Revista Música Hodie, Goiânia - V.13, 362p., n.1, 2013

SILVA, F. P. KELLER, D. SILVA, E. F. PIMENTA, M. S. LAZZARINI, V. Criatividade Musical Cotidiana: estudo exploratório de atividades musicais ubíquas.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.13 - n.1, 2013, p. 64-79.

Criatividade Musical Cotidiana:

estudo exploratório de atividades musicais ubíquas1

Floriano Pinheiro da Silva, Damián Keller, Edemilson Ferreira da Silva (UFAC, Rio Branco, AC, Brasil)

dkeller@ccrma.stanford.edu

Marcelo Soares Pimenta (UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil)

mpimenta@inf.ufrgs.br

Victor Lazzarini (National University of Ireland, Maynooth, Irlanda)

victor.lazzarini@nuim.ie

Resumo: O presente trabalho propõe uma definição provisória do conceito de criatividade musical cotidiana e des- creve os resultados de um estudo exploratório que aplica esse conceito. Seis sujeitos leigos e músicos fizeram 47 mixagens com amostras sonoras de sons urbanos e de sons de animais em duas condições experimentais: dentro do estúdio e nos locais de coleta dos sons. O suporte à criatividade foi avaliado através do protocolo de aferição CSI-NAP. As sessões realizadas no ambiente exterior mostraram clara superioridade nos fatores produtividade, ex- plorabilidade, concentração e colaboração em comparação com as sessões realizadas no estúdio, revelando o efeito da combinação do tipo de amostra e do local de realização no fator explorabilidade para os sons de animais; e nos fatores explorabilidade, produtividade e concentração para os sons urbanos. À luz desses resultados, discutimos dois hipóteses teóricas que explicam os resultados obtidos, incorporando os construtos engajamento e esforço cog- nitivo nas manifestações criativas cotidianas.

Palavras-chave: Criatividade musical cotidiana; Música ubíqua; Mixagem como processo criativo em música.

Everyday Musical Creativity: exploratory study of ubiquitous musical activities

Abstract: This paper proposes a working definiton of everyday musical creativity and describes the results of an ex- perimental study involving six musicians and non-musicians. Subjects participated in 47 mixing sessions using sam- ples collected at two outdoors sites – one featuring urban sounds and the other highlighting animal sounds – and in studio settings. Creativity support was evaluated by means of the CSI-NAP protocol. Outdoor sessions yielded higher scores in productivity, explorability, concentration and colaboration when compared to studio sessions. Compound effects of sound sample type and activity location were observed in the explorability factor when animal sounds were used. Similar effects were detected on explorability, productivity and concentration when urban sounds were employed. We put forth two theoretical hypotheses to explain these findings, incorporating engagement and cogni- tive effort constructs within everyday creative phenomena.

Keywords: Everyday musical creativity; Ubiquitous music; Sound mixing as a creative process in music.

1. A criatividade

A criatividade pode ser pensada como um fenômeno emergente da atividade hu- mana. Dois requisitos foram identificados como comuns a todas as manifestações criati- vas: a originalidade e a relevância (AMABILE, 1996, p. 396; GABORA & KAUFMAN, 2010; WEISBERG, 1993, p. 4). KOZBELT et al. (2010, p. 23) sugerem que as magnitudes da cria- tividade podem ser separada em quatro categorias: criatividade mini, criatividade peque- na, criatividade profissional e criatividade eminente. Os fenômenos mais estudados são os da criatividade eminente (ou Big-c). As manifestações dessa magnitude implicam um nível relativamente alto de consenso social em relação à relevância do produto ou do pro- cesso criativo. Nessa categoria estão as obras de arte e os resultados científicos publicados. A criatividade profissional (Pro-c) abrange os produtos e os processos decorrentes da ativi- dade de sujeitos experientes, que não atingem o nível de reconhecimento necessário para tornar-se resultados de referência dentro do seu domínio de conhecimento. A criatividade pequena (little-c) se manifesta em atividades e produtos cotidianos que não têm projeção social, mas que têm relevância no âmbito pessoal. A criatividade mini (mini-c) é constitu-

