UM ESTUDO COM ESCOLAS DA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DE PORTO ALEGRE/ RS: SUBSÍDIOS PARA A ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO MUSICAL1

Luciana Del Bem

lucianadelbem@uol.com.br

Resumo: Este artigo apresenta resultados de pesquisa que objetivou realizar um mapeamento do ensino de música em escolas estaduais de educação básica de Porto Alegre/RS. O método e a técnica utilizados foram, respectivamente, o survey e o questionário auto-administrado, sendo que os dados foram fornecidos pelos diretores e professores que atuam com música ou artes nas escolas. Os resultados revelam uma diversidade de configurações e de práticas educativomusicais desenvolvidas nas escolas, mas também a manutenção da prática polivalente do ensino de artes. Para o cumprimento da atual legislação educacional, fazem-se urgentes a abertura de concursos para professores de música bem como a elaboração de projetos de formação musical continuada que atendam às características das escolas e professores.

Palavras-chave: Educação musical escolar; Música na educação básica; Mapeamento do ensino de música

A study with public state schools of Porto Alegre, Brazil: searching for data to elaborate policies of music education

Abstract: This paper presents data from a research that aimed to map out the music teaching practices developed at public state schools of Porto Alegre, Brazil. The method and the technique chosen to carry out the investigation were the survey and the questionnaire, respectively. The questionnaires were aimed to schools’ deans and music and arts teachers. The results reveal a variety of music teaching practices developed at schools, but also suggest the maintenance of what has been called “artistic education” (polyvalent arts teaching). This points to the need to admit specialist music teachers at schools and to elaborate projects of continuous education in music in order to put in practice the current educational law.

Keywords: School music education; Music in primary and secondary schools; Mapping music teaching in schools.

Introdução

Nas duas últimas décadas, a educação musical brasileira vem apresentando um desenvolvimento significativo como área de conhecimento acadêmico-científico (ver Hentschke e Oliveira, 2000). Apesar desse desenvolvimento, a área ainda luta pela inclusão da música no currículo da maioria das escolas de educação básica do país e pela construção de práticas significativas de educação musical escolar.

Pesquisas realizadas por vários autores em diferentes regiões do nosso país (ver, por exemplo, Tourinho, 1993; Fuks, 1993; Penna, 2002; Souza et al., 2002) revelam uma diversidade de percepções sobre música e ensino de música, concepções e práticas musicais e educativomusicais nas escolas. Essa diversidade pode estar relacionada a uma certa dispersão, em termos de formação e de práticas educativas, gerada a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1971 (Lei 5.692/71), que introduziu a educação artística nos currículos plenos das então escolas de 1º e 2º graus (Penna, 1991). Os professores, que antes atuavam em campos específicos, foram solicitados a ensinar, ao mesmo tempo, música, artes plásticas e artes cênicas, assumindo a função de professores polivalentes.

Instituída a polivalência também no ensino superior, quando, em 1973, a Licenciatura em Música foi substituída pela Licenciatura em Educação Artística (Penna, 1991), a formação do professor habilitado em música tornou-se “tão ampla quanto insuficiente em sua área de habilitação” (Penna, 1991, p. 58). Hentschke e Oliveira (2000) observam ainda que:

seria muito difícil traçar um perfil do educador musical brasileiro nos dias de hoje, visto que, com a Lei 5.692, mais de cem cursos de Educação Artística foram implantados, muitas vezes com ênfases e nomenclaturas distintas. (Hentschke e Oliveira, 2000, p. 51).

Essa diversidade na formação dos professores, por sua vez,

tem provocado a falta de direcionamento pedagógico, fazendo com que a expressão educação musical carregue os mais diversos significados. Na maioria dos casos, os processos educacionais em música não passam de sensibilização inicial com a voz e com instrumentos de percussão, perdendo a oportunidade de permitir ao aluno a familiaridade com um campo de conhecimento que envolve atividades de composição, execução e apreciação. (Hentschke e Oliveira, 2000, p. 51).

Na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), a educação artística foi substituída pelo ensino de arte, que, de acordo com o Artigo 26, parágrafo 2º da referida Lei, passa a ser considerado componente curricular obrigatório na educação básica. A Lei 9.394/96

reforça a necessidade “de o Estado elaborar parâmetros claros no campo curricular capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório” (Brasil, 1997a, p. 15), assegurando a todos uma formação básica comum. Nesse sentido, foram elaborados referenciais e parâmetros curriculares, com o objetivo de orientar as ações educativas nas escolas de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) destinados ao ensino fundamental, por exemplo, definem a arte como área e atribuem-lhe importância igual a dos outros componentes curriculares. Entretanto, as diferentes linguagens artísticas não são tratadas como disciplinas específicas, mas, sim, como modalidades da grande área arte. Em função disso, a presença das diversas modalidades artísticas não é obrigatória em todo o currículo do ensino fundamental. Os PCN apenas recomendam que “o aluno, ao longo da escolaridade, tenha oportunidade de vivenciar

o maior número de formas de arte” (Brasil, 1997b, p. 55). A elaboração de referenciais e parâmetros curriculares, portanto, não assegura a presença da música – ou de qualquer outra modalidade artística – em todas as escolas. Esses documentos também não especificam em quais séries ou ciclos dos diversos níveis da educação básica as diferentes modalidades deverão ser contempladas.

