O DISCURSO MUSICAL CONTROVERSO DE FRANCESCO GEMINIANI REVELADO EM SUAS SONATAS OP. V

THE CONTROvERSIAL MUSICAL DISCOURSE BY FRANCESCO GEMINIANI REvEALED IN HIS SONATAS Op. v

Teresa Cristina Rodrigues Silva - USP tecrisrs@uol.com.br

Resumo: Francesco Geminiani (1687-1762) nascido em Lucca, Itália, transferiu-se para Londres ainda jovem onde trabalhou como compositor e professor de violino. As seis Sonates Pour le Violoncelle et Basse Continue Op. V (1746) de sua autoria foram publicadas em Paris, 1746; período marcado por discussões acirradas sobre o gosto das diferentes vertentes musicais em voga: barroco, galante, estilos nacionais – francês e italiano, Goûts-Reunis – fusão dos estilos Francês e Italiano – estilo imitativo e estilo expressivo, entre outros. Geminiani foi alvo de inúmeras críticas por revelar em suas composições, um estilo que não correspondia às expectativas dos mais eminentes críticos ingleses daquela época. Este artigo apresenta as características composicionais do discurso musical empregado por Geminiani nas sonatas Op. V, relacionando-as às principais vertentes estilísticas da época.

Abstract: Francesco Geminiani (1687-1762), born in Lucca, Italy, moved to London in his youth where he worked as a composer and violin professor. His six Sonates Pour le Violoncelle et Basse Continue Op. V were published em Paris, 1746, a period of wide-ranging discussions about different musical tastes: baroque, gallant, national styles – French and Italian, Goûts-Reunis – fusion of French and Italian styles – imitative style and expressive style, among others. Geminiani was the subject of innumerable critics because his compositions did not correspond to the eminent English critics’ expectations of that period. This article presents the musical characteristics of Geminianis’s discourse in his Sonatas Op. V, relating them to the main stylistic tendency of that period.

Francesco Geminiani nasceu em Lucca, 1687. Esteve em Roma. Em 1704, se mudou para Roma onde conheceu Arcangelo Corelli e (16531713) Alessandro Scarlatti (1660-1725). A influência destes dois compositores em sua carreira foi decisiva, pois ele se manteve fiel à escola Romana de composição durante toda a sua vida. Em 1714, aos 27 anos, mudou-se para Londres e trabalhou como compositor e professor de violino. Durante sua estadia na Inglaterra empreendeu inúmeras viagens à Irlanda e Holanda e França participando ativamente da cena musical parisiense entre 1732 e 1746. Dedicou os últimos quatorze anos de sua vida à publicação de seis tratados. Entre eles destacam-se: A Treatise of good Taste in the Art of Musick (1749) e The Art of Playing on the Violin (1754). Morreu em 1762 na Irlanda, pouco antes de completar 75 anos de idade.

As Sonatas Op. V de sua autoria foram publicadas em Paris, 1746 e ocupam uma posição distinta no repertório italiano para violoncelo do século XVIII. Entre os aspectos notáveis da originalidade desta obra, em relação às obras de seus contemporâneos estão: a complexidade do discurso musical proporcionada por intensa movimentação harmônica do baixo contínuo, a exploração dos registros médios e graves tanto na parte do violoncelo solo quanto do baixo contínuo1 – característica que proporciona uma textura em dueto no lugar do usual solo com acompanhamento de baixo – produzindo uma sonoridade mais intimista e a notação musical minuciosa, com indicações precisas de articulação, ornamentação e dinâmica.