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ída por processos internos que não têm necessariamente uma contrapartida material em produtos criativos.
Os conceitos discutidos na pesquisa em criatividade têm aplicação direta na prática musical. A relação entre criatividade mini – vinculada a estados emocionais durante a prá- tica musical – e a criatividade pequena – que envolve necessariamente algum tipo de pro- duto sonoro – pode fornecer variáveis úteis no estudo da criatividade. Estudos recentes em etnomusicologia apontam para a importância da música no estado emocional das pessoas no dia-a-dia (DENORA, 2000; SLOBODA et al., 2001). Os trabalhos de campo (GREASLEY
& LAMONT, 2011; JUSLIN & LAUKKA, 2004; JUSLIN et al., 2008) têm focalizado princi- palmente aspectos do impacto do consumo de material sonoro de música feita por artistas profissionais. Esse tipo de análise talvez permita identificar interações entre perfil social e padrões de uso do material sonoro. Porém, segundo Akesson2, além dos padrões de consu- mo, os estudos sobre criatividade precisam considerar as atividades de leigos e de músicos em contextos informais (AKESSON, 2011, p. 523). Na tentativa de preencher esse vácuo, o presente estudo constitui uma primeira aproximação aos fenômenos decorrentes da prática musical criativa em ambientes cotidianos.

2. A criatividade musical cotidiana

Para delimitar o campo de estudo, definimos a criatividade musical cotidia- na, como os processos e os produtos criativos sonoros que ocorrem no dia-a-dia de músi- cos e leigos fora dos ambientes específicos projetados para o fazer musical. A criativida- de musical cotidiana é uma forma específica de criatividade cotidiana (little-c creativity
– RICHARDS, 2007) decorrente de: (1) Processos internos que não produzem necessaria- mente um resultado criativo, mas que têm relevância no âmbito do bem-estar pessoal (in- cluindo a regulação do estado de ânimo, da autoestima e da autoeficácia). BEGHETTO e KAUFMAN (2007) sugerem que esses processos configuram um tipo específico de manifes- tação da criatividade cotidiana e propõem o conceito de criatividade mini (ou mini-c crea- tivity). (2) Fenômenos criativos cotidianos que não estão necessariamente vinculados a ati- vidades profissionais (agrupadas na magnitude Pro-c – KAUFMAN e BEGHETTO, 2009) ou que não são socialmente reconhecidos como manifestações da criatividade eminente (tam- bém denominada Big-c creativity – como por exemplo, as obras de arte, as teorias e os méto- dos científicos – WEISBERG, 1993). Dentro do tipo (2) dos fenômenos criativos cotidianos, destacamos os produtos sonoros criativos resultantes de atividades cujo objetivo não é es- pecificamente musical. Esse tipo de material sonoro vem sendo explorado desde as pesqui- sas iniciais em paisagem sonora (ou Soundscape Composition) realizadas nos anos 1970 por R. M. SCHAFER (1977) e BARRY TRUAX (2002), e mais recentemente na pesquisa em eco- composição (BASANTA, 2010; BURTNER, 2011; KELLER, 2000; NANCE, 2007). No entan- to, o foco desses trabalhos tem sido o uso (soundscape) ou a modelagem (ecocomposição) do material e não necessariamente o estudo das atividades ou das condições que propiciam os resultados criativos cotidianos. O presente artigo focalizamos as atividades e as condições que dão suporte a manifestações sonoras criativas nos contextos cotidianos, adotando como estudo de caso a atividade de mixagem em contexto ubíquo. O estudo experimental – de caráter exploratório – visa determinar o tipo de suporte necessário para realizar atividades criativas. Em particular, visamos entender a relação entre os fatores ambientais, denomi- nados lugar – press / place – na literatura da criatividade (KOZBELT et al., 2010, p. 24), e os recursos materiais utilizados durante a atividade musical.

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3. A mixagem em ambientes ubíquos

A mixagem é o procedimento de combinar sons previamente gravados (amostras sonoras) com o objetivo de obter um novo resultado a partir da distribuição temporal do ma- terial sonoro. Na maioria dos editores digitais existentes, os dados sonoros são representa- dos por gráficos de amplitude dispostos em trilhas alinhadas verticalmente. Essa metáfora visual não é facilmente transposta aos sistemas portáteis (KELLER et al., 2009; PIMENTA et al., 2009). A resolução no eixo temporal demanda a utilização de um mecanismo de zoom que o usuário é obrigado a aplicar constantemente para fazer edições em diferentes escalas temporais. A atualização da representação visual na tela demanda uso intensivo de CPU e ampla disponibilidade de memória RAM, recursos que geralmente não estão disponíveis nos dispositivos portáteis.
Com o intuito de viabilizar as atividades criativas em contexto ubíquo, KELLER et al. (2010) sugerem o desenvolvimento de metáforas de interação (PREECE et al., 2005) ba- seadas no mecanismo cognitivo de ancoragem. Desde a perpectiva da cognição ecológica (GIBSON, 1979/1986; HUTCHINS, 2005, 2010), as pistas temporais ou espaciais existentes no entorno podem auxiliar no desempenho de atividades complexas, liberando recursos cognitivos para usos criativos. Mais especificamente, KELLER et al. (2010) propuseram a metáfora de marcação temporal – ou time tagging – como forma de utilizar as pistas sono- ras existentes no ambiente para determinar os tempos de ataque dos eventos sonoros que compõem a mixagem. Como prova de conceito foi implementado o protótipo mixDroid (Figura 1) (RADANOVITSCK et al., 2011).

