Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013

MARQUES, K. D.; OLIVEIRA, A.; FILHO, T. G.Aspectos Técnicos e Interpretativos na Fantasia para Saxofone Alto e Piano de Ronaldo Miranda.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.1, 2013, p. 201-212.

Aspectos Técnicos e Interpretativos na Fantasia para

Saxofone Alto e Piano de Ronaldo Miranda

Kleber Dessoles Marques (UFRN, Natal, RN, Brasil)

kdessoles@gmail.com

Anderson de Oliveira Pessoa (UFRN, Natal, RN, Brasil)

cavesax@gmail.com

Tarcísio Gomes Filho (UFRN, Natal, RN, Brasil)

targofi@hotmail.com

Resumo: Este artigo apresenta um estudo sobre os aspectos técnicos e interpretativos, relevantes ao Saxofone, na Fantasia para saxofone alto e piano, do compositor Ronaldo Miranda. A metodologia constou de pesquisa bibliográ- fica, estudo do instrumento, entrevista com o compositor e ensaios. A primeira parte apresenta as considerações ge- rais sobre a obra e o compositor, em seguida uma análise formal e sugestões técnicas e interpretativas. A conclusão aponta os resultados obtidos tanto na análise musical quanto as sugestões interpretativas.

Palavras-chave: Fantasia; Repertório para saxofone; Ronaldo Miranda; Interpretação musical; Performance musical.

Technical and Interpretative Aspects in Fantasia for Alto Saxophone and Piano by Ronaldo Miranda

Abstract: This paper presents a study about the technical and interpretative aspects relevant to Saxophone in Ronal- do Miranda`s composition Fantasia for alto saxophone and piano. In the methodology are included literature search, practice and study of the instrument, an interview with the composer and rehearsals. The first section presents gen- eral considerations about the composition and the author, followed by the analyses and technical interpretative sug- gestions. The conclusion shows the results of the analyses and suggestions.

Keywords: Fantasy; Saxophone repertoire; Ronaldo Miranda; Musical interpretation; Musical performance.

1. Introdução

Este artigo apresenta um estudo sobre os aspectos técnicos e interpretativos, rele- vantes ao saxofone1, na Fantasia para saxofone alto e piano, do compositor Ronaldo Miranda. Para isso, foram utilizados como fundamentação teórica estudos de Nicholas Cook (2006), voltados à performance e estudos em análise musical. A metodologia constou de pesqui- sa bibliográfica, estudo do instrumento, entrevista com o compositor e ensaios com um pianista.
A Fantasia para sax e piano, composta em 1984, é uma obra representativa no re- pertório de música de câmara para saxofone no Brasil, sendo utilizada em 40% dos progra- mas de graduação em música pesquisados por Scott Júnior (2007).
Até o momento foram lançadas duas gravações da Fantasia em LP e, segundo o compositor, esta obra:

(...) foi dedicada a Paulo Moura e Clara Sverner2. Foi composta para esse duo, no verão de 1984, para um “show-concerto” intitulado “Encontros”, que os dois fizeram logo ao início da temporada daquele ano, ao lado de Olívia Byington e Turíbio Santos, na Sala Cecília Meireles. Paulo e Clara gravaram duas vezes a “Fantasia”: a primeira vez para o LP “Encontros” (gravação ao vivo do espetáculo supra-citado), para o selo Kuarup; a segunda vez para o LP e CD “Vou Vivendo, da EMI-Odeon. (MIRANDA, 2012)

Além da Fantasia, Ronaldo Miranda também compôs outra obra para saxofone. Trata-se de um quarteto para saxofones intitulado “MOBILE”, composta em 2011. Sobre a

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peça o autor comenta que foi “(...) encomenda da FUNARTE, para ser estreada na XIX Bienal de Música Brasileira Contemporânea. A estreia ocorreu, pois, no Rio de Janeiro, em 2011, durante a XIX Bienal” (MIRANDA, 2012). Esta peça está editada pelo Banco de Partituras da Academia Brasileira de Música.
Ronaldo Coutinho de Miranda nasceu em 1948 no Rio de Janeiro. Iniciou sua carreira como crítico de música e, em 1977, intensificou seus trabalhos como compo- sitor. Participou de vários concursos e mostras de composição em todo o mundo, ten- do sido vencedor em muitos deles. Suas obras são executadas em salas de concertos no Brasil e no exterior. Atualmente, é Professor de Composição do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (BRUCHER, 2007; MARIZ, 2005).