1. Musica moderna versus musica anacrônica

Em carta datada de Vinte de Janeiro de 1747 à seu ex-aluno Joseph Kelway, Geminiani demonstrou expectativa com relação à receptividade do Op. V em Londres: “está pronto o livro das Sonatas para Violoncelo para ser enviado a Londres e não tenho dúvidas que este será conhecido do público como não sendo inferior a nenhum de meus trabalhos anteriores”.2 (CARERI, 1993, p. 36). Porém, a obra não obteve a receptividade esperada pelo autor. Uma transformação no estilo de Geminiani é constatada por seus contemporâneos de maneira negativa. O historiador Charles Burney (1789) comenta:

Depois de publicar a sua segunda coleção de solos3, seus trabalhos parecem ser frutos de sua fantasia, veleidades ordinárias e [apresentam] uma mudança de estilo e gosto que não agradaram ao público, nem contribuíram para sua distinção nem para seu próprio benefício. Um dia ele poderia colocar a música francesa contra todas as outras, no próximo, a Inglesa, a Escocesa, a Irlandesa, qualquer coisa, menos as melhores composições Italianas ou de Haendel. (p. 993)4

Willian Hayes registra também o seu julgamento a este respeito no Remarks on Mr. Avison’s Essay on Musical Expression:

Minha opinião sobre ele como compositor é que ele é extremamente irregular. As excursões que ele fez a Paris não contribuíram em nada para sua desigualdade: embora possam ter proporcionado um novo contorno às suas melodias, à sua maneira de variá-las ou mostrar perspicácia, apresenta como resultado uma de suas mais trabalhadas e complicadas melodias, uma massa impossível de se compreender. (apud WALLS, 1986, p. 228)5

Burney e Hayes tinham razão quanto à transformação de estilo empreendida após suas viagens à França. Além da mudança de estilo e gosto, Burney acrescenta que Geminiani não compunha nos padrões esperados para um compositor de origem italiana.

Observamos que suas obras estavam sendo julgadas sob a ótica do movimento iluminista6. Em uma carta endereçada a Thomas Twining7, em 1774, portando doze anos após a morte de Geminiani, Burney elabora suas críticas e cita o padrão composicional da musica “moderna” defendido por Jean-Jacque Rousseau (1712-1778):

...seus movimentos não são fraseados, como Rousseau bem expressa. O mérito dos períodos uniformes, da melodia acentuada, fazendo-a mais poética do que antes (se assim posso dizer) é para a minha compreensão, a principal característica da música moderna...8 (CARERI, 1993, apud RIBEIRO, 1980)

O anacronismo do estilo barroco, assim como a influência das idéias de Rousseau, estava implícito nos julgamentos de Burney. As características utilizadas por ele para descrever as composições de Geminiani, “...há uma irregularidade em seus compassos e fraseologia, e uma confusão no efeito geral proporcionada pela movimentação grande demais e pela dissimilaridade das diversas partes, os quais concedem às suas composições o efeito de uma rapsódia ou um movimento improvisado.”9 (BURNEY, 1789, p. 994), se assemelham à maneira depreciativa como Rousseau descreve a música barroca: “... é aquela na qual a harmonia é confusa, carregada com modulações e dissonâncias, a melodia é sombria e pouco natural, a entonação difícil e o movimento refreado”10 (ROUSSEAU, 1768, p. 41).

Os atributos nova música professados por Rousseau são descritos na sua Carta sobre a Musica Francesa (1753). Segundo ele, esta deve ser constituída, sobretudo por melodias simétricas, harmonias simples e pulso regular. Essas idéias provêm de sua observação da ópera cômica italiana e mais especificamente no Intermezzo: La Serva Padrona (estreado em 1733, Nápoles) de Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736), apresentado em Paris em 1752. A partir de então, estas características passaram a ser tomadas como exemplo de “bom gosto” e mais do que isso, segundo Rousseau, este estilo musical deveria suplantar a ópera francesa. (ROUSSEAU [1753], apud MARQUES e GARCIA, 2005) Destacamos um trecho da Carta sobre a Música Francesa na qual ele descreve este novo estilo em relação ao tratamento rítmico e ao andamento:

Os italianos são mais hábeis em seus adágios pois, quando o canto é tão lento a ponto de se temer que ele pudesse enfraquecer a percepção do ritmo, eles fazem o baixo progredir por notas de igual duração que marcam o andamento. O acompanhamento também marca o tempo, subdividindo as notas e mantendo a voz e os ouvidos presos ao compasso, tornando o canto mais agradável e, sobretudo, mais enérgico em virtude dessa precisão. (ROUSSEAU, 1753 apud MARQUES e GARCIA, 2005, p. 27).

