Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013

PENHA, G. R. Considerações Contextuais e Breves Análises acerca de Duas Transcrições para Piano de Franz Liszt sobre Peças de J. S. Bach...

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.1, 2013, p. 226-241.

Considerações Contextuais e Breves Análises acerca de

Duas Transcrições para Piano de Franz Liszt sobre Peças de J. S. Bach

Escritas para Órgão con Pedale Obbligato

Gustavo Rodrigues Penha (Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil)

penha.gustavo@gmail.com

Resumo: Este artigo aborda o processo de reescrita nas transcrições para piano de Franz Liszt de obras de J. S. Bach originalmente escritas para órgão com pedale obbligato. São tratados alguns dados a respeito do contexto histórico em que foram realizadas as transcrições de tais peças a fim de abordar problemáticas sociais, econômicas, poéticas e estéticas envolvidas nesse processo de transcrição, bem como são examinadas algumas mudanças técnicas e varia- ções afetivas implicadas na escrita pianística virtuosística das transcrições lisztianas da Fantasia e Fuga em sol me- nor (BWV 542) e do Prelúdio e Fuga em lá menor (BWV 543).

Palavras-chave: Franz Liszt; Transcrição para piano; Transcrição; J. S. Bach; Repertório para órgão.

Contextual Considerations and Brief Analyses about Two Piano Transcriptions by Franz Liszt on Pieces by J. S. Bach Written for Organ com Pedal Obbligato

Abstract: This article discusses the process of rewriting in Franz Liszt’s piano transcriptions of J. S. Bach’s works originally written for organ with pedal obbligato. Various data are discussed with regard to the historical context in which the transcriptions of these pieces were written in order to examine social, economic, poetic and aesthetic is- sues involved in this transcription process. A number of technical changes and affective variations implicated in the virtuoso piano writing are also examined in the Liszt transcriptions of the Fantasia and Fugue in G minor (BWV 542) and the Prelude and Fugue in A minor (BWV 543).

Keywords: Franz Liszt; Piano transcription; J. S. Bach; Organ repertoire.

No virtuosismo de Liszt, há um interesse tecnológico ou quirotécnico ao mesmo tem- po que uma homenagem à demiurgia artesã do homem. Nada é impossível ao homem. Vocês vão ver, senhoras e senhores, tudo aquilo que pode fazer um homem com seus dez dedos, tudo aquilo que pode um homem virtuose em frente ao seu teclado; vocês vão ver aquilo que pode um homem só!, pois o virtuosismo implica, como seu corolá- rio, o solismo, que exalta a genial solidão do herói... O homem diz bravo à performan- ce do homem, aplaude ao Acontecimento enquanto esse acontecimento é um triunfo do homem, uma proeza [...]. O pianista é um animal que tem duas mãos preênseis com o polegar opositor aos outros dedos; em plana época do maquinismo, sem má- quinas e sem instrumentos, o pianismo leva até o extremo de sua tensão heroica a civilização da Mão. (JANKÉLÉVITCH, 1955/1998, p. 92-93)1

Entre 1823 e 1847 Franz Liszt (1811-1886) viveu em Paris, cidade que era então o principal centro internacional do piano, na qual residiam Chopin e outros instrumentistas virtuoses, bem como grandes construtores do instrumento (em 1855 a cidade possuía apro- ximadamente 120 fabricantes de piano). Durante este período significativas transformações na estrutura física do piano foram elaboradas por alguns dos construtores em atividade em Paris2: em 1825, Babcock cria o quadro metálico que viabiliza um grande aumento na potên- cia sonora do instrumento; no ano seguinte, Pape adota o feltro para revestimento dos mar- telos, que além de fazer o martelo rebater e voltar em velocidade proporcional a que atacou a corda, contribui para tornar o som do piano mais doce, mais homogêneo e menos estridente pela redução de atrito no ataque da madeira do martelo contra a corda metálica; em 1828, H. Pape passa a produzir pianos de armário com cordas cruzadas; em 1830, já havia pianos de sete oitavas e é também o ano em que Pleyel substitui o cobre pelo aço fundido para a fabri- cação das cordas. Tais transformações foram padronizadas aos poucos no processo de cons-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013 Recebido em: 24/01/2013 - Aprovado em: 24/04/2013

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trução de piano e a estrutura do instrumento tal como o conhecemos hoje se estabilizou en- tre os construtores somente no fim do século XIX. Liszt não só presenciou de perto algumas destas mudanças estruturais importantes no piano, como também contribuiu com constru- tores ao testar e fazer sugestões sobre os instrumentos e seus mecanismos, e esteve parti- cularmente ligado aos fabricantes dos pianos Érard desde sua chegada em Paris em 1823.
Neste processo de desenvolvimento do maquinário instrumental do piano houve portanto uma relação direta entre construtores e músicos que proporcionou uma dupla tro- ca que se efetuava pelo encontro entre o conhecimento técnico necessário do construtor para a criação de novos mecanismos e soluções conectada à expectativa e a percepção do músico (intérprete e/ou compositor) no que diz respeito à sonoridade do instrumento, à res- posta do instrumento e a sensibilidade do teclado ao toque.
Já no final do século XVIII e início do século XIX, quando do começo do processo de popularização do piano, era comum a publicação de partituras que tinha por fim a in- terpretação ao piano de obras solistas de J. S. Bach escritas originalmente para órgão sem pedaleira (como alguns dos corais) ou cravo. Diferentemente das peças escritas para órgão con pedale obbligato que necessitam passar por um real processo criativo para serem adap- tadas ao piano, as peças para órgão senza pedale e cravo são facilmente adaptáveis por utili- zarem a mesma lógica de execução exclusivamente “manual” implicada nesses instrumen- tos. Algumas peças de J. S. Bach entraram na prática pianística do século XIX justamente pela gradual substituição do uso do cravo pelo piano que se efetuou nesse período. Assim aconteceu por exemplo com O cravo bem temperado que passou a ser impresso em 1801 em Bonn, Leipzig e Zurique3 não tendo em vista mais a execução ao cravo, mas sim ao piano. É claro que a transposição a outro instrumento implica já noutros modos de execução no que diz respeito às escolhas de um estilo interpretativo e mesmo de dedilhados, mas ainda assim nessas adaptações cada uma das mãos continua a efetuar as mesmas vozes, a mesma função, que efetuaria ao cravo ou ao órgão; a escrita das peças se mantém para mãos esquer- da e direita. Por isso tais transposições se caracterizam menos por serem transcrições do que simples adaptações, produzidas com o fim de possibilitar a execução num instrumento “aperfeiçoado” – segundo a concepção de Liszt, conforme veremos num relato a seguir – e o mais em voga de então. É claro que o toque, o touché, ao piano, ao órgão e ao cravo são ab- solutamente diferentes, variando também de acordo com as diferentes escolas de interpre- tação, mas a função de cada uma das mãos na execução de tais peças bachianas permanece a mesma, quer seja num cravo, num órgão ou num piano. Portanto a edição de tais peças é um exemplo da transposição de um instrumento a outro que passa por nenhuma ou por um mínimo de elaboração criativa e que se efetuou principalmente por razões mercadológicas, tendo em vista o crescente mercado de venda de partituras nesse período marcado pela for- te popularização do piano.
A partir dessa diferenciação evidencia-se que não podemos conceber como sim- ples adaptações as transcrições de Liszt para piano dos prelúdios e fugas de J. S. Bach es- critos originalmente para órgão4. Ao se propor trazer à escrita das mãos o que era execu- tado na pedaleira nas peças originais, Liszt expande significativamente as possibilidades técnicas da execução instrumental ao piano, principalmente no que diz respeito à sobrepo- sição e à rápida justaposição de modos de execução instrumental diversos, frequentemente idiomáticos e virtuosísticos. Mas antes de abordarmos numa análise os aspectos técnicos que renovam as peças bachianas, tratemos sobre o que pensava Liszt acerca da interpreta- ção dessas peças.
Num relato do irmão de Jean-Joseph-Bonaventure Laurens (pintor, escritor e orga- nista que conviveu relativamente próximo a Liszt), há apontamentos a respeito de uma oca-

