óPERA ITALIANA E POÉTICA: PRECEPTIVAS E REFORMAS NO FINAL DO SÉCULO XVIII

ITALIAN AND pOETIC OpERA: pRECEpTIvES AND REFORMATION AT THE END OF THE 18TH CENTURY

Paulo M. Kühl - Instituto de Artes / Unicamp pmkuhl@gmail.com

Resumo: A literatura sobre ópera italiana, tanto no que respeita aos aspectos musicais como aos libretos, é muito vasta e mostra a repercussão do sucesso desse tipo de espetáculo junto ao público, além de revelar, por parte dos teóricos, o profundo estranhamento com a ópera e a imensa dificuldade para estabelecer critérios que de fato contribuíssem para se pensar o fazer operístico. Nota-se, desde o surgimento dos espetáculos inteiramente musicados, a dificuldade teórica para definir o novo gênero dramático, para aceitar a combinação entre texto e música e para compreender as qualidades próprias da ópera. Logo surge uma cisão entre a prática operística e a teoria, que tentava a todo custo conter os excessos do novo espetáculo e, além de criticá-lo, propor variadas reformas. Diversas espécies de questões afloram no grande debate, desde aquelas de cunho moral até as relativas à natureza híbrida do espetáculo. A história da teoria da ópera pode ser lida como um constante esforço de compreensão, de censura e de propostas de modificações. O artigo examina as propostas de autores do final do século XVIII e início do XIX

(S. Bettinelli, G. Gamerra, Napoli-Signorelli, entre outros) para uma série de reformas da ópera italiana, baseando-se nas poéticas de Aristóteles e Horácio. O objetivo é mostrar a permanente tensão entre as preceptivas, as tentativas de mudança e as especificidades de um gênero poético-musical que escapava das definições tradicionais. Palavras-chave: Ópera; Século XVIII; Itália; Poética.

Abstract: Writings on Italian opera (either on musical aspects or on libretti) are numerous and show how audiences admired this kind of spectacle. At the same time, they reveal a profound difficulty to establish criteria that could be used to reflect on the art of opera. Since the beginnings of this type of music spectacles, there were theoretical troubles to define the new dramatic genre, to accept the combination of text and music, and to understand the intrinsic qualities of opera. A split between the praxis and the theory of opera soon appeared, and theoretical writings tried to refrain the excesses and abuses of the new spectacle, and many reforms were proposed. Among the many questions raised, those related to moral issues and to the hybrid nature of opera were always discussed. The history of the theory of opera can be read as a constant effort to understand, to censor and to modify dramas with music. This paper examines proposals by Italians authors of the late 18th and early 19th centuries (S. Bettinelli,

G. Gamerra, Napoli-Signorelli, among others), that somehow tried to reform Italian opera, based in the Poetics by Aristotle and Horace. The goal is to demonstrate the permanent tension between preceptives, changes and specificities of a musical-poetical genre that escaped traditional definitions. Keywords: Opera; 18th Century; Italy; Poetics.

A ópera é um espetáculo difícil: a combinação de texto e música, presente em tantas formas literárias e musicais e um dos pontos máximos da história da música, tem uma configuração particular no caso da ópera

I Encontro de Poética Musical 2009

desde o século XVII. A presença da música, elemento essencial de deleite e de comoção, constitui, ao mesmo tempo, um entrave para as reflexões téoricas sobre os espetáculos musicados. Para além das constantes queixas relativas à verossimilhança, a maneira como a ópera se constitutiu desde suas origens coloca uma série de outras questões, dentre elas, a da definição do gênero dramático.