Os documentos oficiais não nos permitem, portanto, inferir o que, de fato, acontece nas escolas em termos de ensino formal de música. A área de educação musical, ao menos no Rio Grande do Sul, ainda carece de dados mais abrangentes sobre o ensino de música nos diferentes níveis da educação básica. Considerando essa escassez de dados e que, no Rio Grande do Sul, até o momento, as escolas públicas estaduais são as instituições de ensino que menos têm sido contempladas por pesquisas na área de educação musical, esta pesquisa teve como objetivo geral realizar um mapeamento do ensino de música em escolas públicas estaduais de educação básica de Porto Alegre/RS. Como objetivos específicos, a pesquisa buscou: investigar se as escolas estaduais oferecem e/ou promovem atividades musicais e/ou aulas de música; identificar quais são os níveis de ensino e as séries contemplados; examinar quais são os tipos de atividades musicais desenvolvidos; analisar o status da música como componente dos currículos escolares; e descrever a formação dos professores que ensinam música em escolas estaduais.

1. Metodologia da Pesquisa

O método escolhido para conduzir a investigação foi o survey,quebusca coletar dados sobre populações amplas, visando descrever e compreender, num momento específico, uma determinada situação social (Cohen e Manion, 1994; Babbie, 1999). Os dados foram coletados por meio de questionários auto-administrados (Babbie, 1999). A escola constituiu a unidade a ser analisada (Babbie, 1999), sendo que os dados sobre o ensino de música foram fornecidos pelo diretor e pelos professores que atuavam na área de música ou de artes em cada escola, a quem se destinaram os questionários.

As escolas foram selecionadas a partir de uma lista disponível na home page da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. Em julho de 2003, nessa lista, constavam 252 escolas urbanas em Porto Alegre. Foram excluídas as escolas técnicas e as que ofereciam, exclusivamente, educação especial e educação de jovens e adultos. Restaram, então, 236 escolas. Visando a reduzir custos para a execução da pesquisa, foram selecionadas, aleatoriamente, 177 escolas, número correspondente a 75% da população deste survey.

Os questionários foram enviados às escolas pela mala direta da DPA – Divisão Porto Alegre, da Secretaria Estadual de Educação. Foram acompanhados de uma carta, onde foram explicados os objetivos da pesquisa e as instruções de preenchimento e devolução, e de um envelope de retorno devidamente endereçado.

Após devolvidos, os questionários foram checados visando à identificação de inconsistências nas respostas e possíveis respostas ausentes ou incompletas. A redução dos dados teve início com a codificação das diferentes respostas a cada uma das questões de caráter fechado. Em seguida, os dados foram tabulados. Posteriormente, as questões de caráter semi-aberto e de caráter aberto foram analisadas tematicamente e categorizadas. Esses procedimentos foram realizados, separadamente, com os questionários respondidos pelos diretores e com aqueles respondidos pelos professores. Posteriormente, os questionários foram analisados como um todo, para que fosse possível compreendê-los como um conjunto e, assim, buscar reconstruir

o estado atual do ensino de música em escolas públicas estaduais de educação básica de Porto Alegre. Nessa análise, foi estabelecido um diálogo entre os dados obtidos e a literatura da educação musical.

2. Resultados

Do total de 177 escolas para as quais foram enviados os questionários, 74 responderam. Esse número representa 41,8% de taxa de retorno, porcentagem considerada suficiente tendo em vista que, segundo Cohen e Manion (1994), um survey deve obter, pelo menos, 40% de taxa de retorno. Em 48 escolas, os questionários foram respondidos tanto por diretores quanto por professores. Em 23 escolas, foram respondidos somente por diretores e em três escolas, somente por professores.

Como os questionários destinados aos diretores e aos professores não continham exatamente as mesmas questões, os dados obtidos serão apresentados separadamente. Na primeira parte serão apresentados os dados obtidos junto aos diretores, e, na segunda, aqueles referentes aos professores. Nas considerações finais, será realizado o cruzamento dos resultados, visando a fornecer uma síntese geral sobre a presença da música nas escolas investigadas, lembrando que a pesquisa teve a escola como unidade de análise.

2.1 A presença da música nas escolas sob a ótica dos diretores

Conforme indicado pelos 71 diretores (41,11% da amostra) que responderam os questionários, 45,07% das escolas não promovem ou oferecem atividades musicais a seus alunos. Essa porcentagem sugere um quadro problemático, mas não surpreende, pois a ausência da música nas escolas como disciplina ou conteúdo dos currículos escolares vem sendo apontada por várias autoras em diferentes contextos educativos, mas, principalmente, nas escolas públicas (ver Hentschke e Oliveira, 2000; Penna, 2002; Souza et al., 2002; Santos, 2005; entre outras). Diante dessa porcentagem, é possível especular que a taxa de retorno dos questionários de pouco mais de 40% esteja relacionada à ausência da música nas escolas estaduais de educação básica de Porto Alegre. É possível que as demais escolas não tenham retornado os questionários simplesmente por não desenvolverem atividades musicais com seus alunos.

Os diretores das escolas justificaram a ausência da música de diversos modos, mas os principais motivos parecem ser a ausência de profissionais capacitados para ensinar música e a falta de recursos, como mostra a Tabela 1.

Motivos Número de respostas Percentual %
As atividades musicais não estão previstas no currículo 19 17,12
A escola não dispõe de profissionais que realizem atividades musicais 40 36,04
Não há carga horária disponível para a realização de atividades musicais 13 11,71
Não há espaço disponível para a realização de atividades musicais 05 4,50
Não há recursos disponíveis para a realização de atividades musicais 32 28,83
Outros 02 1,80

Tabela 1: Motivos que justificam a ausência de atividades musicais nas escolas. Questão aberta; os diretores puderam citar mais de uma alternativa.

