MÃES E BEBÊS: VIVÊNCIA E LINGUAGEM MUSICAL

Renata Filipak

refilipak@ig.com.br

Beatriz Ilari

beatrizilari@ufpr.br

Resumo: A influência da música no relacionamento diário das mães e bebês tem sido pesquisada por cientistas em todo o mundo. Sabe-se que as crianças preferem a voz materna, e estão mais atentas quando a fala ou o canto da mãe está sendo dirigida à elas. O objetivo deste trabalho é pesquisar e discutir a atual prática musical e a interação de mães e bebês. A presente pesquisa tem caráter experimental e foi desenvolvida mediante entrevistas semi-estruturadas com mães de bebês com idade de 18 meses a 4 anos. Alguns dos resultados sugerem que as mães não utilizam a música cantada prioritariamente nas atividades com eles, como sugerem as pesquisas feitas no Canadá ou Estados Unidos, mas incentivam seus filhos a ouvirem músicas através de CDs e televisão. As mães, freqüentemente, não cantam para bebês “mais velhos” dormirem, porém utilizam música em suas atividades diárias. A Musicalização Infantil é um fator importante no desenvolvimento dos bebês, principalmente no que diz respeito ao resgate do canto materno. Educando musicalmente pais e crianças, futuramente teremos bons ouvintes e apreciadores musicais.

Palavras-chave: Mães; Bebês; Música; Linguagem musical.

Mothers and Babies: a musical relationship

Abstract: The role of music in the everyday life of mothers and infants has been studied by scientists throughout the world. It is well known that children prefer the maternal voice to other sounds, and are more attentive when speech or singing is directed to them. The purpose of this experimental study was to investigate and discuss current musical practices and interactions of mothers and babies, utilizing semi-structured interviews with mothers whose babies were between 18 months and 4 years of age. Results suggest that mothers are not currently singing to their infants, as has been suggested by previous studies conducted in Canada and in the USA, but use music from CDs and television. In this sense, early childhood music education programs are important for child development, especially in respect to the encouragement of maternal singing. By educating parents and children, we will encourage future music lovers.

Keywords: Mothers; Infants; Music; Musical speech.

1. Fundamentaçao teórica

Os bebês vivem intensamente cada momento de descoberta que são inúmeros na fase dos 18 meses a 3 anos. Seja o falar, o andar, ou o tatear, todas as ações são novas experiências vividas pelo bebê. Portanto, estimular

    1. o bebê pode auxiliar em seu desenvolvimento físico, motor, emocional e
    2. psicológico. Os estímulos devem ser globais, e a criança responderá a eles por meio de sua expressividade. Podendo ser mediante um sorriso, um balbucio, um movimento, o choro, ou qualquer outra reação. Além de respostas aos estímulos, o bebê também expressa as suas necessidades, como
  1. o de ser alimentado, e instintivamente, as mães distinguem o choro de fome do choro de raiva (Levy, 1993). Desde então começa a se estabelecer uma comunicação entre mãe e filho. A comunicação entre pequeno ser e sua mãe é uma linguagem e, como toda linguagem, comporta perguntas e respostas. Esta interação constitui uma troca de estímulo e prazer.

Ao se manifestar, a criança espera uma resposta, e cabe aos pais perceber e responder a esta necessidade com o intuito de desenvolver os sentidos da criança, para que ela, por sua vez, tenha acesso a uma expressão própria, prelúdio da linguagem, e abertura para a música.

A expressão sonora de uma criança não é algo pronto, mas é sua própria expressão (Levy, 1993); ou seja, cada bebê produz os sons que mais lhe convém, ou que melhor lhe tragam resultados. É preciso que os pais sensibilizem-se a todo e qualquer som produzido por seu filho, devolvendo-no para ele, seja em forma de resposta ou imitação. De tal forma estimulados, os bebês passam a imitar as características vocais de suas mães (Custodero, 2002). Freqüentemente, as mães também imitam a linguagem do bebê, dirigindo-se às crianças e espelhando-as, refletindo assim a melodia, o timbre da voz e a qualidade da expressão vocal infantil (Trevarthen e Malloch, 2002).

