Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012

MERHY, S. A Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.2, 2012, p. 244-257.

A Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado

Silvio Merhy (UNIRIO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil)

simerhy@globo.com

Resumo: O repertório de música tradicional e popular sempre foi considerado relevante para a formação musical no Instituto Villa-Lobos da Unirio. Em 1980 foi empreendido um estudo sobre a metodologia do piano em grupo pelas professoras Maria de Lourdes Gonçalves e Maria José Michalski em conjunto com o autor. O grupo de pesquisa ali composto organizou cursos de extensão que atraíram o interesse de pianistas e professores de piano. Durante este período foram pesquisadas as habilidades funcionais no uso do teclado e, vinculado a elas, foi criado, pelo autor do artigo, o Método de Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado. O Método tem como base os estilos de acompanhamento que incluem 9as, 11as, 13as e alguns intervalos estranhos à estrutura de 3as. Seu desenvolvimento permitiu implantar uma nova disciplina na Unirio, a Harmonia de Teclado, ensinada atualmente em grupos de doze alunos no Laboratório de Pianos Eletrônicos.

Palavras-chave: Harmonia de teclado; Piano em grupo; Ensino de música popular cifrada.

Chord symbol reading and interpretation on the keyboard

Abstract: Traditional and popular music has been always considered relevant at the Instituto Villa-Lobos – Unirio. In the years 1980 a study on the methodology of Group Piano was held to discuss the functional musicianship skills for the piano, led by Maria de Lourdes Gonçalves, Maria José Michalski, and the author. That research group offered short-term courses attended by piano teachers form all over the country. In the meantime the Chord Symbol Read- ing and Interpreting Method for Keyboard by the author of this paper was put out. It is a method of accompaniment style and deal with chords that include 9th, 11th, 13th and intervals outside the tertian chords. The expansions of the method allowed create a new syllabus at Unirio, the Keyboard Harmony, taught nowadays in twelve students classes at the Electronic Piano Laboratory.

Keywords: Keyboard Harmony; Group Piano; Popular music teaching.

1. Os cursos de extensão de piano em Grupo da Unirio

A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio mantém cursos de gra- duação desde a década de 1960. Sua escola de música foi criada por Heitor Villa-Lobos em
1942, sob a designação de Conservatório Nacional de Canto Orfeônico e transformada em
Instituto Villa-Lobos (IVL) por decreto presidencial em 1967.
No Instituto, a música tradicional e popular são ensinadas com regularidade e se constituem em um repertório relevante para o ensino e para a expressão artística; de modo sistemático elas integram as atividades praticadas em várias disciplinas e são consideradas tão importantes quanto o repertório canônico.
A Harmonia Vocal, disciplina tradicional de conservatórios e escolas de música, consta igualmente do currículo do IVL. Desde a década de 1970 introduziu-se, na discipli- na, a prática de harmonização de melodias folclóricas brasileiras ao teclado, atividade si- multânea à habitual harmonização de baixos e sopranos escritos em forma de exercício. A atividade de harmonizar ao teclado tornou-se constante e foi incorporada às práticas de en- sino após sucessivas transformações. Ela era praticada nas aulas de Harmonia e de Teclado Básico, nas quais se trabalhava, além do repertório pianístico e da técnica, a leitura de ci- fras e arranjos de canções populares, atividades que gradualmente foram sendo acrescenta- das aos conteúdos tradicionais.
Em 1980 foi acolhido no Instituto um projeto para estudar a metodologia de Ensino de Piano em Grupo, do qual participaram as professoras Maria de Lourdes Gonçalves e Maria
José Michalski e este autor. A professora Maria de Lourdes Gonçalves, docente da Escola de

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Recebido em: 15/04/2012 - Aprovado em: 29/05/2012

