Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013

KUBALA, R. L.; BIAGGI, E. L. O Concerto para Viola e Orquestra de Antônio Borges-Cunha: forma e interpretação.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.1, 2013, p. 192-200.

O Concerto para Viola e Orquestra de Antônio Borges-Cunha:

forma e interpretação1

Ricardo Lobo Kubala (UNESP, São Paulo, SP, Brasil)

kubala@ia.unesp.br

Emerson Luiz de Biaggi (UNICAMP, Campinas, SP, Brasil)

emerson@iar.unicamp.br

Resumo: O objeto de estudo deste artigo é o Concerto para Viola e Orquestra de Antônio Borges-Cunha. Investigou-

-se a obra por meio da observação de sua estruturação formal, o que resultou em informações relevantes tanto para o entendimento da obra em si como para tomadas de decisão no âmbito interpretativo. Em seguida, aplicaram-se esses conceitos a questões específicas da área de práticas interpretativas, mediante trabalho de delineamento de sensações de movimento e direção. Esta investigação versa sobre interpretação e questionamentos quanto a caminhos que ins- trumentistas podem tomar na busca por resultados ricos em elementos expressivos. É um estudo dirigido especifi- camente para a área de práticas interpretativas e, em âmbito mais abrangente, para compositores que se interessem pelo processo de criação e interpretação de uma obra.

Palavras-chave: Música contemporânea brasileira; Música para viola e orquestra; Interpretação musical.

The Concerto for Viola and Orchestra by Antônio Borges-Cunha: form and interpretation

Abstract: This article has as object of study the Concerto for Viola and Orquestra by Antônio Borges-Cunha. We in- vestigated the work by observing its formal structure. This resulted in data which were relevant to the understand- ing of the work itself and to decisive procedures in its interpretation. These data were then applied to specific issues in the area of performance, by means of a process whereby the sensations of movement and direction were delin- eated. This investigation discusses interpretation and the queries regarding the paths which performers can choose in their quest for positive results in expressivity. It is a study specifically geared to the area of performance and, in a broader sense, serves composers that are interested in the performer’s contribution to the creative process of a work. Keywords: Brazilian contemporary music; Music for viola and orchestra; Musical interpretation.

1. Introdução

Durante a fase de criação de uma obra como um concerto para solista e orquestra, caso se estabeleça uma dinâmica de trabalho caracterizada pela interação entre o composi- tor e o instrumentista que atuará como primeiro solista do concerto, para o intérprete, abre-
-se espaço para uma observação mais minuciosa dos procedimentos composicionais em- pregados. A oportunidade de acompanhar a elaboração da peça proporciona o contato com informações que, além de embasarem um entendimento musical amplo, podem vir a dar su- porte para soluções interpretativas mais bem sucedidas no intento de iluminar o potencial estético da obra. Essa situação verificou-se durante o processo de elaboração e preparação para primeira audição do Concerto para Viola e Orquestra de Antônio Borges-Cunha, obra que é objeto de estudo desta pesquisa.2
Esta pesquisa enquadra-se no que é denominado genericamente paradigma quali- tativo de pesquisa. Uma das características apontadas como típica desse modelo é sua abor- dagem indutiva, que, como define Alves-Mazzotti (2001, p. 131), é aquela em que o pesqui- sador parte de observações mais livres, deixando que dimensões e categorias de interesse venham a emergir progressivamente durante os processos de coleta e análise de dados. O impulso que guia o pesquisador deixa de ser a busca por uma hipótese. Dessa forma, o conceito de “problema da pesquisa” passa a ser mais amplo, podendo ser entendido como uma questão que desperta interesse, e sobre a qual os dados disponíveis são ainda insufi-
cientes (Alves-Mazzotti, 2001, p. 149-150).

Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013 Recebido em: 11/01/2013 - Aprovado em: 08/02/2013

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Na área de práticas interpretativas, especificamente, uma pesquisa é muitas ve- zes guiada por questionamentos relativos ao modo como se dá o processo reflexivo de uma determinada obra, por meio de perguntas como: quais os materiais – e que associa- ções entre esses materiais – relevantes para a construção de uma interpretação? Ou: de que forma ocorre o processo de associação entre os referidos materiais e decisões no âmbito interpretativo?
Os pontos acima foram o impulso para uma síntese,3 elaborada por meio da obser-
vação da estruturação formal da obra e reflexão sobre informações passadas pelo próprio compositor. Pressupõe-se que essa síntese seja fortemente influenciada pela experiência ad- quirida pelo intérprete durante a preparação para a primeira audição da obra. Trata-se de um relato orientado preponderantemente pela perspectiva do intérprete, que buscou ade- quar suas intenções a limites estilísticos, verificados por meio da referida síntese e do con- tato com o compositor.
Segue-se a descrição de parte do resultado final desta pesquisa,4 parte essa em que
se apresentam elementos de estruturação formal empregados pelo compositor e exemplo de associação com aspectos do âmbito das práticas interpretativas.