Figura n.1: Usuário interagindo com mixDroid. As pistas sonoras do ambiente são utilizadas pelos sujeitos durante o processo de mixagem.

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O protótipo mixDroid 1.0 permite combinar sons em tempo real através de um te- clado virtual. A atividade de mixagem está baseada no disparo de sons através de botões e no registro dos tempos de acionamento. Esse mecanismo permite a sucessão rápida de até nove sons, dependendo exclusivamente da habilidade psicomotora do usuário e do seu do- mínio cognitivo das relações temporais. Dado que o controle se limita a um único parâme- tro (o tempo), as habilidades exigidas estão muito aquém das aplicadas na execução de um instrumento acústico, não dependem de um sistema simbólico a ser aprendido, e podem ser aprimoradas em função das características do material sonoro utilizado. Devido a adoção do formato de áudio estéreo, o resultado de uma sessão pode ser reutilizado como amostra dentro de uma nova sessão, de forma similar ao processo de overdubbing usado nos siste- mas analógicos de gravação. Um exemplo do funcionamento do mixDroid pode ser visto em (RADANOVITSCK, 2010).

4. Gravação das amostras sonoras

A ferramenta mixDroid 1.0 permite interagir com diversos tipos de amostras sono- ras em locais previamente inaccessíveis para o trabalho de criação musical. Para explorar essa funcionalidade, desenhamos uma série de estudos de mixagem com fontes específicas correspondentes aos locais de gravação. A coleta de amostras sonoras foi feita utilizando um microfone cardioide estéreo modelo Sony ECM-MS907 e um gravador digital portátil. As amostras foram arquivadas em formato estéreo PCM, 44,1 kHz, 16 bits.
O foco do nosso estudo experimental é a relação entre os fatores de suporte à cria- tividade vinculados ao local de realização da atividade e os recursos materiais disponí- veis (neste caso, amostras sonoras disponibilizadas através do uso do dispositivo portátil). Portanto, escolhemos dois locais externos com características sonoras contrastantes e com- paramos essas condições ao uso de amostras sonoras no âmbito neutro do estúdio de pro- dução sonora.
A primeira sessão de coleta foi realizada em um ambiente com predominância de fontes sonoras produzidas por animais. As gravações foram feitas no horário noturno den- tro do campus sede da Universidade Federal do Acre, em um local próximo ao Bloco de Música. Designamos esse local com o nome de ‘brejo’. O resultado foram múltiplas amostras de sons de rãs e grilos característicos do ambiente noturno amazônico. Agrupamos essas amostras sob o nome genérico de ‘rãs’.
A segunda sessão visou a obtenção de sons urbanos. O local escolhido foi uma es- trada movimentada de Rio Branco (BR 364), no horário diurno em um dia laboral. Para cap- tar o som do movimento dos veículos posicionamos o equipamento (microfone e gravador) na calçada divisória entre as duas vias. O conjunto de amostras obtido foi agrupado na ca- tegoria ‘carros’.

5. Edição das amostras

Como forma de preparação do material sonoro para uso nas sessões de mixagem, separamos segmentos de aproximadamente 1500 a 7000 milissegundos (a tabela 1 mostra as durações das amostras). Um aspecto importante da metodologia foi a preservação das carac- terísticas originais dos sons. Como o estudo focalizou a interação entre as pistas existentes no ambiente e as características das amostras utilizadas, não queríamos que o perfil espec-

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tral do som gravado se perdesse, por isso evitamos a aplicação de reverberação ou de outros tipos de processamento digital. O processamento dos sons urbanos limitou-se à aplicação de um envelope de amplitude para facilitar a manipulação das amostras por parte dos su- jeitos na hora da mixagem. Todos os arquivos foram normalizados.

6. Seleção das amostras

Selecionamos dois tipos de amostras sonoras (Tabela 1): (1) carros 1: sons de carros processados, N = 7; e carros 2: sons de carros processados, N = 8; (2) sons de rãs, N = 9.

