Artigos Científicos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012

Os Sete Estudos brasileiros para Violão Solo de Carlos Alberto Pinto Fonseca:

uma abordagem analítica sobre demandas técnicas

Cristiano Braga de Oliveira (UFMA, São Luís, MA, Brasil)

cristianoviolao@yahoo.com.br

Daniel Wolff (UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil)

daniel@danielwolff.com

Resumo: O presente trabalho trata do levantamento e análise das demandas técnicas contidas nos Sete Estudos Brasileiros para Violão Solo de Carlos Alberto Pinto Fonseca. Realizado este levantamento, analisamos o uso e a recorrência de cada demanda encontrada nos Sete Estudos. Concluímos que os Sete Estudos de Fonseca, apesar de não apresentarem novidade no que se refere a demandas técnicas, trabalham diversas demandas de forma consistente, tais como pestanas, translados, diferentes toques de mão direita, dentre outras, que são de suma importância para o desenvolvimento do violonista. Palavras-chave: Demandas técnicas do violão; Sete estudos brasileiros para violão solo; Carlos Aberto Pinto Fonseca.

The Seven Brazilian Studies for Guitar Solo of Carlos Alberto Pinto Fonseca: an analytical approach about technical demands

Abstract: The present work deals with the survey and analysis of the technical demands found in the Seven Brazilian Etudes for Guitar Solo by Carlos Alberto Pinto Fonseca. After the survey was concluded, the use and recurrence of each of the demands was analyzed. We have got to the conclusion that the Seven Studies by Fonseca, despite not presenting any innovations as far as technical demands are concerned, make consistent use of different demands, such as barrés, left-hand displacements, different right-hand strokes, which are of the utmost importance for the development of the guitarist. Keywords: Guitar technical demands; Seven brazilian etudes for guitar solo; Carlos Alberto Pinto Fonseca.

1. Introdução

A técnica é algo inerente ao fazer musical profissional e especializado. Na música mais simples, independente do instrumento a ser executado, a competência motora é importante. O fazer musical exige do intérprete um alto nível de coordenação e refinamento motor. Tais capacidades são normalmente adquiridas com o estudo técnico, seja através de exercícios de técnica pura destinados ao desenvolvimento de uma determinada demanda técnica (como arpejos, ligados, escalas, mudanças de posição, entre outros), seja através de exercícios de técnica aplicada (criados para resolver as dificuldades técnicas específicas de uma obra ou passagem).

Existem inúmeros métodos e estudos (didáticos ou de concerto) cuja finalidade é trabalhar as variadas formas de se chegar à aquisição de uma técnica instrumental adequada. Shearer (1990, p. 4) foca o estudo do violão em cinco questões básicas: técnica, leitura, memorização, interpretação e performance. Carlevaro (1978) admite que o músico, ao interpretar uma obra, deve se preocupar não só com a sua estrutura formal, mas também com os seus problemas técnicos:

Antes de mais nada a técnica é um trabalho mental que culmina com o trabalho dos dedos. Erroneamente e de forma geral o termo é associado à ideia de rapidez, agilidade e velocidade descontrolada. Porém em todos estes termos não existe uma definição correta, uma valoração que nos dê a imagem exata da palavra “técnica” [...] a “técnica” deve interpretar-se como sendo a obtenção, com o mínimo esforço, do máximo resultado [...] (CARLEVARO, 1974, p. 2. Tradução nossa). 1

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012 Recebido em: 15/04/2012 - Aprovado em: 04/05/2012

De acordo com Fernandez (2000, p. 15), técnica é o conjunto de procedimentos que

o intérprete deve realizar para dominar uma passagem ou uma dificuldade. É a capacidade concreta de poder tocar uma passagem determinada da maneira desejada, é a realização prática das decisões previamente tomadas com respeito ao tempo, à dinâmica, ao timbre, às articulações e à agógica.

Não é incomum alunos executarem peças que estão além do seu nível técnico instrumental. No entanto, para uma boa execução, o aluno precisa desenvolver sua capacidade motora. Como nos informa França:

[...] as demandas do repertório instrumental frequentemente pressionam os alunos além do limite técnico que eles dominam. Nessas circunstâncias, o ensino pode resultar em um mero treinamento, que não oferece oportunidade para decisão criativa e exploração musical expressiva. Todo o prazer e a realização estética da experiência musical podem ser facilmente substituídos por uma performance mecânica, comprometendo o desenvolvimento musical dos alunos. Não raro, sua performance resulta sem um sentido musical, sem caracterização estilística, sem refinamento expressivo e/ou coerência. Só é possível a um indivíduo tomar decisões expressivas dentro de uma gama de exigências técnicas que ele possa controlar. (FRANÇA, 2000, p. 59).