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sião em que Liszt executou ele mesmo sua transcrição do BWV 543, em Lá menor, de J. S. Bach num encontro entre amigos e conhecidos, a pedido do anfitrião:

Liszt comparece, em 1844, na casa de J. B. Laurens em Montpellier, com recomenda- ções de Mendelssohn, [Ferdinand] Hiller, etc.

– “Você se passa”, interpelou J. B. bruscamente, a queima-roupa, “tanto por um grande charlatão quanto por um grande artista”.

Foi como atacar subitamente o touro pelos chifres. Liszt não se abalou, manteve sua postura e tomou um ar de franca e espirituosa amabilidade. J. B. desenhou seu perfil. Almoçam se entretendo de coisas e celebridades musicais as mais interessantes.

– “Eu tenho que pedir a você”, disse J. B. num determinado momento, “que me pro- picie escutar uma certa peça de Sebastian Bach para órgão com pedal obbligato, a primeira no volume com as seis fugas, aquela em Lá menor de uma dificuldade que sem dúvida somente você deve poder lidar. Hoje é uma ocasião especial para mim que eu não posso deixar passar.”

– “Agora mesmo... Como você quer que eu a toque? – Como? Mas como deve-se toca-

-la! – Aqui está, uma primeira vez, como o autor devia a compreender, a executar ele mesmo, ou querer que ela fosse executada. E Liszt se pôs a tocar. E foi admirável, a perfeição mesma do estilo clássico e como desejado no original.

– “Aqui uma segunda vez, como eu a sinto, com um movimento levemente mais pito- resco, um espírito mais moderno e os efeitos próprios ao instrumento aperfeiçoado”

E foi, com essas nuanças, diferente mas não menos admirável.

– “Finalmente, uma terceira vez, aqui está como eu a tocaria para o público... para estupefazer, como um charlatão”

E, acendendo um cigarro que passou em instantes de entre seus lábios aos seus dedos, executando com dez dedos a parte escrita para os pedais, e se entregando a outros tour de force e prestidigitação, ele foi prodigioso, inacreditável, fabuloso e agradeceu com entusiasmo. (STINSON, 2006, p. 198-199)5

Podemos observar em tal relato o amplo domínio técnico-instrumental e a consci- ência crítica que Liszt possuía para a execução das obras de Bach segundo diferentes es- tilos interpretativos. Vemos também que a interpretação da peça conforme o próprio Liszt a compreendia se situa entre dois outros estilos interpretativos um tanto quanto caricatos, que correspondem às primeira e terceira execuções da peça presentes no relato anterior. Tratemos sobre essas interpretações mais proximamente.
A primeira interpretação que o pianista-compositor executou nesse almoço de 1844 é qualificada pelo narrador como “a grande perfeição do estilo clássico” (STINSON, 2006, p. 199) e próxima ao original. É de se desconfiar desta pureza e desta conformidade com o original ditas pelo narrador, devido aos juízos de valores aí implicados, mas isso não impe- de de desse relato se extrair algumas informações relevantes. Possivelmente tratava-se nes- sa primeira interpretação daquilo que convencionou-se chamar por stile brillante, uma exe- cução ao piano na qual busca-se uma aproximação à sonoridade do cravo, com sons mais secos, e utiliza-se um touché ao teclado semelhante ao do órgão (como veremos noutro re- lato sobre Liszt executando Bach) ao se retirar os dedos da tecla logo após acionada a cor- da. No stile brillante, coexiste com esses aspectos técnicos físico-corporais um certo rigor com relação à movimentação rítmica que mantém certas igualdade e regularidade no valor das durações das figuras rítmicas. É portanto uma interpretação mais rígida e clássica das obras de Bach e que era considerada antiquada por alguns na época, como veremos num outro relato a seguir.
Com relação à terceira interpretação de Liszt nesse relatado almoço entre amigos, aquela executada com um cigarro entre os dedos, pode-se dizer que ela corresponde à in- terpretação do próprio personagem pianista virtuose quase sobre-humano construído por Liszt para a atuação pública. Esse personagem lisztiano se caracteriza por elaborar suas per-