Tabela n.1: Características das amostras sonoras utilizadas.

Tipo de amostra

Processamento

N

Média duração (ms)

Desvio padrão duração (ms)

Carros 1

Envelope de amplitude

7

3866

1400

Carros 2

Envelope de amplitude

8

3381

1334

Rãs

Segmentação

9

7234

5530

7. Ensaios de interação

Com o intuito de determinar o impacto do local de realização das atividades cria- tivas musicais, pedimos para um grupo de sujeitos leigos e músicos para realizar mixagens em ambientes externos similares aos escolhidos para a gravação das amostras. Nesta seção relatamos os procedimentos e os resultados desses ensaios de interação.

8. Perfil dos sujeitos

O estudo incluiu 6 sujeitos – 4 músicos-adultos e 2 leigos-adolescentes – idade = 21 (média) ± 7,69 (desvio padrão) anos; escolaridade = 11,83 (média) ± 2,99 (desvio padrão) anos; e estudo musical entre 0 e 13 anos: 4,80 (média) ± 5,17 (desvio padrão) (Tabela 2). Todos os sujeitos tiveram alguma experiência prévia de uso de tecnologia. Três músicos declararam ter conhecimento de tecnologias desenvolvidas para fins musicais, incluindo os programas Audacity e Finale. Nenhum sujeito teve experiência prévia com a ferramenta mixDroid. Estudos anteriores em suporte à criatividade mostram que o acompanhamento das atividades realizadas por um número reduzido de sujeitos fornece resultados relevantes (COLLINS, 2005; EAGLESTONE et al., 2007, 2008). SHNEIDERMAN (2007) propõe a adoção de estudos qualitativos para abordar o problema do suporte à criatividade dentro da área de interação humano-computador. No caso de estudos exploratórios, o aumento no número de iterações – através da estratégia de coleta de dados aplicando diversas condições experi- mentais – pode iluminar aspectos do processo criativo que não são accessíveis em estudos voltados para o perfil social dos sujeitos.

Tabela n.2: Perfil dos sujeitos.

Sujeitos

Sexo

Idade

Escolaridade

Estudo musical

N

Mulheres

Homens

21 ± 7,69

11,83 ± 2,99

4,80 ± 5,17

6

2

4

21 ± 7,69

11,83 ± 2,99

4,80 ± 5,17

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9. Procedimentos

Foram realizadas 47 iterações abrangendo diversas condições experimentais. A ati- vidade criativa foi dividida em duas partes. Na primeira parte (atividade de criação), um su- jeito cria uma composição no intervalo de 30 segundos utilizando todos os sons possíveis. Seguidamente, outro sujeito imita a composição feita pelo sujeito anterior (atividade de imi- tação). Dessa forma, é possível comparar a condição base (imitação) que não envolve deman- das específicas para processos criativos, com a condição que exige decisões relativas ao pro- cesso de criação. A Tabela 3 mostra as condições experimentais utilizadas abrangendo: tipo de amostra (carros, rãs), local da atividade (estúdio, rua, brejo), tipo de atividade (criação, imitação). O número de iterações (i) indica quantas mixagens foram realizadas.

Tabela n.3: Quadro de condições experimentais: (a) tipo de amostra e local da atividade; (b) local da atividade e tipo de atividade; (c) tipo de amostra e tipo de atividade.

(a) amostra x local

carros

rãs

i

estúdio

8

7

15

rua

9

7

16

brejo

9

7

16

i

26

21

47

(b) local x atividade

estúdio

rua

brejo

i

criação

10

8

8

26

imitação

5

8

8

21

i

15

16

16

47

(c) atividade x amostra

criação

imitação

i

carros

15

11

26

rãs

11

10

21

i

26

21

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10. Localização das sessões

A primeira sessão experimental foi realizada dentro do estúdio NAP (sala de 5 me- tros de cumprimento por 3,30 metros de largura, isolada do ambiente externo). As outras quatro sessões foram realizadas em locais similares aos de coleta dos sons: (1) rua: em uma rua de mão dupla com circulação constante (BR 364, Rio Branco); (2) brejo: em um espaço de grama próximo ao Bloco de Música, na Universidade Federal do Acre, Rio Branco.

11. Aferição

Foi utilizada a ferramenta CSI-NAP (Keller et al. 2011b) para aferir o nível de su- porte a criatividade. O CSI-NAP consiste em um formulário eletrônico com os itens apre- sentados na Tabela 4, com um campo para observações por parte dos sujeitos. A escala de tipo Likert abrange valores inteiros de 0 a 10. Os sujeitos respondem o questionário imedia- tamente após a conclusão de cada atividade.