A ópera é um espetáculo rebelde. Desde os primórdios da história dos espetáculos musicais, diversas queixas surgem, acompanhadas das mais variadas tentativas de reforma, que oscilavam entre a exclusão de espetáculos em geral, e mais especialmente daqueles com música, e sugestões para que a ópera, se possível, encontrasse o “reto” caminho, de acordo com as preceptivas clássicas. Por mais que os autores tentassem ver na tragédia antiga um ancestral direto para a ópera, o uso das preceptivas, especialmente a Poética aristotélica e a terceira Epístola aos Pisões horaciana, para conceber e regular o espetáculo operístico trazia sérias dificuldades para aqueles que se dedicaram à teoria da ópera.

Durante o século XVII e todo o século XVIII, os mais variados autores, das mais diversas formações, dos muitos cantos da Europa, debruçaram-se sobre a ópera e seus problemas. As referências a Aristóteles multiplicam-se e, a partir do final do século XVII, os trágicos franceses e seus teóricos também se tornam um ponto necessário de inflexão. Pensando em um grande arco de tempo, as traduções de Metastasio dos textos de Aristóteles e Horácio e as respectivas notas seriam a última grande tentativa de alinhar o espetáculo operístico com as normas poéticas da antiguidade. Percebe-se, nas últimas décadas do século XVIII e no início do século XIX, em alguns pensadores italianos, a preocupação com determinados elementos que escapam das questões originais, sem, contudo, delas se desviar completamente.

Antonio Planelli, em 1772, preocupado com os “prazeres públicos”, tem uma visão que ainda coloca o texto como o principal elemento da ópera, mas ao mesmo tempo não se recusa a reconhecer a importância de todo o aparato que envolve o espetáculo operístico. E mesmo sua visão do que separa a tragédia da ópera é relativamente generosa e também revela o tamanho da dificuldade:

Cabe a nós então divisar em que o melodrama se distingue da tragédia antiga. Ora, tal diferença está inteiramente em poucas mudanças nas leis desta última, por causa da diversidade entre nossos costumes e aqueles que reinavam na nação e no tempo que foram ditadas as leis da tragédia antiga; e também por causa de nosso progresso em algumas das artes. Essas mudanças dizem respeito particularmente às leis pertencentes à unidade de lugar, ao final funesto ou feliz, ao caráter do protagonista, ao número de atos e ao verso trágico. (PLANELLI, 1981, p. 39).1

Na visão do autor, parece haver uma continuidade entre a tragédia antiga e a ópera moderna, com pequenas mudanças. Contudo, o conjunto do livro de Planelli revela grande oscilação entre as regras da tragédia e as exigências da composição musical e do espetáculo. O autor é muito específico ao examinar os diversos elementos do drama musical: o estilo da música apropriada ao drama, a pronúncia dos cantores, o vestuário, os cenários e as máquinas, o edifício teatral e suas peculiaridades, a presença da dança nos dramas, a necessidade de um diretor para a ópera, e o cuidado com a execução. O reconhecimento de todos esses elementos como constituintes do bom drama musical indica um alargamento de preocupações, mas, ao mesmo tempo, as propostas de reforma ainda revelam que o texto seria

o elemento central. Além disso, grande ênfase é dada à função educativa e social do drama e daí a necessidade de um diretor geral.

Em certo sentido, é a mesma preocupação que pode ser encontrada em diversos outros escritos, como os de Gamerra (1789), Milizia (1794), Perotti (1812)2 e Napoli-Signorelli (1812). Todos compartilham, em seus respectivos textos, a proposta de definir o drama e o drama com música, indicar seus defeitos e a maneira de corrigi-los, e, cada vez mais, a necessidade de uma regulação que vai além das leis da composição artística.