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Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, com larga experiência na metodo- logia do piano em grupo, teve a iniciativa de criar o projeto e liderou a equipe.1 A professora Maria José Michalski, também com larga experiência no tema, havia testado com sucesso a formação de grupos de piano na Escola de Música Villa-Lobos, instituição estadual de ensino.
Foram organizados Cursos de Extensão de Piano em Grupo e o conceito principal apresentado para discussão foi o das habilidades funcionais no uso do teclado, noção que envolve procedimentos de ensino para iniciantes, crianças e adultos.
A leitura de cifras e a harmonização de melodias populares, praticadas na discipli- na Teclado Básico, foram incorporadas à lista de habilidades funcionais, carregando com elas o repertório de canções praticado no Instituto. A inclusão da prática de música cifrada nos Cursos de Extensão de Piano em Grupo motivou o desenvolvimento do ainda inédito Método de Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado, utilizado principalmen- te para leitura de canções populares brasileiras.
A experiência acumulada nos cursos incentivou a equipe a apresentar um projeto para a Fundação Nacional de Artes (Funarte), que patrocina ações culturais e educacionais variadas. Com sua aprovação, foram realizados cursos no Pará, no Paraná, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em Mato Grosso, alguns em várias etapas, em cidades diversas do mesmo estado e em instituições receptoras de graus variados, como academias de música municipais, estaduais e universidades estaduais e federais. A leitura de cifras, sistematiza- da nos primeiros cursos, pode então ser mais amplamente testada e difundida.
De volta ao IVL, o Método foi incorporado a disciplinas regulares dos cursos de gra- duação e permitiu a criação de disciplina inédita, voltada exclusivamente para a leitura de ci- fras e para a harmonização de melodias, a qual recebeu o nome de Harmonia de Teclado. Ela se desenvolveu progressivamente e atualmente está integrada na matriz curricular dos cur- sos de graduação em música da Universidade, tendo recebido novos professores para minis- trá-la. A disciplina é ensinada em grupo e se beneficia do Laboratório de Pianos Eletrônicos, criado e destinado especialmente para ela, atendendo atualmente a doze alunos por turma.
Inicialmente a leitura de cifras constituiu a atividade principal da disciplina; entre- tanto, a necessidade constante de explicar o código de cifras alfabéticas utilizado na música popular cifrada e a possível correspondência das cifras com as funções harmônicas, possibi- litou a incorporação de conteúdos e conceitos específicos da harmonia vocal a quatro partes. Ao mesmo tempo a designação da disciplina foi modificada no decorrer dos anos, tendo em vista que as práticas de ensino de harmonia vocal poderiam ser mais beneficiadas se treina- das ao teclado. A nova designação Harmonia de Teclado foi escolhida considerando-se que toda a sistematização da leitura de cifras foi concebida com base em uma dinâmica especial, na qual o tratamento da condução de vozes transgride os princípios de paralelismo e direção interna das vozes, importantes para a harmonia vocal a quatro partes. Nela seria contempla- do o paralelismo geral ascendente ou descendente nas relações de 2a e 3a entre os acordes, com base na consideração de que o paralelismo geral não perturba a relação com a melodia e que tais encadeamentos são mais fracos que os de relação de 4a-5a. As relações entre acor- des de diferentes funções é classificada de acordo com os intervalos entre as fundamentais. Tradicionalmente quando o intervalo entre as notas fundamentais dos acordes é de 2a, o en- cadeamento é considerado harmonicamente fraco, em oposição aos intervalos de 4a ou 5a en- tre as fundamentais, cujos encadeamentos são tratados como harmonicamente fortes.
O Método de Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado é propria- mente um método de acompanhamento das canções populares ao teclado e não pretende atingir outros objetivos, também importantes, como o de produzir arranjos para piano solo. Os programas de arranjos para piano solo (ou piano popular) exigem dos estudantes, profi-

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ciências que incluem conhecimentos de composição e de domínio do teclado, em grau bem diferente dos que são demandados para a leitura de cifras.