O percentual de escolas que oferecem algum tipo de atividade musical, segundo seus diretores, é de 53,52% (vale ressaltar que somente um dos diretores não respondeu essa questão, o que corresponde a 1,41% da amostra). As atividades realizadas são variadas, como é possível observar na Tabela 2.

Atividades Número de respostas Percentual %
Curriculares
Aulas de música como disciplina específica do currículo escolar 01 0,8
Aulas de música como parte da disciplina de educação artística 13 10,4
Atividades musicais desenvolvidas em sala de aula pelo professor de séries iniciais 24 19,2
Extracurriculares
Aulas de instrumentos musicais 04 3,2
Conjuntos instrumentais 01 0,8
Bandas de sopros ou metais 08 6,4
Coral ou grupo vocal 08 6,4
Grupos de música popular 04 3,2
Hora cívica 24 19,2
Festivais de música 08 6,4
Apresentações musicais 25 20,0
Outros 05 4,0

Tabela 2: Atividades musicais desenvolvidas nas escolas. Questão aberta; os diretores puderam citar mais de uma alternativa.

DEL BEN, L. (p. 65-89)

A maior parte das atividades citadas pelos diretores é de atividades extracurriculares, com destaque para “apresentações musicais” e “hora cívica”. É também significativa, segundo os diretores, a presença da música no trabalho do professor unidocente dos anos iniciais do ensino fundamental. Chama a atenção, entretanto, o fato de somente um diretor ter respondido que a escola oferece aulas de música como disciplina curricular. Mesmo como parte da disciplina de educação artística, a presença da música parece pouco significativa, ao menos segundo as respostas obtidas junto aos diretores das escolas. Esses dados parecem relacionados com o fato de boa parte das escolas não contar com professores habilitados para ensinar música, conforme justificaram alguns diretores.

No entanto, de acordo com estudo realizado pelo INEP (Brasil, 2003), a demanda por professores de educação artística, conforme é denominada a área no documento, não é considerada crítica, ao contrário de áreas como química e física, onde o número de licenciados está muito abaixo da demanda estimada. É preciso ressaltar, entretanto, que esse estudo não trata as diferentes linguagens artísticas separadamente, conforme previsto nos PCN ou nas diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação nas diferentes áreas artísticas (ver, por exemplo, CNE/CES, 2/2004). Tanto que mantém a nomenclatura “educação artística” quando a Lei 9.394/96 refere-se a “ensino de arte”.

Vale observar ainda que Porto Alegre conta com um curso superior de formação de professores de música desde 1965, ano em que foi criado

o atual curso de licenciatura em música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os dados revelam, no entanto, que esses professores não têm sido absorvidos pelas escolas estaduais de Porto Alegre, fato que merece investigações futuras.

Mesmo sem contar com professores especialistas em música, segundo os diretores, 12 escolas mantinham um ou mais grupos musicais, como banda marcial (oito escolas), coral (duas escolas) e conjunto instrumental (três escolas). O tempo de existência desses grupos era variado, indo de seis meses a mais de 20 anos. Do mesmo modo, o tempo em que a música estava presente em cada escola variava de um ano a “desde sempre”. Um dos diretores informou que a escola promove atividades musicais “sempre que possível”, sugerindo que a música não parece integrar de modo sistematizado o projeto político-pedagógico da escola.

Quando realizadas, as atividades musicais são destinadas principalmente aos alunos do ensino fundamental (96,97% das 33 escolas que promovem atividades musicais), nível seguido pela educação infantil (48,48%) e pelo ensino médio (15,15%). As séries contempladas variam de escola para escola. Os diretores mencionaram que, no ensino fundamental, por exemplo, as atividades musicais são destinadas a alunos de 1ª a 4ª série, 1ª a 8ª, 4ª a 8ª, 1ª a 3ª e 5ª e 6ª, 5ª a 8ª, 1ª a 7ª, 5ª a 7ª, 7ª e 8ª. Essa variação pode ter relação com o fato de que, segundo os diretores, a maior parte das atividades realizadas é de caráter extracurricular. Conforme explicou um dos respondentes, essas atividades não são obrigatórias e estão abertas a alunos de todas as séries. Um outro diretor esclareceu que a escolha das séries “depende do professor”, o que parece sugerir, mais uma vez, que as atividades musicais não estão integradas ao projeto político-pedagógico das escolas.

A variação das séries contempladas com atividades musicais também parece ter relação com a formação dos professores responsáveis pelo desenvolvimento dessas atividades, embora nem todos os diretores tenham indicado a formação dos professores que atuam com música nas escolas. Segundo os dados obtidos junto a 26 dos 33 diretores de escolas que promovem atividades musicais, são vários os profissionais que atuam com música nas escolas, incluindo professores unidocentes de 1ª a 4ª série, com formação em nível médio ou em pedagogia, e professores especialistas de 5ª a 8ª série, com formação não somente em educação artística (habilitação em artes cênicas, artes plásticas e música), mas também em educação física, letras e comunicação e expressão.

