Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012

MARTINEZ A. P. A.; PEDERIVA, P. Concepções e Implicações para o Ensino da Música na Educação Infantil.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.2, 2012, p. 210-219.

Concepções e Implicações para o Ensino da Música na Educação Infantil

Andréia Pereira de Araújo Martinez (UnB, Brasília, DF, Brasil)

andreiamartinez4@gmail.com

Patrícia Pederiva (UnB, Brasília, DF, Brasil)

pat.pederiva@gmail.com

Resumo: Este trabalho pesquisou a presença da música na educação infantil. Buscou conhecer a impressão de professores acerca do que eles entendem por atividade musical, em relação as suas possibilidades musicais en- quanto educadores e quais as implicações dessas concepções no desenvolvimento do trabalho pedagógico. O referencial teórico e os procedimentos metodológicos fundamentaram-se na psicologia histórico-cultural de Vi- gotski, na qual a pessoa é compreendida como um ser histórico e social. Concluiu-se que a música de fato está presente na escola de educação infantil, já que ela é parte integrante do universo das expressões na infância. No entanto, as atividades que acontecem neste espaço são limitadas em relação ao desenvolvimento musical da criança.

Palavras-chave: Música na educação infantil; Professores de música.

Conceptions and Implications for Music Teaching in Children Education

Abstract: This paper researched the presence of music in childhood education. It tries to comprehend the teacher’s understanding of what is musical activity, in relation to the musical possibilities as an educator and the implications of such understandings in the development of schooling. The theory and methodological procedures were based on the historical and cultural psychology of Vigotski, in which the individual is perceived as an historical and social being. It concludes that musical activity is in fact present at youth schooling, since it is an integral part of youth ex- pression. However, inside school, these activities happen limitedly when it comes to the musical development of the child.

Keywords: Music in childhood education; Music teachers.

1. Introdução

A presente pesquisa teve por tema compreender a relação professor de educação in- fantil e música e como objetivo geral, investigar as concepções dos professores de educação infantil acerca do ensino da música no exercício do trabalho pedagógico.
É fato que a música faz-se presente no ambiente escolar. Contudo surge o seguin- te questionamento: Esta presença possui um caráter intencional por parte dos professores? Para esse questionamento emerge a necessidade de um olhar mais atento para o ensino mu- sical que ocorre nos ambientes escolares destinados à educação infantil.
Quem desenvolve o trabalho pedagógico de forma mais direta com a criança é o professor. Por este motivo, é importante refletir sobre a relevância e o espaço que este pro- fissional atribui à música; se ele a percebe como uma atividade importante a ser desenvol- vida na educação infantil; se a vê como uma atividade ou como um subproduto que apenas é utilizado para alcançar outros conhecimentos que não dialogam com os conhecimentos musicais.
Vale ressaltar, também, que a maioria dos professores que atuam na educação infantil possui formação em pedagogia e nesse processo de constituição, enquanto edu- cadores, o ensino da música, em boa parte, é negligenciado, como afirmam Wazlawick e Maheirie, com base em estudos de Figueiredo: “durante a formação oferecida em cur- sos de pedagogia que preparam educadores para os anos iniciais da escola, no contex- to universitário brasileiro, pouco ou quase nada tem sido destinado à área de música” (2008, p. 86).

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012 Recebido em: 09/04/2012 - Aprovado em: 28/04/2012

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Diante do exposto cabe indagar: Como isso se reflete na atuação profissional des- ses docentes? Como eles percebem suas possibilidades musicais no exercício de seu traba- lho pedagógico?
Ao cogitar sobre uma possível lacuna na formação desses professores, investiga- mos como eles sentem-se frente à educação musical. Seria ele capaz ou incapaz de desen- volver atividades musicais? A pergunta é pertinente, considerando-se a fala de Wazlawick e Maheirie: “no que tange ao trabalho na área de artes que poderiam estar desenvolvendo en- quanto professores generalistas, cada vez mais se reforça a ideia de que música não é para todos” (WASLAWICK & MAHEIRIE, 2008, p. 86). Uma formação musical de professores ine- xistente ou insatisfatória pode desencadear a ideia de que esse educador não esteja capacita- do para atuar no espaço escolar. Com base nas concepções acima demonstradas, indagamos quais seriam as possíveis implicações para o ensino da música.