Na música instrumental, este modelo composicional foi incentivado e adotado com naturalidade. Um relato feito pelo crítico musical e compositor alemão Johann Adam Hiller (1728–1804) nos mostra como o novo estilo de composição da ópera cômica italiana influenciou os gêneros instrumentais:

A ópera cômica não é precisamente a melhor escola para os cantores, porém, ela se tornou a melhor para os compositores de hoje. Sinfonias, concertos, trios, sonatas – tudo, hoje em dia, toma algo emprestado deste estilo e não deveria haver nada a se opor, se somente os elementos inferiores e o mau gosto fossem sempre evitados com sucesso. (HILLER Apud WEISS e TARUSKIN, 1984, p. 283)11

Um exemplo de transposição deste novo estilo para o gênero instrumental é a Sinfonia a Violoncello Solo de Pergolesi12 (c.1730). As características composicionais de Pergolesi apresentadas nesta Sinfonia são as mesmas observadas por Rousseau na sua ópera La Serva Padrona.

Figura 1: Adagio – Pergolesi.13 Fonte: PERGOLESI [c.1730]. Fullerton: Ed. Grancino, 1982.

A Sinfonia de Pergolesi apresenta uma extrema simplicidade melódica, harmônica e rítmica. A linha do baixo se comporta com regularidade, tornando o pulso perceptível em toda a passagem. A condução harmônica é uniforme e cadenciada. Do primeiro ao terceiro compasso se sucede a condução de Ré menor para Fá Maior, tonalidade que permanece até o compasso nove, para então retornar ao mesmo tema inicial em Ré Menor. O motivo rítmico da melodia é formado por sincopas e tercinas que, através da repetição, conferem movimento e leveza ao caráter geral do movimento.

O Adagio apresentado a seguir, também em Ré menor de pertencente à Sonata V do Op. V de Geminiani – terceiro movimento – é exemplificado para o confronto de suas características com as do Adágio anterior, de Pergolesi.

Figura 2: Adagio da Sonata V de Geminiani. Fonte: GEMINIANI. [1746] 1988, p. 19.

Nos compassos três, seis e sete, do Adagio, Geminiani conduz as harmonias para cadências com “resoluções” inesperadas. Por exemplo, a passagem do segundo para o terceiro compasso traz uma cadência de engano: o acorde de Lá Maior é esperado no primeiro tempo do terceiro compasso, no entanto, Geminiani surpreende com um acorde menor sobre a nota Sol, e retardo 4-3 (Dó /Si). Este acorde de Sol Menor no primeiro tempo do terceiro compasso cria uma tensão que deveria ser resolvida em Fá Maior, no entanto, expande por aumentação o passo harmônico em dois tempos chegando ao quinto grau, Dó Maior, e finalizando em sua cadência tradicional previsível (Fá Maior) no primeiro tempo do quarto compasso, porém, com apojatura. A progressão harmônica seguinte, ainda no mesmo compasso, poderia ser considerada natural, porém, o salto de sétima descendente entre o Sib e o Dó no terceiro tempo deste compasso causa uma ruptura extraordinária no encaminhamento melódico do baixo. Entre os compassos seis e sete, uma sucessão de cadências sem resolução poderia ser interpretada como uma passagem de petição e negação – antitheses14 – em termos retóricos são recursos expressivos para mover as paixões. Após a oscilação entre Lá Maior e Lá Menor e da sucessão de ellipses15 nestes compassos, Geminiani pede uma cadência al solito16 sobre a o acorde de Mi com sexta e quarta – dupla apojatura, que se resolve em Lá Menor, constituindo a primeira e única cadência perfeita. Os saltos intervalares grandes são freqüentes na linha do solo – saltus simplice e saltus duriusculus17 – destacando-se os dois saltos no sétimo compasso: uma sétima descendente (sol – lá), seguida de um salto de décima – terceira, que poderia ser meramente uma sexta, porém, Geminiani opta por criar uma hipérbole, obviamente como recurso expressivo.

