Artigos Científicos

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012

A Melancolia Erótica no Lamento de Prócris da Ópera Gli Amore di Apollo e Dafne (1640) de Giovanni Francesco Busenello e Francesco Cavalli

Viviane Alves Kubo (UFPR, Curitiba, PR, Brasil)

vivikubo@gmail.com

Resumo: No lamento de Prócris, da ópera Gli Amore di Apollo e Dafne (1640) de Busenello e Cavalli, a personagem apresenta um padrão afetivo comum aos lamentos do período: tristeza excessiva, contraste afetivo e obsessão pelo objeto perdido. Essas características, expressas musicalmente e poeticamente, foram associadas aos sintomas da melancolia erótica, um tipo de loucura descrito em tratados médicos e literários do século XVII. A construção desse trabalho terá como base uma abordagem crítica e interpretativa, inspirada nos princípios da Nova Musicologia e nas concepções que permearam o início do gênero operístico na Itália, como a busca pela mimesis musical e a verossimilhança dramática. Palavras-chave: Lamento feminino; Francesco Cavalli; Melancolia Erótica; Nova Musicologia; Prócris.

The Erotic Melancholy in Procris' Lament of the Opera Gli Amore di Apollo e Dafne (1640) by Giovanni Francesco Busenello and Francesco Cavalli

Abstract: In the Lament of Procris, from the opera Gli Amore di Apollo e Dafne (1640) of Busenello e Cavalli, the character displays an affective model, common to the laments of the period: excessive sadness, affective contrast and obsession with the lost object. These characteristics, expressed musically and poetically, were associated with the symptoms of erotic melancholy, a type of madness described in medical and literary seventeenth-century sources. The construction of this work will be based on a critical and interpretative approach, inspired by the principles of the New Musicology and the conceptions that permeated the beginning of the operatic genre in Italy, as observed in the search for the musical mimesis and the dramatic verissimilitude. Keywords: Feminine Laments; Francesco Cavalli; Erotic Melancholy; New Musicology; Procris.

1. O Lamento como representação da melancolia

A primeira metade do século XVII italiano foi marcada por importantes inovações no campo da música, influenciadas principalmente pela retórica. É importante esclarecer que na Itália seiscentista esta influência estava pautada em questões filosóficas baseadas nos ideais da arte da oratória.1 Falava-se pouco sobre as técnicas e as etapas retóricas da construção do discurso.2 Para Bartel (1997), esta característica diferenciava as concepções musicais da Itália do início do Seicento da teoria das figuras retórico-musicais3 que marcou a tradição da música alemã barroca, com Burmeister, Kircher e Mattheson. Para o autor, a ênfase da música italiana estaria na pronuntiatio, no último passo da elaboração do discurso retórico, exatamente o momento que caberia ao ator e ao intérprete.

A música barroca italiana foi modelada baseada na arte da oratória mais do que na disciplina da retórica. Seu objetivo era imitar o ator, em vez do dramaturgo, o orador em vez do retórico [...]. A arte vocal italiana [...] foi desenvolvida muito mais profundamente, devido à ênfase italiana na transmissão, na actio ou pronuntiatio, o último dos passos estruturais da retórica e o mais importante para o ator (BARTEL, 1997, p. 59, tradução nossa).4

A busca pela eloquência afetiva foi amplamente defendida por compositores do Seicento italiano, como Monteverdi e Caccini: “[...] o objetivo do músico, que consiste em agradar e mover os afetos da alma”5 (CACCINI, 1601, p. 6). A poesia era o elemento central, e a música buscaria formas de se transmitir uma estrutura já pronta da maneira mais eloqüente possível. A música era, desta forma, um meio para um discurso poético. Em Le

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 302p., n.2, 2012 Recebido em: 15/04/2012 - Aprovado em: 10/07/2012

Nuove Musiche, Giulio Caccini defende que o respeito apenas às regras do contraponto não seriam suficientes para mover os afetos no público, mas que, para este fim, seria necessário seguir a criteriosa expressão do texto.

Isto é o que normalmente logo vem à mente, quando se quer cantar obras como solista (e, portanto, ser elegante [sprezzatura]), na convicção de que o contraponto será suficiente. Mas, para compor e cantar bem neste estilo, a compreensão da concepção e sensibilidade ao texto (imitá-los através da música afetiva e expressá-los através do canto afetivo) são muito mais úteis do que o contraponto6 (CACCINI, 2009, p. 5, tradução nossa).

Estas concepções sustentaram a chamada Seconda Prattica que, juntamente com as teorias clássicas sobre a construção da tragédia, influenciou significativamente o início do gênero operístico italiano. Entre as inúmeras influências do teatro grego neste contexto, podemos destacar os ideais aristotélicos sobre a mimesis e a verossimilhança.

É pois a tragédia imitação (mimesis) de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídos pelas diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o terror e a piedade, tem por efeito a catarse (katharsis) dessas emoções (ARISTÓTELES, 1998, p. 447).

Para Aristóteles, a comoção do público só seria possível caso a imitação no palco fosse verossímil, o objeto imitado precisava ser reconhecido:

Efetivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que seja cada uma delas, e dirão, por exemplo, “este é tal”. Porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas tão somente da execução, da cor, ou qualquer outra causa da mesma espécie (ARISTÓTELES, 1998, p. 445).