2. Análise

A análise da forma permitiu uma maior compreensão da estrutura da obra. A di- visão em seções foi realizada de acordo com as ideias de John White e Arnold Schoenberg. White subdivide a análise de uma peça em três níveis: macro, média e micro-análise (WHITE, 1994, apud BARK, 2006) e Schoenberg considera que a forma é definida pelo nú- mero de seções. (SCHOENBERG, 1996)
A Macro-análise envolve a observação da estrutura como um todo. Quais e quan- tas são as seções e subseções constituintes, e como estão ordenadas. Verifica e apresenta os materiais empregados como elementos identificadores de cada seção e/ou subseção (BARK,
2006). Nesta perspectiva, os resultados da macro-análise3 realizada estão de acordo com a
visão do próprio compositor, na qual descreve a obra com a seguinte forma:

A “Fantasia” tem uma forma ternária A B A’, claramente estipulada. A melodia prin- cipal, angulosa e lírica, está nas partes extremas. A seção central - B - alterna alguns segmentos mais ríspidos e rítmicos, de sabor bartokiano, com um breve momento de divagação melódico-harmônica. A recapitulação da seção A insere-se num segmento conclusivo (com algumas reminiscências de B), à guisa de Coda, para concluir a peça num clima brilhante e virtuosístico. (MIRANDA, 2012)

Sendo assim, as seções foram delimitadas da seguinte maneira: Seção A (c.1 – c.22), Seção B (c.23 – c.74), Seção A’ (c.75 – c.134).

3. Considerações sobre a performance

Por questões de delimitação deste artigo, serão apresentadas apenas as considera- ções pertinentes à técnica de execução da parte do saxofone. Como referencial teórico foi utilizado o método de Jean-Marie Londeix (1977), principalmente no que se refere aos as- pectos de digitação. As indicações de mecanismo têm como ideia principal proporcionar ao performer o máximo de rendimento e ao mesmo tempo, facilitar as trocas de posição de di- gitação no instrumento.
As digitações serão indicadas por siglas, tal como acontece na Figura 1. Em situa- ções em que uma ou mais chaves precisem ser pressionadas simultaneamente, utiliza-se a
seguinte notação: 1/2/3, 1/2/3/4/Tf e 1/2/3/4 referente às sequencia de notas Sol, Fá# e Fá.

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Exemplo n.1: Ilustração da digitação do saxofone sugerida por Jean-Marie Londeix seguida de uma demonstração de sua utilização na sequencia de notas Sol, Fá# e Fá.

É importante observar as articulações e acentos grafados na partitura, uma vez que os mesmos reforçam as síncopes e os deslocamentos de acentuação característicos das hemiólias4.

Exemplo n.2: compassos 44 e 64 respectivamente. Apresentam dois exemplos de hemiólas. No primeiro apenas na parte do piano e no segundo nas partes dos dois instrumentos.

As demais indicações são resultado do trabalho prático realizado juntamente com o orientador e dos ensaios com o pianista.

4. Seção A (c.1 – c.23)

A peça inicia em andamento lento, com uma melodia sinuosa, de caráter lírico e dramático. Seus pontos de maior intensidade na dinâmica ocorrem em inícios de frase, ge- ralmente com saltos direcionados do grave para o agudo. Um crescendo aliado ao movimen- to melódico ascendente antecede a cadência no final da seção (c.22).