O jogo de perguntas e respostas faz parte da comunicação diária entre os bebês e suas mães, e é dessa maneira que os bebês vão conhecendo um enorme mundo de sons. Um recém-nascido conhece sua mãe pelo tom e inflexões da sua voz, descobrindo com o passar do tempo, os sons que ele mesmo pode produzir. Dessa descoberta, surgem jogos, canções e narrativas musicais criadas com a voz, gestos e ações (Trevarthen & Malloch, 2002). Se os pais estiverem atentos a isso, certamente a linguagem musical se estabelecerá com mais firmeza, o que reforçará cada vez mais a interação entre mãe e filho.

Quando estão cantando ou fazendo música, os pais freqüentemente notam que seus filhos os respondem ativamente com sorrisos e movimentos, e que, normalmente, tranqüilizam-se. Tendo em vista esta importante interação, pode-se afirmar que a música é uma ferramenta comunicativa bastante importante entre pais e crianças (Trehub, 2002).

Estabelecida essa comunicação, que pode ser considerada inteiramente instintiva, constitui-se pouco a pouco uma brincadeira entre mãe e filho, criando assim, um laço afetivo. Os comportamentos e verbalizações de mães e crianças influenciam-se reciprocamente, caracterizando um cenário de troca mútua em que a criança é parte ativa e dinâmica nas interações, e a mãe o elemento da díade responsável pela criação de uma estrutura sócio-interativa favorável à aprendizagem da linguagem. Desta forma, não importa a profundidade de conhecimento musical da mãe, pois ela, intuitivamente, estará interagindo com seu bebê, e reagindo às suas verbalizações. As interações e reações são extremamente importantes no desenvolvimento e no fortalecimento da relação mãe-filho. Sendo assim, a mãe estimula o bebê, e o bebê estimula a mãe, fortalecendo, desta forma, a identidade de um ao outro (Braz & Salomão, 2002).

Ao cuidar de seu bebê, a mãe o trata de forma diferente às demais pessoas e, tal ato pode ser percebido quando dirige sua fala a ele de uma maneira peculiar, transmitindo, além de conhecimento, outros sentimentos particulares. Não é difícil saber quando a mãe está falando ao seu bebê, pois, intuitivamente, a maioria das mães fala de modo singular às crianças. A presença de um bebê parece influenciar as emoções dos adultos. A conseqüência disso é o canto ou a fala altamente expressivos, através dos quais as mães compartilham emoções com suas crianças (Trehub, 2002).

Um bebê está sempre alerta aos movimentos e sons que o cercam, e não diferente quando a mãe ou outra pessoa qualquer está dirigindo a fala e gestos a ele. Em geral, as solicitações maternas são emitidas juntamente com gestos diretivos tais como apontar e mostrar (Braz & Salomão, 2002).

As crianças mostram-se mais interessadas e atentas à fala que lhes é dirigida do que a fala dirigida aos adultos (Trevarthen & Malloch, 2002). Alguns termos estão associados à fala dirigida aos bebês, tais como, IDS (infanct directed speech), mothrese e baby talk, e denominam um estilo de fala que envolve enunciados curtos e simples, além da presença de gestos que auxiliam na comunicação, transmitindo às crianças informações através de um padrão marcado de entonação, de simplificação na forma no conteúdo da fala e, principalmente, uma intenção comunicativa, ou seja, uma fala mais pausada, com pequenas frases e com contornos específicos que têm a função de transmitir alguma ação. Por exemplo, enquanto uma forma ascendente é usada para despertar a atenção, uma forma descendente é usada para acalmar a criança (Custodero, 2002). Portanto, a fala dirigida a um bebê facilita o desenvolvimento da linguagem da criança, porque o adulto esta agindo como um ser sociável e esta envolvendo a criança no intercâmbio verbal (Garton, 1992).