Na ópera veneziana, o lamento, uma convenção já com grande repercussão no meio musical da época, ocupou um lugar central neste novo espetáculo público. O lamento da personagem da ópera L’Arianna, um dos grandes sucessos da época (BIANCONI, 1996; ROSAND, 2007), e o Lamento della Ninfa, ambos de Monteverdi, forneceram padrões que influenciaram todas as obras similares do período. Dentre os principais, pode-se citar o uso de versos de sete e onze sílabas (endecassilabi e settenari) e o baixo ostinato em tetracorde descendente menor. Em Veneza, essa convenção sofreu importantes alterações, e consolidou-se como elemento necessário em todos os libretos do dramma per musica. Esses lamentos consistiam, em sua maioria, em solilóquios de personagens femininas em estado de profunda tristeza. O texto remetia às heroínas de Ovídio, Eurípedes e Virgílio, autores que perpetuaram a temática do pranto feminino na poesia ocidental (HOLFORD-STREVENS, 1999). Geralmente esta tristeza não se apresentava de forma isolada, mas acompanhada de afetos contraditórios, como raiva, ciúme e desejo, expressos de forma excessiva. Outra característica comum era a fixação pelo objeto que causou o sofrimento, principalmente em lamentos sobre a perda de um amor ou traição. Em muitos lamentos, as personagens deliram com monstros que as ameaçam, com cenas de guerra ou com o retorno do amado, atributos que podem facilmente ser associados a um quadro de insanidade. Se nos lembrarmos das premissas aristotélicas sobre a mimesis e a verossimilhança, citadas anteriormente, surge a seguinte questão: Seria a loucura uma condição humana imitada pelo lamento?

Durante o século XVII a loucura era conceituada como um desequilíbrio humoral. Nesse período, a mania e a melancolia eram os dois principais tipos de loucura citados nos tratados médicos. A melancolia era concebida como um excesso da bile negra, como um desequilíbrio de humor e foi um dos principais focos da medicina seiscentista. Vários tratados específicos sobre o estado melancólico foram publicados nesse período, como De la maladie d’amour ou melancholie erotique (1623) de Jacques Ferrand, The Anathomy of Melancholy (1621) de Robert Burton e De melancholia tractatus (1620) de Ercole Sassonia. Em geral, a melancolia era caracterizada por tristeza e medo excessivos, acompanhados de sintomas de obsessão, alterações de humor, delírios e comprometimento da vida social (DINI, 1997). Nos tratados, encontram-se descrições sobre os sintomas, formas de cura, possíveis causas e uma tipologia para as diversas formas de manifestação da melancolia.

Poucas pesquisas abordam a questão patética do lamento e a sua relação com a loucura. A pioneira nesta associação foi a musicóloga Susan McClary (1991). A autora considera

o Lamento della Ninfa de Monteverdi como a primeira cena de loucura da música.7 “A marca particular da loucura geradora do lamento é a de obsessão: a Ninfa está fixada nas memórias de um amante que a abandonou, que a despertou sexualmente e a deixou sem saída para o excesso, sem outro recurso a não ser a loucura”8 (MCCLARY, 1991, p. 86, tradução nossa). Essas características descritas pela autora corroboram a descrição sobre a melancolia do já citado The Anatomy of Melancholy (1621) de Robert Burton: “...mesmo se correm ou se descansam, acompanhados ou sozinhos, esse sofrimento continua: irresolução, inconstância, vaidade, medo, tortura, preocupação, ciúmes, suspeitas, etc. persistem e não podem ser aliviados” (BURTON apud SILVA, 2008a, p. 290).

Este trabalho parte da hipótese de que há um padrão afetivo nos lamentos femininos do século XVII, ligado não só ao pranto e à tristeza, mas também a afetos conflituosos e à obsessão, características que podem ser associadas ao conceito de melancolia da época. O lamento de Prócris será abordado a partir das características afetivas apresentadas pela personagem, localizadas tanto na poesia como na música. Para delinear a expressão afetiva neste lamento, utilizo de dados encontrados em tratados musicais do período que tratam sobre a relação entre os afetos e a música, como os de Zarlino e Caccini e os prefácios de Monteverdi. Estes dados serão contrapostos aos sintomas da melancolia erótica, descritos em tratados seiscentistas, como os de Jacques Ferrand e Robert Burton.

Para tal associação, utilizo de uma abordagem multidisciplinar e crítica. Baseio-me nas concepções que atualmente fazem parte da conhecida “Nova Musicologia”, que na verdade, já é bastante antiga. Esse termo, criado em meados dos anos 80, se contrapõe à musicologia positivista e formalista do início do século XX. Um dos maiores percussores desta abordagem foi o autor Joseph Kerman, que defendeu uma musicologia “orientada para a crítica, uma espécie de crítica orientada para a história”9 (KERMAN, 1985, p. 19, tradução nossa). Segundo Suzanne Cusick (2007), a interdisciplinaridade caracterizaria este movimento: “Caracterizada como sucessivos esforços para assimilar os novos insights e métodos de outras disciplinas, o fenômeno seria mais bem descrito como uma ‘interdisciplinaridade’ em uma ‘mudança crítica’ na musicologia, ao invés de “nova musicologia”10 (CUSICK, 2007,

p. 249, tradução nossa). Inspiro-me também na definição metodológica de Gary Tomlinson (1999) em Monteverdi and the End of Renaissance, que parte do princípio de que:

Composições vocais são textos dentro de textos, pois eles carregam significados dentro de significados [...] As considerações sobre a coerência interna da obra devem agora envolver não só a música, mas a poesia e a interação dos dois. Já as considerações sobre o lugar da obra nas tradições de trabalhos semelhantes devem agora se referir tanto às tradições puramente poéticas como às poético-musicais11 (TOMLINSON, 1999, p. 6, tradução nossa).