2. Educação infantil e a música

A educação infantil, perpassando diferentes contextos, hoje está organizada de for- ma a contemplar as especificidades da infância. Assim, presume-se que o ensino da música, de modo semelhante, tenha o seu espaço e seja organizado de forma consistente. É impor- tante para a criança, experimentar e criar possibilidades para a conquista do seu potencial musical, já que essa linguagem é parte integrante das vivências infantis. Numa escola de educação infantil percebe-se a presença da música em diferentes situações; mas estaria este espaço organizado de forma intencional para contemplar esses conhecimentos? Existiriam momentos para apreciação, imaginação e criação, ou eles se configurariam como ocasiões de mera reprodução guiadas pelo professor?
Conforme expressa L. S. Vigotski: “é exatamente a atividade criadora que faz do ho- mem um ser que se volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente” (VIGOTSKI,
2009, p. 14). O espaço destinado à música na educação infantil não pode se limitar a uma simples reprodução. É necessário oportunizar momentos em que a criança possa apreciar, experimentar e criar. Vigotski admite que o ato de criar na infância deve ocorrer já nos pri- meiros anos de vida do homem:

[...] na vida cotidiana que nos cerca, a criação é condição necessária da existência, e tudo que ultrapassa os limites da rotina, mesmo que contenha um iota do novo, deve sua origem ao processo de criação do homem. Se for esse o nosso entendimento, en- tão notaremos facilmente que os processos de criação manifestam-se com toda a sua força já na mais tenra infância. Uma das questões mais importantes da psicologia e da pedagogia infantis é a da criação na infância, do desenvolvimento geral e o ama- durecimento da criança (VIGOTSKI, 2009, p. 16).

Brito corrobora tal pensamento, ao afirmar que a criança pode explorar o universo sonoro musical das mais variadas formas:

É necessário instaurar campos de criação, de experimento, de potencialização de es- cutas criativas, críticas e transformadoras, abertas às “muitas músicas da música”, às paisagens sonoras, aos planos da improvisação, do cantar e dançar, da pesquisa, da produção de materiais sonoros e muito mais (BRITO, 2010, p. 92).

Assim, é importante que a escola seja um espaço rico em experiências e que a criança não seja um ser passivo, mas que atue de forma ativa na apropriação de conheci-

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mentos musicais. De acordo com Lino: “Negligenciar a voz das crianças, seus testemunhos e suas valorações é subestimar sua capacidade de atribuir sentido” (2007, p. 2). A criança não pode apenas ouvir e reproduzir, mas trocar informações e experiências tanto com o profes- sor como com as demais crianças.
Essa troca de experiência é necessária, pois a música permite a convivência do homem em grupos sociais e essa troca contribui para a formação da identidade humana. Enquanto prática social, a música é, possivelmente, uma das mais antigas formas de comu- nicação do homem. Ela faz parte do universo infantil e é importante para o desenvolvimen- to da criança na sociedade. Por meio da música, a criança pode perceber o mundo que existe a sua volta e experimentar sentimentos diferenciados, uma vez que ela propicia uma vivên- cia estética. Como aponta Vigotski:

Uma obra de arte vivenciada pode efetivamente ampliar a nossa concepção de algum campo de fenômenos, levar-nos a ver esse campo com novos olhos, a generalizar e unificar fatos amiúde inteiramente dispersos. É que, como qualquer vivência intensa, a vivência estética cria uma atitude muito sensível para os atos posteriores e, eviden- temente, nunca passa sem deixar vestígios para o nosso comportamento (VIGOTSKI,

2010a, p. 345).

A criança precisa vivenciar a música de forma autêntica, como linguagem artística e estética. Desse modo, a escola deve se organizar num espaço que possibilite essa experi- ência às crianças. Sendo o professor a pessoa que atua de forma mais direta com a criança e que contribui para a organização desse espaço escolar, faz-se necessário que ele reflita so- bre o seu pensar e o seu agir profissional.

