Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012

ZORZAL, R. C. Uma Breve Discussão sobre Talento Musical. Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.2, 2012, p. 201-209.

Uma Breve Discussão sobre Talento Musical

Ricieri Carlini Zorzal (UFMA, São Luis, MA, Brasil)

riciviolao@terra.com.br

Resumo: O presente artigo discute como a literatura especializada tem tratado a questão do talento musical. Primei- ramente é traçado um breve panorama histórico acerca de propostas para detecção do talento musical e sobre o es- tudo de prodígios no campo da música. A seguir são contrapostas pesquisas mais recentes que levantam argumentos pró e contra a existência da habilidade musical em sua forma inata. Essa discussão mostra que ainda não há consen- so nem garantias sólidas que permitam um professor de música considerar um aluno mais talentoso que outro, prin- cipalmente durante as etapas iniciais do desenvolvimento musical. Portanto, defende-se a ideia que a inteligência musical está presente em todos.

Palavras-chave: Talento inato; Inteligência musical; Musicalidade aprendida; Musicalidade inata.

A Brief Discussion on Musical Talent

Abstract: The present work discusses how specialized literature addresses musical talent. The analysis begins with a short historical background regarding methods to detect musical talent and reviews how musical prodigies were studied in the past. Subsequently more recent works questioning the existence of innate musical aptitude are ana- lyzed. This discussion shows that to this date there is no strong evidence suggesting that musical instructors can identify with certainty musical aptitude, especially during initial musical developmental stages. Furthermore, it is safer for musical instructors to assume that musical intelligence is potentially present in everyone.

Keywords: Innate aptitude; Musical intelligence; Learned musicality; Innate musicality.

Prevalece entre a população a ideia de que o talento musical é inato para algu- mas pessoas. Cotidianamente ouvimos os seguintes chavões: “Nossa, Deus o presenteou com um dom incrível”; “Desde pequeno ele já demonstrava gosto por essa área”; “Eu não tenho o menor talento pra isso, não adianta nem tentar”; “Para fazer isso só se nascer com um talento especial”. Contudo, entre os pesquisadores o tema ainda é passível de muita discussão. Dessa forma, parece-nos possível um texto discutindo e analisando a seguin- te problemática já pesquisada por Sloboda (1994): As diferenças nas habilidades expres- sivas apresentadas por alguns músicos são resultado das diferenças no talento inato ou somente das diferenças na experiência adquirida ao longo de uma vida de preparação? (SLOBODA, 1994).
Alguns autores defendem veementemente a existência do talento inato (GAGNE,
1999; 2003; 2007; BAKER, 2007), outros alegam a inexistência de bases científicas para com- prová-lo (ERICSSON et al, 1993; SLOBODA, 1985; SLOBODA; HOWE, 1991).
Desde os trabalhos pioneiros de Francis Galton, ainda no século XIX, sobre perfor- mances eminentes em vários campos do conhecimento, discute-se qual a contribuição de fatores genéticos para se atingir altos níveis de performance. Galton (apud ERICSSON et al,
1993) conclui que performances excepcionais eram consequência de três fatores: o entusias- mo, a resistência ao trabalho laborioso e a habilidade natural, a qual era adquirida heredi- tariamente. O que se pensava sobre talento musical era semelhante.
Em 1883, Carl Stumpf sugere um número de testes simples que “provaram ser bem sucedidos na discriminação entre músicos experimentados e estudantes confessadamen- te não musicais e previam o desenvolvimento da habilidade musical” (apud HALLAM and PRINCE, 2003, p. 2) 1.
Mesmo com o advento dos primeiros testes para medir e/ou prever as habilidades musicais, no início do século XX, Carl Seashore afirma que a literatura que tratava da here-

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ditariedade do talento musical era um tanto quanto confusa e fazia pouco uso de dados com confiabilidade científica (1919, p.vii). Segundo ele, tal literatura limitava-se a investigar se os ancestrais dos grandes músicos foram também grandes músicos. Dessa forma, Seashore busca ferramentas capazes de medir o talento musical por herança. Para isso cria um sis- tema de medidas que pretende quantificar, isoladamente, a afinidade que cada pessoa tem com propriedades relevantes da música tonal. Um quadro com exemplos dessas proprieda- des é apresentado pela Figura 12.