2. A melancolia erótica

Quando o medo ou a tristeza persistem por muito tempo, trata-se de melancolia.

Hipócrates

O conceito de melancolia tem suas raízes na Antiguidade Clássica. Hipócrates, ao descrever o funcionamento do corpo humano por meio da combinação dos humores, definiu

  1. o excesso de bile negra como melancholia. Importantes autores clássicos, como Aristóteles e Galeno, perpetuaram a teoria hipocrática na cultura ocidental. Ao longo da história, a melancolia ganhou diversas explicações e definições: de patologia a elemento necessário para a criatividade. No século XVII, o conceito de melancolia estava ligado à tradição da teoria dos quatro humores12 e aos crescentes estudos sobre a loucura. A melancolia era tanto uma doença do corpo como uma doença da alma – um fator externo poderia desencadear um estado anímico, que alteraria a quantidade de bile negra no corpo. Tal situação é comum nas descrições sobre melancolias que tinham como causa a perda de um ente querido, tanto pela morte como pelo abandono – tema típico dos lamentos femininos do século XVII. Dos diversos tipos de melancolia, encontrados nos tratados seiscentistas, um se destaca por ter uma causa muito específica: o amor. O excesso, a paixão descontrolada e a obsessão pelo objeto amado foram temas de inúmeros mitos, tragédias, lendas e também de casos reais, descritos na história da medicina. A melancolia amorosa, ou melancolia erótica, era causada pelo amor, pela sua perda, abandono, traição ou desprezo. Este tipo de melancolia foi tema central do tratado do médico francês Jacques Ferrand, do terceiro volume de Robert Burton e amplamente citado nos tratados médicos italianos. Nos séculos XVI e XVII, percebe-se um aumento significativo nos escritos sobre a melancolia amorosa (SILVA, 2008a). Na poesia italiana, Petrarca imortaliza esta temática, como afirma Jacques Ferrand: “Alguns italianos asseguram que o excelente poeta Petrarca amou sua Laura com paixão duradoura e sem nunca a ter visto, e que posteriormente este tipo de amor passou a se chamar na Itália de Amor Petrarchevole13(FERRAND, 1623, p. 36, tradução nossa). Os sintomas da melancolia erótica consistiam em tristeza, medo, distúrbios do pensamento e idéias fixas. A diferença deste tipo de melancolia em relação aos outros consistia principalmente na obsessão em torno do objeto de desejo: “tanto a imaginação quanto a razão estão afetadas, por causa de um juízo corrompido e uma meditação contínua acerca daquilo que se deseja, assim pode ser com acerto dito melancólico” (BURTON, 2012, no prelo). Jacques Ferrand dedica um capítulo de seu tratado para a reflexão do por que a melancolia amorosa é mais violenta nas mulheres do que nos homens. Ele afirma que nas mulheres esse estado é mais forte porque seria da natureza feminina um excesso de calor e uma propensão a se apaixonar de forma mais intensa. “Desta forma nós podemos concluir que sem dúvida a mulher é em seus amores mais apaixonada e mais atingida em suas loucuras que o homem14” (FERRAND, 1623,
  2. 162). Hipócrates denominou de sufocação da matriz, ou seja, do útero (hystera)15, um tipo de loucura que atacava as mulheres jovens e que se assemelhava à melancolia. No século XVII, esse estado foi denominado de melancolia uterina, ou furor uterino segundo Jacques Ferrand, e seria causado pelo acúmulo de resíduos tóxicos no útero, condição que favoreceria o excesso de bile negra (ROCCATAGLIATA, 2001). O ciúme, considerado um tipo de melancolia amorosa tanto por Burton como por Ferrand, também seria mais acentuado na mulher: “Alguns questionam se esta paixão teimosa afeta mais mulheres que homens, [...]. Mas é claro que ela é mais ultrajante nas mulheres, bem como toda melancolia, dada a fragilidade do sexo” (BURTON, 2012, no prelo).

3. Excessivo Il dolor quando egli è muta

A personagem Prócris aparece na mitologia grega como a filha de Erecteu, rei de Atenas, e esposa de Céfalo. Entre as várias versões de sua história, a que mais se perpetuou durante o século XVII foi a relatada por Ovídio em As Metamorfoses e em A Arte de Amar. Nestas duas obras, a tópica de seu mito envolve o ciúme e o abandono. Na primeira, seu marido, Céfalo, a abandona para ficar com a deusa Aurora. Já no manual ovidiano para o amor, Prócris é a mulher que acusa erroneamente o esposo de traição e padece por este erro:

Quando Prócris ouviu o nome desta “Brisa”, que ela tomou por uma rival, desmaiou e ficou subitamente muda de dor. Empalideceu como empalidecem as folhas tardias [...] Quando recobra os sentidos, ela rasga suas leves vestes sobre o peito, e com as unhas machuca suas faces, que não merecem esse tratamento. De repente, os cabelos espalhados, louca de raiva, ela corre pelos caminhos, como excitada pelo tirso de Baco (OVÍDIO, 2001, p. 109).