Uma idéia que perpassa os textos de diversos autores é o da criação de um “novo” teatro, que fosse digno de uma nação culta. Em certa medida, o projeto de Riccoboni de 1743 para o teatro russo (RICCOBONI, 1767) anuncia uma série de outras tentativas, certamente com características diferentes, mas sempre com a proposta de um novo início que respeitasse leis teatrais e morais. Não se trata das tentativas pós-revolucionárias da França, mas sim, de uma proposta de corrigir os vários defeitos. As sugestões de Giovanni de Gamerra para o teatro em Nápoles não incluem menções à ópera, pois tratam apenas do teatro recitado (usando distinções alargadas com relação aos gêneros dramáticos: tragédia, comédia e “tragédia doméstica-pantomima”). A preocupação é com um teatro nacional e como este poderia auxiliar na educação dos cidadãos. Curisoamente, o au-tor sugere que os temas das novas tragédias venham da história dos heróis do reino, ajudando a criação de um espírito patriótico (GAMERRA, 1789,

p. 14). Banir todo o tipo de abusos e de superficialidades, ligados tanto à confecção do texto em si quanto aos atores, às vestimentas e às encenações, seria o único caminho para encontrar-se a justa medida (e por justa medida, entenda-se, um teatro solidamente moral e de acordo com as regras da religião); aqui se pode compreender a ausência de menções às óperas: em primeiro lugar, elas não fazem parte, na visão do autor, do gênero dramático das tragédias e comédias; em segundo, não podem constituir um teatro nacional, apesar de Nápoles ser um dos grandes centros operísticos; finalmente, a ópera parecia representar tudo o que o autor criticava na produção teatral.

Em Milizia, a vocação moralística é evidente:

Do que foi exposto até agora, aparece claramente que o nosso teatro é um amontoado de absurdos. É sem tragédia, sem pastoral; a comédia é nauseante, a ópera em música um monstro; o próprio material do teatro é um formigueiro de defeitos incômodos e repulsivos. Faltam, em suma, seus dois grandes objetos, o útil e o deleite. Com grandíssimas razões foi então censurado pelos moralistas e, com ainda mais razão, é vilipendiado pelas pessoas de espírito e gosto (MILIZIA, 1969, p. 98).3

Para o autor, o teatro deveria ser “escola de virtude e bom gosto” e não apenas distração para o beau monde e, sobretudo, o governo deveria ter um papel mais presente na regulamentação geral das apresentações e no zelo dos costumes. Assim, entre a adesão aos preceitos horacianos e a necessidade de ordenação, Milizia surge, no final do século XVIII, como um dos expoentes de uma longa tradição moralista, que via com dificuldades o teatro em geral e a música em particular.

Giovanni Agostino Perotti, no argumento de seu livro, respondendo a uma questão proposta pela Sociedade Italiana de Ciências, Artes e Belas-Letras, e preocupado com a utilidade pública das artes, não parece ser muito diferente da tradição reformista da ópera italiana:

Determinar em todas as suas relações e através de aproximações as mais favoráveis qual é o estado atual da música na Itália. Indicar seus defeitos, se existentes, ou os vícios que nela puderam se introduzir; E a partir da descoberta, mostrar os meios mais eficazes para fazê-los desaparecer e para levar a arte a sua maior perfeição. (PEROTTI, 1812, Argument)4

Na primeira parte de seu livro, o autor apresenta considerações gerais sobre a música italiana; na segunda, examina aquilo que entende por causas da corrupção (decadência poética, abusos dos cantores e dos compositores), para, finalmente na terceira parte, propor sua reforma. As referências teóricas nesta parte são Brown, Algarotti, Planelli e Arteaga e as recomendações podem ser resumidas da seguinte maneira: censura artística por parte do governo; quanto à poesia, usar obras de Metastasio; boas escolas para os compositores; escolas públicas para os cantores; redução da importância dos balés; teatros não devem ser entregues aos empresários;

o público não deve ser o censor do teatro; instituição de bibliotecas musicais e academias (PEROTTI, 1812, p. 99-111). A conclusão indica a necessidade de um bom monarca. Se entendermos a idéia do monarca como a presença de um governo forte, com uma política cultural específica para a música e a ópera, podemos notar que, além de uma visão tradicional das artes5, o autor invoca a necessidade de uma política reguladora. Isso não está exatamente no domínio da poética, mas haveria uma tentativa de reatar a ética e a poética, o que parecia especialmente importante na reestruturação política da Itália e também naqueles países que pareciam engatinhar nas atividades teatrais, como a Rússia.