Consideramos que a análise das demandas técnicas pode ser uma ferramenta útil para o violonista conhecer de antemão os desafios a superar para executar uma peça musical. A análise das demandas técnicas contidas em uma obra pode ser de grande utilidade para se conhecer os caminhos a serem percorridos.

Para cada demanda musical existe uma ou mais demandas técnicas que tornam a sua execução possível. No violão, para um acorde que utilize mais cordas presas do que os dedos disponíveis temos a pestana2. Para alcançar uma nota fora do posicionamento natural da mão utilizamos a distensão3. Para se destacar uma melodia de um acompanhamento usamos os diferentes toques dos dedos na mão direita.

Neste artigo objetivamos classificar e analisar as demandas técnicas presentes nos Sete Estudos Brasileiros para Violão Solo de Carlos Alberto Pinto Fonseca. Para tal, tomamos como referência a digitação grafada na versão publicada. Realizado o levantamento das demandas técnicas, estas foram separadas em demandas de mão esquerda e mão direita. Analisamos seu uso e sua recorrência nos estudos.

Baseados na análise dos manuscritos dos estudos 2, 4 e 7, constatamos que Barbosa-Lima, ao digitar e editar os Estudos, realizou algumas modificações no que se refere ao ritmo, ao andamento e até às notas. Não foi nosso objetivo estabelecer diferenças entre o manuscrito e a versão editada dos Sete Estudos. Entretanto, em alguns momentos esta comparação tornou-se necessária.

A escolha dessa obra deveu-se a sua qualidade e originalidade. Não existem trabalhos publicados sobre ela, apesar do seu valor artístico e didático. Ela explora de forma idiomática e convincente, como veremos no decorrer deste trabalho, diversas demandas técnicas, que são de grande importância para o desenvolvimento artístico e instrumental do violonista.

2. O Compositor

Carlos Alberto Pinto Fonseca foi um dos mais importantes regentes brasileiros para a música coral. Como compositor obteve reconhecimento internacional a partir das várias sinfonias e corais que foram publicados nos Estados Unidos e Europa.

Nascido em Belo Horizonte, em 07 de junho de 1933, começou a estudar piano aos sete anos com a professora Jupira Duflles Barreto. Durante o período em que estudou no Brasil, teve passagem pelo conservatório Mineiro de Música, tendo aulas com Hostílio Soares e permanecendo nesta instituição até 1954. Estudou em São Paulo, na Escola Livre de Música da Pró-Arte, até final de 1955. De 1954 a 1956 frequentou os seminários de música da Bahia, ministrados por Hans Joackim Koellreutter. Em 1960 formou-se em regência pela UFBA. Nesse mesmo ano iniciou seus estudos na Europa, tendo passado pela Alemanha, Itália e França e estudado com importantes nomes do cenário musical internacional, tais como; Hans Schmidt-IsseRstedt, Franco Ferrara, Sergiu Celibidache, Bruno Rigacci e Gino Bechi.

Fonseca foi regente titular e fundador da extinta Orquestra de Câmara da UFMG, de 1965 a 1974, regente titular e fundador da Orquestra de Câmara do Modern American Institute (MAI), mais tarde denominada Orquestra de Câmara Villa-Lobos. Em 1981, foi aprovado em concurso público como regente titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais. Como regente convidado atuou em importantes orquestras brasileiras nos estados de Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Entretanto foi como regente coral que Fonseca conseguiu maior projeção. O Maestro assumiu o Ars Nova4 em 1964, permanecendo no cargo por 39 anos. (SANTOS, 2001).

Sua obra para violão inclui, além de pequenas peças solo, os Sete Estudos Brasileiros para Violão Solo, dedicados ao renomado violonista brasileiro Carlos Barbosa Lima e publicados nos Estados Unidos em 1978 pela Columbia Musica C.O. Foi nesse trabalho que realizamos o levantamento e a análise das demandas técnicas ali contidas.

3. Levantamento e análise das demandas técnicas contidas nos sete estudos brasileiros para violão solo de Carlos Alberto Pinto Fonseca

O ponto de partida para o levantamento das demandas técnicas foi a performance dos Estudos em conjunto com a análise da partitura, considerando a digitação grafada na versão publicada dos Estudos. Porém, em alguns casos específicos, foram consideradas digitações alternativas no intuito de solucionar dificuldades mecânicas criadas em função da digitação realizada por Barbosa-lima na versão Editada.

Sobre a digitação grafada nos estudos, Barbosa-Lima afirma:

[...] Como faz muito anos que não vejo os Estudos, é difícil, para mim, lembrar de digitações. Sempre quando se toca em publico em mais de uma ocasião, obviamente ideias surgem e as pequenas mudanças podem ser até consideradas como digitações alternativas. (BARBOSA-LIMA, 2010).