Figura 1: O talento musical segundo Seashore (1919).

Seashore acredita que o talento musical pode ser fragmentado em subcategorias e, com isso, sugere uma definição que chega, em alguns casos, a isolar as “diversas facetas” do desenvolvimento musical. Conforme ensina o autor:

O talento musical não é um único talento; ele é uma hierarquia de talentos, muitos dos quais são inteiramente independentes uns dos outros. Portanto, a descrição de uma mente musical reduz-se ao retrato da relativa proeminência ou latência de cada talento musical3 (SEASHORE, 1919, p. 6).

Assim, Seashore pode medir, separadamente, aspectos do desenvolvimento musi- cal tais como: percepção de timbre, intensidade, andamento, ritmo e altura, memória musi- cal, qualidade da voz, etc., de cada sujeito e predizer quem tem uma “mente musical” a ser desenvolvida. Tal pensamento conduz ao entendimento que as mentes musicais mais desen- volvidas poderiam ser selecionadas para uma educação musical séria desde tenras idades. Dessa forma, Seashore admite que:

O talento musical é um dom concedido de maneira muito desigual aos indivíduos. Não somente é o dom da música em si inato, como inato em tipos específicos. Esses tipos podem ser detectados precocemente na vida, antes do início de uma educação musical mais séria4 (SEASHORE, 1919, p. 6).

Seashore definiu o talento musical final como: a média aritmética das pontuações obtidas na percepção de timbre, na intensidade, no andamento, no ritmo e na altura, na memória musical, na qualidade da voz, etc. A Figura 1 compara uma mente musical aci- ma da média a uma mente musical mediana dentro dos critérios defendidos por Seashore.