Ainda dentro de uma tradição clássica, já no século XIX, a sistematização feita por P. Napoli-Signorelli do drama com música reforça a presença de ideais horacianos e aristotélicos no pensamento sobre a ópera. Reconhecendo que aquilo que distingue a ópera da tragédia ou comédia recitadas é a presença do canto, recusando porém os tipos de espetáculos parcialmente cantados, Napoli-Signorelli insiste que a convenção própria da ópera permite ao espectador ouvir o canto sem estupor. Após delinear uma breve história da ópera que privilegia as figuras centrais de Peri, Rinuccini e Monteverdi, o autor não aceita a visão de que os espetáculos com música deveriam ser teorizados de maneira diversa dos recitados:

Distingue-se o melodrama por algo além do canto contínuo? Na minha opinião, o melodrama heróico ou cômico não se distingue da tragédia ou da comédia a não ser pela música constante, que, por natureza própria, exige do começo ao fim. E por isso os outros requisitos de adequação da imitação, da unidade de desígnio e interesse, da regularidade prescrita pelo verossímil, nenhuma diferença essencial relativamente entre eles deve ser levada em conta.6 (NAPOLI-SIGNORELLI, p. 40)

O autor menciona a seguir as distinções propostas por Planelli, reafirmando contudo que não deve haver diferença no tratamento das óperas. Consequentemente, a proposta é de reforma da ópera, para corrigir erros que seriam básicos, mas não essenciais. Novamente o texto aparece como elemento central, e a música, subordinada7; a partir dessa centralidade, as recomendações que se seguem soam como uma repetição de diversos preceitos sugeridos por outros autores. Mesmo se os preceitos em si não parecem de todo inovadores, mais uma vez o que nos interessa nesta pesquisa é a permanência de tais idéias, apresentadas em 1812 e publicadas em 1847. Paola Cinque (2000) indica a “persistência em âmbito acadêmico, no primeiro vintênio do século XIX, de contribuições teórico-críticas ‘datadas’, que repropõe como válidas temáticas e polêmicas relativas ao drama com música, sobre as quais se discutiu amplamente por toda a segunda metade do século XVIII” (p. 49). A autora lembra ainda que, mesmo com o reconhecimento de elementos do espetáculo como pertencentes ao drama com música, o denominador comum dos diversos autores reformistas “datados” era o papel conferido ao texto.

Aquilo que soa como “datado”, já no século XIX, é a presença de referências às poéticas tradicionais para se pensar as artes em geral e a ópera em particular. Como demonstrou G. Tomlinson, a chamada ópera “romântica” custa a encontrar uma elaboração teórica de si mesma; os idealizadores do romantismo italiano não se debruçaram especialmente sobre a questão da ópera, apesar de ser um tipo de espetáculo de grande apreço junto ao público (TOMLINSON, 1986). Contudo, vários autores, desde o século XVIII, reclamavam algum tipo de articulação teórica. S. Bettinelli, cujo Risorgimento d’Italia: negli studi, nelle arti e ne’ costumi dopo il Mille foi publicado pela primeira vez em 1775, com uma segunda edição em 1786, depois de um arrazoado sobre a música italiana, afirma com clareza:

Se cheguei até os nossos dias com a história do ressurgimento nesta parte [sobre a música], foi porque não o encontrei até agora em nenhum modo nem em nenhuma parte na Itália. Talvez o encontraremos quando tivermos o equivalente de uma poética de Aristóteles e de Horácio, de uma retórica de Marco Túlio e de Quintiliano, que fixe [regras] na música com geral consentimento (BETTINELLI, 1976,

p. 526)8.