As demandas técnicas contidas em uma obra violonística podem ser diferentes, na mesma peça, em determinados casos, dependendo da digitação empregada. Sobre possíveis efeitos da digitação em uma demanda técnica Wolff considera:

Digitar uma melodia em uma única corda é um recurso bastante utilizado para obter uma homogeneidade tímbrica, porém tal recurso resulta em diversos translados de mão esquerda. É recomendado o uso deste artifício em passagens lentas, nas quais as mudanças de posição não afetariam a fluência da execução. (WOLFF, 2001, p. 1).

Os manuscritos dos Estudos 2, 4 e 7 não contêm digitações grafadas, possuindo assim algumas diferenças no que refere às demandas técnicas, em comparação com a versão editada. Embora esse não seja o objetivo deste trabalho, poderemos recorrer ao artifício de comparação entre a versão editada e os manuscritos dos estudos, no intuito de melhor entender as demandas técnicas contidas neles.

Algumas demandas técnicas, como pestanas, translados de ambas as mãos, ligados, arpejos, dentre outros, são por vezes indispensáveis para a realização de uma demanda musical. Já outras demandas técnicas, como o toque duplo do polegar, a fixação de um ou mais dedos e a pestana usada para uma melhor condução de vozes, são escolhas pessoais que, dependendo da digitação, podem ser substituídas por outras demandas que possuam semelhante efeito.

Em uma execução musical, as demandas técnicas de mão esquerda e direita aparecem simultaneamente. Porém, para a melhor compreensão das particularidades de cada tipo, elas foram analisadas separadamente.

Após um primeiro levantamento de quais demandas técnicas ocorriam em cada um dos Sete Estudos, chegamos à seguinte tabela:

Tabela 1: Estudos e demandas técnicas encontradas nos Sete Estudos Brasileiros de Carlos Alberto Pinto Fonseca.

Estudos em Demanda técnica
ordem numérica Mão direita Mão esquerda
Estudo nº 1 Toque duplo do polegar, ANS5, destaque de notas em acordes, diferentes toques de i-m-a6, arpejo, uso do P como voz cantante. translados sem ponto de apoio. Translados, distensões e contrações, meias pestanas, ligados.
Estudo nº 2 Toque duplo do polegar, ANS, arpejo, diferentes toques de i-m-a, translados sem ponto de apoio. Uso do P como voz cantante. Translados, distensões e contrações, pestanas, meias pestanas, ligados
Estudo nº 3 ANS, diferentes toques de i-m-a, translado sem ponto de apoio. Translados, distensões e contrações, pestanas e meia pestanas, ligados, destaque em notas de acordes.
Estudo nº 4 ANS, arpejo, diferentes toques de i-m-a. Translados, distensões e contrações pestanas, meias pestanas, ligados.
Estudo nº 5 Toque duplo do polegar, ANS, destaque de notas em acordes, toque duplo do polegar, diferentes toques de i-m-a, arpejo, translado. Translados, pestanas, meias pestanas, distensões e contrações.
Estudo nº 6 Toque duplo do Polegar, notas repetidas com velocidade, uso do P como voz cantante, diferentes toques de i-m-a, destaque em notas de acordes. Translados, ligados, contrações, maia pestana.
Estudo nº 7 ANS, diferentes toques de i-m-a, arpejo. Translados, distensões e contrações, pestanas, meias pestanas, Ligados.

Podemos ver na Tabela 1 quais demandas técnicas estão presentes em cada um dos Sete Estudos. Baseados nas demandas encontradas, podemos classificá-las em demandas de mão direita e de mão esquerda, conforme as tabelas abaixo.

Tabela 2: Demandas técnicas de mão direita e Estudos que contém a respectiva demanda.

Demandas técnicas Aspecto específico mão direita Estudos que contém esta demanda técnica
Arpejos 1, 2, 4, 5.
Toque duplo do polegar 1, 2, 5, 6.
Polegar com voz cantante 1, 2, 6.
Diferentes toques de i-m-a. Todos
Translados Todos
A N S 1, 2, 3, 4, 5, 7.
Destaque de notas em acordes 1, 3, 5, 6, 7.

Tabela 3: Demandas técnicas de mão esquerda e Estudos que contém a respectiva demanda.

