Artigos Científicos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012

As Junções de Palavras no Português Brasileiro Cantado: estudos para uma aplicação

Juliana Starling (UNESP, São Paulo, SP, Brasil)

jcstarling@hotmail.com

Martha Herr (UNESP, São Paulo, SP, Brasil)

marthalouherr@gmail.com

Resumo: Este artigo constitui-se em um exercício de reflexão sobre as possibilidades de realização de juntura1 de palavras no português brasileiro cantado, a fim de contribuir como uma ferramenta para os cantores e professores de canto e dicção em português brasileiro. A proposta partiu de um estudo das normas para a pronúncia do português brasileiro de 1938 e 1958, que já abordaram o tema, em conjunto com a análise das normas atuais, publicadas em 2007. Palavras-chave: Português brasileiro cantado; Juntura de palavras; Pronúncia do português brasileiro.

The Linking of Words in Brazilian Portuguese Liric Diction: studies for an application

Abstract: This article is a reflection on the possibilities for the linking and or connection of words in Brazilian Portuguese lyric diction with the intention of contributing this as a tool for singers, singing and diction teachers working with BP. The proposal came from a study of the norms for the Brazilian Portuguese pronunciation 1938 and 1958 rules, which addressed the issue, in conjunction with the analysis of the current norms, published in 2007. Keywords: Brazilian Portuguese; Lyric diction; Connecting words; Brazilian Portuguese pronunciation.

1. Introdução

Desde a publicação das atuais Normas para a Pronúncia do Português Brasileiro no Canto Erudito na Revista Opus2, em 2007, e no Journal of Singing3, em 2008, estas tem sido alvo constante de discussões e de propostas de revisões, a fim de se aprimorar os seus aspectos formais, para a melhor aplicação prática por parte dos cantores e professores de canto e dicção em português brasileiro (PB).

Dentre os pontos de revisão está o da juntura de palavras. A pesquisa é complexa porque os casos são extensos, necessitando cada um deles de uma análise criteriosa. Além disso, outra dificuldade que se impõem é a de se formatar os resultados em uma tabela, como estão formatadas as normas atuais. Assim, objetiva-se neste artigo expor preliminarmente as normas que já trataram deste tema no PB cantado e, a partir das normas atuais, propor algumas soluções para as junturas de palavras em peças eruditas em PB.

2. Juntura de palavras em normas anteriores

Abordada pela primeira vez nas normas expostas nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada4, publicado em 1938, a juntura de palavras mereceu um capítulo denominado “Ligação de palavras e tritongos”. Lá o próprio documento relata a laboriosa tarefa de se fixar normas para a juntura de palavras, uma vez que cada frase constitui-se em um caso próprio, com seu ritmo e psicologia particulares, dependendo, muitas vezes, “quase exclusivamente da inteligência e da expressividade tanto do compositor como do cantor” (1938, p. 86). Apontando ocorrências entre vogais e algumas consoantes, as normas de 1938 relatam exemplos como o do hiato resultante de uma palavra que termina com vogal e a pa-

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012 Recebido em: 08/03/2012 - Aprovado em: 15/04/2012

lavra seguinte, que também começa com vogal que tende a desaparecer; seja contraindo as duas vogais num ditongo, seja uma delas assimilando a outra. Constam, portanto, a seguir, os casos de juntura de palavras entre vogais expostos nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, de 1938.

2.1 Primeiro caso de juntura de palavras

Terminação da primeira palavra vogal reduzida com vogal átona em início da segunda palavra: “Quando a primeira palavra termina por uma vogal oral surda e a palavra seguinte principia por essa mesma vogal ou a imediatamente seguinte das duas séries decrescentes a-e-i e a-o-u, se a vogal segunda não é tônica, no geral devora a primeira” (CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA, 1938, p. 86). Alguns exemplos:

‘a’ + ‘a’: Você faç’a mesma coisa... (faça + a) ‘a’ + ‘e’: Ganhei uma not’excelente... (nota + excelente) ‘e’ + ‘e’: Pobre d’ispírito... (de + espírito) ‘e’ + ‘i’: Pobr’instinto... (pobre + instinto) ‘a’ + ‘o’: Na cas’oposta à minha... (casa + oposta) ‘o’ + ‘o’: Corre camp’o boi Espacio... (campo + o) ‘o’ + ‘u’: O sonh’utilizado... (sonho + utilizado)

2.2 Segundo caso de juntura de palavras

Terminação da primeira palavra vogal reduzida com vogal tônica em início da segunda palavra: Caso a segunda vogal seja tônica, seja o ‘e’ reduzido diante de ‘é’, seja o ‘e’ reduzido diante de ‘ê’, o ‘o’ reduzido diante de ‘á’, ‘ô’ e ‘u’, bem como, nos saltos de uma das séries vocálicas para outra (‘e’ + ‘o’, ‘e’ + ‘u’, ‘o’ + ‘e’, ‘o’ + ‘i’), a vogal surda nunca é omitida. Exceções: expressões feitas tais como vinha-d’alhos e fios-d’ovos, herança dos portugueses. Segundo as normas expostas nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, de 1938, nos outros casos em que a vogal é tônica, será a coerência interna da frase, e/ou o ritmo e/ou o seu movimento psicológico que poderão definir a pronúncia. Alguns exemplos:

‘a’ + ‘a’: Não havi’alma viva. (havia + alma) Quer que faça-alto?

Esta segunda frase constitui um dos casos em que há alteração de acento psicológico da frase. A recomendação para se manter ambas vogais ‘a se faz também em função do risco de se entender, com a omissão da primeira, “Quer que faç’alto?” [kɛrkI fas sa:ʊ.tʊ], ou “Quer que faz alto?” [kɛrkI fa za:ʊ.tʊ] o que incorreria num erro gramatical.

‘a’ + ‘ê’: Boi de fam’êh bumba! (fama + êh) Quem tivera-êxtase tamanho!

Também nesta segunda situação, há uma alteração de acento psicológico da frase. Além disso, a omissão do ‘a’ da palavra “tivera” pode transformar a frase em “Quem tiver êxtase tamanho!”. Desta maneira, para a manutenção do sentido da frase, pronunciamos “tivera êxtase”.

2.3 Terceiro caso de juntura de palavras

Terminação da primeira palavra vogal tônica com vogal átona ou tônica em início da segunda palavra: quando a primeira palavra termina com vogal tônica, as duas vogais, desta primeira e da segunda palavra, geralmente são conservadas. Na maioria das vezes formam um hiato e mais raramente um ditongo. Alguns exemplos:

‘a’ + ‘o’: Quiçá o tempo mude. ‘e’ + ‘a’: Com fé as pessoas vivem.