2. A leitura de cifras e os diversos códigos

A notação musical adotada no Brasil é a silábica. Ela serviu de base para o código de cifras usado em décadas passadas, de modo que é possível encontrar ainda partituras de canções populares brasileiras com cifras silábicas do tipo 1ª de Dó, 2ª de Dó, etc. Tal desig- nação atendia a uma espécie de hierarquia das funções tonais de acordo com a sua estabili- dade ou instabilidade, tratando-se a tônica como a 1ª da tonalidade, a dominante como a 2ª e a subdominante como a 3ª. A 1ª de Dó, por exemplo, corresponde na cifragem alfabética a “C”, a 2ª a “G”, etc.
Outros modelos de codificação silábica podem ser encontrados em música cifrada como Dó m, Dó –, Dó 7, etc. No entanto, o código baseado na notação alfabética, de origem anglo-saxônica, acabou predominando no Brasil e se incorporou completamente às práticas de música popular, apesar de persistente polêmica.
Em 1984, o violonista e produtor musical Almir Chediak publicou um Dicionário que, segundo a descrição contida no prefácio, foi “um tentativa de racionalizar e uniformi- zar o sistema de cifragem”. A tentativa veio combinada a uma imposição que de certa ma- neira está antecipada pelo professor Ian Guest na introdução, ao declarar que o músico bra- sileiro teve que se sujeitar à linguagem internacional.
No livro a argumentação a favor das cifras alfabéticas expressou a necessidade de sistematizar e organizar o código de cifragem, respeitando os conceitos fundamentais da harmonia vocal e das funções tonais. Chediak percorreu o meio musical carioca e pediu a músicos e professores apoio para a ideia de uniformização. Vários professores do IVL pro- meteram adesão por considerarem que o código proposto não diferia muito de outros já praticados.
Nos anos seguintes à publicação do Dicionário, Chediak empreendeu o projeto de editar e publicar songbooks, coletâneas de canções cifradas transcritas de gravações. Uma equipe chefiada por ele digitou transcrições usando o sistema de codificação proposto no livro, o qual foi rapidamente apropriado e reforçado pela popularidade que os songbooks ad- quiriram no meio musical.

3. A leitura de cifras e as formas dos acordes

O padrão de cifragem adotado na disciplina Harmonia de Teclado é muito seme- lhante ao proposto nos songbooks, mas é preciso ressalvar que a ideia principal do Método de Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado não se limita à decodificação de cifras de acordes. O objetivo é estabelecer meios de produzir formas de acordes de fácil fi- xação pelo tecladista, com distribuição coerente das vozes, de modo a não comprometer a estrutura harmônica e o resultado sonoro.
As formas de acordes no teclado contêm até cinco sons e toma como ponto de re- ferência a tríade maior e a escala de cinco dedos do pentacórdio maior. A tríade e o pen- tacórdio auxiliam na conscientização dos intervalos harmônicos devido ao fato de que os números dos dedos da mão direita correspondem exatamente aos intervalos que formam os acordes.

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Figura 1.

Seguindo o esquema de cinco dedos do pentacórdio temos: o primeiro dedo da mão direita, que está sobre a nota Dó do pentacórdio, toca a nota fundamental do acorde, a qual será deslocada para a mão esquerda para que esse mesmo dedo possa tocar a 7a maior, a 7a menor, a 7a diminuta e a 6a maior. O segundo dedo, na nota Ré, toca a 9a do acorde; o tercei- ro dedo, na nota Mi, toca a 3a do acorde; o quarto dedo, na nota Fá, toca a 4a; o quinto dedo, na nota Sol, toca a 5a do acorde.2
Com a transposição desse modelo para outras alturas é possível formar todos os acordes básicos necessários para a leitura de cifras e com o deslocamento da nota funda- mental para a mão esquerda, as 7as e a 6a maior ficam disponíveis. Essa é a ideia central do método: omitir a nota fundamental das formas no teclado, que pode ser tocada pela mão es- querda, quando os acordes são tocados pela direita, ou por um baixista quando os acordes são tocados pela esquerda.3
Abrindo-se espaço para a 7a, o agrupamento de intervalos poderá ser alcançado
confortavelmente. Assim, com a posição de 5a na voz superior podem ser tocadas a 7a, a 9a, a 3a, a 4a ou a 11a e a própria 5a. A 7a maior será tocada pelo primeiro dedo da mão direita, que se desloca por um semitom descendente. A 9a maior pelo segundo dedo, que está sobre o segundo grau do pentacórdio. A 3a com o terceiro dedo, e assim por diante. O quinto dedo, que é reservado para a 5a, pode também tocar a 5a diminuta, a 5a aumentada, e a 13a menor e maior. O resultado sonoro obtido não sofrerá distorções.

Figura 2.

A forma acima é a base para a estruturação da maioria dos acordes em posição de
5a, que pode ser acrescentada de 9as, 11as e 13as. Para alcançar todos esses intervalos basta mover os dedos por tons ou semitons ascendentes ou descendentes. O segundo dedo toca a
9a menor movendo-se por um semitom descendente:

Figura 3.

O quarto dedo atinge a 11a aumentada movendo-se também por um semitom ascendente:4

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Figura 4.

O quinto dedo atinge a 5a diminuta movendo-se por um semitom descendente; a 13a
menor, por um semitom ascendente; a 13a maior, por um tom ascendente:5

Figura 5.

Tabela 1: Acordes em posição de 5ª, com a 7ª no 1º dedo da mão direita.