Dois diretores mencionaram ainda que contam com “amigos da escola” ou voluntários para desenvolver atividades musicais em suas escolas. A presença de voluntários desenvolvendo atividades musicais sinaliza o envolvimento e a responsabilidade da comunidade em relação à escola. Por outro lado, aponta para uma possível desprofissionalização da docência de música, visto que sugere não ser necessário possuir formação específica para ensinar música, independentemente do âmbito em que isso acontece (ver Gauthier et al., 1998). Cabe questionar se as escolas aceitariam voluntários ou “amigos da escola”, sem formação específica, substituindo

o trabalho de professores de português ou matemática, por exemplo.

Os cursos mencionados pelos diretores sugerem, também, que, de alguma forma, a música está presente no trabalho desenvolvido em várias disciplinas escolares e, principalmente, no trabalho do professor dos anos iniciais do ensino fundamental, corroborando resultados de outras pesquisas na área (ver, por exemplo, Souza et al., 2002). Isso representa um ganho para a área de educação musical, pois sugere que o professor unidocente tem reconhecido a música como um dos campos de conhecimento a serem trabalhados no ensino fundamental, conforme defendem autores como Bellochio (2001) e Figueiredo (2003). Não é possível inferir, entretanto, qual é a amplitude ou a qualidade do trabalho desenvolvido por esses professores.

2.2 A presença da música nas escolas sob a ótica dos professores

2.2.1 Gênero, faixa etária e tempo de magistério dos professores

Os 58 professores participantes da pesquisa pertenciam a 51 escolas. Seis dessas escolas contaram com mais de um professor respondente: em cinco delas, os questionários foram respondidos por dois professores, e em uma escola, por três professores. Dentre os 58 professores que responderam os questionários, 53 são mulheres, isto é, 91,38%, e somente cinco (8,62%) são homens, confirmando a feminização do magistério já discutida por vários autores (ver Louro, 1997; Green, 1997).

A idade dos professores varia de 23 a 63 anos, mas a maior parte (44,82%) encontra-se na faixa etária dos 40 aos 49 anos. A média de idade dos professores é de 42,29 anos, superior, portanto, à média brasileira, que é de 37,8 anos, conforme estudos realizados pela Unesco (2004). Um percentual de 41,38% dos professores está acima dos 45 anos. Esse dado pode indicar que os jovens professores de música ou das demais modalidades artísticas não têm se sentido atraídos para atuar como docentes nas escolas públicas estaduais de educação básica. Ou, ainda, que têm sido escassos os concursos para professores nessas áreas.

O tempo de serviço dos professores no magistério varia de dois meses a mais de 30 anos, sendo que a concentração maior (27,59%) está na faixa entre 0 e 4 anos, seguida pelas faixas entre 20 e 24 anos (20,69%) e entre 10 e 14 anos (17,24). O tempo médio de serviço no magistério é de 12,29 anos.

2.2.2 Formação dos professores

Em relação ao nível de formação, os dados encontrados confirmam resultados de outros estudos. A Tabela 3 registra o nível máximo de formação dos professores que responderam os questionários. Somando os percentuais de professores com curso superior completo e pós-graduação, tem-se o total de 86,2% de professores com curso superior. Dados de estudo do INEP (Brasil, 2003) indicam que, na região sul, em 2002, o percentual de professores com formação superior atuando de 5ª a 8ª série era de 86,3%, sendo 78% com licenciatura e 8,3% sem licenciatura. Esse percentual está um pouco acima da média brasileira, que, em 2002, era de 75,2% de professores com formação em nível superior, sendo 68,3% com licenciatura e 6,9% sem licenciatura.

Nível de formação Número de professores Percentual %
Médio 01 1,73
Superior incompleto 07 12,07
Superior completo 37 63,79
Pós-graduação 13 22,41
Total 58 100,00

Tabela 3: Nível máximo de formação dos professores

Quarenta e quatro dos 50 professores que responderam possuir formação em nível superior (número que inclui formação máxima em nível superior completo e em nível de pós-graduação) especificaram qual era sua área de formação. Foram mencionados os seguintes cursos: Arquitetura e Urbanismo, Bacharelado em Música-Instrumento e Licenciatura em Estudos Sociais, Licenciatura em História, Licenciatura em Letras/Português e Técnicas Industriais, todos com um ocorrência cada. Também foram mencionados os cursos de Licenciatura em Educação Física e Pedagogia, citados, cada um, por dois professores. Dois desses professores também disseram ter curso incompleto de Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Música. Os demais professores, num total de 35, possuem formação para atuar na área de artes, sendo dez (28,56%) licenciados em Educação Artística, 12 (34,29%) licenciados em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas, oito (22,86%) licenciados em Educação Artística com Habilitação em Música e cinco (14,29) licenciados em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas.

O número de professores licenciados em educação artística indica que 60,34% de todos os 58 professores participantes da pesquisa possuem formação específica para atuar na área de artes. Embora essa porcentagem possa ser significativa, ela também indica que há professores que atuam com o ensino de artes sem possuir formação específica para tal.

Isso não parece ser problemático quando as práticas de ensino de arte ocorrem em outros espaços que não aquele que, segundo a Lei 9.394/96, deve ser reservado no currículo para o ensino de artes. Os dados obtidos junto aos diretores já sinalizavam a presença da música na escola independentemente da presença do professor de música, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental. No entanto, os dados também indicam que há professores não habilitados ocupando o espaço que é específico do professor de artes, independentemente da linguagem trabalhada, como será demonstrado a seguir. Na próxima tabela são registrados os cargos ocupados pelos professores nas escolas.