Uma das respostas a essa fala diferenciada ao bebê é o “balbucio”, uma expressão que diz respeito às vocalizações, emissões sonoras e tentativas de comunicação. A esse respeito Garton (1992) nos diz que a noção de que a conversa do bebê é formada por qualquer frase ou expressão mal formulada sintática ou semanticamente foi bem contestada, sobretudo, se a linguagem da criança e a fala dirigida às crianças é feita de uma forma simples, é para que seja significativa no que diz respeito ao desenvolvimento da linguagem infantil. Portanto, a linguagem dos bebês, tem grande influência sobre a linguagem da mãe, e vice-versa, gerando assim, um jogo de espelhamento na comunicação entre mães e bebês.

Tratando-se de linguagem musical, pode-se perceber claramente as semelhanças entre o falar e o cantar das mães. O fato é que os bebês ao ouvirem uma canção entoada pelas mães e dirigida a eles, prendem mais a sua atenção do que ao ouvirem suas mães apenas falarem. O canto dirigido aos bebês, como é assim chamado o modo de cantar aos bebês, difere do canto dirigido a outros públicos, em sua maior expressividade emocional, no timbre agudo da voz, e andamento mais lento. (Ilari, 2003)

Além da expressividade emocional, o canto materno, assim como a fala, também pode indicar ações. Normalmente as mães cantam em dois estilos distintos, chamados de canção de brincar e canção de ninar. As canções de ninar acalmam, e parecem ter sido projetadas para tal, e as canções de brincar despertam, e parecem ser projetadas para manter alerta um bebê (Trainor, 2002). Algumas pesquisas revelam que os bebês respondem às intenções corretas dos estilos de canções dirigidos a eles: Ao ouvirem uma canção de ninar, os bebês aprontam-se para dormir, pois se acalmam com a ‘doce melodia’, e ao ouvirem canções de brincar, ficam atentos ao ambiente externo, como quem espera algo (Trainor, 2002).

Muitas mães revelam que cantam diariamente para seus filhos em diversas atividades, percebem que seus bebês estão atentos às canções mostrando-se interessados na música, e que declaram suas preferências musicais através de sua expressividade. A emoção que é transmitida pela mãe através do canto, não apenas produz um cantar emotivo para os bebês, mas, na maioria das vezes remete às mensagens emotivas que as suas mães lhes enviaram através de canções. (Trainor, 2002). Freqüentemente as mães cantam aos filhos aquilo que suas mães já cantaram a elas, porém essa transmissão pode estar se perdendo no tempo. O repertório de músicas infantis esta cada vez mais escasso. Percebe-se isto em alguns estudos citados por Ilari (2003): quando foi pedido às mães que cantassem uma canção de ninar, elas geralmente cantavam a canção de brincar “Brilha, Brilha estrelinha”, ou a canção religiosa “Preciosa Graça”. Isso pode ter ocorrido, talvez, pelo uso excessivo de músicas ambiente atualmente, principalmente em programas de televisão, que acabou por influenciar e reduzir o conhecimento do repertório musical infantil dos pais, e também

o hábito de cantar para seus filhos (Ilari, 2003). Assim, muitas vezes os pais cantam músicas que eles conhecem e julgam ser uma canção de ninar ou de brincar.

O uso da música com bebês é constantemente questionado, e o que se tem descoberto, é que além de todos os benefícios de desenvolvimento físico, psicológico e emocional, tal prática também tem grande influência na regularização do estresse infantil, além de auxiliar na recuperação de crianças enfermas e prematuras (Ilari, 2003).

Por todas essas razões, é que a análise da influência da música no cotidiano de mães e bebês torna-se importante. Precisa-se prestar mais atenção às atitudes musicais das mães e seus filhos, no intuito de aproximar e solidificar o relacionamento entre eles, de modo a usufruir melhor dos benefícios trazidos pela música. Além disso, é importante ressaltar que a educação musical na infância pode ser utilizada para melhorar a forma com que as mães podem estar utilizando a música com seus filhos.