I

Nota fundamental

II

9ª Maior

III

3ªMaior

IV

4ª Justa

11ª Justa

V

5ª Justa

Semitom

7ª maior

Semitom

9ª menor

Semitom

3ª menor

Semitom

11ª aum.

Semitom

5ª dim.

Tom

7ª menor

Semitom

13ª menor

Tom e semitom

7ª dim. e 6ª maior

Tom

13ª maior

Os movimentos dos dedos podem ser visualizados em forma de tabela, que pode ser conferida acima. Nela estão grafados os graus do pentacórdio maior, os quais correspondem aos dedos da mão direita e são o ponto de partida para que se movam os dedos em direção ascendente ou descendente.
Assim, com o primeiro dedo da mão direita são atingidos os intervalos de 7a maior,
menor, diminuta e 6a maior; com o segundo dedo, os de 9a maior e menor; com o terceiro dedo, os de 3a maior e menor; com o quarto dedo, os de 4a justa, 11a justa e 11a aumentada; com o quinto dedo, os de 5a justa, diminuta e aumentada, e os de 13a maior e menor. Esse dedilha- do deve ser mantido em todas as alturas, isto é, nas transposições de altura para Ré b, Ré, etc.
É importante considerar que certas notas devem ser omitidas quando o acorde tem seis ou sete sons. Em regra, a 7a e a 3a não podem ser omitidas, enquanto que a 5a quase sempre pode ser omitida. A omissão da 7a e da 3a, quando necessária, deve ser considerada com cuidado, pois implica na perda de funcionalidade do acorde. É o caso da omissão da
3a maior na presença da 4a justa de retardo, que implica na alteração funcional do acorde.
A 5a não deve ser omitida na presença da 6a maior, pois o acorde pode perder a es- tabilidade. São regras que atendem sobretudo a exigências estéticas, embora muitas vezes encontrem na Harmonia conceitos desenvolvidos para justificá-las.6
Para tocar uma progressão de acordes harmonicamente compreensíveis é preciso combinar pelo menos duas posições de acordes. A segunda posição que se sugere é a posi- ção de 9a, com a 9a na voz superior, a qual funciona como uma ótima alternativa à posição de 5a. Quando combinadas em relação de 4a-5a, a voz que canta a 3a em uma das posições cantará a 7a na outra. Na posição de 9a as vozes são distribuídas na ordem direta da super- posição de 3as: 3a, 5a, 7a e 9a e a nota fundamental continua reservada para a mão esquerda.7

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Tabela 2: Acordes em posição de 9ª, com a 3ª no 1º dedo da mão direita.

Intervalo de

3ª maior

Intervalo de

5ª justa

Intervalo de

7ª maior

Intervalo de

9ª maior

Semitom

3ª menor

Semitom

5ª diminuta

Semitom

7ª menor

Semitom

9º menor

Semitom

4ª justa

Semitom

5ª aum. e 13ª menor

13ª menor

Tom

7ª dim. e 6ª maior

Semitom

9ª Aum.

Tom

13ª maior

Nessa posição o primeiro dedo da mão direita toca os intervalos de 3a maior, de 3a menor e de 4a justa; o segundo dedo toca os de 5a justa, 5a diminuta, 5a aumentada, 13a maior e menor. O terceiro ou quarto dedo, os de 6a maior, 7a maior, menor e diminuta. O quinto dedo, os de 9a menor, maior e aumentada. O intervalo de 9a aumentada fica melhor pronunciado na voz superior, quando a posição dos acordes tem a 3ª no polegar (ver o exemplo nº 10).

4. Modelo de exercício com a fundamental Dó

Para que se possa construir os acordes para acompanhamento das canções, é pre- ciso respeitar as regras funcionais e estéticas exigidas pelo estilo da canção. Dificilmente combinações aleatórias são aceitas. A série de acordes ilustrada abaixo apresenta um mode- lo de exercício para aplicação das duas tabelas, de modo que não haja, em princípio, com- binações de intervalos esteticamente questionáveis. São acordes de 5 sons com o primeiro dedo da mão direita tocando a 7a e, a seguir, tocando a 3a, a ser transposto para todos os tons:

Figura 6.