Cargo Número de professores Percentual %
Professor de educação artística 39 67,24
Professor de educação artística com habilitação em música 08 13,80
Professor do ensino fundamental 07 12,07
Professor do ensino médio 01 1,72
Voluntário 02 3,45
Não respondeu 01 1,72
Total 58 100,00

Tabela 4: Cargos ocupados pelos professores nas escolas

Ao comparar o número de professores licenciados em educação artística (35) com a soma dos professores que ocupam o cargo de professor de educação artística e de professor de educação artística com habilitação em música (47), é possível observar que há, nas escolas investigadas, 12 professores não habilitados ocupando o espaço que é específico do professor licenciado em artes. Desses 12 professores, sete informaram ocupar nas escolas o cargo de professor de educação artística sem possuir formação em curso superior (cinco professores com curso superior incompleto, sendo quatro deles em Educação Artística, e dois professores com formação em nível médio: Magistério e Técnico Pedagógico). Outros cinco respondentes possuem formação superior em Arquitetura, Educação Física, História, Letras ou Técnicas Industriais.

Os dados da tabela 4 também sugerem que, nas escolas, permanece a concepção de professor e de ensino polivalente de artes, oficialmente instituído com a Lei 5.692/71 por meio da terminologia “educação artística”. Somente oito docentes informaram ocupar o cargo de professor de educação artística com habilitação em música. Vale lembrar que no questionário enviado aos professores também constava como alternativa o cargo de “professor de música”, que não recebeu nenhum registro.

Também em termos de formação continuada a formação musical dos professores parece precária, pois somente 22,41% dos professores respondentes vêm participando de cursos, oficinas, seminários ou encontros na área de música. Dentre as atividades realizadas pelos professores foram mencionadas oficinas de música, cursos de extensão da UFRGS, cursos de musicoterapia, cursos promovidos pelo Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, Programa de Educação Continuada (PEC) da Faculdade de Educação da UFRGS, Seminário de Arte e Educação de Montenegro/RS, cursos promovidos pela Bienal de Artes do Mercosul, Projeto Arte na Escola, curso promovido pela Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul em 1996 e aulas em conservatório, além de participação em corais e concertos.

A porcentagem pouco expressiva de professores que vêm participando de formação continuada em música pode ter relação com a escassa oferta de atividades especificamente voltadas para os professores que atuam na rede estadual de educação básica do Rio Grande do Sul. As atividades citadas pelos professores, com exceção de duas ocorrências referentes a curso promovido pela Secretaria Estadual de Educação em 1996, sugerem a escassez de políticas de formação continuada em música elaboradas ou apoiadas pelo sistema estadual de ensino.

2.2.3 Atuação dos professores

Os professores participantes atuam nos três níveis de ensino da educação básica. Dos 58 professores, 96,55% informaram atuar no ensino fundamental, concomitantemente ou não aos outros níveis. Pouco mais da metade dos professores (53,45%) informou as séries em que atuam. Assim como nos dados obtidos junto aos diretores, as séries contempladas com atividades musicais variam de escola para escola. Os professores mencionaram que, no ensino fundamental, por exemplo, as atividades são destinadas a alunos de 1ª a 8ª séries, 5ª a 8ª, 5ª a 7ª, 6ª a 8ª, 7ª e 8ª, 5ª e 7ª, 4ª a 8ª, 1ª a 4ª, 2ª, e, finalmente, 3ª série. O maior número de ocorrências (58,06%), no entanto, refere-se a 5ª a 8ª séries. Também no ensino médio, há professores que atuam somente no 1º ano, outros que atuam no 1º e no 2º ano e aqueles que atuam do 1º ao 3º ano.

Os dados indicam que a maioria dos professores investigados atua concomitantemente nas áreas de artes plásticas, artes cênicas e música. Conforme registrado na próxima tabela, 70,69% dos professores atuam na área de música, sendo 5,17% somente em música e 65,52% em música e em outras áreas. É possível que a pequena porcentagem (22,41%) de professores que participam de atividades de formação continuada em música também esteja relacionada ao fato de que apenas três dos 58 professores investigados atuem somente na área de música.

Área de atuação Número de professores Percentual %
Somente música 3 5,17
Música e outras áreas 38 65,52
Somente em outras áreas 13 22,41
Não respondeu 04 6,90
Total 58 100,00

Tabela 5: Atuação dos professores na área de música e/ou em outras áreas

As áreas mencionadas pelos professores que atuam com música e com outras áreas incluem artes cênicas (13,94% dos professores), artes plásticas (39,52%), educação artística (30,23%), educação especial (2,33%), educação física (2,33%), educação infantil (2,33%), geografia e história (4,66%), história da arte (2,33%) e serviço de supervisão educacional (2,33%). Quanto às atividades realizadas pelos professores nas escolas, apresentadas na tabela a seguir, os dados revelam que somente três escolas oferecem aulas de música como disciplina específica do currículo escolar.

Atividades Número de respostas Percentual %
Curriculares
Aulas de música como disciplina específica do currículo escolar 3 3
Aulas de música como parte da disciplina de educação artística 25 25
Atividades musicais desenvolvidas em sala de aula pelo professor de séries iniciais 04 4
Extracurriculares
Aulas de instrumentos musicais 02 2
Conjuntos instrumentais 02 2
Coral ou grupo vocal 04 4
Grupos de música popular 03 3
Hora cívica 10 10
Festivais de música 04 4
Apresentações musicais 18 18
Outros 09 9
Não especificou 16 16

Tabela 6: Atividades musicais desenvolvidas pelos professores nas escolas. Questão aberta; os professores puderam citar mais de uma alternativa.