2. Objetivos

3. Metodologia

A presente pesquisa, de caráter experimental, foi desenvolvida mediante entrevistas semi-estruturadas com mães. Participaram das entrevistas vinte e três mães, de classe social variada e com idades compreendidas entre 21 a 45 anos, nas cidades de Curitiba e Ponta Grossa, no estado do Paraná. A idade média dos bebês era de 33,5 meses e variava entre 18 meses a 4 anos, sendo que 13 do sexo feminino e 10 do sexo masculino. Aproximadamente metade das mães entrevistadas possuía mais de um filho (52%). As mães responderam a questões sobre utilização de música no seu dia-a-dia com o bebê, crenças sobre a importância da música para bebês, sua vivência musical, e, em particular, da família e do bebê, entre outras. Foi explicado às mães a importância desta pesquisa e a sua finalidade, assim elas preencheram um formulário de consentimento onde declaravam sua participação voluntária.

4. Resultados e discussão

Os relatos e descrições obtidos através das entrevistas foram analisados a partir de testes estatísticos qualitativos, tais como, porcentagens, contagens e cruzamento de dados usando chi – quadrado.

4.1 Análise de dados

Informações demográficas

A partir dos dados coletados, foi possível verificar que 48% das mães possuíam o segundo grau completo, 26% o terceiro grau completo, com o primeiro grau completo foram 22% das mães, e 4% tinham outro grau de escolaridade. Quanto ao estado civil, 91% das mães entrevistadas eram casadas, incluindo as mães que moravam com o pai da criança sem serem casadas legalmente. Havia um número igual de mães solteiras e divorciadas, isto é, 4,5%. Os resultados relacionados à atividade profissional das mães incluíam: 35% de estudantes, 26% área pedagógica, 17% do lar, 13% da área de saúde, enquanto apenas 9% eram da área de exatas.

Experiência musical da família

Pôde–se perceber que a maioria das mães entrevistadas não tocava nenhum tipo de instrumento musical e nem cantava em grupos musicais, totalizando 74%, em contrapartida 17% das mães tocavam ou cantavam. Em contradição com a experiência musical das mães, 50% possuíam algum familiar músico ou que tinha alguma experiência musical. Tratando-se de religião concluiu-se que 69,5% das famílias freqüentavam grupos religiosos que na maioria são católicos e evangélicos e 26% não freqüentavam.

Preferência musical

Em relação ao tempo de música que as mães escutavam diariamente, verificou-se que 48% ouvia música de uma a duas horas; 17% de três a cinco; e 9% cinco ou mais. Pôde-se perceber que o tipo de música mais escutado pelas mães era a música popular, chegando a 51,5%, enquanto 17,5% escutavam diferentes tipos de música, 13% escutavam músicas infantis com seus filhos, e 9% escutavam músicas regionais, sendo a mesma porcentagem com músicas eruditas. Também se notou que 61% das mães preocupavam-se em colocar música diferenciada para o bebê, enquanto 30% colocavam para o bebê ouvir a mesma música que ela mesma ouvia e 9% colocavam, esporadicamente, músicas diferentes.

A criança e a música

Em relação ao aprendizado de músicas, obteve-se como resultado que 56,5% procuraram aprender músicas para poder cantar aos filhos, enquanto 43,5% não procuraram fazê-lo. Daquelas que aprenderam músicas pôde-se perceber que a maioria aprendeu músicas do gênero canções de ninar e canções de brincar. Os resultados também revelaram que a grande maioria das mães utilizava música com o bebê chegando em um total de 87%, enquanto apenas 13% não utilizavam música nas atividades diárias com seus filhos. No que diz respeito ao canto materno para os bebês dormirem pôde-se notar que não foi a maioria das mães que declarou cantar para os bebês dormirem. Apenas 43% das mães afirmaram isso, os outros 57% dividiram-se em: 30% já não cantam mais, 13,5% já cantaram quando

o filho era menor, 9% contam histórias e 4,5% cantam apenas às vezes. Das mães que ainda cantavam para seus bebês dormirem, a maioria cantava músicas que elas julgavam ser de ninar. Apesar de as mães já não cantarem mais tanto para seus bebês dormirem, a grande maioria concordou que as músicas de ninar são eficientes para fazer um bebê dormir porque o acalma. Essas mães totalizaram 52% da amostra. Quatro por cento das mães disseram que, devido ao fato da música ser lenta, ela faz os bebês dormirem, outras afirmaram que as músicas de ninar acalmam e são lentas, e um terceiro grupo disse que essas músicas acalmam, são lentas e chamam a atenção do bebê. Quanto à preferência do bebê por determinadas músicas, verificou-se uma unanimidade, na escolha de músicas da Xuxa, músicas de animais e músicas agitadas.