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formances tendo em vista impressionar o público, causar surpresas na fruição da obra em busca da valorização de sua marca pessoal. Ele possui traços de um atleta sempre pronto a superar desafios e quebrar recordes e também de um capitalista burguês que se vale de suas inovações e de sua atuação “como um charlatão” (STINSON, 2006, p. 199) para obter lucro e maior reputação social. É um personagem que está em conexão com um modo de execu- ção instrumental muito explorado durante o período romântico e que tem como seu maior expoente Niccolò Paganini (1782-1840), violinista virtuose e compositor a quem Liszt mui- to prestigiava. Esse personagem quase sobre-humano se caracteriza por realizar uma perfo- mance a partir de uma tensão na relação de forças entre um músico e um instrumento musi- cal, tensão que é gerada pela ação de um músico que enfrenta grandes desafios musculares a fim de levar os limites muito bem definidos do instrumento ao máximo do que podem. É um virtuosismo que cria algo como o sobre-humano; que faz o músico durante a execu- ção passar por cima das dificuldades impostas por cordas estouradas ou teclas quebradas; que em diversos momentos põe a figura do instrumentista como um herói; e que faz com que o público entre em êxtase ao fim de cada performance acrobática. O personagem do virtuose como centro do espetáculo é portanto um tipo diretamente relacionado ao século XIX, quando se difundiu esta figura de um instrumentista solista que possui amplo domí- nio técnico-instrumental e que realiza recitais em teatros lotados em turnês internacionais.
Esse personagem heróico virtuoso de Liszt pode por vezes parecer bruto visto um certo exagero presente numa gestualidade de movimentos acrobáticos. Entretanto, esse per- sonagem não nega a existência de um outro Liszt sutil e detalhista, que tinha a potência de trabalhar com as nuanças e sutilezas as mais variadas, tendo em vista seu amplo conheci- mento instrumental técnico e prático. Liszt se beneficiava do personagem virtuoso para se tornar uma grande estrela de época e assim adquirir certa fortuna, mas não deixava de estar atento às múltiplas variedades tímbricas dessa nova máquina sonora que permitia a utiliza- ção de uma ampla paleta de cores. A interpretação pública desse Liszt de concertos, desse personagem Liszt, não necessariamente corresponde ao modo como ele concebia uma in- terpretação adequada de Bach, como deixa claro o relato acima. Entretanto, Liszt abre mão de sua preferência e seu gosto pessoais em seus recitais públicos para elaborar uma perfor- mance que lhe garanta uma maior lucratividade.
No que diz respeito a esse estilo interpretativo preferido por Liszt – que correspon- de à segunda execução do jantar de 1844 – para o Prelúdio e Fuga BWV 543 em Lá menor, vejamos um relato que trata a respeito de uma de suas masterclasses em Weimar, dessa vez registrado nos diários de Carl Lachmund, pupilo de Liszt:

Um jovem havia trazido a Fuga em Lá menor de Bach, no arranjo de Liszt. Liszt sentou-se ele mesmo ao grand-piano, para nos mostrar sua ideia da interpretação adequada de uma fuga de Bach. Não havia nada de uma antiquada rigidez do ritmo ou secura do som que frequentemente se escuta na interpretação dessas fugas. Havia liberdade no fraseado, como também nos melismas tipo cadenza (no final da fuga). Ele fez um efeito muito refinado com os divertimentos, os quais tocou com leveza similar à indiferença.

“Você vê”, ele disse, “esses compassos de divertimento, ou pequenos interlúdios, são Nebensache (aspectos secundários) e possuem a intenção de descansar a mente por um momento, e se você os tocar dessa maneira, sem pretensão de expressão, a volta do tema terá um efeito de frescor”

“Há duas coisas que deve-se sempre observar ao tocar uma fuga”, ele continuou, “isso é, toque como você tocaria no órgão, não mantenha as teclas pressionadas depois de tocá-las [para clareza de articulação], e toque o tema em cada volta no mesmo estilo e ritmo, o que, entretanto, não significa que não você não pode tocá-lo em piano ou forte conforme o gosto.”

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Dos pequenos melismas tipo cadenza, ele disse: não toque isso estritamente a tempo, mas com um pouco de liberdade”. No trilo do 23º compasso [do prelúdio]: “pode-se estendê-lo como se houvesse uma fermata nele”.

Me chocou que não havia marcações de expressão em seu arranjo... Quando expressei meu lamento acerca disso, ele disse: “você vê, eu preferi omitir sugestões como de expressão, em vez de dar aos críticos uma oportunidade de me devorar e chorar a mo- dernização de Bach; e pianistas podem colocá-las para servir seus próprios gostos”. Então, levantando de seu assento, ele acrescentou enfaticamente, como se desejasse fazer um registro: “essa é a maneira como eu deveria tocaria Bach – e eu não acho que Bach me condenaria por isso se estivesse aqui.” (STINSON, 2006, p. 124-125)6

No início desse relato pode-se observar um desprezo do narrador, o pupilo de Liszt Carl Lachmund, com relação a uma interpretação com sons mais secos e ritmicamente rígi- da, possivelmente em stile brillante, qualificada pelo narrador como antiquada. Entretanto ele destaca em sua narrativa alguns elementos da interpretação pessoal lisztiana do BWV
543 que evidenciam diferenças com relação a uma interpretação em stile brillante, tais como liberdade ou maleabilidade rítmica no fraseado, contrastes de dinâmicas, respirações (“como se houvesse uma fermata”). Liszt em sua interpretação preferida trabalha, portan- to, com sutilezas sonoras próprias desse novo instrumento que passava então por um rápi- do processo de transformação e desenvolvimento estrutural. Novas cores entraram em jogo na execução ao piano, com as quais era possível criar novos mundos sonoros mas também recriar e reelaborar obras do passado. É nesse sentido que Liszt acredita que Bach não o re- criminaria por suas escolhas na interpretação ao piano de seus prelúdios e fugas, pois era preciso explorar as potencialidades próprias desta nova máquina sonora quer seja em obras atuais, quer seja em obras do passado. Ainda assim, Liszt opta por manter o texto bachia- no sem indicações de expressão na edição de algumas de suas transcrições, a fim de evitar críticas a seu trabalho e deixar em aberto essas escolhas aos gostos de outros intérpretes. Entretanto, como se pode observar no relato de uma de suas masterclasses, Liszt não deixa- va de fazer anotações a respeito de caráteres expressivos e movimentações rítmicas em suas próprias partituras.
Liszt, portanto, para criar seu próprio estilo interpretativo recolhe elementos que se encontram entre dois tipos extremos de interpretação ao piano no século XIX, a do clássi- co e a do charlatão: não se restringe à secura e rigidez do stile brillante mas deste não deixa de observar um touché singular organistíco que muito contribui na execução de fugas; por outro lado, não atua do mesmo modo que seu próprio personagem concertista, mas deste recolhe algumas artimanhas que possam ajuda-lo a impressionar o público numa execução em concerto, como causar surpresa ao voltar com o tema em oitavas no grave após o diver- timento em notas iguais tocadas “sem pretensão de expressão” (STINSON, 2006, p. 124).
Liszt então atualizou tais obras bachianas buscando explorar potencialidades pró- prias desta nova máquina que rapidamente se transformava e que cada vez mais entrava em evidência na vida cosmopolita das grandes cidades no século XIX. Juntamente a tais transformações do piano se consolidavam também novos modos e gostos interpretativos que satisfaziam mais o público de então do que um modo de execução como aquela em stile brillante, considerado antiquado para alguns da época. É num tal agenciamento que se con- solida o formato recital no século XIX, enquanto apresentação de execuções acrobáticas de um perfomer virtuoso que é posto no centro do espetáculo. Liszt soube se beneficiar merca- dologicamente desses novos gostos que nasciam no período e por isso construía seus espe- táculos tendo em o público e suas reações. Mas isso não significa dizer que Liszt não esta- va atento às variadas novas cores que podiam ser produzidas pelo piano, a todo um mundo sonoro de sutilezas e nuanças ao qual era necessária dar vida.