2. Forma

O processo de criação do Concerto para Viola e Orquestra foi iniciado por meio de planejamento, que incluiu, entre outros procedimentos composicionais, uma definição do material musical básico.5 Nesta fase, o compositor procurou delimitar as múltiplas possibi- lidades de manipulação do material sonoro a partir da adoção de procedimentos que con- tribuíssem para a sistematização de estruturas, tanto em nível macro, na organização da estruturação formal, como em nível micro, na ordenação dos aspectos altura e ritmo. Esta pesquisa enfocou a organização do material empregado no que se refere à estruturação for- mal, já que essa abordagem se mostrou mais profícua para a obtenção de dados que deram sustentação a aspectos interpretativos.
Na sistematização da estruturação no nível macro, Borges-Cunha utilizou a sequ- ência de Fibonacci.6 Segundo o compositor (Borges-Cunha, 1995, p. 6), a aplicação dessa sé- rie permite que sistemas composicionais combinem equilíbrio formal, ordem e flexibilida- de. Isso se daria devido a características da sequência de Fibonacci, como:
a) ser relacionada diretamente com a razão áurea,7 podendo, porém, ser mais facil-
mente empregada como um meio para trabalhar com a incomensurabilidade de sua solução numérica, de maneira que não seja necessário conhecimento matemático profundo;
b) apresentar o que poderia ser chamado de “crescimento naturalmente organiza- do”,8 por oferecer propriedade aditiva e ser a única sequência numérica relacionada com a razão áurea;
c) conter aspectos tanto de previsibilidade como de irregularidade. A sequência de Fibonacci pode gerar os atributos de simetria da razão áurea, ao mesmo tempo em que pro- duz com facilidade elementos de irregularidade, já que dois termos seguidos dessa sucessão não possuem divisor comum que não “1”, além de apresentar um padrão de crescimento que
causa surpresa.

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3. Mapas temporais

No que concerne à estruturação formal do Concerto para Viola e Orquestra, o com- positor realiza um planejamento a partir de um “mapa temporal”, que tem por finalidade determinar as divisões e subdivisões da obra (Borges-Cunha, 2008). O fluxo do tempo, para efeito de elaboração desse mapa, é medido em UT, unidade(s) de tempo, cada UT correspon- dendo a uma semínima. Por exemplo, em uma sequência de compassos como 3/4 - 3/4 - 5/4
- 2/4 encontram-se 13 UT. Dessa forma, a partir de uma linha do tempo que representa a duração total da obra, são estabelecidas divisões dessa linha imaginária, determinadas ba- sicamente por pontos em que ocorrem razões áureas.
As divisões e subdivisões da obra originadas das razões áureas delimitam segmen- tos, que podem constituir um movimento, uma seção ou uma parte, partindo do segmento maior para o menor. Essas frações da composição podem também ser entendidas como “áre- as de comportamento”, expressão que o autor usa para referir-se a segmentos de extensão variável, que atuam como molduras internas e delimitam conteúdo musical passível de ser apreendido como uma unidade. São eventos sonoros que se manifestam em diversos níveis de estruturação da obra e em diferentes categorias de complexidade, atuando como elemen- tos geradores de maior ou menor intensidade (informação verbal).9 Termo mais abrangente que segmento, setor, seção, etc., área de comportamento remete a uma maneira especial de dirigir a atenção a um evento musical, mais adequada, assim, quando o enfoque é seu con- teúdo expressivo, algo que coaduna com as convicções estéticas do compositor.
É oportuno lembrar que o uso da seção áurea e da série de Fibonacci no processo de criação da obra é somente um meio para tecer esquematização que forneça suporte ao ato de compor. Segundo o compositor:

[...] mais do que simplesmente ser fiel a sistemas composicionais, minha intenção foi criar expressão artística por meio de experiência sonora, e buscar profundidade emocional. Não há esquemas pré-composicionais rigorosos nesta obra. A principal função dos sistemas e métodos foi estimular minha imaginação composicional e su- gerir possibilidades, as quais, de outra forma, não seriam concebidas. (Borges-Cunha,

