Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013

COSTA, R. L. M. Na Orquestra Errante Ninguém Deve Nada a Ninguém ou... Como Preparar um Ambiente Propício à Prática da Livre Improvisação.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.1, 2013, p. 279-286.

Na Orquestra Errante Ninguém Deve Nada a Ninguém ou...

Como Preparar um Ambiente Propício à Prática da Livre Improvisação

Rogério Luiz Moraes Costa (USP, São Paulo, SP, Brasil)

rogercos@usp.br

Resumo: Neste artigo apresentamos, de maneira informal, uma espécie de roteiro que visa criar condições favorá- veis para a prática da livre improvisação musical coletiva. Este roteiro, baseado na experiência prática da Orquestra Errante, aborda vários dinamismos envolvidos numa prática desta natureza. Ao discutir tópicos importantes – tais como a escuta, o formato da interação, a técnica instrumental, o fluxo da performance no tempo, a analogia com a música concreta instrumental e a ideia de sonoridade – pretendemos fornecer alguns subsídios para uma formulação bem fundamentada deste tipo de prática que, nos últimos anos, tem assumido cada vez mais relevância em alguns ambientes dedicados à arte e à música experimental contemporânea.

Palavras-chave: Improvisação livre; Criatividade coletiva; Interação musical; Técnicas estendidas.

In the Orquestra Errante Nobody Owns Anything to Anyone or... How to prepare a Proper Environment to Free

Improvisation Practice

abstract: In this article we present, in an informal way, a kind of guide that aims to create favorable conditions for the practice of collective free musical improvisation. This guide, based on the practical experience of Orquestra Er- rante, discusses various dynamics involved in such practice. When discussing important topics – such as listening, the format of interaction, instrumental technique, flow of performance over time, the analogy with Lachenmann’s musique concréte instrumentale and the idea of sonority – we want to provide some subsidies for a well-founded formulation of this type of practice that in recent years has increasingly assumed significance in some environments dedicated to art and contemporary experimental music.

Keywords: Free improvisation; Collective creativity; Musical interaction; Extended techniques.

Em termos formais podemos dizer que...

a Orquestra Errante é um grupo experimental ligado ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP, fundado e coordenado pelo compositor, pesquisador, pro- fessor e saxofonista Rogério Costa. A OE se dedica à prática da improvisação livre e faz par- te do projeto de pesquisa sobre improvisação e suas interfaces (com a composição, filoso- fia, tecnologia, educação, história etc.) desenvolvido e coordenado pelo professor Rogério na USP. A Orquestra é composta por músicos oriundos dos cursos de graduação, pós-gradua- ção, pós-doc e professores da USP. A prática criativa e experimental da OE é baseada na su- peração dos idiomas musicais tradicionais e na ideia de que qualquer som é passível de ser usado em uma performance musical. Assim, a Orquestra Errante desenvolve suas ativida- des a partir de uma prática absolutamente democrática, não hierarquizada e voltada radi- calmente para a ideia de criação musical coletiva em tempo real. Cada performance é úni- ca e singular e não se almeja a criação de obras. O processo é o que importa. Na OE, todos são intérpretes-criadores e os pré-requisitos para a participação são o desejo, a escuta aten- ta, a interação e o respeito pela contribuição de cada um. As referências sonoras e concei- tuais estão em John Cage, Pierre Schaeffer, Giacinto Scelsi, Edgard Varèse, Gerard Grisey, Karlheinz Stockhausen, Gyorgy Ligeti, Helmut Lachenmann, Hermeto Pascoal, Ornette Coleman, Cecil Taylor, Derek Bailey, Evan Parker e muitos outros. Registros de algumas performances da Orquestra podem ser vistos e ouvidos nos seguintes endereços:
- http://www.myspace.com/orquestraerrante;
- https://soundcloud.com/rogeriomoraescosta;
- http://www.youtube.com/watch?v=08zpghYXtmQ&feature=related;
- http://www.youtube.com/watch?v=P94rHJ48nl4.