Os pais e a música

Sessenta e cinco por cento das mães entrevistadas, afirmaram lembrar de músicas que os seus pais cantavam e as mais citadas foram músicas folclóricas, canções de brincar e canções de ninar, 35% disseram não lembrar. Os resultados revelaram também que a maior parte das mães entrevistada (55,5%) ficava com seus filhos, 17,5% das crianças ficavam com a avó, 9% passavam a maior parte do tempo na escola, 9% ficavam com o pai, 4,5% ficavam com a babá e 4,5% ficavam com outra pessoa ou parente. Em relação ao canto materno durante a gravidez, notou-se que 52,5% das mães afirmaram cantar para o bebê, enquanto 34% disseram que não cantavam e 4,5% responderam “às vezes”.

Pôde-se notar que não foi só a maioria das mães que cantava para os filhos, mas que também a maioria dos pais (69,5%) cantava para seus filhos sendo que a maioria deles cantava músicas populares do rádio. Apenas 21,5% não cantavam, e 9% não conviviam com a criança.

Em relação aos programas de musicalização, a maioria dos bebês (69,5%) não participava de nenhum programa. Quanto a mudanças no comportamento dos bebês devido à participação em programas de musicalização, 26% das mães notaram mudanças no comportamento e 4,5% não notaram mudanças.

5. Cruzamento dos Dados

A partir dos dados coletados, foi possível verificar que o grupo de mães que foi entrevistado era bastante homogêneo, pois não foram encontradas muitas diferenças entre suas respostas nos cruzamentos de dados. Isto pode ter acontecido pelo fato de a amostra ter sido pequena. Estas informações poderão, futuramente, ser reestudadas partindo de uma amostra maior, e reformulando as questões aqui analisadas.

A análise dos dados das entrevistas revelou que, a priori, não há relação entre a idade das mães, a idade dos bebês, a escolaridade das mães e o estado civil, no que diz respeito ao tipo de música que as mães ouvem, ao aprendizado de músicas infantis para as mães cantarem futuramente para seus filhos, e ao uso de música nas atividades diárias com o bebê, e também não há relação entre os itens supra citados e o hábito das mães cantarem para adormecer seus filhos, o tipo de música que colocam para eles ouvirem e na explicação das mães sobre a eficiência das músicas de ninar na indução do sono do bebê.

De acordo com o resultado, pôde-se notar que as mães de todas as idades, casadas ou solteiras, formadas ou sem formação, com filhos de idades variadas, cantam para seus bebês, e preocupavam-se em escolher e aprender canções apropriadas para cantar a eles. Isto parece ser uma atividade natural na relação entre mães e filhos pequenos.

Cantar para um bebê talvez seja inerente à maternidade e faça parte de um comportamento intuitivo. As mães selecionam repertório, ajustam o seu modo de cantar, fazem julgamentos de conveniência, e modulam as suas experiências musicais para interagirem e comunicarem-se com seus filhos (Ilari, 2002). Enquanto os bebês são dependentes das suas mães, as experiências musicais que compartilham são bastante semelhantes. As mães certamente o fazem proporcionando experiências musicais através do canto expressivo, o qual atrai a atenção dos bebês como já foi dito anteriormente. O canto dirigido aos bebês mantém a atenção, influi na comunicação, facilita a interação social, e ajuda na aquisição da linguagem. (Ilari, 2002). Assim, se torna importante que as mães utilizem a música na convivência com seus bebês, para auxiliá-los tanto no desenvolvimento da fala, quanto no desenvolvimento motor e cognitivo.