1995, p. 1)10

4. Caracterização de áreas de comportamento

A fim de exemplificar o processo de caracterização de áreas de comportamento, se- gue uma explanação de como Borges-Cunha trabalhou esse aspecto na elaboração da gran- de forma.
O Concerto é dividido em dois movimentos. Na Figura 1 (gráfico superior), está re- presentado o mapa temporal que serviu de modelo para Borges-Cunha iniciar a organização do aspecto forma. Seguindo padrões determinados pela razão áurea, nesse modelo inicial, a divisão principal do Concerto (indicada pela letra C) ocorreria na razão áurea de toda a obra (A_B). O segmento A_B conteria 1.597 UT, e o ponto C seria encontrado no final da sucessão de 987 semínimas – isto é, 987 UT, observando-se que 987 é o termo anterior a 1.597 na se- quência de Fibonacci). O segmento A_C corresponderia ao primeiro movimento, enquanto o segmento C_B, ao segundo. Em processo similar, observa-se outra divisão, indicada pela letra D (377 UT de C_B), que determina o segmento D_B. O segmento D_B, segundo o com- positor, poderia ser entendido como uma coda, tendo sido idealizado, inicialmente, como
um terceiro movimento (informação verbal).

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Exemplo n.1: Concerto para Viola e Orquestra – forma; plano inicial (acima) e resultado final.11

Como se verifica acima, o gráfico que serviu de modelo (parte superior da Figura 1) teve suas proporções alteradas por meio de acréscimos, resultando no gráfico da parte infe- rior da Figura 1. São desvios dos cálculos inicialmente sugeridos pelas proporções áureas, readequações da sistematização da qual o compositor partiu, realizadas por necessidades expressivas que surgiram no processo de criação da obra.

5. Forma e interpretação

Para autores como Berry (1987, p. 2), “O estudo de determinados procedimentos e técnicas de sintaxe [...] pode fazer com que aspectos associados à comunicação de expressi- vidade se tornem menos misteriosos do que geralmente são ensinados”, acrescentando que, dessa maneira, a busca por relações entre estrutura e efeito expressivo é a base de toda in- vestigação estética produtiva. Em obras nas quais compositores buscam controle sobre o material composicional, diferentemente do que se observa em composições em que predo- minam elementos de aleatoriedade, aspectos como ritmo, progressões harmônicas, textura e timbre são associados, com o objetivo de gerar eventos musicais que atuem entre si em ní- veis hierarquicamente organizados. Essa relação entre eventos musicais dá-se por meio de processos em que ocorrem aumento ou diminuição de intensidade, em uma sequência con- tínua de fatos que geram, também, sensações análogas. Na música, estariam contidos pro- cessos universais, revelados em declarações que descrevem essas sensações análogas, como “a música, a frase, o movimento, etc., está acabando”, “a música está indo para um ápice de intensidade”, “a música não está indo para lugar nenhum; alguma coisa está por acontecer em breve”. Essas declarações referem-se às três possíveis funções expressivas, que suces- sões de eventos podem assumir em música: aumento de intensidade, diminuição de inten- sidade e não mudança de grau de intensidade (Berry, 1987, p. 4-7).
A sensação de maior ou menor grau de intensidade é produzida por mecanismos contidos no texto musical, configurando estruturas musicais, que podem ser definidas como