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Tabela n.4: CSI-NAP. Adaptação do índice de suporte a criatividade proposto por (Carroll et al. 2009).

Construto (fator)

Avaliação (no formulário)

Escala

Produtividade

O que produzi valeu o esforço

0 - 10

Expressividade

Tive liberdade para ser criativo durante a atividade

Explorabilidade

Achei fácil testar diferentes resultados

Concentração

Achei fácil manter a concentração na atividade

Diversão

Gostei da atividade

Colaboração

Achei fácil compartilhar a atividade

O índice de suporte a criatividade (CSI) foi validado pela equipe da Universidade da Carolina do Norte em diversos contextos de suporte tecnológico à criatividade (CARROLL et al., 2009). A partir do trabalho da nossa equipe foi mostrada a sua aplicabilidade no con- texto musical (KELLER et al. 2011b; LIMA et al., 2012). A versão adaptada, CSI-NAP, apre- senta algumas diferenças decorrentes do trabalho empírico realizado ao longo dos últimos três anos.
Na utilização do CSI-NAP adotamos vários resguardos metodológicos para man- ter a generalidade e aplicabilidade da análise dos resultados. Primeiro, os fatores são ana- lisados de forma independente. O desenho experimental que aplicamos permite comparar três variáveis – amostras, locais e atividades – já que as sessões são realizadas pelo mes- mo grupo de sujeitos. Os resultados mostram o impacto dessas variáveis sobre cada um dos fatores de suporte à criatividade. Segundo, os resultados são analisados através de es- tatística descritiva, utilizando a média e o desvio padrão das respostas dos sujeitos. Essa é a forma mais direta e simples de utilização dos dados, que pode ser comparada ao uso de uma régua para determinar as medidas de objetos diferentes. Como o objetivo do estudo exploratório não é observar tendências relacionadas exclusivamente ao perfil dos sujeitos, não é necessário incluir um número elevado de participantes, como é o caso nos experi- mentos da área de psicologia social. Essas tendências podem ser identificadas através da meta-análise de múltiplos estudos de pequena escala. A confiabilidade das observações no presente estudo é diretamente proporcional ao número de iterações realizadas durante o experimento. Terceiro, a escala numérica adotada por Carroll e coautores (2009) não visa fornecer avaliações de desempenho em termos absolutos. O objetivo da adoção de uma es- cala padronizada é comparar resultados entre diversos estudos, ampliando a generalida- de da análise e portanto permitindo o uso dos dados para validar hipóteses teóricas mais abrangentes.

12. Resultados gerais

Os resultados gerais mostram médias altas em todos os fatores (Figura 2). Diversão e colaboração tiveram as maiores médias – acima de 9,00 – e as menores variâncias – abaixo de 1,00. Os outros quatro fatores ficaram entre 8,74 e 8,89. Apesar de que isso indica uma avaliação positiva do mixDroid em relação ao suporte para criatividade, através dos dados que combinam todas as condições não é possível determinar se houve alguma diferença en- tre as diversas condições utilizadas no estudo. A primeira pergunta a ser respondida é se o tipo de atividade tem impacto nas avaliações. Com esse objetivo, comparamos a atividade de imitação (onde o sujeito tenta reproduzir uma mixagem-exemplo) com criação (onde o sujeito fica a vontade para fazer sua própria mixagem).

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Figura n.2: Resultados gerais. Escala de 0 a 10. A média é representada pela barra e o desvio padrão pela linha.

Na comparação entre as duas atividades observamos uma leve superioridade no fa- tor produtividade nas avaliações da atividade de criação (Figura 3). Observamos a tendência oposta nos fatores expressividade, explorabilidade e concentração. Diversão e colaboração não mostraram diferenças.

Figura n.3: Tipo de atividade: criação (mixagem livre) vs. imitação (repetição de mixagem-modelo). (Escala: 0 a 10. Média:

barra. Desvio padrão: linha)

Outra análise aplicável a todas as condições foi a comparação entre o grupo de ite- rações feitas com amostras de sons de animais (rãs) e o grupo de iterações realizado com amostras de sons processados de carros (carros). Não houve tendências de diferenciação en- tre esses dois grupos (Figura 4).