É igualmente importante lembrar que no mundo italiano, nem sempre as reformas propostas por Gluck e Calzabigi foram bem aceitas. O prefácio da Alceste, tão festejado pela historiografia como ponto fundamental de inflexão para a poética da ópera, foi criticado por Manfredini (com forte tom nacionalista):

Volto ao jornal [Giornali de’ letterati, Modena, tom. I, p. 203] que afirma ser o prefácio da ópera Alceste do Senhor Gluck a Poética de Horácio da música. É dizer demais que devam vir os alemães a ensinar-nos esta arte, que, apesar de o Sr. Jornalista ter a bondade de convir que ela é nossa, prova que ninguém compôs com mais gosto do que Hasse, e com mais doutrina do que Gluck, e ninguém cantou melhor do que Raff, do que a Tauberin, e do que a Mingotti, quase todos alemães. Devagar! [...] Gluck tem seu grande mérito; que seja o único instruído, não é dizer pouco.9 (MANFREDINI, 1775, p. 22)

A pergunta que sempre permanece é: existe uma poética da ópera? Ou melhor, é possível uma poética da ópera ou trata-se apenas de um desejo irrealizável? Ou ainda, é necessária uma poética da ópera, sobretudo no contexto das propostas românticas? Talvez as perguntas fiquem sem resposta, mas é possível identificar na virada do século XVIII para o XIX uma constante preocupação que oscila entre a adoção das poéticas tradicionais e a necessidade de transformações nos funcionamentos do teatro.

O caso dos Ammaestramenti de Carlo Ritorni pode ser considerado como ainda mais “tardio” quando trata das convenções poéticas da ópera em 1841. Uma das vantagens do texto é que ele cobre quase a toda a produção italiana da primeira metade do século XIX, trazendo uma série de reflexões sobre as transformações por que a ópera passou, incluindo o furacão Rossini, mas também Donizetti e Bellini. O autor tem uma visão “logocêntrica”, privilegiando o texto em detrimento da música. Tem dúvidas se a teoria deve ser chamada de “música poética” ou “poética musical”, comparando os estudos sobre música com os estudos literários. Diz RITORNI (1841, p. 6):

entre o estudo da gramática e o da eloquência estão as humanidades e, quase direi, a retórica também; igualmente a dúplice arte melo-poética liga à sua gramática, que é a música, à eloquência, que é a poesia, mediante um anel, que para ser constituído demanda uma pessoa que professe as duas, muitas vezes distintas demais, faculdades.10

Ainda segundo o autor, o papel da música e do canto não é apenas

o de agradar, mas sim, o de contribuir para o efeito dramático. Mas aqui voltamos ao problema crucial de delimitação dos papéis das duas artes, poesia e música, na construção do drama. A opção de Ritorni é clara: existem tragédia e comédia e o drama musical (melodrama, como diz o autor) não é uma terceira categoria nem mesmo um espetáculo dos sentidos, como queria d’Alembert:

Ele é tragédia, ele é comédia, tratada com a poesia, com o canto, com

o acompanhamento instrumental, com algumas outras modificações que esses meios requerem, segundo as belas-artes. Por isso comove e ensina; e estas duas propriedades são sempre intrínsecas a ele [...]. É falso então que a ópera seja chamada em sua essência de espetáculo dos sentidos, ainda que aos sentidos agradem os seus despojos, mas nunca será por si mesma o espetáculo dos sentidos, mesmo quando, pelos atrativos exteriores, torne-se mais restrito o efeito intrínseco de comover e de instruir. (RITORNI, 1841, p. 83).11

Mesmo ao comentar os românticos, Ritorni ainda reforça as qualidades do classicismo e até mesmo defende as “unidades”, assunto que tanta polêmica havia causado nos debates literários. Não queremos com isso dizer que o autor é retrógrado, ou “datado”, queremos apenas insistir na permanência de determinados ideiais em plena metade do século XIX. As diversas correntes musicais do século XVIII, em várias regiões da Europa, pelo menos na visão de parte dos teóricos, parecia caminhar para um beco sem saída. Dos estilos individuais, para os nacionais, para os trans-nacionais, para os gostos reunidos, e assim por diante, além de um constante discurso sobre a decadência do gosto e da produção musical, o que constantemente conduzia à proposta dos mais variados tipos de reforma, indica uma espécie de esgotamento que esperava a chegada de um redentor. Para os italianos, ou pelo menos para parte deles, o redentor será, como se sabe, Rossini; contudo, mesmo depois das diversas transformações, a insatisfação (teórica) permanecia e a presença das preceptivas ainda será forte em boa parte do século XIX.