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Podemos perceber nessa figura que cada habilidade musical recebe uma pontuação inde- pendente. É nítido também que a mente musical acima da média recebe pontuações ele- vadas em quase todas as habilidades, com um excelente senso de afinação e elevada ca- pacidade de memorização. A mediana pontuação de mobilidade não chegou a abalar sua classificação. Já a mente musical mediana, apesar de excelentes pontuações em algumas das “subcategorias”, obteve as demais pontuações com rendimento abaixo dos 50%, ou seja, inferior à média estabelecida.
Outros testes para medir e, possivelmente, prever uma precoce habilidade mu- sical foram criados ao longo do século XX. Revesz (1953), que diverge da visão compar- timentada de Seashore, adota o conceito de musicalidade e o denota como a habilidade de desfrutar esteticamente da música. Wing (1961), após experimentar uma diversidade de testes voltados para a acuidade auditiva e para a apreciação cria o Wing Standardised Tests of Musical Intelligenge. Estes testes concentravam-se na análise de acordes, indica- ção de tonalidades, memória melódica, percepção harmônica e na percepção rítmica e dinâmica para crianças maiores de oito anos. Gordon (1980) sugere um teste que tencio- na identificar o talento musical em crianças com idade variando entre cinco e oito anos. Para Gordon, a aptidão musical estabiliza-se aos nove anos de idade. O teste, chamado de Primeiras Medidas de Audiação Musical5, consiste na audição de fitas gravadas com pequenas seqüências melódicas e rítmicas. Gordon considera que essas são as únicas di- mensões musicais as quais as crianças são capazes de demonstrar respostas objetivamen- te. Para a realização desse teste, as crianças não precisam ter um conhecimento musical prévio e a elas apenas é pedido para marcarem uma folha de respostas. Tal folha é com- posta por figuras que buscam representar as sequências ouvidas sem, no entanto, fazer referências ao grafismo musical.
Uma discussão mais ampla e pormenorizada de vários tipos de testes de habilida- de musical elaborados ao longo do século XX pode ser encontrada em Shuter-Dyson (1999). Esta autora mostra como as diferenças na concepção do que é habilidade musical criam tes- tes para as mais diversas competências musicais. Ela apresenta testes de memória musical, habilidades tonais tais como leitura e percepção melódica e rítmica, desvios de afinação, performance vocal e instrumental e improvisação. Shuter-Dyson considera os testes realiza- dos por computador como uma promessa ainda mais eficiente a ser implantada. De maneira geral, tais testes apresentam uma questão ao aluno: se a resposta for correta, o computador traz uma questão um pouco mais difícil; no caso de uma resposta incorreta, uma questão um pouco mais fácil.
No Brasil, no final do século XX e início do século XXI, pesquisas voltadas para a elaboração de testes de aptidão e critérios de avaliação musical são fortemente influen- ciadas pelo trabalho dos educadores musicais ingleses, sendo proeminente a proposta te- órica do desenvolvimento espiral de Keith Swanwick (HENTSCHKE; MARTINEZ, 2004)6. Muitos projetos de pesquisa brasileiros tem se concentrado nos estudos da apreciação, com- posição e performance instituídos por esse autor.
Enquanto alguns esforços concentram-se na elaboração de ferramentas para uma medição ou uma detecção precoce do talento musical, outros trabalhos voltam sua atenção para estudos biográficos de meninos prodígios e de músicos profissionais com a finalidade de investigar a presença de traços comuns na aquisição da expertise musical.
Em um estudo antigo, Revesz (1925) acompanha, durante três anos, uma criança considerada prodígio em performance pianística e em composição musical. O autor empre- ga uma abordagem genealógica para afirmar que a extrema habilidade da criança, observa- da desde os sete anos de idade, tem explicação genética. Tal abordagem pode, em pesqui-

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sas de hoje, ser metodologicamente questionada, pois muitos pesquisadores têm defendido a influência do contexto sócio-cultural no desenvolvimento musical, em diferentes graus de importância.
Estudos mais recentes, como os de Manturszewska (1990), Sloboda e Howe (1991), vêm formulando metodologias diferentes na busca por evidências da existência da heredi- tariedade do talento musical. Manturszewska (1990) entrevista 165 músicos profissionais com idade entre 21 e 89 anos. Essas idades são estratificadas com vistas a dar forma a um estudo longitudinal7. Aos músicos são feitas perguntas sobre ancestralidade e ambiente fa- miliar, experiências musicais na infância, carreira profissional, status sócio-econômico, en- tre outras. A autora chega à conclusão que o ambiente familiar e a motivação intrínseca são os fatores que mais influenciam o desenvolvimento musical. A questão pertinente é saber se a origem dessa motivação é genética, já que a autora admite a influência tanto de fatores biológicos, quanto de fatores sócio-culturais no desenvolvimento profissional dos músicos.
Sloboda e Howe (1991), com base nos dados obtidos em seu estudo, mostram-se con- trários a ideia da existência de sinais precoces de realização musical. Os autores entrevis- tam, divididos em dois grupos, 42 estudantes de uma escola especializada em crianças mu- sicalmente talentosas. O primeiro grupo é composto por estudantes considerados acima da média e o segundo grupo por estudantes medianos. De maneira geral, as questões levanta- das versam sobre o envolvimento musical dos alunos antes das lições formais de música na escola em que estudavam no momento da entrevista e sobre características de sua prática musical. Os autores concluem que não é possível identificar uma “promessa” musical e afir- mam que não é necessário que haja na família alguém expert em música, para que a criança atinja níveis elevados de performance. Basta, para isso, que a família ofereça um ambien- te favorável ao desenvolvimento da criança. Por outro lado, Vigostski (apud SCHROEDER,
2004) aponta que alguns ramos da psicologia infantil são incapazes de dissociar determina- das aquisições no desenvolvimento cultural de determinados estágios da maturidade orgâ- nica, pois, muitas vezes, eles coincidem.
Sob a ótica de Gagne (1999), os dados coletados nesse estudo de Sloboda e Howe (1991) foram interpretados de maneira inversa. Gagne pontua que a explicação oferecida por Sloboda e Howe de que as diferenças individuais entre os grupos surgem dos recursos internos que cada criança apresenta e de um ambientalismo complexo, é equivocada. Para Gagne esses recursos internos são partes integrantes dos traços psicológicos de cada um, de caráter intrapessoal e fortemente influenciados pela hereditariedade. Gagne defende que as diferenças individuais podem ser resultado da habilidade natural que cada um apresenta naquele domínio do conhecimento.
Gagne (2003) oferece-nos um modelo no qual pretende demonstrar que a habilida- de natural passa por um processo de desenvolvimento que recebe impactos, tanto positi- vos quanto negativos, de características intrapessoais e ambientais. As características in- trapessoais assumem um caráter tanto físico – como o tamanho da mão do violonista ou do pianista, que pode auxiliá-los na execução de acordes abertos – quanto psicológico – como uma motivação fora do normal para estudar diariamente o instrumento. As características ambientais compõem o que comumente se conhece como motivação extrínseca e podem se reportar, por exemplo, a importância que a família do estudante dá à música. O talento, de fato, vem a ser o resultado dessa interação que pode se manifestar em diversas áreas. Para Gagne (2003), apenas cerca de 10% das pessoas são talentosas. A Figura 2 apresenta o mo-
delo proposto por esse autor.