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Figura n.4: Tipos de amostra: não há diferenças entre as atividades com sons processados de carros e as atividades com sons de rãs. (Escala: 0 a 10. Média: barra. Desvio padrão: linha)

A terceira variável que pode ser analisada utilizando o total de iterações é o local de realização do experimento. Agrupamos as 47 iterações em dois grupos: 15 iterações fei- tas no estúdio NAP (condição estúdio) e 32 iterações realizadas em ambientes sonoros ex- ternos (condição fora). Como foi mencionado na descrição dos procedimentos, na condição fora utilizamos locais similares aos locais de coleta das amostras – no caso, uma avenida com circulação constante de carros para os sons processados de carros, e um local distante dos barulhos urbanos com predominância de sons de insetos e anfíbios para os sons de rãs. A comparação entre as sessões realizadas no estúdio e as sessões realizadas no ambiente exterior (fora) mostrou clara superioridade para esta última nos fatores produtividade, ex- plorabilidade, concentração e colaboração (Figura 5).

Figura n.5: Locais da atividade: ambiente externo (fora) vs. ambiente interno (estúdio). (Escala: 0 a 10. Média: barra. Desvio padrão: linha)

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13. Resultados específicos

A lógica da nossa análise é a seguinte. Uma forma de separar os efeitos encontra- dos nos resultados gerais – que as avaliações feitas por leigos ou feitas em ambientes exter- nos são geralmente superiores aos escores dados por músicos ou às atividades realizadas dentro do estúdio – dos efeitos de variáveis de subgrupos é identificando alguns casos de combinações onde as tendências sejam opostas ou mais pronunciadas do que nos resulta- dos gerais. Seguindo essa lógica, comparamos as iterações que empregaram as seguintes combinações: tipos de atividade (imitação, criação), tipos de amostra (rãs, carros), locais externos (rua, brejo), local interno (estúdio) com todas as iterações realizadas no experi- mento (i = 47).

Figura n.6: Comparação dos locais para as amostras de sons de carros: carros-fora, carros-estúdio. (Escala: 0 a 10. Média:

barra. Desvio padrão: linha)

Se não há diferenças causadas pelo tipo de amostra, a variável que deve estar moti- vando o viés encontrado na primeira parte da análise é o local onde é realizada a atividade. Para desvendar essa questão comparamos as iterações realizadas dentro e fora do estúdio mantendo o tipo de amostra inalterado. E de fato, confirmamos a tendência observada ante- riormente: existem diferenças claras entre as iterações feitas dentro e fora do estúdio. Mas essas diferenças estão vinculadas aos tipos de amostras utilizadas. O efeito é uma combina- ção de duas variáveis (tipo de amostra e local). Esse efeito aparece no fator explorabilidade no caso dos sons de rãs e nos fatores explorabilidade, produtividade e concentração no caso dos sons processados de carros.

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Figura n.7: Comparação dos locais para as amostras de sons de rãs: rãs-fora, rãs-estúdio. (Escala: 0 a 10. Média: barra. Desvio padrão: linha)

No entanto, ainda é necessário excluir o perfil dos sujeitos como causa desse viés. O procedimento a ser aplicado é simples, se as diferenças relacionadas aos locais forem as mesmas que as motivadas pelo perfil dos sujeitos, todos os fatores devem acompanhar as di- ferenças entre sujeitos leigos e músicos. Esse não é o caso. Tanto nas atividades com sons de rãs quanto nas atividades com sons de carros, a tendência no fator colaboração está inverti- da (comparar as Figuras 6 e 7). O fator expressividade mostra maior variância no subgrupo carros-estúdio e mais uma vez uma tendência invertida nos subgrupos rãs-fora-rãs-estúdio. Concluímos portanto que o efeito observado está vinculado à combinação das variáveis lo- cal e tipo de amostra, e não tem relação com o perfil dos sujeitos.

13. Discussão geral dos resultados

O viés positivo encontrado no fator explorabilidade para o subgrupo rãs-fora pode estar vinculado a dois componentes das condições experimentais. Por um lado, é compre- ensível que os sujeitos avaliem a situação de realizar uma mixagem com sons naturais den- tro de um ambiente onde essa classe de sons é originada como mais rica em possibilidades exploratórias do que a condição isolada da atividade em estúdio. Nesse tipo de contexto, o sujeito pode aproveitar os eventos sonoros do ambiente como modelos para suas decisões criativas ou como padrões a serem evitados. Em qualquer caso, as possibilidades de intera- ção com o material sonoro são maiores do que na condição neutra fornecida pelo ambiente do estúdio.
O que não é fácil de explicar é o efeito observado no fator concentração. Por um lado, seria esperável que os sujeitos avaliem o ambiente com predominância de sons de ani- mais como sendo mais propício para manter o foco na atividade criativa do que a paisagem sonora de uma rua movimentada. Mas o efeito observado foi o oposto. Os níveis relatados de concentração são mais altos no contexto urbano. Uma explicação possível é que os sujei- tos estejam avaliando o esforço cognitivo colocado na atividade, ao responder “achei fácil manter a concentração”, eles estariam relatando que a atividade fomentou o engajamento e,