Giovanni Francesco Busenello, no Argomento do libreto de Gli amore di Apollo e Dafne, publicado em 1656, justifica a presença do conto de Céfalo e Prócris, considerando-o como um “ornamento” em sua favola pastorale:

As outras coisas neste Drama são Episódios entrelaçados no modo que verás e se por ventura qualquer engenhoso considerasse dividida a unidade da Fábula pela duplicidade do Amor, isto é, de Apolo e Dafne, de Titone e Aurora, de Céfalo e Prócris, se compraza [deleite] em recordar que estes entrelaçamentos não desfazem a unidade, mas a adornam; e recordem-se que o Cavaleiro Querino no Pastor Fido não pretendeu a duplicidade dos Amores, isto é, entre Mirtillo & Amarilli e entre Silvio e Dorinda, mas fez com que os Amores de Dorinda e de Silvio servissem de ornamento à sua Fábula16 (BUSENELLO, 1656, p. 6, tradução nossa).

O Lamento de Prócris é inserido na oitava cena do primeiro ato desta ópera de Busenello e Francesco Cavalli, logo após um dueto de amor entre Céfalo e Aurora. O libretista apresenta uma esposa traída, tentando compreender os motivos do abandono, expressando a contradição entre o ódio e o amor pelo traidor, e a fúria e o medo em relação à deusa, sua rival. O texto é marcado pelas conhecidas contradições da melancolia erótica, em que a tristeza e a ira se misturam com a obsessão em torno do objeto amado. Apesar da traição, Prócris implora repetidamente pelo retorno do esposo, como as heroínas abandonadas de Ovídio e a Dido virgiliana. O abandono de Enéas foi a causa do desespero da rainha de Cartago, descrito na Eneida de Virgílio e citado por Ferrand como um exemplo de melancolia erótica: “Entendam como Virgílio retratou em Dido os sintomas desta doença” (FERRAND, 1623, p. 85). Tal cenário também pode ser associado ao padrão encontrado na arte pictórica do uso de imagens femininas na representação da melancolia, como a Melancholia (1514) de Albrecht Dürer, a Malinconia (1645) de Cesare Ripa e a Alegoria alla Malinconia (1622) de Domenico Fetti. Nestas imagens, a melancolia é representada como uma mulher sentada, com a cabeça apoiada sobre a mão esquerda e com a face abaixada. Francesca Gualandri (2001), em seus estudos sobre o gesto17 no Seicento, cita o tratado cênico de Giovanni Bonifacio (1547-1635), L’Arte de’Cenni (1624), em que esta posição é associada ao sofrimento – “Segurar-se com a mão na fronte é ato de dor”18 – e à tristeza – “Assim como a mão direita era sinal de bem, a esquerda é de mal [...] uma coisa esquerda se entende contrária, e infeliz: Assim uma direita feliz, e próspera”19 (GUALANDRI, 2001, p. 23, tradução nossa). Este padrão pode ser observado na imagem de Fetti, onde a figura feminina apresenta um olhar fixo para um crânio sem vida, característica que associo com a obsessão pelo objeto perdido, típica da melancolia erótica:

Figura 1: Alegoria alla Malinconia (1622) de Domenico Fetti.

Dentro do padrão de versos endecassilibi e settenari, encontrado nos lamentos inspirados na Ariana de Monteverdi, Busenello dá primazia para versos piani,20 apesar da presença, não aleatória, de versos tronchi,21 como mostra o trecho a seguir:

1 Volgi, deh volgi il piede Retorna, Ah retorna 7p22
2 Bellissimo assassin della mia fede. Belíssimo assassino de minha fidelidade. 11p
3 Dico rivolgi il piè Peço que retornes 7t
4 O mancator, perché Ó traidor, porque 7t
5 Dal tuo novello ed infocato adore De teu novo e ardente amor 11p
6 Non spero più, che tu rivolga il core; Não espero mais, que tragas de volta o coração; 11p
7 Sia pur la mia rival de sensi tuoi, Seja, portanto, a minha rival dos teus sentidos 11p
8 E di pensieri il punto ed il compasso, E dos pensamentos, o ponto e o compasso 11p
9 E lascia me sol del tuo piede un passo. E deixa-me de [longe de] teus pés, só um passo. 11p
10 Io son pur quella Procri, Eu sou, portanto, aquela mesma Prócris, 7p
11 Che dagli amori tuoi delitia fu. Que foi a delícia dos teus amores. 11t
12 Lassa, io m’inganno, io non son quella più. Ah infelizmente, eu me engano, eu não sou mais aquela. 11t