Independentemente do gênero do bebê o uso de músicas pela mãe, como o hábito de cantar para o seu filho dormir, e a explicação das mães sobre a eficiência das músicas de ninar na indução do sono do bebê foram iguais. A análise dos dados revelou, também, que não foi encontrada nenhuma relação entre o número de filhos e a utilização da música pela mãe.

Em relação à profissão das mães, verificou-se que, também não há diferença na comparação com o tipo de música ouvida pelas mães, no aprendizado de músicas infantis para serem cantadas posteriormente para os filhos, no uso de música nas atividades diárias, também no hábito de cantar para dormirem os bebês, e no que diz respeito ao tipo de música que as mães colocam para seus bebês ouvirem. Em contrapartida, a análise dos dados revelou que há uma diferença significativa no que diz respeito à profissão das mães e a suas explicações sobre a eficiência das músicas de ninar na indução do sono do bebê. As mães que atuam como “do lar”, e, sobretudo, as mães que atuam na área pedagógica, pensam que as músicas de ninar acalmam o bebê, e por esta razão, são eficientes para que ele durma, como se pode notar no seguinte relato: “Porque acalma, e assim minha filha dorme feito um anjo, às vezes dando risada, e no dia seguinte ela acorda alegre”. As mães que afirmaram atuar nas demais profissões, ou seja, área de exatas, saúde e estudantes, tiveram pensamentos variados sobre o assunto. Nesta pesquisa, especialmente as mães que afirmaram atuar como “do lar”, e, sobretudo, as que afirmaram trabalhar na área pedagógica concordam em suas respostas com pesquisas já realizadas que sugerem que as músicas de ninar acalmam os bebês, declarando que o mesmo acontece com seus filhos. Pode-se, talvez, atribuir a tal pensamento, o estudo aprofundado do homem e seu desenvolvimento psicológico, cognitivo, físico, entre outros, pelas mães que trabalham na área pedagógica, parece que tal estudo as torna mais sensíveis ao mundo, e principalmente, às necessidades e atitudes dos próprios filhos. As outras, que atuam como “do lar”, parecem ficar mais atentas às atitudes e reações de seus bebês por estarem com eles em tempo integral.

Nota-se, então, que as mães, da mesma forma e com o mesmo intuito utilizam a música no seu relacionamento com o filho. Não importa o quanto elas trabalhem, ou a função que elas exerçam, elas estão sempre prontas para desenvolver esta linguagem musical, e para iniciar este jogo de interação e imitação musical com seus filhos. Entretanto, como se pôde verificar, foi encontrada uma relação entre a explicação das mães sobre a eficiência das músicas de ninar na indução do sono do bebê e suas profissões.

De acordo com as entrevistas, notou-se, no grupo de mães que responderam aos questionários, que a minoria delas têm estudo musical. Porém isso também não reflete no uso de música com seus bebês inclusive no cantar a eles. Em contrapartida, as mães que tocavam algum instrumento ou tinham algum estudo musical, procuraram aprender músicas apropriadas para cantar ao seu filho antes do nascimento, e a maioria delas procurou aprender músicas folclóricas, músicas de ninar e de brincar. Este dado mostra a preocupação das mães que têm estudo musical em proporcionar aos seus bebês uma vivência mais consistente com a música. Portanto, destaca-se aqui a importância da educação musical na cultura das próximas gerações. Se as mães preocuparem-se com a musicalização de suas crianças, conseqüentemente, estas estarão preocupadas com a vivência musical de seus futuros filhos, iniciando assim, um processo de reeducação musical e inserção da musicalização na cultura de nosso país, ou seja, os pais estarão mais inclinados a proporcionar estudo musical e vivência musical para seus filhos desde a mais tenra idade, usufruindo, assim, dos benefícios que a música pode trazer a eles.