3. O papel do professor

Vigotski ao analisar o trabalho do professor, discorre que o simples fato do educa- dor comparecer diante de seus alunos, despejando seus conhecimentos, não o torna, de fato, um professor. É preciso uma ação contrária, o professor não pode simplesmente transmitir aos alunos o conhecimento que possui, mas é necessário que envolva as crianças, levando-
-as a ficarem desejosas por novos conhecimentos e oportunizando momentos de reflexão e de liberdade.

[...] Para a educação atual não é tão importante ensinar certo volume de conheci- mento e utilizá-los. [...] Sobre o professor recai um novo papel importante. Cabe-lhe tornar-se o organizador do meio social, que é o único fator educativo. Onde ele de- sempenha o papel de simples bomba que inunda os alunos com conhecimento pode ser substituído com êxito por um manual, um dicionário, um mapa, uma excursão. Quando o professor faz uma conferência ou explica uma aula, apenas em parte está o papel de professor (VIGOTSKI, 2010b, p. 448).

O professor é o organizador do espaço escolar e, como tal, não pode ser um mero transmissor. Ele deve estar pronto e disposto a organizar o ambiente escolar no intuito de possibilitar ao aluno, liberdade de expressão; valorização de suas experiências; troca de in- formações; reflexão acerca do mundo em que vive, entre outras ações, o que provocará na criança, em especial, a vontade de buscar e conquistar novos conhecimentos.
É importante que o professor acredite no potencial musical da criança e colabore
para o seu desenvolvimento. Carneiro e Parizzi admitem que: “é fundamental que o educa-

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dor tenha plena consciência das conquistas motoras e cognitivas da criança durante cada etapa dessa fase, para que elas possam ser integradas ao processo de desenvolvimento mu- sical” (CARNEIRO & PARIZZI 2011, p. 95).

4. O fazer e o pensar musical do professor de educação infantil

Considerando-se que a música está presente na educação infantil e o quanto o pro- fessor é peça fundamental para o desenvolvimento musical da criança que se encontra na primeira etapa da educação básica, tornou-se importante investigar qual a concepção dos professores de educação infantil acerca do ensino da música neste contexto pedagógico. Para que se cumprisse esta tarefa investigamos oito educadoras que trabalham numa es- cola de educação infantil da rede pública de ensino do Distrito Federal. Essa instituição escolar foi escolhida pelo fato de atender exclusivamente a educação infantil. As educado- ras entrevistadas tiveram liberdade para externar suas ideias acerca da atividade musical desenvolvida.
A escola atende apenas o 1º e o 2º períodos da pré-escola, ou seja, crianças entre 4 e 5 anos de idade nos turnos matutino e vespertino. A instituição possui vinte professoras; dessas, apenas oito participaram da pesquisa, sendo quatro de cada turno. Cada professora recebeu um código com o intuito de preservar a sua identidade (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, e P8), sendo que “P” refere-se a palavra professora e o número está relacionado a ordem da entrevista.
Como critério metodológico adotamos uma entrevista semiestruturada, ou seja, um conjunto de questões previamente definidas e com o intuito de alcançar os objetivos aqui expostos: investigar o que os professores entendem por atividade musical; investigar a con- cepção que o professor de educação infantil tem acerca de suas possibilidades diante da música, e, por fim, analisar as implicações das concepções dos professores para o ensino de música.
As entrevistas foram autorizadas pela equipe gestora e realizadas uma a uma em sala reservada. As respostas foram gravadas, transcritas e categorizadas de acordo com os objetivos da pesquisa, agrupadas e nomeadas em subcategorias, o que facilitou imensamen- te na análise dos dados. A primeira categoria “Concepções acerca da atividade musical no contexto da Educação Infantil” resultou nas seguintes subcategorias: Música para..., Música e Vida e Música como atividade menor. Com relação à Música para..., ela está presente na educação infantil com fins específicos que não dialogam com essa linguagem, como é pos- sível perceber nas falas coletadas:

O tempo inteiro a gente trabalha com a música na..., dentro de sala de aula. Seja pra acalmar as crianças, seja pra chamar a atenção pra hora da história, [...] seja na hora da entrada (P3).

[...] eu trabalho na rodinha músicas com eles, que movimentem o corpo, que trabalhe é, hábitos e atitudes (P7).

[...] eu coloco música pra relaxamento (P8).