De modo semelhante ao que foi apresentado na tabela 2, o maior número de ocorrências é encontrado nas atividades extracurriculares: 52%, contra 32% de atividades curriculares. As apresentações musicais e a hora cívica parecem ser as atividades mais freqüentemente realizadas pelo professores. A formação não específica em música da maioria dos professores e o fato de atuarem em mais de uma área parece influenciar os tipos de atividades musicais realizadas bem como a freqüência das mesmas. Os dados registrados na tabela 7 indicam que as atividades mais freqüentes entre os professores são, nesta ordem, audição de músicas, canto, dança, movimentação e história da música.

O predomínio de atividades de audição, canto, dança, movimentação e história da música parece relacionado à formação da maioria dos professores investigados. Conforme já salientado, somente oito professores possuem habilitação específica em música e pouco mais de 20% deles têm participado de formação continuada em música. Talvez, por isso, optem por desenvolver aquelas atividades musicais consideradas mais acessíveis. A audição é, provavelmente, a mais acessível das atividades musicais, visto permear a vida cotidiana das pessoas (ver Souza, 2000). O canto, por sua vez, tem sido apontado por vários autores (Fuks, 1993; Tourinho, 1993; Souza et al., 2002; Diniz, 2005) como atividade musical predominante nas escolas, independentemente da presença de aulas de música ou do professor de música. Dança e movimentação parecem remeter a uma prática integrada de ensino das artes. Do mesmo modo, a história da música, conforme explicou um dos professores investigados, é um dos tópicos trabalhados em história das artes.

Tipos de atividades Número de respostas Percentual %
Análise musical 05 2,58
Arranjos de músicas 0 0,00
Audição de músicas 33 17,01
Canto 24 12,37
Construção de instrumentos 09 4,64
Composição ou criação de músicas 08 4,12
Dança 20 10,31
Execução de instrumentos musicais 07 3,61
História da música 18 9,28
Improvisação 12 6,18
Leitura e escrita musicais 04 2,06
Movimentação 19 9,80
Percepção e discriminação dos parâmetros musicais 13 6,70
Outros 04 2,06
Não especificou 18 9,28

Tabela 7: Tipos de atividades musicais desenvolvidas pelos professores com os alunos. Questão aberta; os professores puderam citar mais de uma alternativa.

Atividades que tendem a exigir formação específica em música são menosfreqüentes.Enquantoqueaaudiçãoestápresentenaspráticaseducativas de 33 professores, a execução de instrumentos musicais, por exemplo, é uma atividade desenvolvida somente por sete professores, e a leitura e a escrita musicais fazem parte das práticas de apenas quatro professores.

Embora, na tabela anterior, somente a alternativa arranjos de música não tenha registrado freqüência, há pouca variedade de atividades quando se consideram os professores individualmente. Do total de 58 professores, 53,79% trabalham somente com até três tipos de atividades em suas aulas. Nesse caso, também há predomínio de audição de músicas, canto, dança e história da música.

Outro fator que parece relacionado à pouca variedade das atividades musicais refere-se à freqüência com que as mesmas são realizadas: 72,42% dos professores realizam atividades musicais apenas esporadicamente. Essas atividades esporádicas, segundo informaram os professores, destinam-se, principalmente, a apresentações musicais em datas específicas, execução de hinos oficiais e mostras artísticas. O número de professores que realiza as atividades musicais permanentemente é o mesmo de professores que ocupam o cargo de professor de educação artística com habilitação em música: oito professores, número que corresponde a 13,79% da amostra.

É preciso ainda considerar que a pouca variedade em termos de atividades desenvolvidas pode ter relação com os recursos disponibilizados pelas escolas para a realização das atividades musicais. Poucos professores contam em suas escolas com instrumentos musicais e material didático na área de música, como mostra a Tabela 8.

Recursos Número de professores Percentual %
Instrumentos de percussão de som indeterminado 09 5
Instrumentos de percussão de som determinado 03 1,67
Piano ou teclado 06 3,33
Violão 06 3,33
Flauta doce 09 5
Aparelho de som 44 24,45
Televisão 38 21,11
Videocassete 37 20,56
Material didático 06 3,33
Outros 13 7,22
Não respondeu 09 5

Tabela 8: Recursos disponibilizados pelas escolas para a realização das atividades musicais. Questão aberta; os professores puderam citar mais de uma alternativa.

Nove professores comentaram que levam recursos particulares para a realização das atividades musicais, como instrumentos, CDs, vídeos e livros. Isso parece ocorrer porque os recursos disponíveis na maioria das escolas são o aparelho de som, a televisão e o videocassete, recursos que, como comenta Diniz (2005), servem para diferente fins na escola. Os recursos específicos de música são limitados, limitando, também, as possibilidades de ação dos professores (ver Zabalza, 1998). Vale lembrar que a falta de recursos para a realização de atividades musicais foi o motivo que registrou a segunda maior freqüência entre os diretores como justificativa para a ausência da música nas escolas.

Os professores também não contam com um espaço específico para a realização das atividades musicais nas escolas. Somente três professores informaram contar com uma sala de música nas suas escolas, número que coincide com o número de professores que disseram atuar somente na área de música. Quinze professores comentaram ainda que desenvolvem as atividades musicais em outros espaços escolares que não as salas de aula, como o auditório, a sala de audiovisual, o laboratório, e até mesmo o pátio, a área de circulação da escola ou “a sala que estiver sobrando”.