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Recebido em: 12/11/2012 - Aprovado em: 02/01/2013

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Em termos mais poéticos...

poderíamos dizer que a Orquestra Errante é uma brecha de espaço/tempo preparada para fomentar agenciamentos sonoros/musicais coletivos, sempre inéditos.

Mas, para detalhar, poderíamos dizer também que...

a OE é um campo de provas, de produção e de experimentação para os sentidos. Há ali, por isso mesmo, uma intensa ativação dos sentidos. O sentido da audição é predominante, pois afinal os sons nos atingem através deste canal. Porém, os outros sentidos não estão ausen- tes, pelo menos enquanto recursos para a ação e para a interação. Para a complexidade da ação instrumental na relação músico/instrumento importam o tato, a visão, a noção de cor- po, de fisicalidade e para a interação propriamente dita (nas relações entre as ações de cada músico no ambiente), importa o olhar (além da escuta, obviamente). Trata-se por isso, de um espaço háptico1, integral, indissolúvel.

Ressaltamos que este é um espaço peculiar de criação, uma vez que...

na prática da OE não há reprodução, pois sempre se produz algo novo, inusitado. A OE não toca músicas (reprodução). A OE produz música (produção, invenção). Porém, este ambiente de produção é diferente do ambiente da composição (strictu sensu), já que nele a criação se dá sempre de forma colaborativa, coletiva, compartilhada em tempo real e irrepetível. O que se repete é apenas o aspecto geral do ambiente, seus componentes: vontades, engajamento, ação instrumental, desejo, prazer, escuta intensificada, interação, ludicidade. Há exceções: a OE pode eventualmente tocar músicas, como foi o caso da peça Saturação de Mário Del Nunzio apresentada em 2010 durante o evento artístico multimídia Por trás das coisas pro- movido pelo grupo de pesquisa Mobile: Processos Musicais Interativos da USP no teatro da Unesp em São Paulo. Mas esta não é a sua vocação primeira. O que a Orquestra produz, em geral é um composto de forças simultâneas e interagentes ativadas principalmente pelo de- sejo de cada um dos músicos, agenciado eventualmente por alguma proposta musical, ex- tramusical, roteiro ou palavra geradora (lembramos, por exemplo, de erosão, disfunção e amálgama que ativaram2 as performances que estão disponíveis no myspace). Estas forças são sempre sonoras. Por isto, trata-se de música. Pensamento musical. Conversas musicais. Jogos musicais.

Como já dissemos, tudo se dá através da interação. Mas para isso...

as condições devem ser propícias à criação de fluxos sonoros interativos. As interações se dão em todos os sentidos – horizontal, vertical e diagonal – já que os fluxos são superpos- tos e justapostos. O que eu ouço – o todo, camadas, partes, trechos – me influencia agora mesmo, ao mesmo tempo em que ouço ou depois de ter ouvido. Tudo é sempre novo, a todo momento. Nada se sabe antes do acontecimento. Nem depois. Só durante. O ambiente não é previamente hierarquizado: todos os sons tem direitos iguais. O mesmo se pode dizer a res- peito dos instrumentistas. A potência de cada som emitido se estabelece “em pleno voo”: é quando elementos se acoplam ou não, somando forças ou se extinguindo. É só no contexto da performance que determinados sons se tornam eventualmente mais importantes que ou- tros. E estes se tornam mais importantes na medida em que estabelecem conexões produti- vas. Eventualmente, alguns sons caem no vazio, não “vingam”, não se desdobram.

Outro aspecto que fundamenta a prática da Orquestra...

é a complexa rede de relações que se pode estabelecer entre a escuta (reduzida3) e os pro- cessos de produção sonora implementados pelos instrumentistas durante a performance.