Em alguns momentos as professoras utilizam a música para trabalhar a percepção, o corpo ou outra área de conhecimento. Em outros, utilizam-na para estabelecer a formação de hábitos e atitudes nas crianças, para acalmá-las e, ainda, para organizar o espaço/tempo

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escolar, criando rotinas. A música também é utilizada para ensaiar as crianças para as fes- tividades que ocorrem na escola. Dessa maneira a meta não é o desenvolvimento musical da criança, mas, prepará-la para uma apresentação em momento específico.
As falas dessas professoras de alguma maneira estão retratadas no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, quando traça um pequeno panorama acerca das atividades musicais até então desenvolvidas na educação infantil.

A música no contexto da educação infantil vem, ao longo de sua história, atendendo a vários objetivos, alguns dos quais alheios às questões próprias dessa linguagem. Tem sido, em muitos casos, suporte para atender a vários propósitos, como formação de hábitos, atitudes e comportamentos [...]; realização de comemorações relativas ao ca- lendário de eventos do ano letivo [...]; a memorização de conteúdos [...] traduzidos em canções. Essas canções costumam ser acompanhadas por gestos corporais, imitados pelas crianças de forma mecânica e estereotipadas (BRASIL, 1998, p. 46).

Ao utilizar a música com tais finalidades, evidencia-se que as atividades não são desenvolvidas de forma a proporcionar a conquista do conhecimento musical infantil, e ainda, tem caráter imitativo, limitando a liberdade de expressão da criança. Nas respos- tas de algumas professoras, foi possível identificar que Música e Vida caminham juntas, ou seja, elas reconhecem que essa linguagem está presente na vida dos seres humanos, sobre- tudo, na vida das crianças. Relataram que a música ativa a percepção sonora e promove mo- mentos capazes de compartilhar conhecimentos. A seguir, algumas dessas falas:

[...] produzidas por elas mesmas, trazidas, cantigas de roda (P3).

[...] explorar ritmo, explorar movimentos, sentimentos, sensações, através da música

(P4).

[...] gosto de atividades, é... livres, de cantar o que quiser cantar (P5).

[...] construir instrumentos com sucata ou tirar som do próprio corpo, dos materiais da sala (P8).

No entanto, tal atitude foi pouco evidenciada entre as professoras. Foram falas iso- ladas, sem uma preocupação de verdadeiramente conhecer o que a música proporciona para a educação infantil. O que se percebe é que elas criam pequenos momentos para a liberdade de expressão das crianças e que as atividades para exploração do universo musical aconte- cem de forma restrita. De acordo com Pederiva uma atitude contrária a essa, seria de fun- damental importância:

A música faz parte da vida. Independentemente do modo com que nos relacionamos com ela, seja cantando, tocando algum instrumento, criando, ouvindo, ela existe em nossas vidas, quase que de modo onipresente. Estilos diversos convivem em uma sociedade multifacetada, em meio à pluralidade de gostos, de maneiras de enformar o som e de combiná-lo. [...] Maiores ainda são as condições de possibilidade de cada grupo cultural de expressão de suas musicalidades. E, no mundo contemporâneo, es- sas músicas e musicalidades dialogam e se mesclam entre as culturas, criando ainda novas possibilidades (PEDERIVA, 2011, p. 71).

Ao criar condições para que a criança perceba a musicalidade que existe em dife- rentes contextos, conheça a expressão musical de diferentes grupos sociais e, sobretudo, en- contre espaço para expressar a sua musicalidade, ela terá possibilidades de se desenvolver

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musicalmente de forma satisfatória. A Música como atividade menor foi outra subcategoria que emergiu da fala de algumas professoras quando se referirem às atividades musicais no diminutivo. Como é possível verificar na fala da (P1) “Eu só canto musiquinhas convencio- nais e coloco pra ouvir” e na fala da (P7) “É,... você colocar eles pra cantar essas musiqui- nhas, né, infantis, de cantigas de roda”. Essa forma de expressão reverbera a ideia de que a música possui pouca ou nenhuma relevância para o desenvolvimento da criança; o que de- termina o valor restrito a ela atribuído.
A segunda categoria “Concepções acerca das possibilidades musicais do professor de Educação Infantil” desencadeou quatro outras subcategorias: Necessidade de escolari- zação, Discurso da dependência, O mito do “dom” e, finalmente, Reconhecimento. Todas as professoras que participaram da pesquisa reportaram-se à Necessidade de escolarização. Elas relataram que sentem falta de um processo de escolarização musical em sua formação profissional e que tal lacuna poderia ser sanada com a promoção de cursos de formação continuada:

[...] a dificuldade que eu vejo é a minha falta de conhecimento (P1).