Demandas Técnicas Aspecto específico Mão Esquerda Estudos que contém esta demanda
Pestanas 2, 3, 4, 5, 7.
Meias Pestanas Todos
Ligados 1, 2, 3, 4, 6, 7.
Translados Todos
Distensões 1, 2, 3, 4, 5, 7.
Contrações Todos

4. Algumas demandas técnicas nos Sete Estudos7

4.1 Arpejo

Os arpejos nos Estudos de Fonseca não aparecem da forma constante e com o mesmo padrão de digitação de mão direita, como no Estudo nº 1 de Heitor Villa-Lobos ou no Estudo nº 6 de Leo Brouwer, ambos os quais são referência em estudos de arpejos. Nos Estudos de Fonseca, esta demanda técnica aparece como acompanhamento de uma melodia que, em alguns casos, deve ser destacada do arpejo. Alves pondera sobre os arpejos no Estudo nº 6 de Brouwer da seguinte forma:

[...] no Estudo VI, o único aspecto específico de demanda técnica enfocado é a prática dos arpejos. O movimento dos arpejos é constante em todo Estudo, modifica-se apenas a estrutura rítmica do trecho final [...] Os arpejos repetidos a cada compasso lembram o Estudo nº 1 de Villa-Lobos [...] (ALVES, 2005, p. 44).

No Estudo nº 5, assim como em todos os Estudos de Fonseca em que há arpejo, esta demanda aparece na forma de melodia acompanhada, como podemos ver claramente no seguinte exemplo. As setas indicam a melodia a ser destacada.

Exmplo 1: Melodia a ser destacada no Arpejo. Estudo nº 5 de Fonseca (compassos 26 - 29).

4.2 Diferentes formas de atuação dos dedos da mão direita

As diferentes formas de atuação dos dedos da mão direita – classificadas por Carlevaro (1978, p. 65) como toques – são responsáveis por realizar escolhas interpretativas no que se refere à produção sonora. Nos estudos de Fonseca, estes toques podem ser a demanda técnica responsável por realizar demandas musicais como diferenciação de vozes e destaque de melodia, dentre outras.

Cada toque dinâmico deve realizar-se com uma atitude diferente dos dedos. Na medida da intensidade sonora, a atuação livre dos dedos se mescla com a fixação de suas articulações. Em caso extremo, pode-se anular o movimento das falanges, enrijecendo-as de forma consciente, para atuar com a mão e o braço. Vejamos o que diz Carlevaro:

[...] nas diferentes maneiras de se utilizar distintos graus de força, nos variados toques dinâmicos, deve-se efetuar também diferentes trabalhos com os dedos. Cada forte, cada piano, cada acento isolado requer um tipo de toque [...] (CARLEVARO, 1978, p. 65. Tradução nossa).8

Nos Sete Estudos de Fonseca a utilização de diferentes toques de mão direita é de suma importância para atender as inúmeras indicações de dinâmica marcadas pelo compositor. Como podemos ver no seguinte trecho, em cada compasso podemos usar diferentes fixações dos dedos para conseguir a dinâmica desejada. Os acentos podem ser realizados utilizando o toque nº 3, com o dedo se movendo desde sua base e mantendo as falanges rígidas, enquanto as demais notas podem ser tocadas com o toque nº 1, livre de fixações.

Toques da mão direita em função da dinâmica (fixa-se uma ou várias falanges).

Exemplo 2: Utilização de fixações de falanges em função de destaque de notas. Estudo 6 de Fonseca (compassos 1 - 2).

Toque fortíssimo do polegar (fixa-se o dedo e atua o pulso). Neste exemplo podemos conseguir este toque fixando o polegar e atuando com pulso e até com o braço.

Exemplo 3: Utilização de fixações de falanges em função de toque Fortíssimo. Estudo 6 de Fonseca (compassos 63 - 66).

4.3 Ligados

A ligadura é uma linha curva que se estende sobre determinado número de notas para indicar sua conexão. O efeito assim obtido chama-se “legato”. (GROVE, 1994, p. 537). No violão, é importante diferenciar a ligadura de frase do ligado técnico, que ocorre entre notas de diferentes alturas, indicando que devemos tocar a primeira nota com a mão direita e a(s) restante(s) com a mão esquerda. O ligado é uma ferramenta interpretativa bastante utilizada na técnica violonística. O seu uso permite diferentes articulações em variados estilos musicais.

Em seus Sete Estudos, Fonseca parece não ter utilizado o recurso do ligado técnico, talvez por falta de conhecimento deste artifício. Fazemos esta observação baseados nos manuscritos de três dos Sete Estudos de Fonseca e no relato de Barbosa-Lima (2011), que em entrevista afirmou que Fonseca não conhecia este recurso. Nos manuscritos dos Estudos nº 2, 4 e 7 não existe indicações de ligados técnicos. Os ligados contidos na versão editada dos Estudos foram acrescentados por Barbosa-Lima.

Nos trechos abaixo podemos ver o acréscimo de ligados feitos por Barbosa-Lima, provavelmente visando uma articulação diferenciada, dando ênfase às apojaturas.