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Estas relações incluem as dimensões físicas, corporais e emocionais do gesto instrumen- tal. Numa dimensão ‘microscópica’ podemos dizer que, a cada som (que tem uma história energética singular) produzido em uma performance, corresponde um gesto instrumental. Ou seja, o tempo e a qualidade do gesto instrumental estão intimamente ligados à “história energética” do som. Assim, poderíamos dizer que cada performance tem, num certo senti- do, uma dimensão “coreográfica” específica.

Exemplo n.1: Cartaz de divulgação da Orquestra Errante, concerto no Ibrasotope em 2010.

Por isso, diríamos que...

a prática da OE pode ser pensada como uma espécie de música concreta instrumental4 pois, nela os relacionamentos entre os músicos se dão, predominantemente, através de uma es- cuta que privilegia a concretização da execução realizada e as qualidades gerais de sonori- dades. O valor – que é o que é ou se torna, estrutural, musical – emerge da audição destas mesmas sonoridades concretas que são produzidas na performance. Portanto, na livre im- provisação, o abstrato (a estrutura, a musicalidade) e o concreto (a sonoridade) são totalmen- te imbricados e coexistentes. A estruturação se dá na performance e resulta de uma ativida- de com as sonoridades concretas. Na livre improvisação a musicalidade se expressa ou está contida na sonoridade. A sonoridade se “musicaliza”.

Alguém poderia perguntar: o resultado não é caótico? Diríamos que não...

porque os movimentos de consistência (estratificação) se alternam com os movimentos de desestratificação5. Ao mesmo tempo que se deseja sempre criar algo novo, a todo momento existe a vontade de estabelecer conexões. Todos esperam que a sua atuação crie ressonân- cias no todo, seja se somando a algo que se consolida, seja trazendo elementos novos que vão contribuir para mudanças de rumos e transformações no fluxo da performance. De qual- quer forma, o caos permanece como uma espécie de reservatório virtual de materiais e pro- cedimentos. Uma condição para que haja consistência é que a “fala” de cada instrumento

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seja ouvida e passe a fazer parte do jogo. Um dos elementos mais importantes é o prazer: o prazer da emanação vital, individual, de ouvir o som de sua própria “fala” (instrumental), prazer de ser ouvido, prazer de ouvir o resultado geral, prazer da ludicidade, prazer de fazer parte de um todo em movimento, do mergulho na sensação, prazer estético. Neste ambiente o tempo é sempre intensificado, pois as múltiplas conexões entre as ações de cada músico se dão em tempo real.

Para isto é preciso uma série de cuidados, já que...

os músicos trazem para o ambiente da prática os seus “rostos6” particulares. Para o ambien- te funcionar é preciso estabelecer algumas condições para o jogo. Não são propriamente re- gras para o jogo: é mais uma anti-regra. A prática da OE não se submete a nenhum idioma (particular, coletivo, tribal, social, histórico, geográfico) embora com eles dialogue e jogue (pois fazem parte da história de cada um). É preciso que desde o início se estabeleça o pri- mado do som (e não da nota e de seus sistemas molares: tonal, modal, atonal, dodecafônico etc.). O som puro e energético é a matéria prima dos músicos da OE. A ideia é partir do mí- nimo, do molecular que é comum a qualquer música: o som. Este pode se transformar em qualquer coisa: motivo, tema, figura, melodia, textura, ruído, grito, traço, desenho, gesto, elemento etc.

Neste sentido vale dizer que...

a Orquestra Errante acolhe rostos diversificados. Isto é: diferentes e complexas biografias musicais convivem e cooperam neste ambiente aberto e não hierarquizado. E isto não é sim- ples, pois é necessário que cada um abra mão de seu mundo sonoro particular em favor de um novo mundo coletivo, inédito, inesperado e imprevisível. É preciso mergulhar nos ní- veis mais profundos dos idiomas e buscar seus elementos mínimos e moleculares7. É neste nível – o nível do som puro e do gesto instrumental – que se estabelece um devir produtivo entre músicos de formação específica e diversificada: pianistas românticos, guitarristas de jazz e de rock, flautistas andinos e barrocos, bateristas de samba e reggae, saxofonistas de blues e de bebop e percussionistas exóticos. Durante as performances estas especificações se diluem...