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5. Resumo sistematizado do código de cifras alfabética

O código de cifras alfabéticas em uso na prática musical cotidiana obedece a um sistema mais ou menos ordenado, cuja base são os intervalos musicais. Ele foi e continua sendo fixado por meio de convenções e de acordos aceitos pelos usuários, porém nem sem- pre muito claros. O que resulta é um conjunto facilmente criticado e contestado, do qual não se pode exigir rigor científico ou metodológico. Cabe antes à leitura e à interpretação das cifras dar conta da inexatidão das indicações e auxiliar na decifração dos acordes. Não é necessário que a cifra representada seja convincente, o que conta de fato é o resultado har- mônico obtido. Na prática, para que o sistema de codificação tenha alguma validade é in- dispensável que a leitura e a interpretação das cifras seja eficaz.
Sistematizar a codificação existente significa dar a ela uma ordem mínima de co- erência e lógica nas indicações representadas. Na prática, a codificação varia muito e pode ser representada por sinais como “–” ou “m” para representar a 3ª menor, “#5” ou “+” para a 5ª aumentada. Outros só fazem sentido em inglês como maj7, que indica 7ª maior ou sus4 que indica a 4ª justa. Outros não tem nenhuma associação aparente com o intervalo, como o (º) para o acorde de 7a diminuta que parece se referir à simetria do acorde, cuja formação mantém sempre a estrutura de 3as menores.
Há formas de representação que parecem predominar, como as dos acordes cifrados apresentados na lista que se segue. São 16 exemplos com cifras que abrangem do intervalo de 3a ao de 13a, com as notações musicais correspondentes, em registro médio.
É importante lembrar que a indicação da cifra não determina a posição dos acordes quanto à ordem das notas e quanto à região em que são tocados. Quando é imprescindível determinar a posição do acorde, deve-se recorrer à notação gráfica musical.
A explicação sobre o funcionamento do código de cifras deve se iniciar com a de- finição da nota fundamental. Esta é representada por uma letra, de acordo com a notação alfabética em uso nos países de língua anglo-saxônicas, e não com a notação silábica em uso no Brasil. A indicação da letra nem sempre corresponde à função tonal do acorde e às vezes se constitui em erro, como o que ocorre ao indicar F em lugar de E# no contexto da tonalidade de Dó # maior. A indicação é generalista e nela o A corresponde a Lá, B a Si, C a Dó, etc.
Às letras são acrescentados os acidentes: # e b. Ex.: Ab, C#, etc.
O baixo deve ser indicado quando é diferente da nota fundamental. Ele é representado por uma barra inclinada sob a letra que indica a fundamental.
Ex.: A/C#
Os intervalos de 3ª maior de 5ª justa nunca são indicados. Eles são os únicos que nunca apa- recem nas cifras, apesar de serem intervalos harmônicos importantes.
Ex. 1: C é interpretado como

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O intervalo de 3ª menor é representado pela letra m. Ex. 2: Cm

O intervalo de 5ª diminuta é representado por (b5). Ex. 3: Cm(b5)

O intervalo de 5ª aumentada é representado por (#5). Ex. 4: C(#5)

O intervalo de 7ª diminuta é representado por º. Ex. 5: Cº 8

O intervalo de 7ª menor é representado por 7. Ex. 6: C7 Cm7

O intervalo de 7ª maior é representado por 7M. Ex. 7: C7M Cm7M

O intervalo de 9ª menor é representado por (b9). Ex. 8: C7(b9) (formas para o teclado9)

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O intervalo de 9ª maior é representado por (9). Ex. 9: C7M(9) (formas para o teclado)




C7(9) (formas para o teclado) Cm7M(9) (formas para o teclado) Cm7(9) (formas para o teclado)
C(add9) (a 9a adicionada não tem indicação de cifra em língua portuguesa)

O intervalo de 9ª aumentada é representado por (#9).
Ex 10: C7(#9) (outra grafia) (forma para o teclado10)

O intervalo de 11ª justa é representado por (11) e pode ter 9a ou não. Ex 11: Cm7(11) (formas para o teclado)

O intervalo de 11ª aumentada é representado por (#11) e pode ter 9a ou não. Ex 12: C7M(#11) (formas para o teclado)

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C7(#11) (formas para o teclado)

O intervalo de 13ª menor é representado por (b13) e pode ter 9a menor ou não. Ex. 13: C7(b13) (formas para o teclado)

O intervalo de 13ª maior é representado por (13) e pode ter 9a maior ou menor.11
Ex. 14: C7(13) (formas para o teclado)

C7(13) (forma para o teclado)