Pode ser o professor de educação infantil mesmo, se tivesse algum curso, uma coisa que leve, que incentive o professor a trabalhar esse lado, porque não tem (P2).

Acho que primeiro tinha que ter um curso, alguma coisa relacionada a isso pra mim

(P3).

Olha capacitada... eu não tenho nenhum estudo sobre isso. [...] Capacitada assim, por cursos, não (P4).

O ideal é que o professor tivesse um pouquinho mais de capacitação para o que faz. Porque a gente percebe que tem muito professor que realmente não, não tem noção do, do mínimo do que se deve trabalhar (P5).

Não me considero, porque é exatamente, falta esse conhecimento (P6).

Eu acho que o próprio professor, mas ele teria que ter uma formação nessa área. Com curso, um curso mesmo que fosse um curso curto (P7).

[...] eu não tenho formação musical nenhuma, eu acho que eu deixo a desejar um pouquinho (P8).

Tal pensamento demonstra que o professor de educação infantil, de fato, sente a ca- rência de uma formação musical e acredita que isso pode representar um impeditivo para realizar um trabalho mais consistente com as crianças que frequentam a educação infantil. Figueiredo destaca que:

Considerando que os anos iniciais da escolarização estão sob a responsabilidade de professores pedagogos, que atuam em todas as áreas do conhecimento escolar, se- ria fundamental que estes professores fossem também preparados para contribuírem com o processo de educação musical escolar (FIGUEIREDO, 2011, p. 14).

O autor, ao realizar estudos na área, aponta que a formação musical de pedago- gos tem sido insatisfatória e que é importante investir nesta formação já nos cursos de Pedagogia e nos cursos de formação continuada (FIGUEIREDO, 2005). O Discurso da depen- dência está retratado quando as professoras afirmam que o ideal para o desenvolvimento de atividades musicais nessa etapa da educação, seria a presença de um professor especialista

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em música, já que ele passou por uma habilitação nesta área, portanto, estaria apto a desen- volver um bom trabalho musical:

Seria bom se tivesse alguém especialmente pra isso, alguém que entenda,, que saiba fazer melhor (P1).

[...] o ideal seria ter um especialista nisto, porque entenderia o processo. [...] Eu acho que teria que ser especialista nessa área, porque aí trabalharia o completo, não o que a gente acha que está alcançando (P4).

Eu penso que deveria ser um profissional, que tivesse uma formação musical [...] Então, eu sinto que deveria ter um profissional mais qualificado e específico disso (P7).

Diferente de um professor que tem uma formação musical, que ele já tenha a sensi- bilidade do ouvido, ele sabe usar, assim, sucata, coisas que vai produzir aquele som, daquele instrumento, coisa que eu não sei fazer (P7).

Não se despreza com isso o quanto é importante para a criança vivenciar momentos em que diferentes conhecimentos estejam associados, que esses saberes dialoguem entre si, para que ela se desenvolva de forma integral. Em geral, o professor generalista é o maior co- nhecedor das necessidades físicas e cognitivas do público infantil. É a pessoa capaz de inte- grar diversas áreas, mas, agregar a essa formação um professor de música, pode contribuir positivamente para este desenvolvimento. Haveria uma excelente parceria, como afirma Figueiredo: “Não se trata de substituir o professor especialista na área de música na esco- la, mas estimular experiências musicais diversas na escola que possam ser compartilhadas entre professores especialistas e pedagogos” (2011, p. 14). Nesse sentido, não é um ou outro que desempenha a melhor atuação, mas o trabalho conjunto.
Nas falas de algumas professoras também está presente o Mito do “dom” acerca da musicalidade dos seres humanos. Elas afirmam que algumas pessoas são privilegiadas por terem a facilidade de se expressarem musicalmente: “Se eu não tenho isso dentro de mim... Só que, quem tem o conhecimento de música faz, então, quem tem,... porque tem pessoas que isso é intuitivamente e eu não tenho esse dom” (P7).
Tal mito pode afastar uma criança do convívio com a música, por solidificar a ideia de que só as pessoas com “dom” é que podem se desenvolver musicalmente. Entendemos, no entanto, que a musicalidade está presente em todos os seres humanos, pois é uma das linguagens que o homem emprega para compreender o mundo e vivenciar o que dele deri- va. Como esclarece Pederiva:

[...] se depender das nossas possibilidades como animais humanos, todos somos capa- zes de nos expressar musicalmente, de expressar nossas emoções por meio de sons, do mesmo modo como, de modo, se depender da anatomia e da fisiologia humana, todos somos capazes de nos expressar por meio da linguagem falada. Isso é dado ao ser humano, independente das formas que possa assumir. A musicalidade possui, assim, caráter universal. Não se trata de um dom para alguns. É um dom para todos (PEDERIVA, 2009, p. 38).

Ao mesmo tempo em que essas professoras afirmam a necessidade de uma escolari- zação musical, de um professor especialista e atribuem importância ao “dom”, algumas re- conhecem os benefícios dessa linguagem: “Todos os professores que estão atuando na edu- cação infantil devem trabalhar com a música, porque o tempo inteiro a gente,... eu, como eu te falei, como relatei, eu trabalho com música praticamente o dia inteiro” (P3). Há então o

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Reconhecimento por parte das professoras acerca de suas possibilidades para empreender o ensino musical. São poucos os profissionais que tem esse pensamento, mas, de certa forma, sinaliza um avanço para a área.

Na terceira e última categoria intitulada “Implicações das diferentes concepções”, surgiram as seguintes subcategorias: Possibilidades, Desculpas para o não fazer, O professor como centro do processo, Descompromisso e Incompreensão do currículo.
Na subcategoria Possibilidades, as professoras relataram a importância dos momen- tos de elaboração e avaliação do Projeto Político Pedagógico da escola; dos espaços destina- dos à coordenação pedagógica; da troca de conhecimentos entre os diferentes profissionais da educação e da própria busca que o professor pode realizar. Para essas professoras todos esses momentos podem ser bem aproveitados para a conquista de mais conhecimentos mu- sicais. A fala dos professores evidencia essa situação:

[...] isso tudo tem no nosso Projeto Político Pedagógico, e isso é importantíssimo e outra coisa também, a gente também tem o costume de fazer a coletiva individual ou na coletiva... coletiva individual, por período e a coletiva que senta todo mundo da escola. Eu acho que isso faz uma diferença muito grande. [...] Eu acho que ter um co- letivo que funciona, um Projeto Político Pedagógico que foque e tenha como um dos itens a música, eu acho que funcionaria para todos (P2).

Eu acho que a gente, com um pouquinho de boa vontade, consegue fazer com os me- ninos uma bandinha de sucata, e já é assim, algo interessante (P6).

[...] porque a gente tem internet, a gente pega algumas coisas na internet. [...] A gente que tem que correr atrás (P7).

Quando esses momentos são valorizados, a prática pedagógica é pensada e orga- nizada de forma a respeitar as especificidades da infância, há um desenvolvimento não só musical, mas ele se estende para as demais áreas de conhecimento. As Desculpas para o não fazer de atividades musicais no contexto da educação infantil giram em torno da fal- ta de recursos materiais e da estrutura física inadequada dos estabelecimentos de ensino.

Eu percebo que nós não temos, é... espaço físico apropriado pra trabalhar música, por- que dentro da sala é meio complicado. Eu acho que pra trabalhar música tem que ter uma sala própria, com instrumentos musicais pra gente trabalhar os instrumentos, pras crianças terem contato com a bandinha (P2).

Quando não tem, vamos supor, um som na sala de aula, né, e,... que eu acho que cada sala tinha que ter um som, na minha sala, no caso, não tem, às vezes eu tenho que sair da sala pra pegar e tudo [...] um instrumento, uma sala própria pra trabalhar música com bandas, bandinhas, assim a gente não tem também, né. Eu atribuo ao próprio governo mesmo, que não dá recursos pra isso, entendeu? (P3).