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Para a execução da ideia inicial (c.1) aconselha-se que o performer realize uma ins- piração capaz de conduzir a frase pelos cinco compassos seguintes. Desta forma pode-se executar melhor o trecho com indicação de dinâmica forte do segundo compasso. Sendo esta a primeira indicação de dinâmica forte, sua intensidade sonora servirá de referência às próximas indicações semelhantes. É necessário estar atento à afinação do Ré#55 (c.2), uma vez que no decorrer da pesquisa os experimentos demonstraram que em alguns saxofones a afinação tende a subir nesta região do instrumento. No final do compasso 5, na sequência de notas Sol#4 para Sol#3 ligadas, aconselha-se que abrir a chave do registro um pouco an- tes do tempo para auxiliar na mudança de alturas.

Exemplo n.3: compassos 1 e 2, e compassos 5 e 6 respectivamente.

As apojaturas harmônicas utilizadas em toda a seção A, tanto na parte do piano (c.2) quanto na linha do saxofone (c.7), devem ser executadas, segundo Drabkin (2013), de forma a realçar sempre as notas dissonantes, pois as mesmas aparecem nos tempos fortes e resolvem com ligaduras nas notas consonantes dos acordes, dando maior expressividade à música.

Exemplo n.4: compassos 2 e 7 respectivamente. Estão em destaque as notas dissonantes.

Na anacruse para o compasso 10, há um glissando entre as notas Mi3 e Fá#4. Aconselha-se tocar a escala diatônica de Mi no modo mixolídio, em concordância com o acorde de G7 (Sol maior com sétima menor) no piano. Esse é o início de uma ideia melódica que vai ser repetida, variada e transposta até chegar à cadência (c.22).
Apesar de não haver indicação é necessário respirar na anacruse do compasso 13, para melhor definir o final e o início das frases (entre as notas Ré#3 e Lá#3). Para o glis- sando logo à frente (anacruse do c. 14), aconselha-se usar a escala diatônica de Sol# dórico, em concordância com o acorde de Bm7 (Si menor com sétima menor) no piano e finalizar na nota Ré5 (c.14).
No compasso 17 será realizada uma respiração semelhante àquela do compasso 13, com o intuito de dar unidade ao trecho. Em relação à dinâmica, há um crescendo entre os compassos dezessete e vinte, partindo de um mezzoforte até chegar ao fortíssimo.

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Para finalizar a seção, a cadência (c.22) inicia com uma aceleração rítmica de forma proporcional até a nota Lá#2. Para uma maior fluência na execução do trecho, aconselha-
-se a utilização da chave Ta nos trechos em que aparecem as notas Sib3 e Sib4. Neste caso especificamente, por se tratar de uma passagem rápida e por conter logo à frente a nota Si natural, deve-se evitar utilizar o dedilhado 1/P, pois este requer que o dedo indicador es- querdo deslize por sobre as chaves do instrumento, causando um esforço desnecessário ao performer. Essa afirmação vai de encontro às indicações de Londeix (1977), que recomenda na passagem cromática entre as notas Lá# e Si o uso da chave Ta.
O final da cadência retoma o sentido do tempo lento inicial.

Exemplo n.5: Trecho entre os compassos 9 e 23.

5. Seção B (c.23 – c.74)

A seção B apresenta a pulsação dobrada (semínima = 100 bpm). Os segmentos me- lódicos em semicolcheias, além de exigirem expressividade também demandam um bom grau de habilidade técnica do performe, especialmente na sequência entre os compassos 22 e 27. Logo em seguida (c.28), é necessário atentar-se a passagens como a de Lá#3 e Si3, onde se aconselha o uso da chave Ta; e nas notas Fá4 e Fá#4 (c.29), o uso da chave alternativa Tf para evitar o movimento de forquilha na mão direita.