Mesmo no caso do ‘i’ tônico ser seguido por ‘e’ reduzido ou ‘i’, há um prolongamento do ‘i’. Exemplo: “nunca vi-idoneidade mais discutível”, “ali-istavam três homens”.

2.4 Quarto caso de juntura de palavras

As seguintes formações de ditongos crescentes: com a [kwa], e as [jas], -oon[wõ]: apresentam outra proposta de realização, tornando-se apoiaduras (acicaturas5). É utilizado frequentemente pelos poetas em métrica.

Exemplo 1: Acicaturas em ditongos crescentes advindos de ligação de palavras. Trovador do sertão, F. Braga e Cascavel, H. Villa-Lobos. CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA, 1938, p. 88.

Desta forma, em quaisquer casos de ligação de palavras, quando esta ocorrer sob um só som da melodia, dependerá do cantor a divisão do mesmo, de maneira a “equilibrar as exigências do canto com as da expressão psicológica do texto” (CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA, 1938, p. 87). Por outro lado, a regra geral diz que quando nenhuma das vogais for omitida, o cantor deve adotar uma das vogais como real e as outras como semivogais ou semiconsoantes, obedecendo assim às normas dadas para os ditongos. Tal como no exemplo da canção “Teu nome”, de Francisco Mignone, na qual o compositor divide por metade o valor das notas, a seguir:

Exemplo 2: Ditongo advindo de ligação de palavras (divisão por metade). Teu nome, F. Mignone. ANAIS, 1938, p. 88.

2.5 Quinto caso de juntura de palavras

Em fenômenos fonéticos: nas expressões feitas em que a preposição ‘de’ faz parte, pode-se aceitar a apócope6, quando o compositor deu um som apenas para a melodia. Exemplos: copo d’água; estrela d’alva; fios d’ovos, galinha d’Angola, minh’alma.

2.6 Sexto caso de juntura de palavras

Nas palavras terminadas em consoantes que não sejam ‘l’, ‘m’, ‘n’, ‘r’, ‘s’ e ‘z’, usa-se paragoge7, salvo se aparecerem em síncopas rápidas, ou num som destacado, para não prejudicar a realidade rítmica. Exemplo: sob meu pé [’so.bI meʊ ’pɛ]; sob o véu [’so.bjʊ ’vɛʊ]. Por outro lado, omite-se a paragoge, no caso dessas consoantes se juntarem a consoantes cujo modo e ponto de articulação são os mesmos. Exemplo: “sob palmeiras dormindo”. Ambas consoantes, ‘b’ e ‘p’, são oclusivas bilabiais sonoras.

2.7 Sétimo caso de juntura de palavras

Nas regras específicas de algumas consoantes.

2.7.3) Consoante ‘m’ final: quando as sílabas ‘em’ e ‘im’, finais de palavras oxítonas, são seguidas de palavra iniciada por vogal, o ‘m’ transforma-se no fonema [ɲ]. Exemplo: vem armar [’vɛ.ɲaɾ’mar]; sem ir [s:I’ɲir].

2.7.2) Consoante ‘r’ final. quando seguido de palavra iniciada por vogal soa brando [ɾ].Exemplo: levar amanhã [le’va.ɾa.mɐ̃ɲɐ̃].

2.7.3) Consoantes ‘s’ e ‘z’ finais: quando seguidas por palavra iniciada por vogal soam ambas [z]. Exemplo: mais amei [ma:I.za’me:I]. Diante de ‘b’, ‘d’, ‘g’, ‘l’, ‘m’, ‘n’, ‘r’, ‘v’ e ‘z’, soam [z]; e quando seguidas de consoantes surdas, soam [s]. Exemplos: outras batas [’o:ʊ. tɾazba’tɐs]; outras catas [’o:ʊ.tɾaska’tɐs]. O ‘s’ diante de ‘j’ ou ‘g’ com valor de [ʒ] ou de [ʃ] é assimilado, exemplo: os jarros [ʊʒa.rʊs], as chaves [a’ʃa.vIs].

Vale dizer que as normas apresentadas nos Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada, de 1938, partiram de um anteprojeto elaborado por Mário de Andrade. Teve como norte, obras de foneticistas como Antenor Nascentes, Sousa da Silveira e Renato Mendonça, além de um relatório apresentado ao Diretor Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, pela Comissão nomeada para estudar a pronúncia carioca – “Boletim de Educação Pública” ano I, n° 4.

Também as normas expostas nos Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro8, de 1958, abordam este tema com os seguintes títulos: “Da contigüidade de vogais ou ditongos finais de vocábulos com vogais ou ditongos iniciais de vocábulos”; “Da contigüidade de consoante final de vocábulo com fonema inicial de vocábulo” que tomam os itens XIV, XV, XVI, XVII, XX, XXI, XXII, XXIII e XXIV das referidas normas. Resumidamente estão descritos como:

2.8) A ligação de vogal tônica final com vogal ou ditongo tônicos iniciais de vocábulo é, normalmente, mantida como hiato. Exemplos: ali há [a’li ’a], sé alva [‘sɛ ’al.vɐ];

2.9) A ligação de vogal tônica final de vocábulo com vogal ou ditongo átonos iniciais de vocábulos é, normalmente, mantida como hiato, podendo, porém, ocorrer ditongação, se a vogal átona for [i] ou [u]. Exemplos: xará heróico[ʃa’ɾae’ɾↄ:I.kʊ], xará inimigo [ʃa’ɾa:i. ni’mi.gʊ], boné azul [bo’nɛa’zul], boné utilizado [bo’nɛ:ʊ.ʧi.li’za.dʊ];

2.10) A ligação de vogal átona final de vocábulo e vogal tônica inicial de vocábulo é, normalmente, mantida como hiato (essa unha [’ɛ.sɐũ.ɲɐ], essa ilha [’ɛ.sɐ ’i.ʎɐ]), mas pode ocorrer o alongamento ou duplicação, se as duas vogais forem do mesmo tipo (essa água [’ɛ. sɐ ’a.gwɐ] ou [ɛ’sa.gwɐ], verde ilha [’ver.ʤI ’i.ʎɐ] ou [ver’ʤi.ʎɐ]). Pode ocorrer a ditongação crescente se a vogal átona final de vocábulo for [i] ou [u] (esse ano [’e.sI ’a.nʊ] ou [’e.sja.nʊ], esse elo [’e.sI ’ɛ.lʊ] ou [’e.sjɛ.lʊ], etc.).