Por isso...

a técnica não deve ser um empecilho. Mas é importante saber que ela não é neutra já que nela se escondem os idiomas. Isso porque as técnicas em geral se desenvolvem em íntima relação com algum tipo de música, sistema e/ou idioma. Por outro lado, a boa técnica – em qualquer idioma – propicia um domínio de certas possibilidades dos instrumentos (não to- das...). E isto traz certa intimidade. E é bom ter intimidade com um instrumento. O músico tem um tipo de prazer corporal nesta relação. Portanto, a questão técnica tem dois aspectos. Por um lado ela pode ser uma prisão, por outro uma possibilidade de expressão e, por isso de libertação. Na Orquestra Errante os instrumentos são tocados das formas mais diversas: com alguma técnica tradicional (recontextualizada), com as chamadas “técnicas estendi- das” (na música contemporânea, a ideia de técnica estendida está fortemente relacionada à expansão das possibilidades de produção sonora), com técnicas inventadas na hora (impen- sadas, improvisadas, inusitadas) e com misturas de técnicas. O importante é que o instru- mento se torne uma espécie de extensão do corpo e da voz do músico, que o acoplamento músico-instrumento habilite o músico para o devir da performance.

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O tempo também tem múltiplas dimensões nas performances...

por isso é possível imaginar o fluxo sonoro de uma performance enquanto uma textura complexa, multidirecional. Ela não é linear, pois não há um princípio unificador, teleoló- gico. Sabemos começar mas não sabemos qual será o fim. As várias camadas da textura se relacionam de múltiplas formas. As conexões se dão em tempo real, passo a passo: o que acabou de ocorrer necessariamente influi nos eventos que se seguirão. Predomina uma me- mória de curto prazo. A expectativa é um sentimento sempre presente: o que virá a seguir? Mas a música não vai só para frente, mas também para trás e para os lados. A simultanei- dade de acontecimentos de tempos disparatados garante uma pluralidade de tempos coe- xistentes: uns mais lentos, outros mais rápidos, outros parados, uns densos, outros mais rarefeitos, uns lineares, outros circulares. Cada músico tem seus tempos internos e a inter- venção de cada um, pensada enquanto uma camada da textura geral estabelece conexões ao mesmo tempo com o todo e com as outras camadas. É possível dizer que a performance se dá num presente contraído composto pela convergência de vários passados que o produzem e o futuro em potência que não para de se atualizar.

Exemplo n.2: Cartaz de divulgação da Orquestra Errante, concerto no Centro Cultural Jabaquara, 2011.

Sobre a interação com o público podemos dizer que...

a performance não é exibicionismo. Pelo contrário. Para haver intensidade expressiva e sin- ceridade na improvisação livre, o ideal é que haja despojamento. A interação com o público pode ser um alimento, um incentivo para os músicos. Mas também pode ser uma armadilha na medida em que surge a tentação do uso de clichês e fórmulas de efeito para se conseguir a empatia. O certo é que o público é uma linha de força importante que estabelece um rit- mo com o plano de improvisação.
Vale lembrar que, na livre improvisação, o músico é ao mesmo tempo compositor, intérprete e ouvinte. Ele compõe e toca ao mesmo tempo em que estabelece caminhos de es- cuta de si e dos outros. A sua escuta e percepção é fundamental e é ela que, sendo configu- rada ao mesmo tempo em que se dá a performance, propicia a ação/operação do pensamento