Falta de espaço físico, falta de bandinha, falta de instrumentos, até a gente não tem, falta de CD, [...] não tem um sonzinho, que a gente usa, que ajude nessas atividades. Então assim, fica muito... Eu acho que fica muito restrito (P7).

Percebe-se que se o professor focar o seu pensamento apenas nas dificuldades e não nas possibilidades de criação, expressão e compreensão das crianças, o desenvolvimento musical infantil fica prejudicado. Os professores não conseguem visualizar o universo so- noro a explorar, ainda que pouco sejam os recursos, ou soluções alternativas de fácil acesso. O próprio corpo pode ser utilizado como recurso para o aprendizado sonoro. Os objetos que já existem na sala de aula também podem ser aproveitados de diferentes maneiras. No que-

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sito professor como centro do processo foi evidenciado a indiferença dos educadores quanto aos conhecimentos musicais anteriores da criança trazidos para a escola. Tais práticas evi- denciam que o professor pensa a criança como um ser passivo no processo de conquista do conhecimento musical. Ele escolhe e determina o que a criança pode ouvir ou cantar. As falas que se seguem evidenciam esta tendência:

[...] encontrar a música adequada, sabe, às vezes tem que estar procurando (P3).

Eu só canto musiquinhas convencionais e coloco pra ouvir (P1)

Eu ensino eles cantar, eu canto com eles (P8).

Essas ações tornam o ensino da música uma prática desinteressante para a criança. Elas provocam a apatia para praticar as atividades propostas pelo professor. O Descompromisso ficou evidenciado quando uma professora relatou que realiza as ativida- des musicais com certo descaso, sem priorizar o aprendizado da música: “eu faço assim, o que dá e quando dá, como dá, não é nada muito preparado” (P1). As atividades musicais não podem ser realizadas de qualquer forma, isso prejudica o aprendizado. A Incompreensão do currículo emergiu da resposta de uma professora que apontou essa dificuldade em relação ao ensino da música: “muitos professores não conseguem identificar algumas coisas que têm no currículo” (P5).
Vale ressaltar que a construção do currículo deve ser uma atividade coletiva dos que pensam e fazem a educação. O professor que exerce sua função em sala de aula, tam- bém pode e deve participar dessa construção, para que o currículo tenha significado. É im- portante, na construção do currículo, que sejam respeitadas as especificidades da infância, e que a atividade musical seja uma prática social acessível a todos os seres humanos.

Considerações finais

Diante disso, conclui-se que a música está presente no espaço da educação infantil, no entanto, as atividades musicais são desenvolvidas de maneira superficial sem a devida atenção à compreensão da sua linguagem. Realizam-se atividades que usam a música como um produto para alcançar outros aspectos afastados do aprendizado da sua linguagem.
Outra conclusão é que o professor de educação infantil sente-se limitado para ensi- nar a música, pois não obteve este conhecimento no seu curso de formação. Tal fato preju- dica sua atuação pedagógica.
Com base nos estudos realizados por Figueiredo (2005, 2011), Wazlawick e Maheirie (2008) seria interessante propiciar espaços para diálogos e troca de saberes com esses pro- fissionais, fato que contribuiria para uma formação continuada voltada para a educação musical. O professor adquirindo esta consciência poderia implantar um ensino musical de qualidade, além de valorizar as contribuições musicais que as crianças já trazem do conví- vio social.

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WASLAWICK, Patrícia; MAHEIRIE, Kátia. Ressonâncias musicais de uma relação estética na musicoterapia: oficina de canções e sensibilização com educadoras de educação infantil. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 19, p. 83-92, mar. 2008.

Andréia Pereira de Araújo Martinez - Possui graduação em Pedagogia, curso de Especialização em Educação Infantil e cursa o Mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Educação, ambos pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília – UnB. Atualmente é professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEEDF. Tem experiência na área de educação, com ênfase em educação infantil e atividades musicais.

Patrícia Pederiva - Doutora em Educação. Professora do Departamento de Métodos e Técnicas da Faculdade de

Educação da Universidade de Brasília. Pesquisadora de atividades musicais na educação.


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