2.11) A ligação de vogal átona final de vocábulo e vogal átona inicial de vocábulo pode manter-se em hiato, ser transformada em ditongação ou em alongamento ou duplicação, ou em elisão9. Temos:

2.11.1) Em hiato, alongamento ou elisão, quando a vogal átona final é [ɐ] e a vogal inicial é [a], [ɐ] ou [ɐ̃]. Exemplos: essa apuração [’ɛ.sɐa.pu.ɾa’sɐ̃:ʊ], [’ɛ.sa:pu.ɾa’sɐ̃:ʊ] ou [’ɛ. sa.pu.ɾa’sɐ̃:ʊ], essa animação [’ɛ.sɐa.ni.ma’sɐ̃:ʊ], [’ɛ.sa:ni.ma’sɐ̃:ʊ] ou [’ɛ.sa.ni.ma’sɐ̃:ʊ].

2.11.2) Em hiato ou elisão, quando a vogal átona final é [ɐ] e a vogal átona inicial é [e], [], [o] ou [õ]. Exemplos: obra emérita [’o.bɾɐe’mɛ.ɾi.tɐ], [’o.bɾe’mɛ.ɾi.tɐ].

2.11.3) Em hiato, ditongo ou elisão, quando a vogal átona final é [ɐ] e a vogal átona inicial é [i], [ĩ], [u] ou [ũ]. Exemplos: linda união [’lĩ.dɐu.ni’ɐ̃:ʊ], [’lĩ.daʊ.ni’ɐ̃:ʊ] ou [’lĩ. du.ni’ɐ̃:ʊ].

2.11.4) Em hiato ou ditongo, quando a vogal átona final é [I] e a inicial qualquer uma que não [I]. Exemplos: leve aragem [’lɛ.vIa’ɾa.g:I] ou [’lɛ.vja’ɾa.g:I].

2.11.5) Em hiato, alongamento ou elisão, quando a vogal átona final é [I] e a inicial

[i] ou [ĩ]. Exemplos: esse hipócrita [’e.sI i’p.kɾi.tɐ], [’e.si:’p.kɾi.tɐ] ou [’e.si’p.kɾi.tɐ].

2.11.6) Em hiato, ditongo ou elisão, quando a vogal átona final é [ʊ] e a inicial qualquer uma que não [ʊ]. Exemplos: medo horrível [’me.dʊo’ri.vel], [’me.dwo’ri.vel] ou [’me.do’ri.vel].

2.11.7) Em hiato, alongamento ou elisão, quando a vogal átona final é [ʊ] e a inicial

[u] ou [ũ]. Exemplos: livro utilíssimo [’li.vɾʊu.ʧi’li.si.mʊ], [’li.vɾu:ʧi’li.si.mʊ] ou [’li.vɾu.ʧi’li.si.mʊ].

2.12) A consoante final de vocábulo com que ocorre com [b] se apresentam na língua pela preposição “sob”, que seguida de outras consoantes mantém suas propriedades fonéticas, não devendo, porém, ser pronunciada com apoio de [I]. Exemplo: sob brumas [sob ’bɾu.mɐs] e não [’so.bI’bɾu.mɐs]. Mas se seguida por palavra iniciada por vogal, poderá ser proferida com apoio de [j], por exemplo, “sob as brumas” [’so.bjaz’bɾu.mɐs].

2.13) A consoante final de vocábulo que ocorre com [l] lateral linguoalveolar sonoro relaxado, se seguida de qualquer consoante inicial de vocábulo, não altera o seu valor; porém, se for seguida de vogal (ou semivogal) inicial de vocábulo, sem pausa intermédia, passa a [l], inicial de sílaba (fricativa lateral alveolar sonora). Exemplos: carnaval triste [kar. na’val ’tɾis.ʧI], carnaval alegre [kar.na’va’la’lɛ.gɾI].

2.14) A consoante final de vocábulo que ocorre com [n] somente em vocábulos eruditos tais como “cânon”, “sêmen”, “íon”, “próton”, etc., quando deve ser proferida sem nasalizar, pelo menos fortemente, a vogal anterior; se seguida de qualquer consoante inicial de vocábulo, não altera o seu valor, passando, porém a inicial de sílaba se o vocábulo que se seguir for iniciado por vogal (ou semivogal). Exemplos: cânon laico [’kɐ̃.non ’la:I.kʊ], cânon antigo [’kɐ̃.no.nɐ̃ʧi.gʊ].

2.15) A consoante [r] em final de sílaba, se seguida de vogal (ou semivogal) inicial de vocábulo sem pausa intermédia, passa a [ɾ] (vibrante simples). Exemplo: cantar [kɐ̃’tar], amor [a’mor], cantar alegre [kɐ̃’ta.ɾa’lɛ.gɾI].

2.16) As consoantes [s] e [z] finais de vocábulos tem iguais valores fonéticos, os quais correspondem, fundamentalmente, aos valores do –s final de sílaba. Esses valores fonéticos apresentam dois regimes possíveis na pronúncia do teatro:

2.16.1) Um regime pré-dorsodental: que, se exageradas, provocam a impressão de excessivo “sibilamento”. Exemplos: antes de pausa ou qualquer consoante surda, exceto [ʃ], soa [s] – ...flores. Estas... [’flo.ɾIs ’ɛs.tɐs], certas partes [’sɛr.tɐs ’par.ʧIs], paz perfeita [‘pasper’fe:I.tɐ], etc.; antes de vogal (ou semivogal) e de todas as consoantes sonoras, exceto [ʒ] soa [z] – as aves [a’za.vIs], flores belas [’flo.ɾIz ’bɛ.lɐs], rapaz negro [ra’paz ’ne.gɾʊ], etc.; antes de [ʃ], soa [ʃ] – as xarás [aʃ:a’ɾas], paz chocha [paʃ:o.ʃɐ]; antes de [ʒ] soa [ʒ] – as juntas [aʒ:ũ.tɐs], rapaz justo [rapaʒ:us.tʊ].

2.16.2) Um regime pré-dorsodental/palatal: que, se exageradas, provocam a impressão de excessivo “chiamento”. Exemplos: antes de [s] soa [s] – as sombras [as:sõ.bɾɐʃ], paz celeste [’pas:ɛ’lɛʃ.ʧI]; antes de vogal (ou semivogal) e de [z] soa [z] – as zebras [az:e.bɾɐʃ], certas zonas [sɛr.tɐz:o.nɐʃ]; antes de pausa ou antes de consoantes surdas, exceto [s], soa [ʃ]

certas partes [’sɛr.tɐʃ ’paɾ.ʧIʃ], paz perfeita [paʃper’fe:I.tɐ], etc.; antes de consoantes sonoras, exceto [z], soa [ʒ] – estas mães [’ɛʃ.tɐʒmɐ̃:Iʃ], paz básica [paʒ ’ba.zi.kɐ], etc.