Os CD’s e DVD’s, são os campeões dos artigos musicais que os pais têm comprado para seus filhos. Cada vez mais a tecnologia tem afastado musicalmente os pais de seus filhos. Apesar da maioria das mães entrevistadas terem afirmado que cantavam com seus filhos, é grande o número de relatos declarando que, muitas vezes, elas colocavam um CD ou um DVD para os bebês dormirem ou distraírem-se, como se pode verificar na seguinte declaração: “Agora eu não canto mais para ele dormir porque eu ligo o CD da Xuxa e ele dorme, ele não gosta mais que eu cante”; “Às vezes eu canto músicas calmas ou ponho CD’s para ela ouvir”.

As músicas gravadas são também muito importantes, porém elas não devem substituir o canto materno, pois este traz consigo uma carga emocional que não pode ser dispensada. O cantar e o falar das mães são meios importantes pelos quais as mães compartilham emoções com seus filhos que são sensíveis a estímulos visuais e auditivos (Trehub, 2002). Ouvindo os relatos das mães, percebe-se que os filhos preferem ouvir a música cantada pelos seus pais, apesar de apreciarem muito as músicas tocadas no rádio ou na TV. Assim, as mães devem conscientemente cantar muito mais para seus filhos.

Figura 2: Gráfico do tipo de atividades diárias em que as mães utilizam músicas com os bebês.

Analisando o gráfico acima, percebemos que a maioria das mães utiliza músicas ao brincarem com seus bebês, contudo, nas demais atividades como, comer, dormir, atrair atenção, a música não é deixada de lado, apenas é utilizada com menos freqüência. A fase de 18 meses a 4 anos, é tanto de desenvolvimento motor, como da linguagem entre outros desenvolvimentos. A criança é muito ativa e tem bastante energia. Ela já pode andar, é um tanto curiosa, gosta de mexer em todas as coisas diferentes, pois não se contenta apenas com seus brinquedos, e, principalmente, adora chamar a atenção dos que a rodeiam. A mãe então, instintivamente, no intuito de estimular seu filho, aproveita essas oportunidades para brincar com ele, entrar no mundo infantil a fim de que a criança possa responder a tais estímulos. Portanto é natural que, nesta idade dos bebês a qual esta pesquisa se destinou, a mãe faça uso da música muito mais para brincar do que para outras atividades. Porém, é notável que elas utilizam a música todo o tempo, seja ela tocada ou cantada, para brincar ou para alimentar seu filho. Pode-se também perceber esses fatos em um estudo realizado por Trainor (2002) no qual as mães mantiveram suas atividades diárias cantando ao longo do dia. Tal estudo revelou que elas não só cantaram enquanto brincavam com suas crianças, mas também durante a alimentação, a troca de fralda, o banho, e passeios de carro.

Em relatos ouvidos durante a fase de entrevistas desta pesquisa, verificou-se que algumas mães cantavam para os seus filhos dormirem, porém estas não eram maioria. As mães que afirmaram não cantar dividiram-se em contar historinhas, colocar um CD, não cantar, entre outros. Algumas crianças “mais velhas” não necessitam mais da presença materna para dormirem. Elas se tornam independentes e, quando se sentem cansadas sabem que está chegando a hora do sono. Outras, menos independentes, preferem a mãe para sentir seu carinho, ou para que ela lhe conte uma história. Todavia, em uma pesquisa realizada contemporaneamente a esta, que desfrutou do mesmo tema, com mães de bebês entre 0 a 18 meses, verificou-se uma unanimidade no ato do canto materno para os bebês dormirem. (Broock, 2004).

O uso da música, porém, não se limita apenas aos cuidados das mães. O pai também tem grande responsabilidade no que diz respeito às experiências musicais. Embora não tenha sido esta a ênfase desta pesquisa, pôde-se perceber que mesmo que os pais cantem menos freqüentemente para as crianças do que as mães, o seu cantar também está marcado por emoções (Trehub, 2002).

Figura 2: Gráfico do tipo de música cantada pela mãe e pelo pai.