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Essas transcrições de Liszt das obras de Bach para órgão con pedale obbligato exi- gem alto nível de controle e conhecimento técnico-instrumental do pianista. Não que as obras bachianas originais não exijam virtuosismo ao órgão, muito pelo contrário, são algu- mas das que mais o exploram para a época. Mas a gestualidade física-corporal do instru- mentista implicada nessas obras organísticas é de outra natureza e está diretamente rela- cionada à simultaneidade da movimentação dos pés e dos dedos das mãos na construção de um intrincado ambiente polifônico. Entretanto o virtuosismo do organista por muitas vezes não é visualmente notável numa apresentação pública, visto os organistas não ficarem em primeiro plano numa igreja, local onde se construiu um território característico do órgão durante o passar dos séculos. Já o piano é menor e mais acessível ao público e era novidade então. Se as peças bachianas exigem um virtuosismo que pode não ser visto numa execu- ção ao órgão, Liszt faz com que no piano um outro virtuosismo se estabeleça como o centro do espetáculo. A sua ideia ao transcrever e executar esses prelúdios e fugas é justamente realizar aquilo que parecia impossível: executar somente com as mãos aquilo que era rea- lizado também com os pés. É de uma ousadia impressionante no sentido do desafio físico, muscular, que é exigido do intérprete, o que ressoa com o espírito heroico característico do personagem virtuose construído por Liszt.
Para melhor compreender o trabalho criativo de Liszt nessas transcrições, vejamos alguns exemplos de duas dessas, começando pelo prelúdio e fuga BWV 543, peça tratada nos dois relatos anteriormente abordados neste artigo a respeito da execução de Liszt ao pia- no das obras organísticas de Bach.
Logo no início do prelúdio do BWV 543 é possível observar uma significativa di- ferença entre a versão original de Bach e a versão para piano de Liszt. Em Bach, o baixo executado à pedaleira faz sua entrada no compasso 10 (Exemplo 1), numa longa nota pedal contínua, um Lán1, que dura 14 compassos7. Liszt se defronta já neste início com o proble- ma de o próprio piano não possibilitar uma longa sustentação de uma nota numa mesma amplitude sonora. A solução que Liszt então encontra é efetuar um ataque no extremo gra- ve do piano, no Lán1, e rearticular essa nota a cada dois compassos (Exemplo 2). Ora, cada uma destas diferentes articulações, a nota de longuíssima sustentação no órgão e a nota reatacada no piano, traz consigo uma bagagem histórica singular, elas compõem blocos de sensações completamente distintos que entram em choque quando da adaptação do texto organístico bachiano ao piano. Enquanto uma longa nota pedal ao grave do órgão está em conexão a toda uma tradição de execução em cerimônias cristãs, devido justamente à li- gação estrita do órgão aos cultos católicos e reformistas, um ataque no grave do piano em dinâmica mínima de forte – como realizado na interpretação de Maria Yudina8 – carre- ga consigo outros afetos ligados a uma prática em que esse instrumento era já o centro de um espetáculo artístico e a figura do instrumentista por vezes era vista como a de um he- rói, possuidor de uma virtuosismo quase “sobre-humano”. É nessa tensão entre esses dois mundos, o do órgão religioso e o do piano pagão, que se insere o ato criativo de Liszt. Ao rearticular o baixo-pedal a cada dois compassos e sustenta-lo com a mão esquerda por um compasso inteiro9 (Exemplo 2), Liszt faz com que a frase rápida da clave superior que era realizada pelas duas mãos ao órgão – o que é evidenciado pelas diferentes direções das hastes – seja realizada somente pela mão direita no compasso do ataque do baixo-pedal. Tal modificação no modo de execução dessa frase implica num elemento virtuosístico que não estava previsto no texto original bachiano e que exige uma altíssima destreza do intér- prete ao teclado. Dessa maneira, vemos nos próprios planos da composição e da execução uma primeira marca efetuada por esse personagem personagem heroico romântico cons- truído por Liszt, personagem que busca criar dificuldades, estabelecer desafios e superá-

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-los com suas próprias mãos, para o delírio geral de seu público e para a valorização de sua marca comercial.

Exemplo n.1: Compassos 10 a 15 do Prelúdio BWV 543 de J. S. Bach, na versão original para órgão con pedale obbligato.

Exemplo n.2: Compassos 10 a 13 do Prelúdio BWV 543 de J. S. Bach na transcrição de Liszt.

Nesta transcrição de Liszt do BWV 543 há também um momento em que se tor- na audível a simultaneidade de dois diferentes fluxos: um relativo ao mundo das simples adaptações ao piano de peças originalmente escritas para órgão sem pedaleira ou cravo; e outro relativo ao mundo do piano, no qual são exploradas as potencialidades próprias des- se instrumento. Tal momento acontece após um trecho do divertimento da fuga escrito so- mente para o teclado manual na versão original para órgão, ou seja, em que não há a utili- zação da pedaleira (entre os compassos 54 e 95). A escrita bachiana, neste trecho, realiza como que um filtro ao direcionar-se para o agudo e manter a região grave em silêncio por um momento. Essa limpeza na região grave operada pelo filtro possibilita que, no compasso
95 (Exemplo 3), a volta abrupta do sujeito da fuga nessa região cause um forte impacto, uma grande surpresa na escuta. Liszt explora esse efeito singular da escrita bachiana e busca atualizá-lo ao mundo pianístico ao reescrever em oitavas a voz que efetua a volta do sujeito
da fuga após o divertimento e que deve ser executada pela mão esquerda na região grave do