3. Proposta de normalização das junturas de palavras para as normas atuais

Podemos considerar que as junturas de palavras ocorrem entre vogais, entre vogais e consoantes e entre consoantes. No primeiro caso, ora ela contrai uma das vogais; ora transforma-se em ditongo; ora em hiato; ora em tritongo. No segundo, elas mantêm ou alteram suas propriedades fonéticas, e, em alguns casos, comportam-se como uma ligação vocálica. No terceiro caso, ora se transformam em dígrafos ou se mantêm preservados foneticamente.

É extremamente importante lembrar que somente faz sentido considerarmos as junturas de palavras que ocorrerem dentro da mesma frase musical, sem pausa entre as palavras. Ainda, é essencial considerarmos que em qualquer dos casos em que se perceba ou se acentue uma intenção psicológica na frase ou haja uma recomendação expressa do compositor a realização da juntura dependerá do bom senso do intérprete.

A fim de contribuir para uma aplicação prática das junturas de palavras em execuções que se baseiam nas normas do PB cantado de 2007, resumimos características de normas anteriores, bem como situações específicas ocorridas na prática da juntura de palavras para propor as seguintes recomendações.

3.1 Juntura de vogal e consoante entre palavras

As palavras terminadas com vogal que se ligam a palavras que se iniciam com consoante mantêm, ambas, suas propriedades fonéticas.

Quadro 1: Juntura de consoantes entre palavras.

Símbolo ortográfico Ocorrência(1) Símbolos fonéticos Exemplo Observação
b -b + consoante [b] + consoante Garanto, sob minha palavra. [ga’ɾɐ̃.tʊ’so.bI’mi.ɲɐpa’la.vɾɐ] E sob palmeiras dormindo. [I ’so.bIpa:ʊ’me:I.ɾɐzdor’mĩ.dʊ] A consoante “b” final ocorre apenas na palavra “sob”. Ex.: A Biblioteca nacional foi criada sob Dom João VI, em 1808 (no tempo de). Nas junturas com consoantes preservam suas propriedades fonéticas, utilizando o fenômeno da paragoge que acrescenta um fonema ao fim da palavra (sobsobi).
l -l + consoante [:ʊ] + consoante ... o vendaval do outono... [ʊ v.da’va:ʊdwo:ʊ’to.nʊ] ... a cruel saudade... [a kɾu’ɛ:ʊsa:ʊ’da.ʤI] Nas normas atuais o l em final de palavras soa [:ʊ], assim, comporta-se como uma vogal velarizada mais longa. Na juntura com consoante ambos conservam suas características fonéticas.
m / n -m + consoante -n + consoante [ɐ̃] [ɐ̃:ʊ] [:I] [ĩ] [õ] [ũ] + consoante Eu também quero! [ɛ:ʊtɐ̃’b:I’kɛ.ɾʊ] Costumam trazer o jantar. [kos’tu.mɐ̃:ʊ tɾa’ze.rʊʒɐ̃’tar] Seu pólen na areia se foi... [sɛ:ʊ’p.l:Ina’ɾe.jasIfo:I] O abdômen veio a se romper... [wab’do.m:I’ve.jwasIrõ’per] Em finais de palavras, as letras ‘m’ e ‘n’ estão relacionadas à nasalização da vogal que as precedem, assim, a juntura com palavras que se iniciam com consoantes manterão suas propriedades fonéticas.
r -r + consoante [r] + consoante ...e reflete o mar toda a Sua... [I rɛ’flɛ.ʧjʊ mar ’to.da’su.a] ...senhor dos outros olhares... [se’ɲordʊ’zo:ʊ.tɾʊ.zo’ʎa.ɾIs] Ouve o mar que soluça... [o:ʊ’vjʊmar kIso’lu.sɐ] ...mar revolto. [mar xe’vo:ʊ.tʊ] [ma.xe’vo:ʊ.tʊ] [ma.re’vo:ʊ.tʊ] Na juntura com consoantes ambos conservam suas características fonéticas. A juntura de palavra que termina em ‘r’ e a próxima começa com ‘r’ tem a seguintes possibilidades: “mar revolto” [mar xe’vo:ʊ.tʊ] e, se considerado como dígrafo, [ma.re’vo:ʊ.tʊ] ou [ma. xe’vo:ʊ.tʊ], conforme as normas atuais.
s -s + consoante [s] + consoante surda [z] + consoante sonora ...aos seus tristes queixumes... [a:ʊsse:ʊs’tɾis.ʧIske:I’ʃu.mIs] ...e só de maldade aos meus... [I sʤIma:ʊ’da.ʤja:ʊzme:ʊs] ...lágrimas do não... [’la.gɾi.mɐzdʊnɐ̃:ʊ] Em juntura de palavras, a pronúncia deve ser [s] se seguida por palavra iniciada por consoante surda/não vozeada. A pronúncia deve ser [z] se for seguida por palavra iniciada por consoante sonora/vozeada.
Símbolo ortográfico Ocorrência(1) Símbolos fonéticos Exemplo Observação
x -x + consoante [ks] + consoante surda [kz]+ consoante sonora ...meu tórax prateado de orgulho. [me:ʊ’t.ɾakspɾa.ʧI’a.dʊʤjor’gu.ʎʊ] ...seu tórax mesmo... [se:ʊ’t.ɾakz’mez.mʊ] Em final de palavra sempre soa [ks]. Na juntura com consoante ambos conservam suas características fonéticas. A pronúncia deve ser [kz] se for seguida por palavra iniciada por consoante sonora/vozeada.
z -z + consoante [z] + consoante sonora [s] + consoante surda ...e triste voz do trovador. [I ’tɾis.ʧIvzdʊtɾo.va’dor] A minha voz tremendo. [a ’mi.ɲɐvstɾe’m.dʊ] Em juntura de palavras, a pronúncia deve ser [z] se for seguida por palavra iniciada por consoante sonora/ vozeada. A pronúncia deve ser [s] se seguida por palavra iniciada por consoante surda/não vozeada.

(1) As consoantes ocorrentes em terminações de palavras em PB são as seguintes: b, l, m, n, r,s, x, z.

Quadro 2: Juntura de consoante e vogal entre palavras.