É possível verificar neste gráfico, que há alguns pais que não cantam para seus filhos. No entanto, alguns deles, esmeram-se em cantar ou tocar músicas que satisfaçam seus bebês, com ou sem o auxílio de um violão, ou cantando junto com as mães.

Nota-se que em relação às mães, os pais cantam poucas músicas de ninar ou de brincar, em contrapartida, as músicas populares tocadas no rádio, nas propagandas de televisão, e as que eles gostam de ouvir para divertimento próprio, são campeãs no seu repertório musical direcionado aos bebês. Logo atrás das músicas populares, cantadas pelos pais, estão as músicas infantis da mídia, ou seja, Eliana, Xuxa, entre outras. No repertório da mãe, percebe-se uma diferença significativa em relação ao repertório do pai, o repertório da mãe está bastante equilibrado entre as músicas infantis da mídia e as canções de ninar e de brincar que são cantadas um pouco mais. Analisando estes resultados, destaca-se aqui a importância da musicalização para bebês, que não visa única e exclusivamente a musicalização do pequeno, mas também a educação e/ou a reeducação musical dos pais e o resgate de músicas folclóricas, de ninar e de brincar no seu repertório, visto que eles, na maioria das vezes, acompanham os filhos nas aulas.

Considerações finais

Com esta pesquisa conclui-se que a interação musical entre mães e bebês é de extrema importância no que diz respeito ao desenvolvimento infantil em todos os sentidos. As mães utilizam a música para comunicarem-se com seus filhos. Elas cantam nas atividades diárias, e o seu canto não deixa de ser uma linguagem. Linguagem esta que a criança tenta imitar. Freqüentemente encontramos as crianças “inventando” canções com atividades do seu dia-a-dia, também cantando com suas mães, com a TV e com o rádio. Elas estão desenvolvendo sua linguagem musical, e interagindo com suas mães.

Pode-se concluir também que o canto dirigido às crianças é uma atividade predominantemente realizada pela figura feminina. Sabe-se que as mães acreditam ter grande influência no desenvolvimento da criança o canto e o uso da música, em contrapartida os pais, apesar de cantarem com seus filhos, não atribuem a tal hábito grande importância. Sabe-se que a presença do canto materno no desenvolvimento infantil é imprescindível, porém é necessário que o canto do pai tenha a mesma influência e importância. É preciso que os pais aprendam canções infantis, e as utilizem com seus filhos.

A musicalização para bebês, é bastante importante no que diz respeito à sensibilização das crianças em relação à música. Também tem grande importância na educação musical ou na reeducação musical dos seus pais. Nas crianças desperta-se o interesse pela música, além de aproveitar a sua fase de abertura para o desenvolvimento da música, oportunizando assim, que essas crianças possam, futuramente, fazer uso da música profissionalmente ou apenas para transmitirem seus benefício aos seus filhos e/ou familiares. Para os pais, a musicalização se torna importante no aprendizado e no resgate das músicas folclóricas, de ninar e de brincar, bem como das músicas clássicas. Através das entrevistas pôde-se verificar que um número considerável de mães e pais canta ou coloca músicas infantis da mídia para seus filhos ouvirem. Para mudar tal hábito, no intuito de valorizar a educação musical, a musicalização para bebês é de grande importância.

Com o uso da música, o relacionamento entre as mães e os bebês é solidificado, pois a linguagem musical é intuitiva tanto para as mães como para os bebês, e se esta linguagem, for cada vez mais resgatada, e cada vez mais utilizada, teremos bebês mais musicais e mães mais atentas ás vocalizações e tentativas de cantar aos seus bebês, ao invés de irritarem-se, como muitas vezes acontece, com os gritos de seus filhos, as canções inventadas, e com as batidas ritmadas em objetos que produzem barulhos. Certamente o uso da música e o produzir musical das mães e bebês, solidificará o seu relacionamento, e oportunizará a eles, uma sensibilidade à musica que será transmitida para as próximas gerações.

Nota: Agradecemos Às nossas famílias, pelo carinho, amor, compreensão e apoio que têm nos dado durante nossa caminhada de estudos. Também às mães que participaram deste estudo.

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