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piano (Exemplo 4). Tal escrita de uma linha melódica em oitavas executada por uma só mão se definiu historicamente como uma singularidade pianística, é um recurso técnico que foi muito explorado pelos compositores que escreveram para esse instrumento e que não foi tão abundantemente utilizado no repertório para instrumentos de teclado anteriores ao piano-
-forte, como o cravo e o próprio órgão. É também um elemento de virtuosismo em casos de movimentos rápidos, como nas semicolcheias do sujeito da fuga do BWV 543, o que condiz com sua ampla exploração por parte de Liszt. Liszt explora também uma conexão entre a imponente sonoridade de uma linha rápida em oitavas na região grave com a forte e não me- nos imponente sonoridade dos registros de 16, 32 e 64 pés do órgão. A partir desses dados pode-se apontar que uma interpretação como a de Maria Yudina – em que a volta do sujeito no compasso 95 (Exemplo 4), realizada em oitavas pela mão esquerda no grave do piano, é ressaltada por uma dinâmica forte – faz tornar-se audível a simultaneidade de dois diferen- tes mundos sonoros, de dois diferentes fluxos; é como se ouvíssemos simultânea e distin- tamente o mundo das simples adaptações ao piano de peças originais para órgão ou cravo
– tocado nesse caso pela mão direita como consequência do trecho do divertimento realiza- do somente nos teclados manuais – e o mundo próprio do piano, em que a escrita de uma linha melódica em oitavas executada por uma só mão se configura como um idiomatismo instrumental singular e, por vezes, como um aspecto de virtuosismo. É como se um tempo passado coexistisse com um tempo presente, ou seja, como se o mundo sonoro do cravo ou do teclado manual do órgão, mesmo que adaptado ao piano, se prolongasse por sobre o mun- do sonoro característico do piano. Por isso podem ser tratados como dois fluxos distintos e simultâneos, que agem num escoamento contínuo na escuta. Por fim, com relação a esse trecho da volta do baixo vale ressaltar que Liszt transpõe e omite algumas notas na voz do tenor nos compassos 96 e 97 (Exemplo 4), de modo com que todas as vozes possam ser to- cadas somente com a mão direita, enquanto que na versão original para órgão essas notas são executadas pelas duas mãos. Tal alteração demonstra mais uma solução que Liszt en- controu para resolver sua difícil tarefa de transcrição e implica também em outro elemento virtuosístico, visto fazer com que uma mão se desdobre para tocar sozinha o que era origi- nalmente tocado por duas.

Exemplo n.3. Compassos 90 a 99 da Fuga do BWV 543 na versão original para órgão de J. S. Bach.

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Exemplo n.4: Compassos 90 a 99 da Fuga BWV 543 de J. S. Bach na transcrição de Liszt.

A outra transcrição de Liszt que será tratada neste artigo corresponde à Fantasia e Fuga BWV 542, em Sol menor. O termo fantasia nesse prelúdio bachiano sugere a construção a partir da ideia barroca de Estilo fantástico (Phantasticus stylus) definida por Athanasius Kircher10 em seu livro Musurgia Universalis (1650) da seguinte maneira11:

O estilo fantástico é apropriado para instrumentos. É o método mais livre e irrestrito de compor: é obrigado a nada, nem a palavras nem a um sujeito melódico; foi institu- ído para mostrar engenho e ensinar a razão harmônica e a engenhosa composição de cláusulas harmônicas e fugas. É divido entre aquelas [peças] comumente chamadas fantasias, ricercatas, tocatas, sonatas. (KIRCHER apud COLLINS, 2005, p. 29)

A partir dessa definição de Kircher, pode-se dizer que um dos elementos mais im- portantes no estilo fantástico é seu caráter improvisatório, dada a liberdade de escolhas pos- sibilitada ao compositor (ou ao compositor-intérprete) e a não restrição a priori a um modelo formal ou a um determinado modo de desdobramento do material musical. Além disso, ou- tro fator extremamente importante no estilo fantástico apontado por Athanasius Kircher diz respeito à capacidade de elaboração do material através da qual o compositor demonstra sua engenhosidade, sua genialidade composicional. A ideia barroca de estilo fantástico possui portanto como seus componentes principais as ideias de improvisação e engenho. Dessa ma- neira, pode-se dizer que a concepção romântica de Fantasia12 acrescenta à concepção bar- roca de estilo fantástico justamente a busca por um virtuosismo quase “sobre-humano”, o alcançar um estado de transcendência com e pelas mãos13, fator importante para esse modo de interpretação musical característico do romantismo. Não que o virtuosismo instrumen- tal não seja também um elemento importante para o estilo fantástico barroco, mas trata-se de um virtuosismo diferente em que não há a preocupação com a característica ação heroi- ca do instrumentista do período romântico. O virtuosismo barroco é caracterizado pelo uso de elementos idiomáticos já consolidados nas diferentes práticas instrumentais, enquan- to que o virtuosismo romântico está mais conectado com uma ideia de superação contínua do compositor-instrumentista que estabelece a si mesmo novos desafios físicos a cada nova composição. Para que se possa notar a importância fundamental do virtuosismo no período romântico e particularmente na obra de Liszt, vale observar a afirmação de Liszt quando diz que “o virtuosismo não é uma consequência, mas um elemento indispensável da música” 14.
São portanto campos de forças distintos que estão em jogo no barroco e no roman- tismo. No mundo barroco, as forças presentes no homem se combinam com as forças de ele- vação ao infinto; é como se o virtuosismo barroco se direcionasse a Deus, tudo se passa sob a forma-Deus. Já no virtuosismo do século XIX, as forças presentes no homem confrontam-