Símbolo ortográfico Ocorrência Símbolos fonéticos Exemplo Observação
b -b + vogais orais e nasais [bja] [bje] [bi] [bjo] [bj:ʊ] [bjɐ̃] [bj] [bjĩ] [bjõ] [bjũ] ...onde sobas flores... [’õ.ʤI’so.bjas’flo.ɾIs] Sob ovéu... [’so.bjʊvɛ:ʊ] Sobuns dois. [’so.bjũzdo:Is] A consoante “b” final ocorre apenas na palavra “sob”. Nos casos em que a juntura ocorre com vogais pode-se utilizar o recurso da paragoge, acrescentando um e reduzido entre a consoante e a vogal ([’so.bjas’flo.ɾIs]), formando um ditongo crescente, de forma discreta para que se preserve a inteligibilidade das palavras. Caso contrário pode-se incorrer na pronúncia [’so.bas’flo.ɾIs], que confunde a percepção das palavras.
l -l + vogal [:ʊ] + vogal ...qual harmonia eólia. [’kwa:ʊar.mo’ni e’.lja] Aquele homem vil e sujo. [a’ke.ljo.m:Ivi:ʊ I ’su.ʒʊ] Qual homem virá. [’kwa:ʊ’o.m:Ivi’ɾa] Nas normas atuais em final de palavras é velarizada em [:ʊ], assim, comporta-se como uma vogal. Nas junturas com palavras iniciadas por vogal formarão ditongos, tritongos ou hiatos. Em ditongos crescentes realiza-se como semivogal [w], e em ditongos decrescentes como [:ʊ].
m, n -m + vogal -n + vogal [ɐ̃] [ɐ̃:ʊ] [:I] [ĩ] [õ] [ũ] + vogal Elas amam as flores. [’ɛ.lɐ’zɐ̃.mɐ̃:ʊ as ’flo.ɾIs] Bom e barato. [bõ:ʊ I ba’ɾa.tʊ] De que valem as memórias? [ʤIkI’va.l:I.ɲaz me’m.ɾjas] O pólen os deixou amarelados. [ʊ ’p.l:I.ɲʊzde:I’ʃo:ʊa.ma.ɾe’la.dʊs] Em finais de palavras, as letras ‘m’ e ‘n’ estão relacionadas à nasalização da vogal que as precedem, assim, em juntura de palavras que se iniciam com vogais formarão ditongos, tritongos ou hiatos, ou terão acrescidos entre as vogais a consoante nasal palatal [ɲ]. Vide quadros 4 e 6.
r -r + vogal [ɾ] + vogal Quando chegar o trovador... [’kwɐ̃.dʊʃe’ga.ɾʊtɾo.va’dor] Em juntura de palavras, a pronúncia deve ser [ɾ] se for seguida por palavra iniciada por vogal.
s -s + vogal [z] + vogal Todas as noites... [’to.da.zaz’no:I.ʧIs] Sobre as ondas... [’so.bɾja’zõ.dɐs] Em juntura de palavras, a pronúncia deve ser [z] se for seguida por palavra iniciada por vogal.
x -x + vogal [kz] + vogal Meu tórax amarrrado ao seu. [me:ʊ’t.ɾa.kza.ma’xa.dwa:ʊse:ʊ] Em juntura de palavras, a pronúncia deve ser [kz] se for seguida por palavra iniciada por vogal.
z -z + vogal [z] + vogal Ele faz a festa. [’e.lI’fa.za ’fɛs.tɐ] ...seu capuz usado. [se:ʊka’pu.zu’za.dʊ] Em juntura de palavras, a pronúncia deve ser [z] se for seguida por palavra iniciada por vogal.

Quadro 3: Juntura de vogais orais entre palavras.