No compasso 30 nas notas Lá4, Sib4 é possível utilizar a digitação 1/2, 1/P. No ter- ceiro tempo do mesmo compasso, na sequência de notas Si4, Dó5, Fá5, Mi5 e Fá#5, veri- ficou-se que há duas possibilidades de dedilhado, sendo que a opção por um ou outro fi- cará facultada ao instrumentista e à afinação do instrumento utilizado. No primeiro caso, ao utilizar o dedilhado tradicional, nas posições 1, 2, C1/C2/C3/C4, C1/C2/C3, e C1/C2/C3/C4/C5, verificou-se um maior esforço nas trocas de dedilhado decorrente da amplitude do movi- mento ascendente da mão direita. No segundo caso, a utilização do dedilhado alternativo, nas posições 1, 2, X/2, X/2/3 e X/2/Ta, se mostrou mais eficaz em relação à quantidade de movimento.

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Exemplo n.6: Trecho entre os compassos 24 e 31.

O segmento entre os compassos 31 e 34 se configura como a finalização do tre- cho anterior (c.24 a 30) e ao mesmo tempo serve de material para a continuidade da se- ção. As apojaturas melódicas seguem como elemento característico. Em relação ao ritmo na mudança de compasso (c.31-32), deve-se manter o valor da colcheia como referência. Recomenda-se para a execução da nota Sib3, no terceiro tempo e no primeiro tempo res- pectivamente (c. 31 e 32), a digitação 1/P; e para o trecho Sol3, Fá#3 e Fá3, no quarto e pri- meiro tempo respectivamente, o dedilhado 1/2/3, 1/2/3/4/Tf e 1/2/3/4.

Exemplo n.7: Trecho entre os compassos 31 e 34.

A melodia presente entre compassos 34 e 41 se caracteriza pela presença de croma- tismo e ritmo sincopado, grafado por ligaduras de expressão. Trata-se de um momento de

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exploração do virtuosismo dos dois instrumentistas. Quanto ao tratamento melódico, desta- cam-se movimentos contrários realizados entre as linhas do saxofone e do piano (38 e 40) e uníssonos (c. 37 e 39). Na mudança de direção do contorno melódico, na parte do saxofone, devem ser enfatizadas as síncopes em paralelo, executadas pelos dois instrumentistas. Para isso a precisão rítmica é fundamental. As ligaduras na parte do piano também delimitam a subdivisão do compasso: indica-se executar os subgrupos em dinâmica crescendo e decres- cendo valorizando as notas sincopadas.
A partir do compasso 43 a figuração em subdivisão quaternária apresenta acentua- ção deslocada. Esta figuração ocorre em toda a subseção (c.43 a 81) tornando-se assim o ele- mento de unidade do trecho. O agrupamento predominante se repete em sequências, que são organizadas internamente da seguinte maneira: 3 + 3 + 3 + 3 + 4 (Figura 8). A ideia é trabalhada com variações de alturas, e consequentemente, harmônicas nas partes do piano e do saxofone.
O trecho entre os compassos 43 e 59 apresenta-se como uma passagem de caráter lírico para o saxofone. A maior dificuldade técnica consiste em tocar as dinâmicas indica- das, dada a região grave em que está situado o trecho. Observa-se que na tentativa de tocar a dinâmica pianíssimo, muitos saxofonistas recorrem aos subtones6. É indicado evitar ao má- ximo o uso de tal técnica e primar pela sonoridade real do instrumento, para que o mesmo apresente homogeneidade timbrística ao longo de todo o seu corpo. A rítmica da melodia, diferente da seção A, está diretamente ligada à voz do piano (Figura 8), exigindo dos instru- mentistas, sincronismo e precisão rítmica.

Exemplo n.8: Trecho entre os compassos 35 e 39.

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Exemplo n.9: Trecho entre os compassos 44 e 45.