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Figura 2: O desenvolvimento do talento segundo Gagné.

Por outro lado, Sloboda (1994) enumera cinco desafios que não são facilmente res- pondidos por aqueles que acreditam no “mito” do talento inato. São eles:
1. Em várias culturas estudadas por antropólogos há um grande número de pesso- as que atingem um nível de expertise musical acima das normas de nossa própria socieda- de. Isso sugere que fatores culturais, e não biológicos, limitam a difusão da expertise musi- cal em nossa sociedade.
2. A realização musical nem sempre segue a árvore genealógica familiar. Crianças cujas famílias não possuem antecedentes musicais e que recebem oportunidades apropria- das e encorajamento podem atingir resultados excelentes.
3. A maioria dos mais aclamados músicos profissionais não foram crianças prodí- gios. Na verdade, estudos revelam que pouquíssimos desses músicos mostraram quaisquer sinais de promessa musical especial na infância, ou ainda, após os primeiros anos de apren- dizado no instrumento que os consagraram.
4. Não há exemplos claros de excelentes realizações em composição ou perfor- mance musical que não foram precedidos por muitos anos de intensa preparação e práti- ca. No caso de crianças prodígios, seus níveis de prática precoce excedem os de um músico
normal.
5. Muitas das habilidades perceptuais exigidas para “tratar” o som musical que chega aos ouvidos são muito dispersas, desenvolvidas espontaneamente durante os primei- ros dez anos de vida e não parecem exigir uma instrução musical formal para se desenvol- verem. Para exemplificar essa afirmação Sloboda (1994) afirma que a habilidade de ouvido absoluto tem frequentemente sido mencionada como sinal inato especial do talento musical. Segundo o autor, há evidências que essa habilidade pode ser aprendida por qualquer pes- soa determinada e está presente em uma forma pouco refinada em dois terços da população destreinada em geral. Além disso, a minoria dos grandes músicos possui o ouvido absoluto em sua forma completamente desenvolvida, o que coloca essa habilidade como uma pobre preditora da realização musical excepcional.