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musical. No caso do público ouvinte, é fundamental lembrar John Cage para quem “a escu- ta é algo que é feito pelas pessoas e não algo que é feito a elas” (Nyman, 1999, p. 24). Assim, o ouvinte deve suprir seus próprios significados e construir suas cartografias de escuta na medida em que a escuta é um pensamento sobre a música. A escuta é ela mesma uma for- ma de pensamento musical que se configura no contato do ouvinte com os eventos sonoros. Na escuta de uma performance, cada ouvinte pode se sentir estimulado em sua faculdade de estruturação produzindo assim, uma escuta não direcionada de fora, mas configurada intencionalmente no contato do dentro com o fora.
Não nos esqueçamos também, que no caso de uma livre improvisação, o ouvinte vai lidar com a configuração de algo que está sendo construído em tempo real. Ele vai pre- senciar o desenrolar de um processo interativo. Vai assistir a uma conversa sonora extrema- mente complexa e instável e vai, ele mesmo, ter que conectar elementos, perceber relações mergulhando assim num acontecimento que se propõe enquanto um bloco de sensação. O ouvinte tem que ser um cúmplice deste processo.

e, em nossas apresentações e concertos...

em 2010 no auditório da UNESP, em 2012 no auditório da ECA e da FFLCH, ambos na USP, em julho de 2012 no auditório do Itaú Cultural durante a programação do IV SMCT (Seminário de Música, Ciência e Tecnologia promovido pelo grupo de pesquisa Mobile – processos musicais interativos)

isto tem ocorrido.

Exemplo n.3: Apresentação da Orquestra Errante no Itaú Cultural São Paulo dentro da programação do IV SMCT

– Julho de 2012.

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A Orquestra Errante, atualmente (dezembro de 2012)...

é composta pelos seguintes músicos: André Ribeiro (piano), Fábio Carrilho (guitarra), Fábio Martinele (trombone), Renato Sampaio (voz), Max Schenkmann (flauta e instrumentos in- ventados), Antonio Goulart (guitarra), José Leonidas (bateria), Stênio Biazon (guitarra), Migue Diaz (contrabaixo), Rogério Costa (saxofones).

Notas

1 Encontramos uma definição interessante de sistema háptico em Mauerberg (Mauerberg-Decastro, 2004) para quem: O Sistema háptico vai além do tato e é um dos mais complexos meios de comunicação entre o mundo in- terno e externo do homem. O sistema háptico está relacionado com a percepção de textura, movimento e forças através da coordenação de esforços dos receptores do tato, visão, audição e propriocepção.

2 Manuel Falleiros – saxofonista e integrante da Orquestra Errante durante os anos de 2010 a 2011 – desenvolveu

em seu doutorado, sob orientação do prof. Rogério Costa, uma detalhada investigação sobre as potencialidades da utilização de palavras como ponto de partida para performances de livre improvisação coletiva. Para esta pesquisa a OE funcionou como uma espécie de laboratório. As 3 palavras citadas foram utilizadas em diversas performances da OE, inclusive em concertos. As gravações, que podem ser ouvidas no link citado, foram reali- zadas em 2010 no estúdio do CMU/USP (LAMI). (Falleiros, 2012).

3 Podemos nos interrogar sobre o som primeiramente enquanto um índice (de sua fonte causal), ou também pelos

significados de que ele é portador, ou enfim escutar o som em si mesmo, numa atitude bem particular que deno- minaremos como escuta reduzida. Esta escuta se liga somente aos efeitos do som: forma, matéria do objeto que nós percebemos (Schaeffer, 1998, p. 66).

4 Para Lachenmann a ideia de uma música concreta instrumental implica numa linguagem musical que abrange

todo o universo sonoro que se torna acessível através de técnicas instrumentais não convencionais. Segundo o compositor, nesta música os eventos sonoros são escolhidos e organizados de modo que a maneira pela qual eles são produzidos é pelo menos tão importante quanto as qualidades acústicas resultantes. Consequentemente essas qualidades, tais como timbre, volume, etc., não somente produzem os sons, mas descrevem ou designam uma situação concreta: ao escutar, ouve-se as condições em que um som ou ruído é produzido, que materiais e energias estão envolvidos e que resistência é encontrada. Trata-se de uma ênfase no gesto energético instru- mental.