O próximo trecho (c. 63 a 71) apresenta dificuldades técnicas relacionadas ao dedi- lhado e a velocidade da sua execução. No compasso 63, nas notas Fá#4, Lá#4, Si4 e Mi#4, Lá#4, Si4 que se repetem, indica-se o dedilhado alternativo 1/2/3/5, 1/5, 1 e 1/2/3/4, 1/4, 1 res- pectivamente. No compasso 64, indica-se o uso de dedilhado tradicional.
No compasso 65 é necessário estar atento a dois pontos fundamentais:
1. Afinação: por ser um trecho de velocidade situado na região aguda do instru- mento, na apreensão de tocar as notas corretas, muitas vezes, descuida-se da embocadura, o que pode trazer alterações não desejadas à afinação.
2. Dedilhado: neste trecho é preciso digitar com as polpas dos dedos nas chaves

1 e P, com as falanges nas chaves C2, C3 e C4 e com a palma da mão esquerda na chave C1. Na tentativa de minimizar o esforço, tentou-se usar o dedilhado alternativo 1, C4, C4/C3 ou

1/P, C4, C4/C3 nas notas Si4, Mi5, Fá5 e Lá#4, Mi5, e Fá5. Essa digitação foi testada pelos au- tores nos saxofones Selmer Mark VII, The Martin (1949), King 660-USA, Yamaha 62-G1 e Werill Supreme. Apenas o saxofone The Martin apresentou resultados satisfatórios em re- lação à afinação e emissão sonora. Sendo assim, o dedilhado 1, C1/C2/C3, C1/C2/C3/C4 e 1/P, C1/C2/C3, C1/C2/C3/C4, 1, apesar de demandar maior esforço, apresentou melhores resultados sob os critérios aqui utilizados.

Exemplo n.10: Trecho entre os compassos 63 e 75.

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No trecho que corresponde à finalização da seção B (c.69 a 74) recomenda-se a acen- tuação do tempo forte por subgrupos de oito notas, tendo como unidade temporal a semi- colcheia. Desta forma, o agrupamento das notas será organizado da seguinte maneira: 2 + 3
+ 3 (Figura 10), sofrendo alteração somente no compasso 71. Durante o trecho, indica-se a utilização da digitação Ta para a nota Sib4 no compasso 69, 1/P para as notas Sib3 no com- passo 70 e Lá#3 e Sib4 no compasso 71.

6. Seção A’ (c.75 - 134)

A seção A’ é caracterizada pelo retorno ao andamento lento e caráter lírico inicial. Antes da volta da melodia principal da seção, observa-se um pequeno trecho de modulante, cuja função é trazer de volta o material melódico e harmônico de A. Neste trecho a música ganha gradativamente mais força e dramaticidade conduzindo até a recapitulação da melo- dia no compasso 89.
Entre os compassos 82 e 88, as vírgulas indicadas pelo compositor marcam tanto as respirações quanto os inícios e fins das frases, direcionando a condução melódica do tre- cho. Sugere-se aqui, utilizar como respiração somente as vírgulas dos compassos 83 e 85.

Exemplo n.11: Trecho entre os compassos 82 e 89.

O trecho entre os compassos 89 e 103 apresenta a repetição da melodia principal da seção A com instrumentação variada. Aplicam-se igualmente a este trecho as indicações referentes ao trecho entre os compassos 2 e 17.
Nos compassos finais da obra (c. 115 a 118), indica-se a digitação 1/P para as no- tas Sib4 nos compassos 115 e 116, e Sib3 nos compassos 117 e 118. Mais a frente (c. 119 a
122) aconselha-se aproveitar a força e o movimento do segmento anterior para gerar dra- maticidade até chegar ao trecho com a indicação Exacerbado (c.123) e gradativamente acalmar-se. Por fim, no compasso 129, há o último impulso da peça, que vai resultar num
pequeno trecho virtuosístico sem muitos problemas técnicos e na fermata final do com-

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passo 134. A passagem citado demanda cuidado com a respiração para que o instrumen- tista não limite a nota da fermata. Sugere-se o uso de respiração circular na nota Si3 no compasso 132.

Exemplo n.12: Trecho entre os compassos 115 e 118.

Exemplo n.13: Trecho entre os compassos 121 e 134.