Em relação ao pulso, observamos que a linha do baixo caminha em diálogo com a linha do solo e não como sustentação rítmica. Logo no início do movimento, Geminiani utiliza o recurso expressivo da pausa na linha do solo – suspiratio18 . Os compassos três, seis e sete são os mais sobrecarregados em termos rítmicos. Eles apresentam figuras rítmicas de menor valor no tempo forte, seguidas de figuras de maior valor no tempo fraco do compasso – Syncopatio.19 Estas são reforçadas por saltos intervalares que deslocam a importância do tempo forte para o tempo fraco, gerando assimetria na linha melódica. De maneira sucinta, observamos o emprego deliberado de patopéias: suspiratio, saltus duriusculus, ellipses, catachreses, epizeuxis, que caracterizam o rebuscamento da linguagem musical do estilo patético.

Este estilo contrapontístico, repleto de tensões harmônicas e figuras retóricas foi amplamente difundido pelos compositores alemães do século

XVIII. Carl Philip Emmanuel Bach (1714-1788) explora estes mesmos recursos composicionais na Sonata I a 2 Violini e Basso, também conhecida por Sanguineus e Melancholicos,20 (1751). Observamos notadamente a passagem escrita em 2/2 que remete ao caráter ”melancólico” (Figura 9) desta obra.

O caráter melancólico é apresentado no Allegretto. Notamos similaridade na condução do baixo com grandes saltos intervalares e a utilização de appogiaturas e suspirationes que produzem pathopeia de caráter lamentoso.

Figura 3: Melancholicus. Fonte: BACH, Carl Philip Emanuel. Zwey Trio, das erste für zwo Violinen und Bass, das zweyte für 1. Querflöte, 1. Violine und Bass; [Wq. 161]. [Nuremberg, 1751]. New York: Performer´s Facsimiles, 9, 1986, p. 1.

Com estes exemplos notamos que, curiosamente, o estilo patético de Geminiani se distancia consideravelmente do estilo praticado por Pergolesi e consequentemente dos ideais prescritos por Rousseau.

A partir destas exposições, podemos deduzir que as obras de Geminiani ocasionaram julgamentos sob dois pontos de vista. Primeiro, quanto ao seu posicionamento em relação às escolas nacionais e segundo, quanto à “modernidade” de sua obra. O estilo moderno, segundo Rousseau, pertencia à escola italiana e era influenciado pela ópera cômica napolitana, porém, Geminiani, apesar de italiano, não adotou este novo estilo.

As idéias aparentemente anacrônicas de Geminiani podem ser vistas sob outro ponto de vista. O texto introdutório de seu tratado The Art of Playing on the Violin (1752), ele afirma: “A intenção da música não é somente agradar ao ouvido, mas expressar sentimentos, incitar a imaginação, afetar a mente e comandar as paixões.”21 (GEMINIANI, 1751, apud BOYDEN, 1952, p. 1). A música como expressão dos sentimentos e não como imitação da natureza foi a idéia fundamental para o surgimento do estilo Romântico. Portanto, suas idéias podem ser vistas como antecipação dos ideais musicais do período posterior, mesmo que involuntárias.

2. Notação e ornamentação

A liberdade de execução22 concedida pelos compositores italianos em relação à ornamentação e articulação não se manifesta como uma característica destas sonatas, pois a partitura se apresenta repleta de indicações – ornamentos, articulações e dinâmicas. À exceção dos movimentos lentos, não há oportunidade para a ornamentação improvisada, visto que muitos ornamentos e passagi23 estão indicados pelo compositor, por meio de sinais ou por extenso. A Figura 1 ilustra a variedade de indicações ornamentais utilizadas por Geminiani.

Figura 4: Sonata III ornamentos e passagi. Fonte: GEMINIANI. [1746] ed. Scelte. Firenze 1988, p. 12.