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-se com os limites que se impõem ao humano na vida, no trabalho, na linguagem: tudo se passa sob a forma-Homem, o Homem enquanto experimentador que ultrapassa limites, nos mais diversos campos de atuação e de conhecimento.15
A reelaboração de uma fantasia barroca evidencia também um movimento de Liszt
em busca de aprofundamento e reflexão acerca da própria forma fantasia. É como se o en- contro entre Liszt e Bach proporcionasse o confrontamento entre modos de fantasiar do barroco e aqueles próprios do século XIX, o “século da Rapsódia” (JANKÉLÉVITCH, 1998, p. 25). Não se trata de um mesmo modo de fantasiar. É por isso que recorremos a uma defi- nição barroca de estilo fantástico elaborada por Athanasius Kircher. A concepção barroca se diferencia da concepção romântica de fantasia por ter como componente a ideia de enge- nho, ou seja, por se tratar de uma obra criada por um ato engenhoso. Já a noção romântica de fantasia não tem essa conexão direta à noção de engenho e está mais ligada ao caráter improvisatório e rapsódico do conceito de fantasia, e acrescenta à concepção barroca a bus- ca por um virtuosismo de um humano temeroso de sua finitude (comprovada na vida, no trabalho, na linguagem) e que faz de tudo para transpor limites.
Para tratar de alguns outros elementos de virtuosismo presentes na escrita das transcrições pianísticas de Liszt das peças para órgão de Bach, vejamos enfim o BWV 542. Em alguns trechos do prelúdio/fantasia dessa peça, Liszt escreve um pentagrama adicio- nal que funciona como alternativa, enquanto ossia16. Por vezes essas alternativas presentes nessa partitura funcionam acrescentando dificuldade de execução a uma determinada pas- sagem ao apresentar elementos virtuosísticos que não atuam no pentagrama ordinário. Por isso, a observação das regiões com pentagrama de ossia se mostram importantes numa in- vestigação que trata de buscar elementos virtuosísticos na escrita lisztiana.
Na versão para órgão, no início da peça está implicado um gesto imponente que não é desse modo caracterizado por uma alta dificuldade técnca para sua execução, visto se tra- tar de um acorde atacado pelas mãos simultaneamente ao acionamento do baixo na pedaleira (Exemplo 5), mas sim por causa da potência sonora própria do órgão. A textura desse início da Fantasia se determina enquanto um recitativo, visto a presença de uma voz solista que faz so- bressair sua longa linha melódica a partir da nota mais aguda do acorde inicial, ou seja, uma linha que se autonomiza de um acorde no qual funcionava como componente (Exemplo 5).

Exemplo n.5: Compassos iniciais da versão para órgão de J. S. Bach da Fantasia (Preludio) do BWV 543.

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Já na versão para piano acrescida de pentagrama de ossia (S. 462/2), há um contra- ponto entre a textura barroca recitativa e uma gestualidade nova na peça efetuada pela mão esquerda que realiza rápidos saltos entre os diferentes registros do piano. O caráter virtuo- sístico dessa nova gestualidade não se consolida somente porque a intensidade de força fí- sica necessária para o intérprete produzir um som de grande amplitude no piano é maior do que a necessária ao órgão, mas também porque a abundante e rápida movimentação da mão esquerda escrita como ossia exige muita destreza do músico intérprete. Essa rápi- da movimentação por saltos nos registros realizada pela mão esquerda é uma ação que foi muito explorada na escrita pianística, não sendo características da escrita para órgão e para cravo. É uma ideia singular do mundo do piano, um fator importante para determinar ele- mentos de sua escrita idiomática. Portanto, é como se Liszt sobrepusesse duas texturas com dramaticidades diferentes nesse início: uma vinda do mundo barroco operístico definida pelo recitativo, e outra vinda do mundo do pianista acrobata determinada pela virtuosismo implicado na escrita dos rápidos saltos da mão esquerda entre os registros do instrumento.
Já no início da fantasia os pentagramas ordinários da escrita para piano são acom- panhados de um pentagrama de ossia para a mão esquerda. Nesse ossia há uma intensa ex- ploração de Liszt de saltos de uma mão por diferentes regiões do piano (Exemplo 6). São dois os tipos de saltos que a mão esquerda realiza no ossia dos primeiros compassos: um salto que é realizado entre uma apojatura rápida de um intervalo de oitava na região mais grave do piano e o ataque de um acorde em oitava superior; e outro salto que deve ser rea- lizado logo após a execução do grupo de fusas em anacruse, através do rápido movimento que o intérprete deve com a mão esquerda ao partir da região central do instrumento e ir em direção à região mais grave onde recomeçará a execução com o primeiro gesto de apoja- tura (Exemplo 6). É portanto toda uma dança que a mão esquerda deve realizar, o que exige alto nível técnico e muita destreza do intérprete para a execução correta dos diversos saltos.

Exemplo n.6: Compassos iniciais da versão de Liszt para piano (s.462) do Fantasia do BWV 543 de J. S. Bach.

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Outro aspecto técnico abundantemente explorado nas transcrições de Liszt des- sas obras para órgão de Bach e que se configura também como elemento de virtuosismo são grandes aberturas de mão necessárias para a execução simultânea das diferentes vo- zes das peças bachianas. Por diversos momentos nessas transcrições é possível encontrar aberturas de mão em intervalo de décimas, principalmente na mão esquerda, visto essa ser a responsável pela execução da linha que era executada na pedaleira na versão origi- nal de Bach. É o que se pode ver no compasso 15 da transcrição da fuga do BWV 542; a linha do baixo que na versão original para órgão desse trecho é executada na pedaleira (Exemplo 7), na transcrição para o piano é efetuada na mão esquerda simultaneamente à linha do tenor da fuga, implicando numa abertura de décima na mão esquerda no segun- do tempo do compasso 15 (Exemplo 8).

Exemplo n.7: Compassos 11 a 18 da Fuga do BWV 542 de Bach na transcrição para piano de Liszt.

Exemplo n.8: Compassos 13 a 18 da Fuga do BWV 542 de Bach na transcrição para piano de Liszt.

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Por fim, um outro procedimento marcante para a consolidação do virtuosismo nessas transcrições de Liszt é aquele que faz com que uma mão sozinha seja responsável por tocar o que foi escrito para ser executada a duas mãos na versão original para órgão. É o que podemos observar no fim do compasso 17 e início do 18, quando duas vozes ca- minham paralelamente em sextas. Na versão original para órgão cada mão é responsável pela execução de uma das linhas individuais (Exemplo 7). Já na versão para piano, a partir de uma técnica completamente distinta, Liszt faz com que as duas vozes sejam executadas pela mesma mão (Exemplo 8), o que implica que o intérprete possua alto poderio técnico para a execução adequada da rápida movimentação melódica em sextas paralelas com uma só mão. É uma gestualidade que não está presente na escrita bachiana para órgão e que re- mete diretamente à escrita pianística clássico-romântica, não pelo paralelismo em si dos intervalos de terças e sextas, mas sim pela velocidade com que tal gesto físico-instrumen- tal deve ser executado em meio ao fluxo contínuo de uma fuga. Assim, não se trata de afir- mar que as sextas e terças paralelas executadas por um só mão não estavam presentes na escrita para teclado no período barroco, mas sim de que a realização de linhas em alta ve- locidade a partir desse gestual é uma singularidade da escrita musical do período clássico-
-romântico e, como tal, carrega consigo afetos diretamente conectados ao campo problemá- tico desse período histórico.