O lamento apresenta uma estrutura seccionada, que consiste em uma grande seção em stile recitativo, intercalada por refrãos ariosos que se repetem por três vezes. Essa separação, presente também na poesia, é indicada pelo compositor por barras duplas de compasso, fermatas e por cadências no final das sessões. O início do lamento, em Mi menor, inaugura o pranto de Prócris com o pedido de retorno a Céfalo: Volgi deh volgi i pie-de. Para Zarlino, os modos menores acentuavam afetos ligados à tristeza: “de certa forma que geralmente se ouvem as consonâncias arranjadas de forma contrária à natureza numérica do som (...) com o resultado que eu posso apenas descrever como triste e lânguido, e que torna a composição inteira leve”23 (ZARLINO apud PALISCA, 1983, p. 16, tradução nossa). Durante todo o recitativo a personagem apresenta considerável inconstância afetiva, representada pela alternância entre figuras rítmicas de maior valor e menor valor, que pode ser relacionada à expressão de afetos agitados e moderados. A agitação da personagem é geralmente representada por semicolcheias ou colcheias em notas repetidas, principalmente nos momentos em que Prócris se refere à Aurora ou à traição de Céfalo. Segundo Girolamo Mei, o aumento na velocidade da melodia da voz estava relacionado a afetos agitados: “Da mesma forma, uma velocidade média entre rápido e lento denota uma alma quieta, uma velocidade rápida denota excitação [concitato], e uma velocidade lenta, uma alma apática e preguiçosa” (MEI apud OSSI, 2003, p. 194, tradução nossa). No prefácio de seu oitavo livro de madrigais, Madrigali guerrieri, et amorosi (1638), Monteverdi relata algumas de suas técnicas expressivas. Afirma que para a expressão musical de afetos agitados, ligados à ira, somente ele havia descoberto a melhor forma para tal efeito: o stile concitato – semicolcheias em notas repetidas.

Eu estive refletindo que as principais paixões ou afetos de nossa mente são três, nomeados ira, moderação e humildade ou súplica; assim declararam os melhores filósofos, e a natureza de nossa voz indica isso em registro agudo, grave e médio. A arte musical também aponta claramente para estes três, em seus termos concitato, molle, temperato. [...] uma semibreve única deve corresponder a uma batida espondáica, quando esta foi reduzida a dezesseis semicolcheias, tocadas uma após a outra, e combinadas com palavras que expressam a ira e o desprezo, reconheci nesta amostra breve uma semelhança com a paixão que eu procurava, embora as palavras não sigam metricamente a rapidez do instrumento24 (MONTEVERDI apud FABBRI, 2006, p. 240, tradução nossa).

Nesta passagem, Monteverdi também associa a região aguda da voz à ira. O contraste entre as alturas dos sons era um artifício utilizado desde a Renascença para expressar afetos diversos. A região grave se referia à tristeza ou a afetos moderados, enquanto registros agudos estavam ligados ao desespero ou a afetos mais agitados. “Da mesma forma, sabe-se que os sons moderados, entre os extremos agudo e grave, são apropriados para demonstrar um afeto calmo e moderado, e aqueles que são muito agudos refletem uma alma que está afetada e elevada [sollevata]”25 (MEI apud OSSI, 2003, p. 194, tradução nossa). Os seis primeiros versos do lamento de Prócris expressam esta alternância afetiva encontrada em todo o discurso da personagem:

A sentença Belissimo assasin de la mia fede (compasso 3) é expressa musicalmente com contrastes de altura de som e de ritmo. A mínima no Fá sustenido (compasso 4) acentua o efeito da palavra, tronca, assasin. Além disso, o salto ascendente de quinta, que produz a décima com o baixo, remete de certa forma à uma elevação brusca da voz, como em um grito de desespero. Este efeito, seguido por uma pausa que separa o intervalo de oitava descendente seguinte, resulta em um contraste sonoro e afetivo.

No compasso 36 (Exemplo 2), a sentença il tradimento, Ohimè mi svena il core (A traição, ai de mim, me fere o coração) apresenta o padrão descrito, mas com significativo contraste afetivo. A traição, representada por notas agitadas, em semicolcheias na nota Ré, é bruscamente cortada pelo salto de terça maior na palavra Ohimè. O Fá sustenido estático e prolongado por ligaduras até o primeiro tempo do compasso seguinte contrasta com a passagem agitada anterior e com o retorno das notas em concitato. A contradição da condição de Prócris, entre o amor e o ódio por Céfalo, é bem representada entre os compassos 34 e 41. Em um primeiro momento, a personagem declara que, apesar da traição, ainda ama seu esposo – e pur ancor io t’amo. Mas a palavra amo (compasso 34) recebe do compositor uma dissonância sem resolução. Um efeito semelhante ocorre na passagem e al mio dispetto / Adoro il traditore (e no meu sofrimento / amo o traidor), na qual a palavra Adoro é expressa por outra dissonância. Em ambos os casos, a dissonância gera um efeito inesperado para palavras que remetem à doçura.

Esta inconstância afetiva condiz com a descrição de muitos teóricos sobre o descontrole da melancolia. Burton comenta sobre as perturbações que afligem o melancólico, que se assemelham de certa forma com as apresentadas pela personagem: “com mentes desinquietas, pensamentos agitados e inquietos, descontentes, [...] coisas passadas, presentes e futuras, a lembrança de alguma desgraça, perda, injúria, abusos, etc., perturba-os [...]” (BURTON, 2011, p. 346).