Exemplo 4: Trecho contendo ligados acrescentados por Barbosa-Lima na versão publicada dos Estudos. Estudo nº 2 de Fonseca (Compasso 15)

Nos exemplos extraídos dos manuscritos, as setas indicam o local onde foram acrescentados ligados na versão editada dos Estudos.

Exemplo 5: Trecho da versão Manuscrita dos Estudos sem Ligados acrescentados. Estudo nº 2 de Fonseca (Compasso 15).

Na seguinte tabela podemos ver a quantidade de indicações de ligados contidas em cada estudo.

Tabela 4: Recorrência de ligados nos Sete Estudos de Fonseca.

Demanda Número de ocorrências nos estudos
técnica Estudo nº 1 Estudo nº 2 Estudo nº 3 Estudo nº 4 Estudo nº 5 Estudo nº 6 Estudo nº 7
Ligados 23 14 27 4 0 17 51

Após conferirmos o uso dos ligados em todos os Sete Estudos, podemos afirmar que nenhum deles trabalha o ligado de forma sistemática, visando um aprimoramento técnico. Embora o nº 7 possua uma quantidade significativa de ligados, o seu uso é pontual e, como no restante dos Estudos, os ligados nele presentes não têm a função de aprimorar esta demanda técnica. O uso dos ligados nos Estudos de Fonseca visa uma articulação diferenciada em determinado trecho musical.

4.4 Translados longitudinais de mão esquerda

Denomina-se translado longitudinal de mão esquerda toda mudança de posição. Por sua vez, posição é a localização da mão esquerda em relação às divisões de espaço que existem na escala do braço do violão.9 (CARLEVARO, 1978, p. 97). A posição é denominada com base na localização do dedo número 1. Em função da necessidade de diferentes posicionamentos de mão esquerda em cada setor, Carlevaro propõe a divisão do braço do violão em três setores:

Setor da primeira oitava: da primeira à nona posição. Neste setor o braço realiza os translados sem obstáculos, o polegar acompanha os movimentos livremente.
Setor de transição: da décima à décima segunda posição. Para evitar o obstáculo do aro inferior do violão, devemos levantar o braço um pouco à frente, até que a mão esteja livre, como podemos ver na figura seguinte.

Figura 1: Posicionamento da mão no setor de transição. (CARLEVARO, 1978, p. 97).

Setor de segunda oitava: da décima terceira posição em diante. Os translados no setor de segunda oitava devem realizar-se com a participação ativa do braço, fazendo variar a abertura angular entre o polegar e indicador. Segundo Carlevaro (1978), a mecânica referente ao setor de segunda oitava só é válida para o posicionamento longitudinal, sendo que

o posicionamento transversal não requer este tipo de mecânica. 10

Figura 2: Posicionamento de mão no setor de segunda oitava. (CARLEVARO, 1978, p. 98).

Com o fim de entender a disposição e recorrência do uso de translados em cada um dos Sete Estudos, após uma análise desta demanda na série, elaboramos a seguinte tabela.

Tabela 5: Recorrência de translados nos Estudos de Fonseca.

Demanda técnica Número de ocorrências nos estudos
Estudo nº 1 Estudo nº 2 Estudo nº 3 Estudo nº 4 Estudo nº 5 Estudo nº 6 Estudo nº 7
Total de translados 107 56 49 47 97 22 108
Translados em posições próximas 85 48 41 39 90 18 97
Translados em posições distantes 22 8 8 8 7 4 11
Translados, posições de transição e segunda 8ª 8 0 3 2 6 0 9

Podemos afirmar, após a análise dos dados contidos na tabela, que, com exceção do Estudo 6, todos os demais estudos contém uma considerável quantidade de translados, destacando-se os Estudos 1, 5 e 7 pela maior frequência destes em relação aos demais. Podemos também destacar que o número de translados entre posições distantes 11 em todos os Sete Estudos é baixo em comparação com o número de translados entre posições próximas, como podemos ver no seguinte gráfico:

Figura 3: Comparação quantitativa entre translados em posições próximas e distantes.

Do total de 486 translados contidos na série dos Sete Estudos de Fonseca, aproximadamente 86 % acontecem em posições próximas e 14% em posições distantes.

Os translados em posições distantes, que possuem uma dificuldade maior devido à distância percorrida pela mão esquerda, são inexistentes nos estudos nº 2 e 6 e pouco utilizados no restante dos Estudos. Se considerarmos os translados ocorridos em posições de transição e de segunda oitava, que também são mais difíceis devido às mudanças de posicionamento de mão esquerda, sua ocorrência é bem inferior aos translados em posições da primeira oitava.