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Howe et al (1998), em um consistente ensaio teórico, discutem as evidências positi- vas e negativas encontradas por diversas pesquisas sobre diferentes capacidades inatas que alguns sujeitos podem apresentar. Para tanto, os autores determinam cinco propriedades do que comumente se conhece como talento:
1. O talento tem base genética e é, ao menos, parcialmente inato;
2. O talento permite aos treinados no domínio identificar sua presença antes que o
“talentoso” atinja sua maturidade na performance;
3. A identificação do talento permite predizer quem será, provavelmente, o expert
no domínio;
4. Somente uma minoria é talentosa e;
5. O talento é relacionado a um domínio específico.
Com base nos indicadores acima elencados, os autores mostram-se radicalmente contrários às conclusões resultantes dos encontros de pesquisa favoráveis à consideração do talento inato. Segundo Howe et al (1998), os trabalhos que trazem evidências de habili- dades que surgem precocemente em crianças, sem que estas recebam encorajamento fami- liar, são questionados pelo fato de a aquisição dessas habilidades nunca serem observadas de forma direta pelo investigador. Estudos que assumem essa premissa sem a observação direta do pesquisador são chamados pelos autores de anedóticos. Howe et al (1998) ques- tionam também as evidências levantadas sobre capacidades especiais que facilitam a aqui- sição de habilidades específicas. Nesse caso a relação causa-efeito é a dúvida. Segundo os autores: “A facilidade é frequentemente a consequência, em vez da causa, de habilidades extraordinárias”8 (op. cit., p. 401).
As evidências do envolvimento biológico na explicação de habilidades excepcio-
nais mostram, conforme esses autores, relações tão fracas entre medidas de performance e medidas neurais que não é possível garantir conclusões sobre a existência do talento: “além disso, as correlações diminuem quando as tarefas tornam-se mais complexas”9 (op. cit., p. 402). Mesmo no caso de algumas crianças autistas, as altas habilidades musicais por elas desenvolvidas, são acompanhadas por um interesse obsessivo e graus elevados de prática no instrumento musical. Sloboda (2005) comenta o caso de um rapaz autista que era capaz de tocar, quase perfeitamente, uma peça tonal para piano, logo após ouvi-la pela primeira vez. Os poucos erros na execução da peça tonal estavam em perfeita sintonia com as regras do gênero A mesma habilidade não era estendida a uma única peça atonal com leitura e execução consideradas simples. Concluiu-se então, que a habilidade de decodifi- car e armazenar aspectos estruturais da música tonal que o rapaz adquiriu na prática era a base para essa incrível capacidade. Dessa forma, Sloboda (2005) defende que um intenso estudo do repertório Mozartiano, por exemplo, é capaz de construir em nossa mente uma diversidade de padrões rítmicos, melódicos e harmônicos que são próprios do compositor. Portanto, a leitura de uma nova peça desse mesmo compositor seria facilitada pelo rápido acesso que teríamos a esses padrões em nossa mente. De acordo com Sloboda (2005), esse processo se dá apenas pela prática e nada tem de inato.
Stollery e McPhee (2002) sumarizam o debate sobre a existência do dom musical, ou como os autores chamam, inteligência musical, em duas perspectivas distintas. A pri- meira defende que a inteligência musical é altamente desenvolvida somente em poucos e é largamente vista como inata ou herdada. A segunda defende que essa inteligência está pre- sente em todos, mas deve ser trazida à tona e desenvolvida. Yarbrough (2003) afirma que essas perspectivas diferem, principalmente, entre dois pontos de vista: o conhecimento a priori, e o conhecimento perceptual. Assim, a autora defende que:

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O desacordo entre os pesquisadores em Educação Musical no que se refere ao sentido de percepção versus as ideias como fontes do conhecimento é a base para a distinção entre realização musical (musicalidade aprendida) e aptidão musical (musicalidade inata), respectivamente. Estes desacordos são ecos dos argumentos da antropologia entre aqueles que declarariam a natureza como a mais importante variável no desen- volvimento de uma cultura e daqueles que acreditariam ser o contexto o fator mais importante10 (YARBROUGH, 2003, p. 6).

