que, ao mesmo tempo em que possibilitam a reconstrução da própria obra analisada, serviram, mediante uma metodologia de planejamento composicional, como subsídio para a composição de uma obra original para piano: o Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel. A compo- sição de tal obra, que constituiu o segundo tipo de atividade deste trabalho, tendo sido ge- rada através do sistema modelado a partir de uma obra já existente, possui uma essência

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que a relaciona com a obra de Guarnieri, ao mesmo tempo em que apresenta peculiarida- des que faz dela uma obra única. Dessa maneira, considerando o procedimento de mode- lagem sistêmica, que culminou na elaboração de um sistema composicional, o qual, por sua vez, viabilizou a composição de uma obra original, podemos concluir que este traba- lho contribuiu, do ponto de vista analítico, para a compreensão da linguagem guarnieria- na, e, do ponto de vista composicional e pedagógico, para a sistematização de uma prática composicional racional.

Figura 25a: Primeira página do Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel.

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Figura 25b: Segunda página do Ponteio Nº 5, de Pedro Miguel.

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Notas

1 Por exemplo, se observarmos o parâmetro altura em obras que lidam basicamente com estruturas motívicas, podemos focalizar em duas dimensões: horizontal (linha melódica) e vertical (estrutura harmônica). Dentro do âmbito paramétrico da altura (pensando neste parâmetro como uma variável), cada dimensão tem seu conjunto de valores. Assim, os valores do parâmetro altura na dimensão horizontal são as alturas isoladas e na dimensão vertical são os acordes. No processo de modelagem lançam-se hipóteses sobre as conexões entre esses valores, como, por exemplo, uma sintaxe de conexão entre acordes.

2 “Podemos definir, de forma bastante ampla, planejamento composicional como toda e qualquer estratégia de organização do material sonoro anterior ao início da composição propriamente dita, que contribui para uma realização plena, dando subsídios para implementar e incrementar a utilização de processos criativos em música. Dentro desta concepção, o planejamento está presente em etapas pré-composicionais, além de outras manifestações musicais criativas, como orquestrações e arranjos”.

3 A Musical System, as opposed to a method of composition, consists of well-defined set of operations upon musical configurations.

4 Esta ferramenta se inspira na ferramenta intertextual de Straus, denominada generalização, que consiste em generalizar, ou seja, desordenar conjuntos de classes de alturas (STRAUS, 1990, p. 17).

5 De acordo com Lima (2011), “o conceito de parcimônia de condução de vozes integra um corpo teórico denominado Teoria Neo-Riemanniana. Segundo Callender (1998, p. 221), mesmo que a noção de movimento parcimonioso, ou seja, de movimento econômico entre as notas de dois acordes, seja intuitiva, há diferenciações nas formalizações desse conceito. Algumas definições de parcimônia (Douthett e Steinbach) requerem que notas comuns entre dois acordes permaneçam fixas. Outras formalizações tratam do tamanho do intervalo envolvido: Cohn limita esse intervalo em um tom inteiro, Childs em meio tom e Douthett e Steinbach classificam diferentemente movimentos de tom e semitom. Um aprofundamento em Teoria Neo-Riemanniana foge ao escopo desse trabalho, mas o leitor curioso pode encontrar uma boa introdução a esse ramo de estudos nos trabalhos de Richard Cohn. O Journal of Music Theory dedicou um volume inteiro (V. 42) a essa teoria.”