Os facilitadores são outro aspecto a ser observado quando tratamos de translados. Estes são fatores musicais ou técnicos que facilitam a realização de uma determinada demanda técnica. Por exemplo, o andamento: um mesmo translado em um ritmo lento pode ser mais fácil que num ritmo rápido, devido ao tempo que teremos para realizá-lo. O uso de uma corda solta, antes de um translado, pode nos propiciar um tempo maior para sua realização.

No trecho seguinte do Estudo nº1 de Fonseca, temos duas situações de translados em posições distantes que possuem facilitadores: figura rítmica lenta e cordas soltas (indicados pelas setas vermelhas). Neste Estudo, o de maior quantidade de translados em posições distantes, em várias situações os translados possuem facilitadores.

No exemplo anterior, no translado da segunda para décima posição, temos um TL + 712 de difícil realização devido à sua distância, facilitado pela mínima precedente ao translado. Esta mínima nos proporciona um tempo suficiente para visualizar o ponto de chegada do próximo translado. Logo após, se optarmos por fazer as notas Lá e Dó na segunda corda, teremos um translado ainda maior (TL – 8), facilitados pelas cordas soltas do acorde que precede o translado, o que propicia um tempo maior para o posicionamento no ponto de chegada.

Ainda no Estudo nº 1, no trecho seguinte, podemos observar uma situação em que ocorrem translados entre posições distantes, sem a possibilidade do uso de facilitadores.

Exemplo 7: Translados. Estudo nº 1 de Fonseca (compasso 3 - 5).

O translado entre a décima e a quinta posição (TL – 4) ocorre em tempo de semicolcheia, o que dificulta sua realização. Cabe destacar que, na sequência de translados (compasso cinco), passamos pelos três setores do diapasão, uma vez que a 13ª posição está localizada no setor de 2ª oitava, a 10ª e 12ª estão no setor de transição e as demais estão no setor de 1ª oitava. Portanto, para a realização deste trecho, precisamos usar três diferentes posicionamentos de mão esquerda, o que pode ser considerado mais um fator de dificuldade na realização desta demanda.

4.5 Pestanas

Frequentemente o conceito de pestana é abordado como uma técnica que possibilita tocar com um só dedo várias cordas ao mesmo tempo. Porém, o seu uso no violão pode ser ampliado, como coloca Pujol:

[...] este procedimento presta à técnica uma valiosa colaboração; faz às vezes de um traste seccionável e móvel, que permite sustentar à maneira de pedal certas passagens melódicas e harmônicas que de outra maneira seriam difíceis, senão impossíveis, de executar. (PUJOL, 1952, p. 36 apud ALVES, 2005, p. 63).

As pestanas e meias pestanas também podem ser usadas no intuito de desenvolver a independência dos dedos. Durante o emprego da pestana ou meia pestana, os outros dedos não têm a ajuda integral da oposição com o polegar e do conjunto mão e braço, atuando assim de uma forma mais isolada.

A pestana pode abarcar no máximo seis cordas (no violão de construção tradicional) e eventualmente até uma corda. Quando a pestana abarca um número menor que seis cordas é comumente chamada de meia pestana.

O uso da pestana não está somente ligado ao ato de pressionar várias notas com um só dedo, ela também pode ser usada para obter a melhor condução de vozes (através da sustentação) ou para dar maior estabilidade à mão. No exemplo seguinte, podemos ver como Barbosa-Lima utiliza, em sua digitação, o recurso da meia pestana com o intuito de conduzir corretamente as vozes.

Exemplo 8: Trecho contendo meias pestanas utilizadas na condução de vozes. Estudo nº 1 de Fonseca (Compassos 1 e 2).

Para manter a duração correta das semibreves do compasso 1, temos que recorrer ao uso da meia pestana para tocar a nota Fá (melodia), já que todos os dedos estão ocupados pressionando as notas do acorde anterior.

Com os dados obtidos por meio da análise da partitura e do levantamento das pestanas e meias pestanas contidas nos Sete Estudos de Fonseca, formulamos a próxima tabela, buscando entender a recorrência com que apareciam em cada estudo. O número de ocorrências de pestanas e meias pestanas nos estudos foi levantado pelas indicações presentes na digitação grafada de Barbosa-Lima.

Tabela 6: Recorrência de pestanas e meias pestanas nos Sete Estudos de Fonseca.

Demanda técnica Número de ocorrências nos estudos
Estudo nº 1 Estudo nº 2 Estudo nº 3 Estudo nº 4 Estudo nº 5 Estudo nº 6 Estudo nº 7
Pestana 0 8 5 11 75 0 11
Meia pestana 28 7 8 13 48 1 28

Considerando a série dos Sete Estudos, a utilização das meias pestanas é pouco superior à utilização das pestanas, como podemos ver no seguinte gráfico.