No compasso quatorze, é notável como os ornamentos estão integrados ao contorno da melodia.

Por outro lado, observamos que a improvisação Ex Tempore24é incentivada por Geminiani por meio das fermatas e também em indicações textuais: cadencia al solo e fantasia ad libitum25. As fermatas sobre os acordes de Dominante nos finais de diversos movimentos nas Sonatas, confirmam a prática tradicional de se improvisar uma breve cadência antes de finalizar o andamento. Além dessas, uma oportunidade maior é concedida ao intérprete nas Sonatas IV e V: no segundo andamento da Sonata IV, Geminiani indica textualmente: Fant.ª at lib. E poi D. Capo.26 e no terceiro andamento da Sonata V, compasso nove: Cad.ª al Solito27.

Essas indicações apontam para o detalhamento da escrita de Geminiani e confirmam a proposição feita por Peter Walls em seu artigo Illcompliments and arbitrary taste28. Walls observou que, com o passar do tempo, o compositor se tornou cada vez mais preocupado em explicitar suas idéias musicais, especialmente com relação à ornamentação. Segundo ele, as viagens que Geminiani fez para a França contribuíram para a sua assimilação da escrita francesa, especialmente no tocante aos sinais de ornamentação.

3. As escolas nacionais e o Goûts Réünis

O século XVIII foi marcado por discussões a cerca das escolas29 italiana e francesa. Na França, entre os temas mais polêmicos, situava-se o gosto pela ópera cômica italiana, em contraposição à cantata francesa e a tragedie lirique; a adoção do repertório e do instrumental italiano (família do violino) com ênfase nas sonatas, contrapondo-se ao instrumental francês (ensemble de Violes) e o repertório de suítes de danças. A Viole de Gambe, apesar das querelas, passou a ser preterida em favor do violoncelo.

A adoção do violoncelo como instrumento solista, ao invés da viola da gamba na França, é documentada através de métodos para este instrumento. Em 1741, Michel Correte publicou o Méthode, Théorique Et Pratique Pour Appendre em de tems Le Violoncelle dans as Perfection. É notável que Correte mencionou: Plus Une petite Methode particulare pour ceux qui jouënt de la Viole, et qui veullent joüer du Violoncelle.30

A publicação deste método demonstra o crescente interesse despertado na França para o aprendizado do violoncelo, além de preconizar o declínio da utilização da viola da gamba. Inúmeros violoncelistas franceses que se tornaram célebres no século XVIII iniciaram seus estudos com a viola da gamba. Martin Berteau (1708-1771), considerado o fundador da escola francesa de violoncelo, foi um destes. Segundo Margareth Campell (1999, p. 54)31, Berteau começou sua carreira como gambista, porém, impressionado ao ouvir Alborea Francesco (1691-1739), mais conhecido como Francischello, passou a se dedicar ao violoncelo.

Apesar do interesse e da flexibilidade dos músicos franceses na adequação do repertório e no aprendizado dos instrumentos italianos, houve uma reação declarada em alguns círculos mais conservadores, gerando inúmeras controvérsias a respeito do “gosto” italiano. Exatamente neste período (1732 e 1755), Geminiani, coincidentemente, esteve na França inúmeras vezes. (Careri 1993, p. 27).

No capítulo dedicado a poetas e músicos do livro Parnasse françois32, Titon de Tillet relata que Geminiani freqüentava os encontros musicais que aconteciam na casa de Madam e Mademoiselle Duhallay:

...é nesta casa que M. Duhallay recebe com tal generosa hospitalidade, que os mais famosos músicos italianos se encontram – homens como os violinistas Guignon, Geminiani, Canavas o jovem ao violino, Canavas o mais velho no violoncelo – e onde Sua Excelência o Príncipe D´Ardore, o embaixador na França do Rei das duas Sicilias... Nestes concertos também se pode ouvir músicos franceses ilustres – homens não menos capazes do que os italianos já citados como Batiste, Quentin, Mangeon e Petit ao violino, Blavet e Taillard na flauta, Roland Marais e De Caix, na viola da gamba, Rameau, Daquin e Du Flitz, no cravo etc.33 (Apud CARERI, 1993. p. 33).