O início das três repetições do refrão consiste no pedido pelo retorno de Céfalo e nas memórias da personagem sobre uma época em que era o desejo, o ídolo e as delícias do esposo. A fixação de Prócris em relação ao seu passado condiz com a descrição de Jacques Ferrand sobre a obsessão da melancolia amorosa: “nossa mente anseia por o quê se perdeu, e move-se com toda a sua força entre as sombras do passado”.26 Em melodia descendente, acompanhada por mesmo movimento no baixo, essas diferentes lembranças apresentam textos diferentes, mas em um mesmo padrão melódico e poético:

I)

II)

Exemplo 3: As três variações da primeira parte do refrão. I) Eu sou aquela mesma Prócris, que foi a delícia dos teus amores; II) Céfalo retornas para mim, Eu sou aquela que tua predileta fui; III) Céfalo retornas para mim, Eu sou aquela que tu já idolatraste.

O uso de versos diferentes dos tradicionais piani destacam o refrão do recitativo. Paolo Fabbri (2007) relata que os versos com terminação tronca eram destinados a conclusões de períodos ou de seções inteiras, e na música, a cadências. Além disso, o autor cita

o prefácio do libreto da ópera perdida Le Nozze d’Enea in Lavinia de Monteverdi (libretista desconhecido), que associa este tipo de verso aos personagens irritados: “E assim, para me adequar às pessoas e aos afetos que delas devo exprimir, me são servidos de muitos metros de versos, dando os sdrucciole27 às pessoas baixas e os breves e tronco aos irritados”28 (FABBRI, 2007, p. 26). O uso destes versos tronchi e a repetição do refrão acentuam a obsessão de Prócris, expressa pela frase que se repete de forma imutável: Lassa io m’inganno, io non son quella più. Esta passagem enfatiza a idéia do abandono e da traição do esposo. Prócris já não é mais aquela a quem Céfalo deseja e idolatra, como as memórias lhe insistem em relembrar. O amargo engano (io m’inganno), a percepção de que seu presente não condiz com suas lembranças passadas, se contrapondo à súplica pelo retorno do traidor, é o pensamento fixo que não permite descanso. A idéia fixa no objeto perdido é um sintoma característico da melancolia, relacionada principalmente à melancolia amorosa. Dini (1997) resume, com citações do médico Silvatici, o caráter obsessivo da melancolia amorosa: “como se tentasse expulsar o objeto estranho (memórias) e pertubações presentes à imaginação’, e, ao invés disso, fosse reduzida ao ‘pensamento fixo e contínuo do objeto desejado’’29 (DINI, 1997, p. 10, tradução nossa). O salto de sétima na palavra Lassa, tanto do baixo como da voz, no contratempo, destaca esta expressão de dor do resto do lamento:

Exemplo 4: Passagem do refrão que se repete imutavelmente: Ah infelizmente, eu me engano, eu não sou mais aquela.

Durante todo o refrão, o baixo apresenta um movimento descendente que pode ser associado ao baixo em tetracórdio menor do Lamento della Ninfa de Monteverdi, um dos padrões que caracterizavam os lamentos deste período.

No lamento de Prócris, o tratamento de Cavalli para este baixo é outro. O tetracorde descendente ocorre dentro do modo dórico, primeiramente em Lá e depois em Ré. Este modo foi descrito por Zarlino como “triste e lânguido” (ZARLINO, 1983). Ellen Rosand (2007) afirma que o uso do “baixo de lamento” nos refrãos, recurso instaurado por Cavalli, acentuava a característica obsessiva deste padrão.

Além disso, ao invés de sacrificar o efeito natural do ostinato, seu abandono intensificava o efeito de seu retorno no início de cada estrofe, um retorno que enfatizava sua obsessão emblemática: estava sempre lá e não podia ser esquecido. Por esse tratamento do tetracorde, Cavalli conseguiu criar alta expressividade nas estrofes30 (ROSAND, 2007, p. 371, tradução nossa).

A impotência de Prócris perante a deusa é uma faceta muito explorada neste lamento. No compasso 32, a posição de personagem elevada de Aurora, Nell’altezze di Lei, é tratada por Cavalli com melodia ascendente até a nota Sol, na palavra Lei (ela). Já o abismo de Prócris, l’Abisso mio, recebe intervalo de oitava descendente, terminando a sentença na nota grave Ré. A rápida mudança da altura da melodia da voz representa a distância que as separa e acentua a gravidade do estado de Prócris.

Exemplo 6: Elevação de Aurora e o abismo de Prócris.

Apesar do ciúme e da fúria – Ohimè la gelosia mi stimola a bestemmie, ed a furo-ri (Ai de mim o ciúme estimula-me a maldições, e ao furor) – o medo de maldizer o divino confina o sofrimento de Prócris no “fundo de seu coração” (Su ‘l fondo al core i miei singulti preme). Um dos principais sintomas do ciúme na mulher seria a fúria e a agressividade, que Burton (2012, no prelo) compara, com uma citação de Escalígero,31 à fúria animal: “Tigre, urso, porco, cobra, ou leonina. Não expressam a fúria feminina”. A ira da esposa traída, que não pode ser expressa por palavras, recebe como tratamento o já conhecido concitato, além do uso de dissonâncias (compasso 73).