Enquanto algumas publicações partem do pressuposto da existência das habilida- des naturais, caso dos periódicos Gifted Child Quaterly e Journal for the Education of the Gifted, muitos autores têm empreendido esforços em correlacionar o nível de performance obtido à prática musical (SANTOS; HENTSCHKE, 2009). Esses autores têm demonstrado que a efetividade da prática se sobrepõe como o fator mais importante no desenvolvimento das habilidades musicais.
De maneira geral, os problemas metodológicos encontrados em estudos que investi- gam habilidades musicais precoces detalhados por Howe et all (1998) e a não identificação de um gene associado ao talento musical, como pontuado por Sloboda (2005), fragilizam a proposição que esse talento possa ser inato, como propõe Gagne (1999). Além disso, mui- to embora alguns traços tidos como genéticos possam ajudar em atividades específicas do fazer musical, tais como, o ouvido absoluto e o tamanho da mão, não há garantias que tais traços possam servir de preditores de altos níveis de realização musical.
Por fim, a ideia de um talento musical democraticamente presente em todos pode ser uma forte aliada na defesa de uma Educação Musical mais ampla e efetiva. Se é certo que ainda não há consenso nem garantias sólidas que permitam que algum professor de música possa considerar um aluno mais talentoso que outro, principalmente durante as eta- pas iniciais do desenvolvimento musical, podemos imaginar que todos que receberem uma Educação Musical séria, desde a mais tenra idade, terão as mesmas oportunidades de de- senvolvimento musical. Dessa forma, para os educadores musicais é mais sensato defender a ideia de que a inteligência musical está presente em todos.

Notas

1 These proved successful in discriminating between experienced musicians and self-confessed unmusical stu- dents and heralded development of musical ability (apud HALLAM and PRINCE, 2003, p. 2).

2 Figuras retiradas do livro The Psychology of Musical Talent (SEASHORE, 1919, p. 19-21).

3 Musical talent is not a single talent; it is a hierarchy of talents, many of which are entirely independent of one another. Therefore, the description of a musical mind reduces itself to the picturing of the relative prominence or latency of each musical talent (SEASHORE, 1919, p. 6).

4 Musical talent is a gift bestowed very unequally upon individuals. Not only is the gift of music itself inborn, but

it is inborn in specific types. These types can be detected early in life, before time for beginning serious musical education (op. cit.).

5 Primary Measure of Music Audiations. Helena Caspurro (2007) discute com propriedade o conceito de audiação

proposto por Gordon e as divergências da literatura acerca desse conceito.

6 Para uma discussão mais detalhada sobre a pesquisa em Educação Musical no Brasil ver Del Ben (2003).

7 Estudos longitudinais analisam variações nas características de uma amostra por um longo período de tempo.

Nesse caso, a estratificação proposta otimiza a observação das influências exercidas por certas variáveis no desenvolvimento musical.

8 Facility is often the outcome rather than the cause of unusual capabilities (HOWE et al, 1998, p. 401).

9 Moreover, the correlations diminish as tasks become more complex (HOWE et al, 1998, p. 402).

10 The disagreement among music education researches concerning sense perception versus ideas as the source of knowledge is the basis for the distinction between musical achievement (learned musicality) and musical apti- tude (innate musicality), respectively. These disagreements are echoes of arguments in anthropology between those who would declare nature as the most important variable in the development of a culture and those who believe nurture to be the most important (YARBROUGH, 2003, p. 6).

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Ricieri Carlini Zorzal - Doutor em Educação Musical pela Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisas voltadas para o estudo de estratégias para o ensino de instrumento musical em master-classes coordenando o grupo de pesquisa Ensaio. É professor Adjunto da Universidade Federal do Maranhão.


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