Notas

1 “A noi dunque non altro appartiene che il divisare in che il Melodramma differisca del’antica Tragedia. Ora una tal differenza tutto sta in poche mutazioni fatte alle leggi di questa, per ragione della diversità, che passa tra’ nostri costumi, e quelli, che regnavano nella Nazione, e nel tempo, che furono dettate le leggi dell’antica Tragedia, e per ragione altresì del progresso da noi fatto in alcune arti. Queste mutazione riguarda particolarmente le leggi appartenenti all’unità del luogo, all’esito tristo o lieto della favola, al carattere del protagonista, al numero degli atti e al verso tragico”.

2 Utilizamos a versão francesa.

3 “Da quanto finora si è esposto, chiaramente apparisce, che il nostro Teatro è una ammasso di assurdi. E’ senza Tragedia, è senza Pastorale: la Commedia è stomachevole, l’Opera in Musica è un mostro: il materiale stesso del Teatro è un formicajo di diffetti incomodi e ributtanti. Manca in somma d’ambidue i suoi più grandi oggeti, l’Utile e il Diletto. Con grandissima ragione dunque è censurato da’ Moralisti, e con altrettanta ragione è vilipeso dalle persone di spirito e di gusto”.

4 “Déterminer dans tous ses rapports et par les rapprochemens les plus favorables, quel est le goût et l’état actuel de la Musique en Italie; / En indiquer les défauts, s’il y en a, ou les vices qui ont pu s’y introduire; / Et sur leur découverte, assigner les moyens qui seraient les plus efficaces pour les faire disparaître et pour ramener l’Art à sa plus grande perfection”.

5 “Recherche constante du beau et du vrai” (PEROTTI, p. 111).

6 “Si distingue il melodramma per altro che per canto continuato? Per mio avviso il melodramma eroico o comico non si distingue dalla tragedia o commedia se non per la musica constante che per propria natura richiede dal principio al fine. Imperocchè gli altri requisiti di proprietà d’imitazione, di unità di disegno e d’interesse, di regolarità prescritta dal verisimile, niuna differenza essenziale relativamente tra loro interpongono da tenere conto.”

7 “La musica è appunto un attore rapporto alla poesia” (NAPOLI-SIGNORELLI, p. 48).

8 Se son venuto sino a’ dì nostri con la Storia del risorgimento in questa parte, ciò fu perché nol trovai sin’ora per niun modo ed età nell’Italia. Allora il troveran forse quando avremo l’equivalente d’una Poetica d’Aristotele e d’Orazio d’una Rettorica di Marco Tullio e di Quintiliano a fissarlo in musica con generale consentimento”.

9 “Torno adunque al Giornale, dove si avanza [Giornali de’ letterati, Modena, tom. I, p. 203] qualmente la Lettera posta in fronte all’Opera Alceste del detto Sig. Cluk [sic], sia la Poetica d’Orazio della Musica, e che sia un grand dire, che debbano venire or Tedeschi ad insegnarci quest’Arte, la quale, benchè il Sig. Giornalista abbia la bontà di convenire, che è tutta nostra; lo prova poi con soggiugnere, che nessuno ha composto con più gosto del Sassone, e con più dottrina del Cluk; e nessuno ha meglio cantto di Raf, della Tauberin, e della Mingotti, qusi tutti Tedeschi. Adagio un poco. [...] Cluk ha il suo gran merito; ma che sia il solo addotrinato, non è poco il dirlo.”