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portanto a atividade exigiu uma maior focalização da atenção. Seguindo esse raciocínio, as avaliações do nível de concentração nas atividades em estúdio devem ser sempre mais bai- xas do que as atividades fora do estúdio. Como mostra a comparação entre as condições fora e estúdio, a tendência geral foi essa.
Um resultado que não é explicado pelos enfoques teóricos existentes é porquê os participantes relataram níveis maiores de produtividade nas atividades realizadas no am- biente externo do que nas atividades feitas no ambiente de isolamento acústico proporcio- nado pelo estúdio. A explicação mais simples, e portanto mais fácil de fundamentar teo- ricamente, é que os sujeitos estejam utilizando as pistas sonoras fornecidas pelo ambiente como suporte para organizar os resultados criativos no eixo temporal, i.e., aplicando o me- canismo de ancoragem (KELLER et al., 2010). Esse mecanismo forneceria o suporte neces- sário para realizar atividades criativas complexas, incorporando as pistas do ambiente ao processo de decisão criativa.
Complementarmente, esse fenômeno poderia estar relacionado a um conceito dife- renciado de concentração (ou em termos mais precisos, de atenção) que separaria a ‘atenção criativa’ de outros tipos de focalização na atividade. Dentro desta perspectiva, os sujeitos acionariam mecanismos cognitivos diferentes para atividades que não demandam investi- mento criativo do que para atividades que enfatizam resultados simultaneamente originais e relevantes. Atividades rotineiras – como tomar banho, escovar os dentes, preparar comi- da, lavar louça, varrer o chão, etc. – poderiam ser realizadas mantendo o foco na atividade sem necessidade de vincular estímulos externos aos objetivos da atividade. Neste contex- to, o sujeito focalizaria seus recursos cognitivos nas demandas da atividade sem necessida- de de monitorar a relação entre suas ações e os eventos não relacionados diretamente com o foco de atenção. Em termos sonoros, a atividade rotineira permitiria criar um isolamen- to cognitivo comparável ao isolamento fornecido por espaços arquitetônicos fechados, o exemplo mais ilustrativo desse tipo de espaço é o estúdio de gravação. No espaço isolado do estúdio, o sujeito pode realizar a atividade sem vincular suas ações aos eventos externos. Da mesma forma, nas atividades rotineiras o sujeito não precisa monitorar eventos não re- lacionados diretamente aos objetivos imediatos da atividade.
Em contraste com as atividades cotidianas triviais, a ‘atenção criativa’ exigiria um estado de alerta similar ao existente em situações de perigo. A concentração em situações perigosas visa maximizar as probabilidades de identificação de predadores ou de riscos fí- sicos deixando em segundo plano as ações que normalmente seriam o foco de atenção do indivíduo em espaços seguros. Nesse contexto, o indivíduo investe os recursos cognitivos imprescindíveis para realizar a atividade reservando parte do seu potencial cognitivo para monitorar os eventos do ambiente com o objetivo de reconhecer pistas indicadoras de ame- aças. Como extensão desse mecanismo de supervivência, a ‘atenção criativa’ aproveitaria os recursos disponíveis para monitoramento do ambiente como canal para identificar relações entre os eventos externos ao foco da atividade e os eventos decorrentes das ações do indiví- duo. Esse estado flexível de alerta seria qualitativamente diferente do estado de concentra- ção exigido por atividades que não demandam esforço criativo. Resumindo, nas atividades rotineiras, o sujeito pode ignorar os eventos externos ao foco da atividade. Já nas atividades criativas, o indivíduo precisa maximizar as chances de estabelecer conexões entre a ativi- dade foco e os estímulos externos.
Os resultados apontam para efeitos relacionados ao local onde é realizada a ativi- dade nos fatores explorabilidade e produtividade. O aumento na avaliação da produtivi- dade estaria relacionado tanto ao local (para atividades fora do estúdio) quanto ao tipo de atividade (com leve superioridade para criação). Maior explorabilidade é consistentemente