Tipo de juntura de palavra Símbolo ortográfico Símbolo fonético Exemplo Observação
Terminação da 1ª palavra sendo vogal oral reduzida -a + a [ɐ] + [a] Minha bols’amarela sumiu. [’mi.ɲɐ ’bo:ʊ.sa.ma’ɾɛ.lɐ] A vogal da primeira palavra é omitida.
(‘a’, ‘e’, ‘o’) + início da 2ª
palavra sendo mesma vogal oral reduzida ou das sé -a + e [ɐ] + [e] Tive uma idéi’excelente! [’ʧi.vI’u.mi’dɛ:je.se’l.ʧI]
ries decrescentes a-e-i, a
-o-u, átonas(1). -a + i-a + o-a + u-e + e-e + i-o + o-o + u [ɐ] + [i] [ɐ] + [o] [ɔ] [ɐ] + [u] [I] + [I] [I] + [i] [ĩ] [ʊ] + [o] [ʊ] + [u] Minh’irmã.[’mi.ɲir’mɐ̃] Cas’oposta à minha... [’ka.zo’ps.ta’mi.ɲɐ] É uma not’usada. [ɛ ’u.mɐ’n.tu’za.dɐ] Pobre d’ispírito. [’p.bɾIʤIs’pi.ri.tʊ] Pobr’instinto. Pobr’irmã... [’p.bɾĩs’ʧĩ.tʊ] [’p.bɾir’mɐ̃] Era um velh’obeso. [’ɛ.rũ’vɛ.ʎo’be.zʊ] O sonh’utilizado... [ʊ ’so.ɲu.ti.li’za.dʊ]
Terminação da 1ª palavra -e + a [j] + [a] É tarde agora. Ambas se conservam.
‘e’ oral reduzido + início -e + e [j] + [e] [ɛ’tar.ʤja’g.ɾɐ]
da 2ª palavra vogal oral ‘a’, -e + o [j] + [o] ...e pede exoneração.
‘e’, ‘o’, ‘u’ -e + u [j] + [u] [I ’pɛ.ʤje.zo.ne.ɾa’sɐ̃:ʊ] Parte oclusa. [’par.ʧjo’klu.zɐ] É uma gente unida... [ɛ ’u.mɐʒẽ.ʧju’ni.dɐ]
Terminação da 1ª palavra -o + a [w] + [a] Quero tudo agora. Ambas se conservam.
‘o’ oral reduzido + início -o + e [w] + [e] [I] [’kɛ.ɾʊ ’tu.dwa’g.ɾɐ]
da 2ª palavra vogal oral ‘a’, -o + i [w] + [i] Foi um pecado enorme.
‘e’, ‘i’ [fo:I ũ pe’ka.dwe’nr.mI] Sonho idílico... [’so.ɲwi’ʤi.li.kʊ]
Terminação da 1ª palavra sendo vogal oral reduzida(2) -e + a/â/á [j] + [a] [ɐ̃] O lençol está infestado de ácaros... [ʊ l’s:ʊ Is’ta ĩ.fes’ta.dʊʤja.ka.ɾʊs] Ambas se conservam. Exceção: expressões feitas,
(‘e’, ‘o’) + início da 2ª pa como “vinha d’alhos”,
lavra sendo vogal oral tônica(3). -e + e/ê/é [j] + [e] [ɛ] Pobre ego! Que ele logre êxito! [’p.bɾj’ɛ.gʊ] [kj’e.lI ’l.gɾj’e.zi.tʊ] “gota d’água”, dentre outras
-e + i/í [j] + [i] [ĩ] A loja vende imãs. [a ’l.jɐ ’v.ʤj’ĩ.mɐ̃s]
-e + o/ô/ó [j]+ [o] [õ] [ɔ] Sede óbice ao seu inimigo! E ouve amor... [’se ’ʤj.bi.cja:ʊ se:ʊ i.ni’mi.gʊ] [j’o:u.vja’mor]
-e + u/ú [j] + [u] Fratura de úmero. [fɾa’tu.ɾɐʤj’u.me.ɾʊ]
-o + a/â/á [w] + [a] Foi um trabalho árduo!
[’fo.jũ tɾa’ba.ʎw’ar.dwo]
-o + e/ê/é [w] + [e] [ɛ] Verdadeiro ébano. [ver.da’de:I’rwɛ.ba.nʊ]
-o + i/í [w] + [i] [ĩ] Primeiro índice. [pɾi’me:I.ɾw’ĩ.ʤi.sI]
-o + o/ô/ó [w]+[o] [õ] [ɔ] Era um emprego ótimo. [’ɛ.ɾũ ’pɾe’gw.ʧi.mʊ]
-o + u/ú [w] + [u] Filho único. [’fi.ʎw’u.ni.kʊ]
Terminação da 1ª palavra -á + a/á/â [a] + [a] Não sobrou nada, quiçá alma. Ambas se conservam. As
sendo vogal oral tônica + -á + e/ê/é [a] + [e] [ɛ] [nɐ̃:ʊ so’bɾo:ʊ ’na.dɐ ki’sa’a:ʊ.mɐ] vogais que se duplicam
início da 2ª palavra sendo -á + i/í [a] + [i] Acabou! O maracujá esvaiu! podem soar separadas ou
vogal oral átona ou tônica. -á + o/ô/ó-á + u/ú [a] + [o] [õ] [ɔ] [a] + [u] [a.ka’bo:ʊ ʊ ma.ɾa.ku’ʒa ez.va’iw] prolongadas.
-é/ê + a/á/â-é/ê + e/ê/é-é/ê + i/í-é/ê + o/ô/ó-é/ê + u/ú [ɛ] [e] + [a] [ɛ] [e] + [e] [ɛ] [ɛ] [e] + [i] [ɛ] [e] + [o] [ɔ] [ɛ] [e] + [u] Aquele filé amaciado no vinho. [a’ke.lI fi’lɛ a.ma.si’a.dʊ nʊ ’vi.ɲʊ] ...um vidro de dendê imenso... [ũ ’vi.dɾʊ ʤI d’de i’m.sʊ]
Tipo de juntura de palavra Símbolo ortográfico Símbolo fonético Exemplo Observação
-i/í + a/á/â [i] + [a] Ali estavam três homens.
-i/í + e/ê/é [i] + [e] [ɛ] [a’li Is’ta.vɐ̃:ʊ tɾe’z.mẽ:Is]
-i/í + i/í [i] + [i] Nunca vi idoneidade maior.
-i/í + o/ô/ó [i] + [o] [ɔ] [’nũ.kɐ vi i.do.ne:I’da.ʤI ma:I’r]
-i/í + u/ú [i] + [u] Saí e não vi nada. [sa’i I nɐ̃:ʊ vi ’na.dɐ]
-ó + a/á/â-ó + e/ê/é [ɔ] + [a] [ɔ] + [e] [ɛ] Dedicou aquele rondó ao poeta. [de.ʤi’ko.wa’ke.lI ɾõ’d a:ʊ po’ɛ.tɐ]
-ó + i/í [ɔ] + [i]
-ó + o/ô/ó [ɔ] + [o] [ɔ]
-ó + u/ú [ɔ] + [u]
-u/ú + a/á/â [u] + [a] Ali estava o baú abarrotado de roupas.
-u/ú + e/ê/é [u] + [e] [ɛ] [a’li Is’ta.vʊ ba’u a.ba.xo’ta.dʊ ʤI ’ro:ʊ.pɐs]
-u/ú + i/í [u] + [i]
-u/ú + o/ô/ó [u] + [o] [ɔ]
-u/ú + u/ú [u] + [u]
Ditongos crescentes resultado da conjunção aditiva ‘e’ e artigos definidos ou da conjunção aditiva ‘e’ e preposição ‘a’(4). -e + a/as -e + o/os [ja] [jas] [jʊ] [jʊs] [ja] E as plumas... [jas’plu.mɐs] Como as árvores e o vento... [’ko.mwa’zar.vo.ɾIzjʊ’v.tʊ] ... e a todos presentes. [ja’to.dʊspɾe’z.ʧIs]
(1)
Estão compreendidas os vocábulos átonos os artigos ‘a’, ‘e’ reduzido e ‘o’ reduzido.
(2)
A vogal ‘a’ reduzida não entra nesta regra, pois não a obedece sempre. Exemplos: Não havi’alma viva. Quer que faça-alto?; Quem tivera êxtase tamanho!
(3)
O artigo ‘à’ (craseado) e o verbo ser na terceira pessoa do presente do indicativo (‘é’) estão compreendidos dentre as vogais orais tônicas.
(4)

Quando combinada com a palavra “onde”, forma tritongo. Exemplo: E aonde for eu vou...[ja’õ.ʤIfoɾ e:ʊ vo:ʊ].

Quadro 4: Juntura de nasais finais e orais iniciais.