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“a formatação do tempo e ‘espaço’ que se evidencia em linhas de aumento, declínio e stásis hierarquicamente ordenadas” (Berry, 1987, p. 5). Para que haja a sensação de uma linha de incremento, decréscimo ou stásis,12 é necessário que haja algum planejamento da gradação entre eventos, de maneira que cada evento seja assimilado como mais ou menos conectado a outras estruturas de uma obra. Sem essa gradação, um evento pode ser apreendido como algo isolado, sem conexão aparente com o restante da composição. Portanto, além do aspec- to maior ou menor intensidade, há “graus de acréscimo e decréscimo de linha de intensi- dade – em ritmos diferenciados de sucessão de alteração de elementos” (Berry, 1987, p. 8). Esses graus de aumento ou diminuição de intensidade estão associados à elaboração de uma estruturação com maior ou menor grau de linearidade.13
Para Berry (1987, p. 10-11), os processos que geram aumento de intensidade se fazem por meio de eventos como:
a) relacionados com o aspecto metro: ocorrência de unidades de tempo cada vez menores, assimetria e flutuação (inconstância) de padrões métricos, aumento evidente da frequência de acentos, aceleração de pulsação, entre outros;
b) relacionados com o aspecto textura: maior diversidade e conflito interlinear, au- mento de densidade, campo espacial mais amplo, entre outros;
c) relacionados aos aspectos timbre e dinâmica: aumento de intensidade de dinâ- mica, uso de registros mais agudos, articulação mais percussiva, acentuação mais marcada, entre outros;
d) relacionados ao aspecto tonalidade (ou a elementos que se refiram a aspectos to- nais): distanciamento do centro tonal, dissonância, maior emprego de sequências cromáti- cas, entre outros.
Dentre os itens acima, quais as possibilidades de manipulação do material sonoro tem o intérprete a seu dispor para trabalhar com graus de intensidade? Quais são os meios, então, de que dispõe o intérprete para trabalhar com o objetivo de imprimir direção ou mo- vimento a um trecho musical e obter, assim, resultados que possam ser percebidos como expressivos?14 Um desses meios é o controle do aspecto dinâmica, que permite ao intérprete imprimir sensação de gradação de intensidade na construção de linhas melódicas.15
Um exemplo de associação entre as ideias expostas acima e os procedimentos cir- cunscritos ao âmbito da performance pode ser observado na elaboração de direcionamento melódico na terceira seção do segundo movimento. Nessa seção, nos compassos 116 a 136, encontra-se passagem em que a escrita da voz da viola é caracterizada por uma linha meló- dica extensa (Exemplo 2).

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Exemplo n.2: Concerto para Viola e Orquestra, 2o movimento, compassos 116 a 137, parte da viola solista; as letras de forma indicam pontos de ocorrência de razão áurea, de acordo com o gráfico abaixo (Exemplo 3).

A observação do esquema que representa a formatação estrutural da terceira seção do segundo movimento, por abranger a passagem investigada (representada pelo segmento F_C), colabora para a verificação de que essa linha é dividida em três etapas que se relacio- nam com as áreas de comportamento determinadas por razões áureas (Exemplo 3).

Exemplo n.3: Estruturação formal da 3a seção do 2o movimento do Concerto para Viola e Orquestra.

As três etapas em que ocorre o desenvolvimento da linha da viola solista são (ver
Exemplo 2):
a) do compasso 116 ao 126: a linha melódica da viola solista tem seu ápice de in- tensidade no réb4 (anacruse do compasso 124).16 O réb4 exerce função de nota condutora, coincidindo com a modificação da textura da orquestra, que apresenta, a partir desse com- passo, maior grau de intensidade. No compasso seguinte, compasso 125, nota-se sensação de relaxamento ao ser executada a nota dó3, concluindo uma das referidas etapas da linha melódica da voz da viola solista. É interessante observar que, para violistas, a execução da corda solta dó é um evento que tem o potencial elevado de imprimir sensação de repouso, podendo, assim, o dó3 ser chamado de “nota de repouso da viola”.
b) da anacruse do compasso 127 ao começo (primeira semínima) do 134. Em pro- cedimento similar, o ápice de intensidade da linha melódica da viola solista (novamente a nota réb) coincide com um ponto em que ocorre razão áurea na estruturação formal da obra, delimitando nova área de comportamento. O ápice de intensidade dessa etapa é também o ápice de intensidade da linha melódica como um todo (a soma das três etapas aqui discri- minadas). O relaxamento que caracteriza o final dessa nova etapa da linha da viola solista também se dá por meio de execução de corda solta dó (compassos 132 a 134), que atua como um centro tonal, em alusão à tonalidade;
c) do compasso 134 ao 136. A viola solista executa padrão melódico similar ao das etapas anteriores, porém acompanhada por textura menos densa. No final do compasso 136, ocorre um réb na voz da viola solista, que, ao criar sensação de não repouso, colabora para imprimir ligação com a próxima parte da seção, constituindo um impulso anacrúsico.
Assim, a linha da viola solista, no que tange ao aspecto direcionamento, pode ser representada pelo seguinte esquema:

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Exemplo n.4: Esquema referente ao 2o movimento do Concerto para Viola e Orquestra, compassos 116 a 137. Na parte inferior do gráfico, linhas de direção da voz da viola solista (o sinal “+” indica ápices de intensidade). Na parte superior, indicações de modificações de textura da orquestra, conforme representadas na Figura 3.