Figura 4: Comparação quantitativa entre o uso de pestanas e meias pestanas nos Sete Estudos de Fonseca.

A partir da análise dos dados contidos na tabela acima e do uso das pestanas e meias pestanas nos Sete Estudos de Fonseca, podemos fazer algumas observações. O Estudo nº 6 não faz uso de pestanas, exceto por uma meia pestana presente no último acorde da peça; o Estudo nº 1 possui somente meias pestanas; o Estudo nº 5 é o que mais contém pestanas e meias pestanas, sendo que a quantidade de pestanas é bem superior à de meias pestanas.

4.6 Demandas técnicas predominantes

É comum, em estudos para violão, os compositores indicarem na partitura a demanda técnica específica a ser explorada, como afirma Alves (2005):

Nos estudos das últimas séries de Brouwer, XI a XV e XVI a XX, o próprio compositor informa, na partitura, qual é a demanda técnica explorada. Por exemplo, nos estudos XI e XIII, aparece a recomendação: “para os ligados e as posições fixas” (1983). No estudo XIX, encontra-se a indicação: “Para os acordes de quatro sons” (1983). Estas informações facilitam a classificação dos estudos de Brouwer com suas respectivas demandas técnicas. (ALVES, 2005, p. 13).

Villa-Lobos, em alguns estudos, também usa este artifício, indicando a demanda técnica a ser explorada, como por exemplo, no estudo nº 4, “de acordes repetidos” (1929) e no estudo nº 2 “de arpejos” (1929).

Nos Sete Estudos de Fonseca, estas indicações de demandas técnicas predominantes não acontecem. Após a investigação sobre a recorrência de cada demanda técnica nos Estudos de Fonseca, chegamos à tabela abaixo. Nela podemos ver as demandas técnicas predominantes em cada estudo. A letra X denota a ausência de demanda técnica predominante.

Tabela 7: Demandas técnicas predominantes nos Sete Estudos de Fonseca.

Estudos em ordem numérica Demandas técnicas predominantes Mão direita Mão esquerda
Estudo nº 1 X Translados.
Estudo nº 2 Arpejo. X
Estudo nº 3 X X
Estudo nº 4 Arpejo. X
Estudo nº 5 ANS. Pestanas e meias pestanas, translados.
Estudo nº 6 Notas repetidas. X
Estudo nº 7 X Translados.

Baseados nos dados obtidos durante as análises, podemos afirmar que no Estudo nº 1 de Fonseca, predominam os translados, embora ele não seja especificamente dedicado a esta demanda técnica. Os Estudos nº 2 e 4 poderiam ser considerados estudos de arpejo, pela recorrência frequente desta demanda. O Estudo nº 5 poderia ser considerado um estudo de pestanas e meias pestanas, embora nele estejam presentes, em grande quantidade, outras demandas como acordes de notas simultâneas e translados. O Estudo nº 6 poderia ser considerado um estudo de notas repetidas; porém, também as diferentes acentuações e dinâmicas são fundamentais para a execução desta peça. A demanda técnica translados predomina no Estudo nº 7; no entanto, pela quantidade e importância de outras demandas nele presentes (tais como pestanas, meias pestanas e diferentes toques), este não poderia ser classificado simplesmente como um estudo de translados.

Considerações finais

Após o levantamento e análise das demandas técnicas contidas nos Sete Estudos Brasileiros para violão Solo de Carlos Alberto Pinto Fonseca, concluímos que, apesar de não apresentarem inovação no que se refere a demandas técnicas violonísticas, neles, são exploradas de forma idiomática diversas demandas: pestanas, meias pestanas, translados e diferentes toques dos dedos da mão direita, dentre outras, que são de suma importância para o desenvolvimento do violonista. Embora Fonseca não tivesse um conhecimento profundo do violão, estes estudos não apresentam trechos inexequíveis ou de execução complexa, fato raro em obras de compositores não violonistas.

Percebemos que, apesar da grande recorrência de translados nestes estudos, aproximadamente oitenta e seis por cento deles acontecem em posições próximas, o que facilita sua realização. Concluímos também que as pestanas e meias pestanas presentes nos estudos de Fonseca nem sempre ocorrem de uma forma tradicional, sendo também utilizadas para facilitar a condução de vozes.

Concluímos que os diferentes toques dos dedos da mão direita e o trabalho diferenciado do polegar são recorrentes em todos os sete Estudos, sendo fundamentais para a realização das diversas indicações de dinâmica.