A escassez de materiais didáticos em música, presentes somente em seis escolas, conforme informaram os professores, parece ser um outro fator limitador das atividades dos professores, visto que faltam a eles materiais com os quais dialogar e onde buscar sugestões de atividades e orientações para a realização das mesmas.

3. Em busca do fortalecimento das práticas educativo-musicais nas escolas

Apesar de poucos professores atuarem somente com música, a maior parte demonstrou interesse em ampliar suas práticas educativas em música e em desenvolver ou aprofundar seus conhecimentos musicais: 75,86% dos professores investigados afirmaram ter interesse em desenvolver projetos específicos na área de música. Os projetos mais freqüentemente mencionados foram formação de banda, coral ou grupo musical, além de oficinas de musicalização e de aulas de instrumentos para os alunos. Outros temas citados foram canto, composição, construção de instrumentos, história da música, leitura de partitura e funções da música na escola. Alguns professores também mostraram interesse em desenvolver projetos onde a música fosse integrada às demais linguagens artísticas, como música como complemento às artes plásticas ou à expressão cênica, e música e dança. Do mesmo modo, a maioria dos professores (79,31%) mostrou-se interessada em participar de cursos de formação continuada em música.

Dados semelhantes foram encontrados junto aos diretores: 92,96% deles afirmaram ter interesse em desenvolver projetos específicos na área de música. Dentre os 66 diretores que responderam positivamente ao desenvolvimento de projetos, 65,15% deles especificaram quais seriam suas prioridades. As sugestões são variadas, mas os projetos mencionados são semelhantes aos listados pelos professores. Também foi possível observar uma preferência por constituir grupos musicais (coral/canto, banda, grupos musicais e conjunto instrumental). Nesses casos, a música pode funcionar como um “cartão postal” da escola. Ela cumpre a função de mediar a relação da escola, representada pelos grupos musicais, com a sociedade (Bresler, 1996). Por outro lado, é possível que os grupos musicais representem, para as escolas, espaços que propiciam uma vivência direta com música, o que não parece ser o caso das aulas de música no currículo, já que as sugestões apontadas pelos diretores revelam a tendência de priorizar espaços extracurriculares.

A grande maioria dos diretores (88,73%) também afirmou que incentivaria os professores de suas escolas a participar de cursos de formação continuada na área de música. Esses dados sugerem que, assim como os professores, os diretores parecem dispostos a contribuir para transformar o quadro atual do ensino de música nas escolas estaduais de Porto Alegre.

Considerações Finais

Os dados obtidos junto aos 58 professores que participaram da pesquisa foram cotejados com aqueles obtidos junto aos 71 diretores. Em alguns casos, identificou-se contradição em termos da presença da música na escola: 12 diretores haviam informado que suas escolas não promoviam qualquer tipo de atividade musical, mas os professores dessas escolas informaram o contrário. Nesses casos, os professores esclareceram que a música estava presente na escola como parte das atividades desenvolvidas na disciplina de educação artística, nos anos iniciais do ensino fundamental ou como atividade realizada esporadicamente, na organização de apresentações musicais, por exemplo. A partir desse cotejamento, e acrescentando as informações presentes nos questionários respondidos somente por professores (em número de três), tem-se o seguinte quadro sobre a presença de atividades musicais nas 74 escolas que participaram da pesquisa:

Presença de atividades musicais Número de escolas Percentual %
Não 20 27,03
Sim 53 71,62
Não respondeu 01 1,35
Total 74 100,00

Tabela 9: Presença de atividades musicais nas escolas

Em 71,62% das escolas investigadas há algum tipo de atividade musical sendo desenvolvida. Isso revela que, embora ausente dos currículos escolares, “a música não saiu das escolas”, como observa Santos (2005, p. 50). Por outro lado, isso não significa que a música seja, necessariamente, trabalhada de modo consistente, sistematizado e permanente. Somente oito dos 58 professores que participaram da pesquisa são licenciados em educação artística com habilitação em música e somente três escolas oferecem a disciplina música em seus currículos escolares. As atividades musicais são desenvolvidas, principalmente, no âmbito da educação artística, ou como atividade extracurricular, com destaque para apresentações musicais e hora cívica.

Os resultados deste trabalho revelam uma diversidade de configurações e de práticas educativo-musicais desenvolvidas em escolas estaduais de educação básica de Porto Alegre. Mas sugerem também que, nessas escolas, mantém-se a prática polivalente do ensino de artes. Essa é uma prática que vem sendo incessantemente discutida e criticada ao longo das últimas duas décadas por vários autores na área de educação musical e de artes em geral (ver, por exemplo, Penna, 1998; 2001; 2004a; 2004b). Conforme relatado no próprio documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

Essa tendência [da educação artística] implicou a diminuição qualitativa dos saberes referentes às especificidades de cada uma das formas de arte e, no lugar destas, desenvolveu-se a crença de que o ensino das linguagens artísticas poderia ser reduzido a propostas de atividades variadas que combinassem Artes Plásticas, Música, Teatro e Dança, sem aprofundamento dos saberes referentes a cada uma delas. (Brasil, 1998, p. 27).