Outros intervalos como os de 4a justa e 6a maior, cujas indicações são de uso corren- te, constituem notas estranhas aos acordes se consideradas as estruturas de 3as superpostas. Acordes com 4a justa podem ter 9as e 13as, maiores ou menores.
O intervalo de 4ª justa é representado por 4. Ex. 15: C74 C74(9) C74(13)

C74(9) C74(13) (formas para o teclado12)

C74(b9) C74(13) (formas para o teclado)

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O intervalo de 6ª maior é representado por 6, ao qual pode ser acrescentada a 9a maior. Ex. 16: C6 C6(9) (formas para o teclado)

A interpretação das cifras pode exigir do instrumentista, a inclusão de intervalos que não estão indicados, mas que podem “arredondar” a sonoridade. A inclusão pode obe- decer a critérios estéticos ou a regras da harmonia funcional.13 Na harmonização ao tecla- do os intervalos de 9a, por exemplo, podem ser incluídos a qualquer momento, mesmo sem estarem explicitamente indicados. As 13as, outro exemplo, podem ser incluídas a qualquer momento desde que o acorde tenha estrutura de dominante, isto é, tríade maior com 7a me- nor. Com muita frequência, as cifras são escritas de maneira incompleta, deixando ao ins- trumentista a ditosa e criativa tarefa de completá-las segundo seus próprios critérios e ima- ginação. A canção “Rio” de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, em anexo, tem as cifras interpretadas em notação musical com acréscimos.

Considerações finais

A leitura e interpretação de cifras no teclado tem sido praticada há décadas no IVL. A prática evoluiu e atualmente acontece especificamente nas aulas de piano em grupo da disciplina Harmonia de Teclado, ministrada no Laboratório de Pianos Eletrônicos.
Algumas modificações foram introduzidas gradualmente, especialmente quando são exigidas explicações baseadas na teoria musical. A experiência mostrou que as explica- ções sobre as notas dos acordes e sua função na frase musical facilitam muito a percepção, a memorização e a compreensão das harmonias.
A leitura e interpretação de cifras, por via de sua inclusão na lista das habilidades funcionais no uso do teclado, foi conectada ao ensino de piano em grupo. Incorporada à dis- ciplina Harmonia de Teclado, ampliou seu alcance e se associou a atividades não inerentes a ela, mas de enriquecimento essencial, como aquelas que são objeto da Harmonia vocal e da Análise Musical.
A música popular, compulsória nesse tipo de atividade, coloca-a em uma rede na qual ela tem que se defrontar com questões típicas de outras áreas de conhecimento, como a própria Musicologia, a Etnomusicologia, a História e as Ciências Sociais.
A disciplina Harmonia, sua associação mais próxima, fornece explicações que ela não pode dispensar; no entanto, a escolha da matriz de conceitos para auxiliar a análise harmônica da música popular cifrada ainda provoca discussões. Na disciplina Harmonia de Teclado ministrada no IVL, o principal referencial teórico é fornecido pelo Manual de Harmonia, escrito por um conjunto de professores filiados ao Conservatório de Moscou, Rússia, e capitaneados por Igor V. Spossobin (1900-1954).14 Adotado como livro-texto, não dispensa as referências canônicas de Arnold Schönberg e Walter Piston. Os livros de Ian Guest e Almir Chediak também são fonte de consulta em razão do predomínio do trabalho com cifras nas suas obras.
Muitos dos temas abordados no Manual de Harmonia são de grande auxílio para a interpretação dos códigos de cifras. O sistema de ampliação tonal (Tema 31 do Manual), a
relação maior-menor (Tema 49), o conjunto de notas estranhas aos acordes e de notas me-

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lódicas (passagem, bordadura, retardo, etc.) (a partir do Tema 36), assim como as situações harmônicas especiais, como os acordes de 6a aumentada (Tema 30); as harmonias napoli- tanas (Tema 47), a elipse (Tema 56), os acordes de 7a diminuta e a modulação por enarmo- nia (Tema 57), todos são ocasionalmente mencionados para esclarecer situações harmôni- cas que podem ser encontradas nas canções populares brasileiras. Explicações adicionais sobre a leitura de cifras e os acordes dos acompanhamentos estão disponíveis no site www. silviomerhy.mus.br.
As partituras das canções utilizadas nas aulas são produzidas pelos professores da disciplina em forma de arranjo para teclado, com melodia acompanhada por acordes em bloco.15 Os acordes usados nos arranjos são reproduções das formas aprendidas na discipli- na e reforçam o aprendizado dos padrões indicados nas tabelas explicadas anteriormente. Os alunos podem, com base nos arranjos fornecidos pelos professores, criar seus próprios arranjos.
A dinâmica desenvolvida na disciplina e sua conexão com a metodologia do pia- no em grupo deve merecer exposição detalhada que ultrapassa o escopo deste artigo. Igualmente, a avaliação de resultados da aplicação da leitura de cifras na Harmonia de Teclado deve ser cuidadosamente exposta. O mesmo pode se dizer em relação aos concei- tos teóricos adequados à explicação das harmonizações, os quais têm merecido espaço ex- clusivo em encontros de pesquisa e de leitura dos tratados de harmonia no âmbito do IVL.
Partituras com arranjos de canções [como RIO, abaixo] estão também disponíveis no site www.silviomerhy.mus.br