A análise das demandas técnicas pode ser de grande valia para o violonista conhecer de antemão as habilidades motoras necessárias para a realização de uma peça, podendo assim fazer uma escolha de repertório mais adequada ao seu nível técnico. Embora Fonseca não tenha indicado em seus Estudos quais as demandas técnicas a serem exploradas, após a análise da recorrência e predominância de cada demanda nos Sete Estudos, percebemos que alguns deles trabalham demandas específicas.

Constatamos, baseados nos manuscritos dos estudos 2, 4 e 7 encontrados em nossa pesquisa, que Barbosa-Lima, ao digitar e editar os Estudos, realizou algumas modificações no que se refere ao ritmo, ao andamento e até com respeito às notas. Não foi objetivo do presente trabalho estabelecer diferenças entre o manuscrito e a versão editada dos Sete Estudos, guardando esta possibilidade para trabalhos futuros. Entretanto, em alguns momentos esta comparação tornou-se necessária.

Para finalizar, esperamos que a análise de demandas técnicas possa ser utilizada para aprimorar o desenvolvimento e o desempenho do violonista e que a obra para violão de Carlos Alberto Pinto Fonseca possa conseguir o merecido destaque no repertório do instrumento.

Notas

1 Antes que nada la técnica es un trabajo mental que culmina con el trabajo de los dedos. Erróneamente en forma

general, se emplea el término sólo para asociarlo a la idea de rapidez, agilidad, velocidad descontrolada. Pero en

todos estos términos no existe una definición correcta, una valoración que nos dé la imágen exata de la palabra

“técnica” [...] la técnica debe interpretarse como la obtención, con el mínimo esfuerzo, del máximo resultado

(CARLEVARO, 1974, p. 2). 2 Ato de precionar mais de uma corda com um só dedo, frequentemente o dedo nº 1. Também pode ser considerar

como pestana qualquer situação na qual o dedo 1 entre em contato com a(s) corda(s) com outra parte que não seja

sua ponta. 3 Normalmente a mão esquerda em posicionamento longitudinal abarca o âmbito de quatro espaços (casas), porém

em diversas situações temos que abarcar mais espaços, sem a possibilidade de mudar de posição, para isso pre

cisamos “esticar” (distender) o dedo até a casa que teremos que tocar, usando assim o recurso da distensão. 4 Coral da UFMG, premiado nacional e internacionalmente, foi modelo para inúmeros coros de todo o país, tendo

se apresentado nos EUA e Europa e América do Sul. (COELHO, 2009).

5 ANS = Acordes de notas simultâneas. 6 Os dedos polegar, indicador, médio e anular da mão direita, são representados respectivamente pelas letras P - i

- m - a.

7 Na Dissertação de Mestrado que deu origem ao presente artigo, analisamos a totalidade das demandas presentes dos Sete Estudos. Porém, como isto excederia o escopo deste trabalho, tivemos que selecionar apenas algumas. Para mais informações ver: OLIVEIRA, C,B. “Os Sete Estudos Brasileiros para Violão Solo de Carlos Alberto Pinto Fonseca: Uma Abordagem Analítica Sobre Demandas Técnicas”.

8 En las diferentes maneras de presentar los distintos grados de fuerza, en los variados toques dinámicos, debe efectuarze también un diferente trabajo de los dedos. Cada forte, cada piano, cada acento aislado requiere un tipo de toque [...] (CARLEVARO, 1978, p. 65).

9 A escala do braço do violão também é conhecida como diapasão. 10 Carlevaro não explica a mecânica usada no posicionamento transversal no setor de segunda oitava. (CARLEVARO, 1978, p. 96 - 98). 11 Posições próximas são aquelas que se encontram em um limite de quatro casas, tendo como referência o dedo 1. Posições distantes são aquelas que ultrapassam este limite.

12 Para saber a real distância de cada translado Fernandez propõe a fórmula TL + X e TL – X. Sendo que TL = translados longitudinais, X = número de casas percorridas pelo dedo até a casa de chegada. (FERNANDEZ, 2000, p. 52). O sinal + significa que o translado é ascendente, o sinal – significa que ele é descendente. Ex. TL+

3: O translado ascendente percorreu a distância de três casas.

Referências bibliográficas

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Cristiano Braga de Oliveira - Possui graduação em Música Bacharelado/Violão e graduação em Licenciatura em Música pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Música/Práticas Interpretativas/Violão pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Conceito 7 pela CAPES. Atualmente é Professor Assistente da Universidade Federal do Maranhão.

Daniel Wolff - Bacharel em Música - Habilitação Violão - Escuela Universitária de Música de la Universidad de la República (Montevidéu, 1989), Mestre em Música - Guitar Performance - Manhattan School of Music (Nova Iorque, 1991) e Doutor em Música - DMA - Manhattan School of Music (Nova Iorque, 1998). Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor visitante da Universität der Künste Berlin (pós-doutorado)