Conclusão

A busca por informações que auxiliem na obtenção de um entendimento abrangen- te da obra e que, ao mesmo tempo, deem sustentação a decisões no âmbito interpretativo, resultou em observação de aspectos da organização do material sonoro, especificamente no que este se relaciona à estruturação formal. Para a averiguação desses aspectos, foram im- portantes as informações obtidas por meio de contato com o compositor durante o proces- so de criação do Concerto, somadas à experiência de preparação e execução da obra em pri- meira audição.
Para o intérprete, foi essencial a constatação de que essas informações apontam para procedimento em que pontos de ocorrência de razões áureas coincidem com inícios, ápices ou finais de linhas de intensidade. Nos processos de acréscimo, decréscimo ou es- tabilidade (em estado próximo ao de stásis) desses pontos agem mecanismos geradores de expressão.
A busca por escrita rica em elementos geradores de expressão norteou o processo criativo da obra. Esse entendimento colabora para a construção de interpretação que des- vele e enfatize esses eventos geradores de expressão, além de fornecer dados para o estabe- lecimento de limites estilísticos, circunscrito aos quais o intérprete pode – e, acreditamos, deve – contribuir com o acréscimo de novos elementos de expressão.

Notas

1 Resumo deste artigo foi publicado no Caderno de Resumos do Seminário de Pesquisa em Música/XXXVIII ENARTE - Encontro de Arte de Belém, realizado em Belém, em 2011.

2 O Concerto para Viola e Orquestra de Antônio Borges Cunha foi composto e estreado em 2007 em apresentação

que teve Ricardo Kubala como solista e o próprio compositor como regente, frente à Orquestra Theatro São Pe- dro, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre. Nascido em 1952, em Bom Jesus, RS, Antônio Borges-Cunha estu- dou com Armando Albuquerque e Hans Joachim Koellreuter, no Brasil, e Robert Cogan, Roger Reynolds, Harvey Sollberger e Brian Ferneyhough, nos EUA. Atualmente, leciona Composição na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, além de manter atividade como regente. Entre suas composições, as seguintes foram publicadas em CDs: Fonocromia (1986), para coro a capella; Instalasom (1989), para três flautas indígenas, ocarina, duas flautas transversas, clarinete, dois trombones, piano e percussão; Logos (1991), para piano solo; Ancient Rhythm (1993), para orquestra de cordas, quatro clarinetes e cinco percussionistas; Pedra Mística (1995), para orquestra

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sinfônica, solistas e coro; Pomânder (1997), para uma pianista e vocalista (a parte da voz é realizada pela própria pianista); WA (2001), para um violonista e um percussionista (ambos os instrumentistas atuam também como vocalistas).

3 O termo “síntese” é aqui empregado por se conformar mais adequadamente ao procedimento realizado para ob-

servação da obra estudada que o termo “análise”. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), encontra-

-se a seguinte definição de “síntese” ligada à Filosofia: “[...], método cognitivo usado na investigação de reali- dades sensíveis e inteligíveis, que, partindo da evidência imediata dos fragmentos de um objeto, alcança uma formulação teórica de sua totalidade, indo da constatação de elementos simples à explicação de combinações complexas (Obs.: por oposição a análise)”.

4 O resultado final desta pesquisa pode ser verificado em: KUBALA, Ricardo Lobo. O Concerto para Viola e Or-

questra de Antônio Borges-Cunha: a obra e uma interpretação. 2009. 262 p. Tese (Doutorado em Música) – Insti- tuto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.

5 Esse procedimento é semelhante ao empregado em obras como Ancient Rhythms (1991) e Pedra Mística (1995),

essa última, tema de tese do compositor (cf. Borges-Cunha, 1995). O termo “material musical básico” (tradução de “basic musical material”) é empregado pelo compositor (cf. Borges-Cunha, 1995, p. 1). Todas as traduções são dos autores desta investigação.