10 “frallo studio della grammatica, e quello dell’ eloquenza sta l’umanità, e direi quasi la rettoric’ ancora; egualmente la duplice arte melo-poetica congiunge alla grammatica sua, ch’ è la musica, l’ eloquenza ch’ è la poesia, mediante un anello, cui ad annodare si richiede un istitutore professante le due troppo spesso disgiunte facoltà”.

11 “egli è la tragedia, egli è la commedia, trattata colla poesia, col canto, coll’ accompagnamento istrumentale, con di più certe modificazioni, che questi mezzi richieggono, a ragione di bell’ arte; perciò commuove ed ammaestra; e queste due proprietà sono sempre in esso intrinseche [...]. È falso dunque che l’ opera chiamisi nel suo essere lo spettacolo de’ sensi, sebbene piacciano a’ sensi le sue spoglie, ma non sarà mai per sè stessa lo spettacolo de’ sensi quand’ anche dall’allettamento esteriore sia renduto più angusto l’ effetto intrinseco e del commuover e dell’ istruire.”

Referências:

Cinque, Paola. La drammaturgia di Metastasio nel Sistema Melodrammatico di Pietro Napoli Signorelli. In Columbro, Marta; Maione, Paologiovanni (Ed.). Pietro Metastasio: il testo e il contesto. Nápoles: Altrastampa, 2000, p. 49-61.

Gamerra, Giovanni de. Piano presentato alle LL. MM. SS. per lo stabilimento del novo Teatro Nazionale. In _________. Novo Teatro del Sig. Gio. de Gamerra, tenente nelle armate di S. M. I. Pisa: Stamperia di Ranieri Prosperi, 1789, t. I, p. 1-56.

Manfredini, Vincenzo. Regole armoniche o sieno precetti ragionati per apprendere i principj della Musica, il portamento della mano, e l’accompagnamento del Basso sopra gli Strumenti da tasto, come l’organo, il cembalo ec. Veneza, app. Guglielmo Zerletti, 1775

Metastasio, Pietro. Arte Poetica. In Tutte le Opere. Milão: Arnoldo Mondadori, 1951,

v. II, p. 1229-1279.

________. Estratto dell’Arte Poetica d’Aristotile. A cura di E. Selmi. Palermo: Nove-cento, 1998.

Milizia, Francesco. Trattato completo formale e materiale del teatro [1794]. Bolonha: Forni, 1969.

Napoli-Signorelli, Pietro. Ricerche sul sistema melodrammatico [1812]. In Atti della Società Pontaniana di Napoli. Nápoles, v. IV, p. 1-125, 1847.

Perotti, Giovanni Agostino. Dissertation sur l’état actuel de la musique en Italie par

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Planelli, Antonio. Dell’opera in musica [1772]. Fiesole: Discanto, 1981.

RICCOBONI, Luigi. De la Reformation du Théâtre. Nouvelle édition augmentée. Paris: Chez Debure, Père et Le Breton, 1767.

Ritorni, Carlo. Ammaestramenti alla composizione d’ogni poema e d’ogni opera appartenente alla musica. Milão: L. di G. Pirola, 1841.

Tomlinson, Gary. Italian Romanticism and Italian Opera: An Essay in their affinities. 19th-Century Music, Berkeley, vol. 10, n. 1, p. 43-60, 1986.

Paulo M. Kühl -Professor do Instituto de Artes da UNICAMP desde 1993, é mestre em História da Arte e da Cultura (IFCH-UNICAMP, 1992), com uma dissertação sobre Monteverdi e o lamento musical no século XVII; doutor em História (FFLCH-USP, 1998), com uma tese sobre os libretos de Gaetano Martinelli em Portugal. Foi pesquisador visitante no Departamento de Música da New York University (2007-2008), com bolsa de pós-doutorado da CAPES, quando desenvolveu uma pesquisa sobre teorias poéticas da ópera.