A descrição da dor de Prócris transmite o nível de seu sofrimento: Eu traída, ardendo e dilacerada da dor que passa pela minha medula. Sua melancolia, causada pelo abandono e pela traição de seu marido, remete aos inúmeros casos relatados sobre a melancolia amorosa no século XVII. No refrão, a personagem se depara com a triste percepção do engano. O desmanchar da lembrança de um tempo passado é obsessivamente repetido. Entre os momentos de tristeza, o medo e o ciúme causam a ira, contida em palavras, mas expressa musicalmente pela agitação rítmica dos momentos concitati e por saltos e dissonâncias que retiram seu discurso do padrão da “normalidade”, da moderação de um discurso tranquilo. Sua inconstância e excesso relembram o desequilíbrio afetivo da loucura melancólica e do ciúme da melancolia amorosa descrito por Burton e Ferrand. Além disso, encontram-se também exemplos da tristeza e do medo descritos por Hipócrates. No caso de Prócris, a tristeza do abandono, que o medo impede de ser exteriorizada, retorna para o interior de sua alma e torna-se excessiva e obsessiva. Tal condição é resumida por Prócris no fim do lamento: Excessiva é a dor quando ela é muda.

Considerações finais

No Lamento de Prócris, nos deparamos com uma situação de abandono e traição, acompanhada pelo medo da personagem de maldizer sua rival, a deusa Aurora. Francesco Cavalli construiu um lamento em stile recitativo com refrãos bem delimitados, respeitando de certa forma a construção poética de Busenello, que destacou o refrão do resto do texto por meio de sua repetição e com o uso de métrica diferenciada. O baixo, que remetia ao baixo ostinato da Ninfa de Monteverdi, acentuou a obsessão de Prócris neste refrão. O lugar que deixou de ocupar no coração de Céfalo, o desejo pelo retorno do amado e a consciência do abandono marcam as sentenças repetidas obsessivamente. Além disso, seu discurso oscila entre momentos moderados e agitados, que foram relacionados com o contraste afetivo da melancolia amorosa. Nestes momentos, o tratamento musical de Cavalli evidenciou

o conflito da personagem, que segundo ela própria, não tinha vazão por meio das palavras.

Cavalli deu forma ao chamado lamento veneziano. Estes lamentos imitavam a dor do abandono, a tristeza excessiva e a obsessão pelo objeto perdido através da poesia e da música. Já os estudos sobre a loucura no século XVII usavam de uma linguagem humanista, ligada à Antiguidade clássica, para descrever e explicar a insanidade humana. As descrições encontradas nos tratados sobre a melancolia causada pelo amor parecem de certa forma transportar conhecidas cenas de sofrimento amoroso, de mitos e poesias, para o palco da vida. Tanto os lamentos quanto as teorizações sobre a melancolia abordavam um mesmo fenômeno: o sofrimento humano. Apesar de ter encontrado inúmeras semelhanças entre os sintomas da melancolia erótica, descrito nos tratados médicos e literários, com a condição apresentada neste lamento, não considero o lamento de Prócris como uma imitação da melancolia amorosa. Os estudos e as representações da melancolia foram usados neste estudo quase como uma alegoria, capaz de abarcar de certa forma o conteúdo afetivo, tão singular, de alguns lamentos desse período. Desta forma, concluo que tanto a melancolia erótica como o lamento de Prócris podem ser considerados representações de um tipo semelhante de sofrimento causado pelo amor.

Notas

1 Consiste em uma prática comum a separação entre a Retórica e a Oratória. Esta separação provém da apropriação da retórica pelos romanos, principalmente por Quintiliano e Cícero, que separaram a Retórica da Poética, sendo a primeira a arte de discursar, chamada de Oratória, e a segunda a técnica de construção de um texto (MOISÉS, 1997).

2 Essas etapas consistiriam em: inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio. Ver a obra de Ruben Cano, Música y Retórica en el Barroco. Mexico: Universidad Autónoma de Mexico, 2000.

3 As figuras retóricas, principalmente baseadas em Quintiliano, inspiraram compositores alemães durante o período barroco na teorização sobre equivalentes musicais para estas figuras.

4 Italian Baroque Music was modeled after the art of oratory rather than the discipline of rhetoric. Its goal was to imitate the actor rather than the playwright, the orator rather than the rhetorical. The art of Italian vocal [...] was developed much more thoroughly, owing to the Italian emphasis on delivery, on actio or pronunciatio, the last rhetorical structural steps and the one most important to the actor.

5 [...] il fine del musico, cioè diletare e muovere l’affetto dell’animo.

6 This is what usually comes to mind first, when one wants to sing works as solos (and thus be stylish), in the conviction that counterpoint will be sufficient. But to compose and sing well in this style, understanding of the [poet’s] conception and sensibility to the text (plus imitating them through affective music and expressing them through affective singing) are much more useful than counterpoint.

7 Mas a associação de McClary pode ser considerada anacrônica, já que se baseia nos estudos de Foucault sobre a loucura e no conceito atual de insanidade. Proponho a associação entre as características afetivas destes lamentos com o conceito de loucura da época em que foram criados, em especial ao da melancolia.

8 The particular brand of madness generating the lament is that of obsession: the nymph is fixated on memories of a lover who has abandoned her – who has awakened her sexually and has left her with no outlet for that excess, no recourse but madness.

9 What I uphold and try to practice is a kind of musicology oriented towards criticism, a kind of criticism oriented towards history.

10 Characterized by successive efforts to assimilate the newest insights and methods of other disciplines, the phenomenon might be better described as an interdisciplinary or critical turn in musicology, rather than as any single new musicology.