Tipo de juntura de palavra Símbolo ortográfico Símbolo fonético Exemplo
-ã, -am, -ão, -om, -on, [ɐ̃] [ɐ̃:ʊ] [õ] [ũ] + Que ímã esquisito! [kI’i.mɐ̃ Is.ki’zi.tʊ] Ambos se conservam com suas
-um + vogais orais [a] [e] [ɛ] [I] [i] [o] [] [u] Ela é uma irmã ótima. [’ɛ.lɐ ɛ ’u.mir’mɐ̃.ʧi.mɐ] Meu cão é lindo. [me:ʊ’kɐ̃:ʊ ɛ ’lĩ.dʊ] O órgão usado quebrou. [w’r.gɐ̃:ʊ u’za.dʊke’bɾo:ʊ] Elas amam os seus pais. [’ɛ.lɐ’zɐ̃.mɐ̃:ʊ ʊs’se:ʊs’pa:Is] Ele era um bom articulador. [’e.lI’ɛ.ɾũbõ:ʊar.ʧi.cu.la’dor] Próton é uma partícula sub-atômica. [’pɾↄ.tõ ɛ ’u.mɐpar’ʧi.ku.lɐsu.bja’to.mi.kɐ] Álbum imaculado.[ ’a:ʊ.bũi.ma.ku’la.dʊ] Era comum aos dois. [’ɛ.ɾɐko’mũ a:ʊz do:Is] propriedades fonéticas.
-ãe, -em, -ém, -en, -êm, -im + vogais orais [ɐ̃:I] [:I] [ĩ] + [a] [e] [ɛ] [I] [i] [o] [] [u] Minha mãe amada! [’mi.ɲɐmɐ̃:I.ɲa’ma.dɐ] Foi uma viagem ótima. [fo:I’u.mɐ vi’a.ʒẽ:I’ɲↄ.ʧi.mɐ] Não convém escutar. [nɐ̃:ʊ kõ’v:I.ɲes.ku’tar] Os jardins do Éden eram belos. [ʊzʒar’ʤĩzdʊɛ.d:I’ɲɛ.ɾɐ̃:ʊ ’bɛ.lʊs] Eles se mantêm aquecidos. [’e.lIsImɐ̃’t:I’ɲa.ke’si.dʊs] Era um marfim excelente! [’ɛ.ɾũmar’fĩ.ɲe.se’l.ʧI] A junção desses fonemas resulta na oclusiva nasal palatal sonora [ɲ].

Quadro 5: Juntura de orais finais e nasais iniciais.

Tipo de juntura de palavra Símbolo ortográfico Símbolo fonético Exemplo
Terminações com vogal oral (átona ou reduzida) + nasais iniciais átonas an-, am-, en-, em-, in-, im, om-, on-, um-, un- cuja realização fonética seja idêntica à terminação anterior. [ɐ] + [ɐ̃] [I] + [] [i] [I] + [ĩ] [ʊ] [u] + [ũ] Mari’Antônia. [ma’ɾi.ɐ̃’to.nja] Ele conseguiu um excelent’emprego. [’e.lIkõ.se’giũe.se’l.ʧĩ’pɾe.gʊ] Ela extraiu o dent’inteiro. [’ɛ.les.tɾa’iʊ’d.ʧĩ’te:I.ɾʊ] O tabuleiro está tod’untado. [ʊ ta.bu’le:I.ɾʊIs’ta’to.dũ’ta.dʊ] A vogal da primeira palavra é omitida.
Terminações com vogal oral ‘a’ reduzida + nasais iniciais átonas en-, em-, in-, im-, om-, [ɐ] + [] [ɐ] + [ĩ] Era uma bela empresa. [’ɛ.ɾu.mɐ’bɛ.l’pɾe.zɐ] A vogal da primeira palavra é omitida.
on-,um-, un [ɐ] + [õ] [ɐ] + [ũ] Muita hombridade. [’mũ:I.tõ.bɾi’da.ʤI] Que linda união! [kI’lĩ.du.ni’ɐ̃:ʊ]
Terminações com vogal oral (átona ou reduzida) + nasais iniciais tônicas [ɐ] [I] [i] [ʊ] [u] + [ɐ̃] [] [ĩ] [õ] [ũ] Isto é muito íntimo! [’is.tʊ ɛ ’mũ:I.tʊĩ.ʧi.mʊ] No âmago do meu ser... [nʊɐ̃.ma.gʊdʊme:ʊ ser] A senha era “ômega”. [a ’se.ɲɛ.ɾɐ’o.me.gɐ] Ambos se conservam com suas propriedades fonéticas.
Terminações com vogal oral tônica + nasais iniciais [a] [e] [ɛ] [i] [o] [] [u] + [ɐ̃] [] [ĩ] [õ] [ũ] Ponha o sofá onde quiser! [’po.ɲʊso’faõ.ʤIki’zɛr] Você entendeu? [vo’seĩ.t’de:ʊ] Sua avó me é íntima. [’su.a’v mIɛĩ.ʧi.mɐ] Ela está aqui amparada. [’ɛ.lIs’taa’kiɐ̃.pa’ɾa.dɐ] Saí inteira da luta [sa’iĩ’te:I.ɾɐ da ’lu.tɐ]... Amassou o capô inteiro. [a.ma’so:ʊca’poĩ’te:I.ɾʊ] Comi angu ontem. [ko’miɐ̃’gu’õ.t:I] Ambos se conservam com suas propriedades fonéticas.

Quadro 6: Juntura de nasais finais e nasais iniciais.

Tipo de juntura de palavra Símbolo fonético Exemplo Observação
Terminação -ã, -im, -ão, -am, -um + nasais iniciais átonas -an, -am, -en, [ɐ̃] + [ɐ̃] [ĩ] + [ĩ] Era um ímã antigo. [’ԑ.ɾũ’i.mɐ̃ʧi.gʊ] A vogal da primeira palavra é omitida.
-em, -in, -im, -um, -un cuja realização fonética seja idêntica à terminação an [ɐ̃:ʊ] [ũ] + [ũ] Ele conseguiu o marfim inteiro. [’e.lIkõ.se’giʊmar’fĩ:’te:I.ɾʊ]*
terior. Quero um pão untado de... [’kԑ.ɾũ’pɐ̃ũ’ta.dʊʤI] Eles tomaram os seis países. [’e.lIsto’ma.ɾɐ̃ʊsse:Ispa’i.zIs]
Terminação nasal (-ãe, -ém, -êm, -en) + nasais iniciais an-, am-, âm-, ân-, en, em-, ên-, in-, im-, ín-, om-, on-, ôm [ɐ̃:I] [:I] + [ɐ̃] [] [ĩ] [õ] [ũ] Que mãe inconformada! [kI’mɐ̃:I.ɲĩ.kõ.for’ma.dɐ] A quem interessar possa... A junção desses fonemas resulta na oclusiva nasal palatal sonora [ɲ].
-ôn-, um-, un-, ún- [a ’k:I.ɲĩ.te.ɾe’sar’p.sɐ] Foi refém ontem. [fo:Ire’f:I’ɲõ.t:I] Homem ânimo é seu apelido. [’o.m:I’ɲɐ̃.ni.mʊ ɛ se.wa.pe’li.dʊ] Quero meu fim onde o destino quiser. [’kɛ.ɾʊme:ʊ ’fĩɲõ.ʤjʊdes’ʧi.nʊki’zɛr]
Tipo de juntura de palavra Símbolo fonético Exemplo Observação
Terminação nasal (-ã, -im, -ão, -am, -om, -on -um) + nasais iniciais (an-, am-, âm- ân-, en-, em-, ên-, im-, in-, in, om-, on-, om-, ôn-, um-, un-, ún) tônicas ou átonas com vogais iniciais distintas das terminações anteriores. [ɐ̃] [ĩ] [ɐ̃:ʊ] [õ] [ũ] + [ɐ̃] [] [ĩ] [õ] [ũ] Minha irmã então virá? [’mi.ɲir’mɐ̃ ’tɐ̃:ʊ vi’ɾa] [’mi.ɲir’mɐ̃ ĩ’tɐ̃:ʊ vi’ɾa] Foi um álbum imposto pelo vendedor. [fo:Iũ ’a:ʊ.bũĩ’pos.tʊ’pe.lʊv.de’dor] No órgão onde está a doença. [nw’r.gɐ̃:ũ ’õ.ʤIs’tado’.sɐ] Ele veio nesta manhã antes. [’e.lI’ve.jʊ’nɛs.tɐmɐ̃ɲɐ̃ɐ̃.ʧIs] Ambos se conservam com suas propriedades foné-ticas. As vogais que se duplicam soam prolon-gadas.