6 Um estudo aprofundado da Teoria dos Contornos nos é fornecido por Marcos Sampaio (2008).

7 Uma modelagem composicional a partir de eixos simétricos pode ser encontrada em Pitombeira (2008).

8 Classe de altura (ou classe de nota) é o agrupamento de todas as alturas com o mesmo nome. Este conceito é resultado do princípio de equivalência de oitava, que desconsidera o registro de uma altura específica, produzindo uma abstração que congrega todas as alturas que se distinguem apenas por relações de oitava. Por exemplo, a classe de nota Ré contém todos os Rés. Por sua vez, conjuntos de classes de alturas são coleções desordenadas de classes de alturas (STRAUS, 2000, p. 30). Define-se ainda o conceito de classes de conjuntos de classes de alturas (ou simplesmente classes de conjuntos) como uma coleção de todas as possíveis inversões e transposições de um determinado conjunto de classes de alturas. Assim, a classe de conjuntos [014] contém todas as possíveis transposições e inversões do tricorde, cuja forma prima é 014. Neste trabalho, para referir-nos a certa classe de conjuntos de classes de notas (set class), em lugar da terminologia de FORTE (1973), utilizamos sua forma prima entre colchetes. Por exemplo, [0136] ao invés de 4-13, designa a inteira paleta de conjuntos relacionados por transposição e inversão a um tetracorde cuja forma prima é 0136. Para evitar erros de leitura por justaposição, utilizamos A, em vez de 10, e B, em vez de 11. Esta nomenclatura é corriqueiramente utilizada para representar valores numéricos em bases hexadecimais.

9 Neste trabalho, quando necessário, utilizaremos a nomenclatura que indica o compasso (C) e a unidade de tempo (t) no formato C.t.

10 Um evento rítmico pode ser desmembrado em ponto de ataque (ponto no tempo onde o evento se inicia) e duração (segmento temporal que indica a presença sonora do evento). Desta forma, uma colcheia e uma semicolcheia iniciando simultaneamente no primeiro tempo de um compasso têm o mesmo ponto de ataque, mas durações diferentes. O conceito de ponto de ataque foi introduzido originalmente por Babbitt (1962) ao propor um sistema de time-points para utilização da série de doze notas no parâmetro ritmo.

11 “Tipo de textura onde linhas melódicas são subservientes aos acordes arpejados e à estrutura rítmica criada por esses acordes. Assim, as vozes se misturam e trocam de papel frequentemente e mesmo as notas da melodia são retardadas para criar uma contínua apresentação rítmica da harmonia. Foi uma característica essencial na música francesa para alaúde do século XVII, sendo imitada por cravistas franceses, como por exemplo, Chambonnières e d’Angleber, e alemães, tais como Froberger e Bach” (RANDEL, 1986, p. 812).

12 Uma abordagem mais detalhada de simetria axial pode ser encontrada em Straus (2000, p. 127-131).

13 “Erros” sistemáticos são eventos, não orientados pelas definições sistêmicas, inseridos durante o planejamento composicional ou na realização da partitura. Assim, por exemplo, se nosso sistema restringe o parâmetro altura à escala pentatônica, as alturas não pertencentes a este conjunto são consideradas “erros”, com relação à proposta do sistema. Tais erros ocorrem, evidentemente, em pequena proporção, caso contrário, seriam considerados materiais estruturais. Assim, no caso do sistema proposto, pequenos desvios com relação às definições sistêmicas, podem ser introduzidos durante o planejamento composicional.

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Pedro Miguel de Moraes - (n. 1991) Bacharelando em Composição pela Universidade Federal de Campina Grande, iniciou sua carreira como violonista erudito, passando mais tarde para a área da composição, onde estuda sob a orientação de Liduino Pitombeira, sem, no entanto, abandonar sua ligação com o violão, instrumento para o qual escreveu algumas obras, entre peças atonais, choros e prelúdios. Em seu catálogo constam obras para piano solo, quarteto de cordas, conjunto de metais, regional (formação típica do choro), além do seu instrumento “materno”, o violão. Pedro Miguel faz parte do GAMA, Grupo de Análise Musical, grupo de pesquisa do CNPq certificado pela Universidade Federal de Campina Grande.

Liduino Pitombeira - (n. 1962) Professor de Composição e Teoria Musical da Universidade Federal de Campi- na Grande. Sua música tem sido executada pelo Quinteto de Sopros da Filarmônica de Berlim, Louisiana Sinfonietta,Orquestra Sinfônica do Recife, Poznan Philharmonic Orchestra (Polônia) e OSESP. Tem recebido di- versas premiações em concursos de composição no Brasil e nos Estados Unidos, incluindo o 1º Prêmio no Concurso Camargo Guarnieri de 1998, o 1º Prêmio no concurso “Sinfonia dos 500 Anos”, e o prêmio “2003 MTNA-Shepherd Distinguished Composer of the Year Award”. Recebeu o PhD em Composição pela Louisiana State University (EUA), onde estudou com Dinos Constantinides. Suas peças são publicadas pela Peters, Bella Musica, Criadores do Brasil (OSESP), Cantus Quercus, Conners, Alry, RioArte e Irmãos Vitale.


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