Considerações finais

Uma nova gama de sutilezas sonoras e de recursos técnicos foi amplamente explo- rada pelos compositores e intérpretes que vivenciaram de perto as transformações estrutu- rais pelas quais passou o piano ao longo do século XIX. Liszt ao realizar as suas transcri- ções para piano tratava de fazer com obras passadas fossem atravessadas por essa máquina musical que as atualizava numa sonoridade mais moderna. O ato criativo de Liszt, nessas transcrições para piano das obras para órgão con pedale obbligato de J. S. Bach, se define, portanto, pela produção e impressão de afetos característicos do romantismo num texto an- terior que não os possuía de antemão.
Há nessas transcrições um desejo de Liszt em contribuir para a divulgação de obras do passado, tanto algumas desconhecidas, quanto algumas grandes obras do repertório, como as sinfonias de Beethoven. Mas vale lembrar que a ação de divulgação dessas peças estava também em conexão direta com a valorização comercial do próprio intérprete que enfrentava, em palco, os maiores esforços e desafios físicos para executa-las virtuosistica- mente ao piano.
Os afetos românticos lisztianos estão implicados nos usos de elementos idiomá- ticos e/ou virtuosísticos da técnica pianística. Não que o problema seja somente técnico, mas a recontextualização de obras antigas operada por Liszt só estabelece uma renovação criativa no texto musical bachiano a partir do emprego de elementos técnicos característi- co da escrita para o piano – uso de frases rápidas em oitavas ou em sextas executadas com uma só mão, aberturas pouco usuais das mãos, saltos rápidos feitos por uma só mão por diferentes registros. Novas técnicas são concebidas simultaneamente e em conexão com novos modos de perceber (perceptos) e com novos modos de afetar de ser afetado (afetos). Os blocos de sensações, constituídos de perceptos e afetos, se compõe às técnicas indivi- duadas com as quais nascem para determinar um mundo enquanto um conjunto de graus de potência. É nesse sentido que falamos de mundo romântico, mundo barroco, mundo lisztiano, mundo bachiano, mundo pianístico, mundo organístico. Cada mundo possui

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seus agentes e cada agenciamento é um mundo em constante conexão com outros mun- dos. O que está em jogo para Liszt em suas transcrições é o ato de encontrar com mundos passados para neles imprimir afetos românticos, pianísticos, capitalistas, atléticos. Em re- sumo, imprimir afetos sensíveis e problemáticos correspondentes ao processo de produ- ção musical do contexto e do meio em que Liszt vivia. Esses afetos do mundo lisztiano se chocam com os afetos sensíveis e problemáticos17 envolvidos no processo de produção do próprio J. S. Bach e de seu período histórico. E é nesse entre mundos que se insere o ato criativo de Liszt em suas transcrições para piano das obras bachianas. Entre Liszt e Bach, entre o piano e o órgão, entre o romantismo e o barroco, entre o recitalista de concerto e o kapellmeister.
Como vimos, as simples adaptações ao piano de peças escritas para órgão sem pe-
dais ou cravo estão presas a uma habitualidade que as impede de evidenciar as intensida- des desse entre diferentes mundos sonoros, as quais Liszt torna sonoras e audíveis em suas transcrições. Ao atentar-se a zonas intensivas dos entre mundos, Liszt por vezes parece so- brepor dois mundos sonoros distintos, fazendo com que um mundo antigo se prolongue por sobre um outro novo que lhe é completamente alheio. O ato criativo de Liszt atua de modo a fazer com que distintos mundos se modulem reciprocamente, deixem suas marcas uns nos outros quando se encontram. E dessa maneira, quando se fala Liszt, não se trata do ho- mem empírico ou do sujeito formado Franz Liszt, mas sim de um conjunto de intensidades individuadas enquanto graus das potência de afetar e ser afetado que compõem um mundo singular, um corpo Liszt.

Notas

1 Tradução livre do autor. “Dans le virtuosisme de Liszt, il y a un intérêt technologique ou chirotcchnique en même temps qu’un hommage à la démiurgie artisane de l’homme. Rien n’est impossible à l’homme. Vous allez voir, mesdames et messieurs, tout ce que peut faire un homme avec ses dix doigts, tout ce que peut l’homme-vir- tuose devant son clavier; vous allez voir ce que peut um homme seul! car le virtuosisme implique, comme son corollaire, le solisme, qui exalte le géniale solitude du héros... L’homme dit bravo à la performance de l’homme, applaudit à l’Évenement lorsque cet événement est un triomphe de l’homme, une prouesse, un rétablissement périlleux”. (JANKÉLÉVITCH, 1955/1998, p. 92-93). Embora a palavra solismo não exista em português, optou-se por realizar tal tradução literal pois a palavra é também criada por Jankélévitch como um silogismo na língua francesa. O prefixo quiro, presente na primeira frase dessa passagem, refere-se a mão. O livro citado de Jankélé- vitch contém uma série de textos reunidos do autor. O texto original utilizado foi primeiramente publicado em La Rapsodie – verve et improvisation musicale, Paris, Flammarion, 1955, p. 6.

2 Cfe. mapeamento realizado por Olivier Alain em ALAIN, 1967, Capítulo VIII, p. 234-238.

3 Cfe. KASSLER, 2010, p. 67-76.

4 No catálogo de Liszt as peças não estão na mesma ordenação que estão no catálogo de Bach: as peças agrupadas como sob o nome Seis Grandes fugas correspondem ao S. 462, entretanto o S. 462/1 corresponde ao BWV 543, o S. 462/2 ao BWV 545, o S.462/3 ao BWV 546, o S. 462/4 ao BWV 547, o S. 462/5 ao BWV 548 e, por fim, o S. 462/6 ao BWV 544. Já as peças do S.463/1 e S.463/2 de Liszt correspondem a duas versões do BWV 542 de J. S. Bach, sendo que a segunda versão está em conexão com a versão em ossia da partitura.

5 Tradução livre do autor.

“Liszt se présente, en 1844, chez J. B. Laurens a Montpellier, avec des recommandations de Mendelssohn, Hiller, etc.

— «Vous passez, 1’apostrophe J.B. à brûle-pourpoint, pour un aussi grand charlatan que grand artiste!».

C’était assez brutalement attaquer le taureau par les cornes. Liszt ne broncha pas et se mit même sur le pied et dans le courant d’une franche et spirituelle amabilité. J. B. dessine son portrait. On déjeune en causant de tant de choses et de célébrités musicales des plus intéressantes.

— «J’ai a vous demander, dit a un moment J. B., de me faire entendre une certaine pièce de Sebastien Bach pour orgue avec donc pédalier oblige, la première du Cahier des six fugues, celle en la mineur d’une difficulté que vous seul au monde sans doute devez pouvoir aborder. C’est aujourd’hui pour moi une occasion unique que je ne veux pas laisser passer».