5 Para Deleuze, a dinâmica da natureza é um constante processo de estratificação/desestratificação. E, tanto a

estratificação quanto a desestratificação excessivas podem conduzir à “morte” (por exemplo, no fascismo e na esquizofrenia, respectivamente). Por isso, no ambiente da livre improvisação musical é importante obter um equi- líbrio entre estes dois processos. Na medida em que ela é um devir em que o presente é enfrentado a cada instante pelos músicos que interagem, tanto a variação constante de materiais (desestratificação) quanto a configuração de estados provisórios (estratificações) se constituem enquanto dinamismos fundamentais (Costa, in Per Musi,

2012, p. 61)

6 Cito aqui a minha tese de doutorado onde, a partir da filosofia de G. Deleuze, teço considerações sobre o conceito de rosto: Cada músico tem uma maneira específica de lidar com a situação de improvisação, resultado de suas experiências de vida e musicais. Podemos dizer de modo geral, que ele tem uma maneira de ser que é resultado de todos estes processos biográficos e vivências. São seus maneirismos, seus jeitos de ser, seu “estilo”. Podemos dizer, utilizando um conceito de Deleuze que nos parece elucidar todo este processo de acumulação de características, tendências e jeitos de ser resultante da história pessoal de cada um, que o músico traz um rosto e é com base neste rosto que todo e qualquer processo de produção vai se delinear (Costa, 2001, p. 62).

7 Segundo Deleuze, é necessário almejar o molecular para superar os idiomas e os sistemas. A conhecida ideia

deleuziana de que na arte não se trata de reproduzir ou de inventar formas mas de captar as forças é funda- mental para entender este conceito de molecularidade. As “forças” estão presentes no nível molecular. É neste contexto que o som pensado enquanto uma linha de força (com sua história energética) se torna o material original e potente para uma prática musical liberada de qualquer sistema pré-estabelecido (Costa, in Per Musi,

2012, p. 63, 64).

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Referências bibliográficas

COSTA, R. L. M. O músico enquanto meio e os territórios da livre improvisação. Tese apresenta- da como exigência para a obtenção do título de doutorado na PUC/SP, 2001.

COSTA, R. L. M. A livre improvisação musical e a filosofia de Gilles Deleuze. In Per Musi, Belo

Horizonte, n.26, 2012.

FALLEIROS, Manuel, Palavras sem discurso, estratégias criativas para a livre improvisação, tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da USP como exigência parcial para a obtenção do título doutor, São Paulo, 2012.

MAUERBERG – DECASTRO, Orientação Espacial em Adultos com Deficiência Visual: Efeitos de um Treinamento de Navegação, in Psicologia: Reflexão e Crítica, 2004, 17(2), p. 199-210. (http:// www.scielo.br/pdf/prc/v17n2/22472.pdf) capturado em 08/12/12.

SCHAEFFER, Pierre, Tratado dos objetos musicais, Edunb, Brasília, 1998.

Rogério Luiz Moraes Costa - Professor, compositor, saxofonista e improvisador. Suas composições tem sido toca- das por artistas e grupos no Brasil e na Europa dentre os quais destacam-se o Pierrot Lunaire Ensemble Wien e a Camerata Aberta. Fundou e integrou durante os anos de 2000 a 2002, com Edson Ezequiel e Silvio Ferraz, o grupo de livre improvisação Akronon. Fundou e integrou o grupo de jazz brasileiro Aquilo Del Nisso com quem gravou

5 discos de 1990 até 2004. É coordenador do programa de pós-graduação em música da USP onde atua também como professor. Atualmente, desenvolve na USP um projeto de pesquisa sobre a improvisação e suas conexões. É coordenador da Orquestra Errante e integrante do trio de livre improvisação Musicaficta com Cesar Villavicencio e Fernando Iazzetta.


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