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Figura 7

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MERHY, S. A Leitura e Interpretação de Cifras Alfabéticas no Teclado.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.2, 2012, p. 244-257.

Notas

1 Ela é autora da importante obra didática Educação Musical através do teclado.

2 A execução do pentacórdio com a mão esquerda não resulta em nenhuma incongruência com relação ao dedilhado e aos graus, desde que a estrutura já tenha sido bem compreendida e assimilada.

3 Com o ouvido bem treinado, o pianista pode tocar os acordes na mão esquerda sem perda do sentido funcional,

mesmo que a fundamental seja omitida.

4 Nesse acorde a 5a pode ser omitida; mas se tocada não apresentará incompatibilidade com a 11a aumentada.

5 A 5a do acorde é teoricamente incompatível com a 13a, considerando-se que ela é nota de retardo da 5a.

6 É importante assegurar que as regras, tanto teóricas quanto estéticas, podem ser desrespeitadas, apenas dependendo, neste caso, da aceitação no meio musical.

7 A experiência tem demonstrado que a posição de 9a oferece maior dificuldade de assimilação. A deslocação da

mão para a 3a do acorde faz perder a referência visual da sua nota fundamental.

8 A cifra do acorde diminuto dispensa a indicação da inversão. No exemplo acima seria mais lógica a representação

Ao/C, que, por convenção, não é recomendada.

9 As formas para teclado podem ser tocadas por uma das mãos. O acorde completo necessitaria uma distribuição dos intervalos, usando ambas as mãos.

10 Como foi dito anteriormente, a 9a aumentada torna seu colorido mais evidente na posição de 9a, do que na

posição de 5a, quando ela fica encoberta. Quanto à notação musical ela corresponde na maioria das vezes à 3a

menor do acorde e não ao intervalo de 9a aumentada em relação à nota fundamental.

11 A combinação da 13ª menor com a 9ª maior não é usual.

12 A fundamental Dó deve ser tocada com a mão esquerda.

13 O termo “harmonia funcional” está empregado no sentido mais genérico, ou seja, o de que os acordes cumprem uma função tonal dentro da progressão harmônica.

14 O Manual de Harmonia está Disponível em: duas edições, de 1955 e de 2007, ambas no original. O acesso ao texto

é possível na tradução realizada pelo autor deste artigo.

15 Partituras com arranjos de canções estão também disponíveis no site www.silviomerhy.mus.br

Referências bibliográficas

CHEDIAK, Almir. Dicionário de acordes cifrados. São Paulo: Vitale, 1984.

GONÇALVES, Maria L. J. Educação através do Teclado. (série com edição própria iniciada em

1989).

GUEST, Ian. Harmonia. Rio de Janeiro: Lumiar, 2006, 2v. PISTON, Walter. Harmonia. New York: Norton 1962. SCHÖNBERG, Arnold. Teoria da harmonia. London: Faber, 1978.

SPOSSOBIN, I. V. Manual de Harmonia. 4. ed. Moscou: Música, 1955.

Silvio Merhy - Concluiu Bacharelado em Direito pela UFRJ em 1968, Bacharelado em Piano pela UFRJ também em 1968, Especialização em Piano pelo Conservatório Tchaikovsky de Moscou em 1971, Mestrado em Música pela UFRJ em 1995 e Doutorado em História Social pela UFRJ em 2001. Atualmente é Professor Associado III na Unirio. Atua no ensino de música com os temas Harmonia de Teclado, Transcrição de Canções e História da Música Popu- lar. Possui proficiência em russo, alemão, francês, inglês, espanhol e noções de grego.


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