Segundo Penna (2004a),

As críticas à polivalência e ao esvaziamento da prática pedagógica em Educação Artística vão se fortalecendo, paulatinamente, através de pesquisas e trabalhos acadêmicos, em congressos e encontros nos diversos campos da arte. Difunde-se, conseqüentemente, a necessidade de se recuperar os conhecimentos específicos de cada linguagem artística, o que se reflete, inclusive, no repúdio à denominação “educação artística”, em prol de “ensino de arte” – ou melhor, ensino de música, de artes plásticas, etc. Isto se reflete na nova [atual] LDB – Lei 9.394, homologada em 1996, após um longo processo de elaboração –, que também dispensa aquela expressão”. (Penna, 2004a, p. 22).

Todo esse processo, hoje, encontra respaldo na legislação educacional, tendo como culminância, além da substituição da terminologia “educação artística” por “ensino de arte”, a elaboração de diretrizes curriculares específicas para os cursos de graduação (tanto bacharelado quanto licenciatura) em artes visuais, dança, música e teatro, que indicam a extinção do curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitações específicas. Nas escolas, entretanto, parece permanecer a concepção do professor e da prática polivalentes em artes. Vale lembrar que nenhum professor respondeu ocupar o cargo de “professor de música”, embora oito professores sejam licenciados em educação artística com habilitação em música e três atuem somente na área de música.

Isso mostra que a legislação, por si só, não é suficiente para transformar as práticas educativas nas escolas. Muitos professores foram formados dentro da concepção do ensino integrado das diferentes linguagens artísticas. Como eles próprios enfatizaram em alguns questionários, são professores de educação artística e estão preocupados em desenvolver práticas de educação artística, pois se formaram para isso. Não é possível exigir-lhes que atuem como professores especialistas de música, teatro, dança ou artes visuais. O cumprimento da legislação educacional atual, portanto, passa, necessariamente, pelo investimento na formação continuada dos professores em serviço.

Entretanto, apenas 22,41% dos professores da pesquisa têm participado de cursos de formação continuada em música. Por outro lado, a maioria deles (79,31%) afirmou ter interesse em investir na sua formação musical continuada. Seus relatos sugerem disposição e forte anseio de desenvolvimento profissional no campo da música, para que, assim, possam contribuir com a formação geral de seus alunos. O mesmo foi observado junto aos diretores, visto que a grande maioria deles (92,96%) também se mostrou interessada em desenvolver projetos na área de música nas suas escolas. No entanto, dentre as atividades de formação continuada citadas pelos professores, somente duas ocorrências se referiam a curso promovido pela Secretaria Estadual de Educação em 1996, o que sugere a escassez de políticas de formação continuada em música elaboradas ou apoiadas pelo sistema estadual de ensino. Aqui, cabe ressaltar que também cabe às instituições de ensino superior a responsabilidade de propor ações de formação continuada aos professores em serviço.

Os resultados também sinalizam alguns limites para a realização de práticas educativo-musicais nas escolas, para a concretização da atual legislação educacional e para a implementação de suas propostas curriculares. Para o fortalecimento da música nas escolas, há que se investir na melhoria das condições de trabalho dos professores. A escassez de recursos – materiais, didáticos e financeiros – parece ser um dos fatores que, aliado à formação musical precária, limita os tipos de atividades musicais a serem desenvolvidas pelos professores nas escolas.

Além de investimentos na formação musical continuada dos professores e em recursos para as escolas, os resultados sinalizam a necessidade urgente de abertura de concursos para professores de música na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, e não mais professores de educação artística ou de artes. Como alguns professores relataram, eles sentem falta de contar com profissionais nas escolas que possuam formação musical, para que possam partilhar experiências e conhecimentos e, assim, qualificar seu trabalho. Na mesma direção, os diretores apontaram como principal motivo que justifica a ausência de atividades musicais

o fato de a escola não dispor de profissionais capacitados para realizar atividades musicais. A presença do professor de música contribuirá para legitimar o papel da música no projeto político-pedagógico das escolas, e, conseqüentemente, na formação geral de crianças, jovens e adultos.

Ao construir dados sistematizados sobre o ensino de música nas escolas, este trabalho fornece subsídios para a elaboração de projetos de intervenção em educação musical, contribuindo para que os mesmos possam ser elaborados a partir do conhecimento das realidades às quais se referem e/ou se dirigem. Ao propiciar um conhecimento amplo da situação do ensino de música nas escolas, os dados desta pesquisa serão tomados como base para o estabelecimento de parcerias entre o Departamento de Música e o Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS e as escolas estaduais de educação básica de Porto Alegre, buscando a construção de projetos colaborativos entre a universidade e a escola para a formação continuada em música dos professores em serviço.

Finalizando, os resultados apontam para a necessidade de investigar em que medida e de que formas os documentos curriculares elaborados pelo Ministério da Educação têm contribuído com as práticas educativas dos professores de música ou que atuam com música nas escolas e salas de aula. Outro tema a ser examinado refere-se à preferência dos diretores e professores por desenvolver projetos que envolvam a criação de bandas, corais e grupos musicais em detrimento das aulas de música como disciplina dos currículos escolares. Parece ser preciso compreender quais as representações de diretores e professores, e também alunos, sobre as práticas educativo-musicais desenvolvidas historicamente como disciplina curricular. Por último, urge investigar porque os professores especialistas em música não têm sido absorvidos pelas escolas ou não se sentem atraídos a atuar como docentes da educação básica.

Notas

ApesquisaquedeuorigemaesteartigocontoucomapoiofinanceirodoCNPqedaFapergs.

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Luciana Del Ben – Mestre e Doutora em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora Adjunto II do Departamento de Música e Professora e Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Música da UFRGS.