11 Vocal compositions are texts within texts; they carry meanings within meanings. [...] Consideration of the internal coherence of the work must now involve not only music but also poetry and the interaction of the two. Consideration of the place of the work in traditions of like works must now refer to purely poetic as well as music-poetic traditions.

12

Segundo Klibansky, Panofsky e Saxl (1979, p. 3, tradução nossa): “[...] a “bile negra” (atra bílis, μλας χολ μελαγχολα), juntamente com a fleuma, a bílis amarela (ou “vermelha”) e o sangue, constituíam os quatro humores”.

13 Quelques Italiens veulent asseurer que l’excellent Poete Petrarque aima sa Laure avec passion extreme & longtemps, sans l’avoir jamais veüe, & que du depuis on appelle en Italie ceste espece d’Amour, Amor Petrarchevole.

14 Donc nous pouvons coclure, que sans doute la feme est en ses Amours plus passionnee, & plus acariastre en ses folies que l’homme.

15 No século XIX, essa condição descrita por Hipócrates é traduzida por Littrè como Hysteria.

16 Le altre cose nel presente Drama sono Episodi intrecciati nel modo che vederai e se per aventura qualche ingegno considerasse divisa l’unita della Favola per la duplicità del’Amori, cioè d’Apollo, e Dafne, di Titone, e dell’Aurora, di Cefalo, e di Proci, sa compiacca raccordarsi, che queste introcciature non disfanno l’unita, mà l’adornano, e si rammenti, che il Cavalier Guerino nel Pastor Fido non pretese duplicità d’Amori, cioè trà Mirtillo, & Amarilli, e trà Silvio, e Dorinda,; mà fece, che gli Amori di Dorinda, e di Silvio servissero d’ornamento alla Favola sua.

17 O termo “gesto” aqui utilizado se refere à expressão sem intermédio da palavra (GUALANDRI, 2001), por meio do corpo. Kendon (2004, p. 18) afirma que o termo gestus na Antiguidade, segundo Quintiliano, era uma das principais formas de eloquência e “se referia não só às ações das mãos e dos braços, mas também de todo o corpo, a postura que esse assume, as ações da cabeça e da face, e o olhar.”

18 Tenirsi con la mano la fronte, è atto di dolore.

19 Sicome la mano destra era segno di bene, così la sinistra di male [...] una cosa sinistra s’intende contraria, et infelice: Cosi una destra felice, e prospera.

20 As terminações piani, ou seja, paroxítonas, são as mais comuns da língua italiana.

21 Nas terminações tronchi, ou oxítonas, o acento encontra-se na última sílaba do verso.

22 A letra p se refere às terminações piani e a letra t indica terminações tronchi.

23 [...] in such a way that often one hears the consonances arranged contrary to the nature of the sonorous number[...] with the result that I can only describe as sad or languid, and which renders the entire composition soft.

24 I have reflected that the principal passions or affections of our mind are three, namely, anger, moderation, and humility or supplication; so the best philosophers declare, and the very nature of our voice indicates this in having high, low, and middle registers. The art of music also points clearly to these three in its terms concitato, molle, temperato. [...] a single semibreve should correspond to one spondaic beat; when this was reduced to sixteen semiquavers, struck one after the other, and combined with words expressing anger and disdain, I recognized in this brief sample a resemblance to the passion, which I sought, although the words did not follow metrically the rapidity of the instrument

25 Similarly, it is well known that moderate sounds, between the extremes of high and low, are appropriate for demonstrating a quiet and moderate affect, and those that are too high reflect a soul that is moved and sollevato.

26 animus quod perdiit, optat: Atque in prœterita se totus imagine versat. Essa é uma passagem de Pretonius, citada por Ferrand, que traduzi baseada na edição inglesa de Beecher & Ciavolella (1994).

27 Os versos sdruccioli se referem aos proparoxítonos. Esses versos eram muito comuns em cenas de invocação mágica.

28 E cosi per accomodarmi alle persone ed agli affetti che devono da loro esprimersi, mi son servito di più metri di versi, com’a dire dando le sdrucciole a persone basse ed il breve e tronco ad adirati

29 come se cercasse di allontanare l’oggetto estraneo (i ricordi) e molesto presente all’imaginazione” e fosse invece ricondotta al “pensiero fisso e continuo dell’aggeto desiderato.

30 Furthermore, rather than sacrificing the power inherent in the ostinato, its abandonment actually intensifies the effect of its return at the beginning of each new strophe, a return that emphasizes its emblematic obsessiveness: it is always there and cannot be forgotten. By his treatment of the tetrachord, Cavalli managed to create highly expressive individual strophes.

31 Autor italiano (1484-1558).

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Viviane Alves Kubo - Cantora. Bacharel em Psicologia pela UFPR, graduada em Canto pela EMBAP e Mestre em música pelo Programa de Pós Graduação em Música da UFPR. Dedica-se à pesquisa da música vocal no período barroco e à performance historicamente informada desse repertório. Atualmente participa do Grupo de Música Antiga da UFPR, tanto como intérprete como pesquisadora. Em janeiro de 2013 publica seu primeiro livro, Malinconia d’amore: a melancolia e os lamentos femininos da ópera veneziana de meados do século XVII, pela editora Appris.