Considerações finais

A busca pelo aprimoramento da atual Tabela Fonética do PB Cantado constitui um dos desafios mais complexos para os cantores e professores de canto e dicção no Brasil. Os pontos basilares que foram determinados em 2007 têm sido alvo de pesquisas com o intuito de ajustá-los para a maior eficiência e eficácia das Normas. Uma das razões para esta constante revisão constitui a própria dinâmica da língua portuguesa brasileira. No canto ela nos remete a muitas peculiaridades no momento da execução vocal de peças em PB.

Assim, apresentamos algumas propostas específicas para a execução de juntura de palavras, tema este que se coloca como um dos mais abrangentes, pois do ponto de vista prosódico e interpretativo há distintas possibilidades de realização fonética. O objetivo, com isso, não foi cercear, enrijecer a língua cantada, mas, ao contrário, fornecer soluções que refletissem unidade e coerência nos encontros fônicos que se dão nos limites de duas fronteiras de palavras. Vale dizer que estas reflexões são permanentemente exigidas do cantor/professor em relação às suas decisões ligadas à pronúncia.

Enfim, o princípio motivador deste trabalho foi a convicção de que, contribuindo para as discussões sobre este assunto, enriqueceremos as reflexões sobre as práticas da pronúncia do PB cantado, como um modelo de procedimento, organizado e consistente.

Notas

1 Constitui o fenômeno de juntar sílabas em palavras ou juntar palavras em frases. “Muitas vezes a palavra juntura é usada significando juntura intervocabular, ficando especificada como juntura silábica só quando se referir às sílabas” (IMAGUIRE, p. 1, 2011. Grifo nosso). Trataremos neste artigo das junturas intervocabulares.

2 Periódico da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – ANPPOM. 3 Periódico da National Association of Teachers of Singing (NATS). 4 Realizado em São Paulo, em julho de 1937, o Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada “destinou-se

especialmente a adotar uma língua-padrão a ser usada na pronúncia artística da língua nacional” (CONGRESSO

DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA, 1938, p. 51). 5 Em italiano: acciacatura. 6 “Suprime fonemas no fim dos vocábulos, Exemplo: faz por faze” (NASCENTES, 1933, p. 51). 7 “Aumenta fonemas no fim, Exemplo: ante -antes” (NASCENTES, 1933, p. 51). Vale frisar sobre a diferença deste

fenômeno e o fenômeno fonético “epêntese”, que “aumenta fonemas no meio” (NASCENTES, 1933, p. 50), tal como na palavra advogado [a.de.vo’ga.dʊ] ou [a.ʤI.vo’ga.dʊ].

8 Realizado em Salvador, na Bahia, como parte das comemorações do décimo aniversário da Universidade da Bahia, no período de 5 a 12 de setembro de 1956, o Primeiro Congresso Brasileiro de Língua Falada no Teatro teve seus Anais publicados aos 15 de julho de 1958, ao encargo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

9 Segundo Cagliari (1981, p. 116-117), ocorre quando, na juntura de duas vogais, o falante elimina uma delas em sua pronúncia. Portanto, só ocorre com segmentos em limites de palavras e no contexto de juntura de palavras.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Mário de; NASCENTES Antenor; AZEVEDO, Luís Heitor Corrêia de. CONGRESSO DA LÍNGUA NACIONAL CANTADA, 1., São Paulo, 1937. Anais... São Paulo: Departamento de Cultura do Município de São Paulo, 1938, 782p.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Elementos de Fonética do Português Brasileiro. Tese de Livre Docência. Departamento de Lingüística da Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 1981. 247p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Positivo, 2009.

HERR, Martha. As Normas da Boa Pronúncia do Português no Canto e no Teatro: comparando documentos de 1938 e 1958. ARTEunesp, São Paulo, v. 16, p. 56-67, 2003-2004.

HOUAISS, Antônio. CONGRESSO BRASILEIRO DE LÍNGUA FALADA NO TEATRO, 1., Rio de Janeiro, 1955. Anais... Riode Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1958, 495p.

. Mudanças nas Normas para a Boa Pronúncia da Língua Portuguesa no Canto e no Teatro no Brasil: 1938, 1956 e 2005. Per Musi, Belo Horizonte, n. 15, p. 35-40, 2007.

IMAGUIRE, Lígia Maria Campos. Abordagem de erros de segmentação e juntura de palavras em crianças das quatro primeiras séries do primeiro grau: investigação lingüística. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/revista/artigo/4(11)80-89.html>. Acessado em: 10 jan 2012.

KAYAMA, A. G.; CARVALHO, F.; CASTRO L. M. et al. PB Cantado: normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito. Revista Opus. Goiânia, v. 13, n. 2, p. 16-38, dez 2007.

NASCENTES, Antenor. O Idioma Nacional. Vol. IV (Gramática Histórica). Rio de Janeiro, 1933.

SILVA, Thaís Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

Juliana Starling - Bacharel em Canto, pela Universidade Estadual de Campinas-Unicamp e mestre em Música pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem participado de recitais e concertos no Brasil, América Latina e Europa. É integrante dos Corpos Estáveis (Coral Lírico) do Theatro Municipal de São Paulo.

Martha Herr - Doutora em Música pelo Michigan State University e Livre-Docente pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), tem participado de recitais, óperas e gravações no Brasil, nos Estados Unidos e Europa, como solista e integrante de vários conjuntos de música brasileira e de música contemporânea. Coordenadora da área de Canto da UNESP (São Paulo) e professora na pós-graduação recebeu, em 1998, o Prêmio Carlos Gomes da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.