Considerações finais

Ao final desta pesquisa, as análises realizadas no tocante à estrutura e as possibili- dades interpretativas, forneceram elementos para uma interpretação mais consciente e ela- borada da peça. Neste sentido, Rink (2002, p. 39) observa que um estudo analítico rigoroso pode resolver problemas artísticos e técnicos, antes não percebidos, além de ajudar na me- morização e na performance.
A análise formal ampliou o conhecimento dos instrumentistas envolvidos na pes- quisa, no sentido de melhor entendimento da totalidade da obra.
A peça é escrita de forma a respeitar o idiomatismo do instrumento, pois a mesma utiliza as condições particulares do saxofone como: timbre, registro, articulação, afinação e expressões, permitindo fluência no que se refere à execução dos trechos de maior virtuo- sismo. Ainda sobre o idiomatismo, Tullio (2005, p. 299) afirma que:

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Quanto mais uma obra explora aspectos que são peculiares de um determinado meio de expressão7, utilizando recursos que o identificam e o diferenciam de outros meios, mais idiomática ela se torna. Tullio (2005, p. 299)

O estudo prático com base na reflexão dos pormenores interpretativos proporcio- nou a produção de recursos/ferramentas para a execução de trechos de maior complexidade técnica. Ao mesmo tempo, gerou um documento descritivo contendo decisões relacionadas à execução da obra, que poderá ser utilizado no estudo da mesma, sendo útil a alunos e pro- fissionais da área.
Por fim, acredita-se ter estabelecido e apontado um possível caminho para outros estudos e ao mesmo tempo ter gerado material de referência sobre a obra em questão.

Notas

1 Por uma questão de delimitação do trabalho, aqui apresentado, a reflexão instaurada fará referência apenas à parte do saxofone.

2 Paulo Moura (1932-2011), clarinetista e saxofonista natural de São José do Rio Preto - SP; Clara Sverner (1936),

pianista natural de São Paulo-SP com carreira como intérprete internacional.

3 Por questões de delimitação, apresentamos um recorte da análise realizada por meio dos resultados da macro-

-análise.

4 Hemiólia: alteração rítmica em que, por exemplo, três tempos substituem os dois tempos normais. (ISAACS; MARTIN, 1985, p. 169)

5 Considera-se aqui o primeiro Dó do saxofone alto = Dó3.

6 Técnica muito utilizada pelos saxofonistas de música popular. Trata-se de afrouxar o lábio inferior a fim de tornar mais fácil a emissão das notas graves.

7 O autor entende como meio de expressão no caso da música instrumento(s), voz(es), multi-mídia ou conjuntos

mistos.

Referências

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via e-mail. [S.l.].

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Kleber Dessoles Marques - Mestrando em Música - Processos e dimensões da produção artística - pela URFN (2013), graduação em Musica pela UFRN - saxofone (2011) e Pós-Graduação Lato Sensu em Música com ênfase em Práticas Interpretativas dos Séculos XX e XXI (2012) pela UFRN. Possui experiência na área de Artes - Música, com ênfase em Práticas Interpretativas, atua sobretudo nos temas: saxofone, performance, música de câmara.

Anderson de Oliveira Pessoa - Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Escola de Música. Atua nos Cursos de Bacharelado em Música, Curso Técnico em Música e Pós-graduação. Possui graduação em Musica pela UnB (1999) e mestrado em Jazz Performance pela University of Louisville (2009). Possui experiência na área de Artes - Música, com ênfase em Práticas Interpretativas, atuando principalmente nos seguintes temas: Jazz, im- provisação e performance. Possui também experiência em composição e arranjo.

Tarcísio Gomes Filho - Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Escola de Música. Atua nos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Música, Curso Técnico em Música e Pós-graduação. Possui graduação em Musica pela UFRN (2001), mestrado em Música UNICAMP (2004) e Doutorado pela UNICAMP (2010). Possui ex- periência na área de Artes - Música, com ênfase em Práticas Interpretativas, atuando principalmente nos seguintes temas: piano, performance, pedagogia, análise e interpretação.


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