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— «Tout de suite... Comment voulez-vous que je vous la joue?». —«Comment? Mais... comme on doit la jouer!».

—«La voici, une première fois, comme 1’auteur a du la comprendre, 1’executer lui-même ou vouloir qu’elle soit exécutée». Et Liszt de jouer. Et ce fut admirable, la perfection même du style classique et voulu en tout d’original.

— «La voici, une seconde fois, comme je la sens, avec un peu de pittoresque de mouvement, 1’esprit plus moder- ne et les effets propres a 1’instrument perfectionne».

Et ce fut, avec ces nuances, autrement mais non moins admirable.

— «Enfin, une troisième fois, la voici comme je la jouerais pour le public... a étonner, en charlatan!».

Et, allumant un cigare qu’il passait par instants d’entre les lèvres aux doigts, exécutant parmi ses dix doigts la partie marquée pour les pédales et se livrant a d’autres tours de force et de prestidigitation, il fut prodigieux, incroyable, fabuleux et remercie avec enthousiasme.” (STINSON, 2006, p. 198-199)

6 Tradução livre do autor.

“A young man had brought Bach’s A-minor fugue, in the Liszt arrangement. Liszt seated himself at the grand, to illustrate to us his idea as to the proper interpretation of a Bach fugue. There was nothing of the old-fashioned stiffness of rhythm or dryness of tone one often hears in the interpretation of these fugues. There was freedom in the phrasing, as also in the cadenza-like runs [at the end of the fugue]. He made a very fine effect with the “divertimentos” (Zwischenspiele), which he played with lightness akin to indifference.

“You see,” he explained, “these divertimento measures, or little interludes, are Nebensache (side issues) and are intended to rest the mind for a moment and if you play them in this manner, with no pretense at expression, the re-entry of the theme will have a refreshing effect.”

“There are two things one should always observe when playing a fugue,” he continued, “that is, play just as you would at the organ, do not keep the keys down after playing them [for clarity of articulation], and play the theme at each return in the same style and rhythm, which, however, does not mean that you may not play it piano or forte at pleasure.”

Of the little cadenza-like runs, he said: “Do not play these strictly in time, but with a little freedom” At the trill in the 23rd measure [of the prelude]: “One may extend this as though there were a hold on it.

It struck me that there were no expression marks in his arrangement... When I expressed my regret at this, he said: “You see, I preferred to omit suggestions as to expression, rather than give the critics an opportunity to devour me and cry out at modernizing Bach; and pianists can put these in to suit their own tastes.” Then, rising from his seat, he added significantly, as if he wished to go on record: “That is the way I should play Bach — and I do not think Bach would chastise me for it if he were here.” (STINSON, 2006, p. 124-125)

7 Neste artigo toma-se como referência o Dón4 como Dó central.

8 Um áudio da gravação da pianista Maria Yudina pode ser encontrado no seguinte endereço no site youtube: http://www.youtube.com/watch?v=5Wkv3tf3laI&feature=related (última consulta em 11/01/2013). A opção pela gravação de Maria Yudina pelo apreço pessoal do autor a um modo de execução atenta a contrastes dinâmicos.

9 Por mais que haja uma ligadura entre os compassos em que o baixo é rearticulado e seus imediatos consequen-

tes, pode-se notas que a escrita lisztiana indica o uso da mão esquerda nos compassos em que o baixo não é articulado, visto a primeira nota de cada grupo de seis semicolcheias ter sido escrita com a haste direcionada para baixo.

10 Athanasius Kricher foi jesuíta polímata germânico que viveu entre 1601 ou 1602 e 1680.

11 O texto original de Athanasius Kircher foi escrito em latim, conforme o que segue: “Phantasticus stylus aptus instrumentis, est liberrima & solutissima componendi methodus, nulis, nec verbis, nec subiecto harmonico ads- trictus ad ostentandum ingenium, & abditam harmoniæ rationem, ingeniofumque harmonicarum clausularum, fugarumqeu contextus docendum institutus, dividiturque in eas, quas Phantasias, Ricercatas, Toccatas, Sonatas vulgo vocant.” KIRCHER, 1650, p. 585. A tradução realizada no presente artigo utilizou como base a tradução para o ingles presente em COLLINS, 2005, p. 29: “The fantastic style is suitable for instruments. It is the most free and unrestrained method of composing; it is bound to nothing, neither to words nor to a melodic subject; it was instituted to display genius and to teach the hidden design of harmony and the ingenious composition of harmonic phrases and fugues. It is divised into those [pieces] that are commonly called fantasias, ricercatas, tocatas, sonatas.”

12 Cfe o verbete Fantasia presente no Grove Music Online (FIELD, 2013).

13 Cfe. JANKÉLÉVITCH, 1955/1998, p. 92-93.

14 “Virtuosity is not an outgrowth, but an indispensable element of music” (LISZT apud JARDEN, 2013).

15 Sobre a forma-Deus e a forma-Homem, ver DELEUZE, 1986/2004, p. 131-141.

16 No catálogo de Liszt a versão sem ossia corresponde ao S.462/1 e a versão com ossia é o S.462/2.

17 Sobre afetos sensíveis e problemáticos ver GUATTARI, 1989.

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JANKÉLÉVITCH, Vladimir. Liszt: Rhapsodie et improvisation. Paris: Flammarion, 1998. KASSLER, Michael. “Broderip, Wilkinson and the First English Edition of the ‘48’» in The

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KIRCHER, Athanasius. Musurgia Universalis sive ars magna consoni et dissoni in X. libros digesta. Roma: Tipografia Hæredum Francisci Corbelleti, 1650. Disponível em: http://echo. mpiwg-berlin.mpg.de/ECHOdocuView?mode=imagepath&url=/permanent/library/B398U3SN/ pageimg. Último acesso em 13/01/2013.

STINSON, Russel. The Reception of Bach’s Organ Works from Mendelssohn to Brahms. Nova

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Gustavo Penha - Graduou-se em composição musical pela FASM (Faculdade Santa Marcelina), onde estudou com Sérgio Kafejian e Paulo Zuben. Na UNICAMP, finalizou o mestrado em 2009 e atualmente desenvolve o doutorado na área de processos criativos, ambas as pesquisas sob orientação do Prof. Silvio Ferraz e com bolsa da FAPESP. Enquanto compositor tem participado regularmente de festivais e séries de concertos em cidades brasileiras e es- trangeiras.


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