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vinculada a atividades fora do âmbito do estúdio, com preferência leve para atividades de imitação, independentemente do tipo de amostra utilizada. Essas tendências em conjun- to apontam para um maior engajamento criativo dos sujeitos nas atividades em ambientes externos.
Em contrapartida, as avaliações altas no fator concentração para as atividades rea- lizadas em contexto urbano com sons de carros indicam a necessidade de refinar a metodo- logia de aferição utilizada. Os resultados indicam que os sujeitos podem estar avaliando o seu nível de esforço cognitivo em relação à atividade em lugar de avaliar se o tipo de ativi- dade e a infraestrutura de suporte facilitam a concentração na atividade criativa. Em termos mais abrangentes, o que estaria sendo avaliado é o engajamento - segundo as definições de BRYAN-KINNS (2004) e de BROWN e DILLON (2007) - abrangendo o esforço cognitivo do sujeito, o nível de focalização na atividade e a qualidade do processo criativo. Níveis altos de engajamento podem estar correlacionados a avaliações positivas dos fatores produtivi- dade e diversão. Para separar o esforço cognitivo do nível de engajamento seria necessário estudar condições que tenham impacto claramente negativo tanto no fator produtividade quanto no fator diversão.
As contribuições deste estudo podem ser sintetizadas nos seguintes aspectos: (1) O estudo permitiu identificar mecanismos específicos da criatividade musical cotidiana, vinculando a atividade criativa com características do local onde a atividade é realizada. A relação estreita entre processos cognitivos e pistas fornecidas pelo ambiente dá suporte para os enfoques embasados em cognição ecológica (ecologically grounded, embedded-em- bodied, grounded cognition). (2) O trabalho experimental forneceu a oportunidade de testar um conjunto de procedimentos para aferir o impacto de variáveis previamente não contem- pladas nos estudos de criatividade (LIMA et al., 2012). O objetivo da metodologia proposta é superar a limitação descrita em trabalhos anteriores como ‘restrição prematura de domí- nio,’ isto é, a introdução no desenho experimental de limitações que têm impacto negativo no processo criativo (KELLER et al., 2011b). (3) Os resultados mostraram limitações na fer- ramenta adotada para aferição dos fatores de criatividade. Em particular, o fator concentra- ção, proposto por CARROL et al. (2009) pode estar diretamente relacionado ao conceito de engajamento. Uma forma de superar esse impasse metodológico é introduzindo condições que tenham impacto negativo na produtividade e na diversão para separar o efeito do en- gajamento do efeito do esforço cognitivo. (4) Finalmente, foram sugeridas duas explicações para o aumento na produtividade e no nível de concentração relatado pelos sujeitos durante as atividades realizadas fora do estúdio. Por um lado, os sujeitos utilizam as pistas forneci- das pelo ambiente para dar suporte aos processos criativos. Isso implica o acionamento de um mecanismo geral proposto pelos enfoques cognitivo-ecológicos: a ancoragem. Por outro lado, as atividades criativas demandam um investimento maior de recursos cognitivos do que as atividades triviais, e esse investimento seria compatível com situações nas quais o sujeito precisa conciliar a atenção a pistas externas enquanto realiza a atividade-objetivo, como por exemplo quando existe uma situação de perigo. Portanto, a atenção criativa pode estar embasada em estratégias de adaptação desenvolvidas para maximizar as chances de supervivência.

Agradecimentos

O presente estudo recebeu o apoio do CNPq (571443/2008-7, 500780/2009-9,
407147/2012-8) e do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (UFAC).

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Notas

1 Este artigo é uma versão revisada e expandida de um artigo anterior apresentado em congresso.

2 “Tia DeNora (2000), Alf Gabrielsson (2008) [...] often seem to concentrate on the use of others’ music and omit the actual music-making by the persons they write about. Thereby they also overlook the possible everyday creativity that is to be found among ‘non-professionals.’” (Akesson, 2011, p. 523).

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Damián Keller - Professor da Universidade Federal do Acre. Coordena o Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical

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Edemilson Ferreira da Silva (Nicke Kojanski) - Aluno de tecnologia musical na Universidade Federal do Acre. Membro do NAP.

Marcelo Soares Pimenta - Professor do Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordena o Laboratório de Computação Musical (LCM). É membro e cofundador do Grupo de Música Ubíqua (g-ubimus).

Victor Lazzarini - Senior Lecturer in Music na NUI Maynooth. Coordena o Programa de Pós-Graduação e o Gru- po de Tecnologia de Som e Música Digital do Departamento de Música. É membro do Grupo de Música Ubíqua (g-ubimus).


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