6 A sequência de Fibonacci é uma sequência recursiva, cuja formação é expressa por meio da fórmula F(n) +

F(n+1) = F(n+2), em que o primeiro termo é 0; o segundo é 1; o terceiro termo, por conseguinte, é novamente 1 (isto é, a soma de 0 + 1); o quarto termo é 2 (resultado da soma de 1+1); e assim por diante, formando a seguinte sequência: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144, 233, 377, 610, 987, 1.597, 2.584... A partir da metade do século XX, vários compositores, como Stockhausen e Nono, usaram deliberadamente a sequência de Fibonacci para gerar razões áureas (Cf. Kramer, 1988, p. 312-317). Apesar de as motivações, por vezes, terem sido derivadas de pura obsessão por números ou de deslumbramento causado por fantasias que giram em torno de sua ubiquidade, a sequência de Fibonacci, de fato, demonstrou ter propriedades que podem ser eficientemente usadas na música, tendo levado a resultados considerados satisfatórios por diversos compositores (Kramer, 1988, p. 312).

7 Essa relação dá-se pelo fato de que, quanto mais se avança na sequência de Fibonacci, mais o valor obtido pela

divisão entre dois termos sucessivos da solução numérica se aproxima da razão áurea, o número irracional

1,618039887... (também conhecido por Fi, nome da letra grega Φ ou φ).

8 Do original em inglês, “natural organic growth”.

9 Nesta investigação, citações relacionadas a dados obtidos mediante discussões com o compositor, realizadas pessoalmente, por meio telefônico ou de correio eletrônico são seguidas da observação “informação verbal”.

10 Essa citação refere-se especificamente ao trabalho de planejamento de composição em Pedra Mística, similar

ao realizado no Concerto para Viola e Orquestra quanto ao uso da sequência de Fibonacci na organização de elementos da estruturação formal.

11 A concepção dos esquemas que representam a estruturação formal de seções e movimentos baseia-se em modelo

empregado pelo compositor (cf. Borges-Cunha, 1995, p. 8).

12 Como consta no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) na entrada “estasi-”, o termo “stásis” tem ori- gem no grego (com o sentido de “ação de pôr em pé, estabilidade, fixidez”); do século XIX em diante, ocorre com a acepção de “suspensão ou parada do desenvolvimento”. Berry (1987, p. 7) emprega o termo “stásis” em música com o sentido de um estado em que não se verificam mudanças no grau de intensidade.

13 Para Kramer (1988, p. 453) linearidade em música é um “princípio de composição e de escuta no qual even-

tos são entendidos como desenvolvimentos ou consequências de eventos anteriores”. Assim, linearidade “está relacionada ao encadeamento de sucessos. Não linearidade, por outro lado, atua de forma não encadeada. É a determinação de algumas características da música em conformidade com consequentes que surgem de princí- pios ou tendências que governam uma obra ou seção inteira” (Kramer, 1988, p. 20). Tanto linearidade como não linearidade cumprem função estrutural em uma obra e constroem expectativas no ouvinte, não sendo a segun- da, assim, mera ausência da primeira. Um exemplo de linearidade é verificado na experiência, por parte de um ouvinte habituado com a audição de música tonal, da percepção de direções no aspecto melódico, harmônico ou rítmico (Kramer, 1988, p. 20-32).

14 Os conceitos de direcionamento – terminologia amplamente empregada entre intérpretes – e de linearidade – e,

portanto, de aumento ou diminuição de intensidade – são estreitamente relacionados. Para Thurmond (1982, p. 28), há uma relação indissociável entre os conceitos de movimento (e, consequentemente, de direção) e expres- são, já que “’expressão’ em música [...] pode ser definida como impressão de movimento, calor e vida resultante de mudança rítmica, como a que caracteriza todo ser vivo”.

15 Cf. Berry, 1989, p. 3.

16 Nesta investigação o dó central é indicado por dó4.

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Ricardo Lobo Kubala - Graduou-se pela Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Aperfeiçoou-se na Alemanha, na Academia da Filarmônica de Berlim e na Escola Superior de Música de Karlsruhe, com bolsas patrocinadas por Vitae, CAPES e DAAD. Obteve títulos de Mestre e Doutor em Música pela Unicamp. Atuou em conjuntos como Orquestra Solistas do Brasil (Prêmio APCA - 1995) e Quarteto de Cordas de São José dos Campos (Prêmio APCA -

1997). Atualmente, é professor de viola no Instituto de Artes da UNESP.

Emerson Luiz de Biaggi - Cursou o Bacharelado em Musica na ECA-USP, Mestrado em Musica na Boston Univer- sity e Doutorado em Artes Musicais na University of California, Santa Barbara. Integrou a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo entre 1997 e 1999, foi professor do Instituto de Artes da UNESP entre 1997 e 2004 e atua como professor no Instituto de Artes da Unicamp desde 1998, onde coordena os cursos de pós-graduação.


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