Nesta narrativa destaca-se também a preocupação de Tillet em equiparar os músicos franceses aos italianos.

Apesar do convívio amigável entre franceses e italianos ilustrado na citação anterior, as disputas entre partidários das escolas nacionais eram acirradas e, graças a elas, hoje possuímos documentos referenciais sobre as características destes dois estilos nacionais. Dentre eles, destacamos o Defense de la basse de viole contre les enterprises du violon et les prétensions du violoncel34, publicado no ano de 1740, em Amsterdam, por Hubert Le Blanc (viveu entre o final do século XVII e a metade do século XVIII). O nome de Geminiani está estreitamente relacionado a este manifesto.

A “Defesa” é dividida em três partes: na primeira, Le Blanc apresenta o conflito musical e cultural entre França e Itália, representado musicalmente pelo repertório e pelos instrumentos típicos de cada país: as suítes de danças e a viola da gamba, em oposição às sonatas e ao violino, tipicamente italianos. Na segunda, Le Blanc faz uma alegoria, personificando os instrumentos, chamando-os de senhora viola da gamba e senhor violino, criando uma situação de competição entre os instrumentos e mostrando como a música italiana suplantou a francesa. Na terceira, são apresentadas informações sobre estilo e técnica utilizadas pelos gambistas da época.35

Um dos pontos mais explorados por Le Blanc diz respeito à sonoridade do violino comparada à da viola da gamba. Ele enfatiza a sua preferência pela ressonância, pela doçura sonora e pelo repertório intimista da gamba, afirmando ser este o instrumento ideal para a câmara: “A viola é, então, mais própria que o violino para a câmara porque nesses recintos não é preciso fazer sons muito magros de harmonia”.36 (p. 85). Por outro lado, o violino seria mais adequado para os espaços grandes: “Isso é o que faz o violino, ele procura se promover num grande espaço onde, mantendo-se distante dos ouvintes, possa encantá-los, e sua sonoridade aguda possa ser absorvida pela imensidão das roupas”.37 (p. 66)

Após apresentar as características de cada um dos instrumentos, Le Blanc narra uma disputa entre o violino e a viola da gamba. O julgamento partiria das damas que, segundo Le Blanc, “...possuem melhor o dom de sentir o que é mais decente e de julgar o que não o é”.38 (p. 91). O primeiro pronunciamento feito por elas foi: “...a Viola seria restabelecida em todos os seus direitos em recintos fechados e que se abandonasse o Violino à audiência pública. O Violino ficou insatisfeito com esse julgamento tão imparcial que as damas haviam decidido”.39 (p. 92).

A partir deste ponto inicia-se uma “olimpíada” numa alusão aos moldes gregos, mas, em forma de concerto. Para tanto, é anunciada a chegada de Giovanni Battista Somis (1686-1763) e Geminiani:

Isso [o pronunciamento das damas] provocou dois campeões, um do outro lado dos Alpes [Somis, vindo da Itália] e outro do outro lado do mar [Geminiani, vindo da Inglaterra], ambos sublimes. Eram tidos como não mais além, daquilo que o arco e os dedos podem fazer na música. Eram os primeiros de todos como não mais além daquilo que

o arco e os dedos podem fazer na música. Eram os primeiros de todos os virtuoses da terra habitável. A sua chegada foi notificada como a das vespas, e os cartazes anunciavam um concerto onde a eloqüência musical desses músicos deveria virar-se contra os franceses, como a de Demóstenes contra Esquino. (AUGUSTIN, p. 129)

Portanto, a escolha destes dois virtuoses é uma indicação de que Le Blanc queria assegurar que a vitória do gosto francês se estabelecesse acima deste patamar.

A Defense segue com a descrição da execução de uma sonata de Arcangello Corelli por Geminiani. O respeito e afeição de Le Blanc por este não são ocultados:

Geminiani, uma vez que era necessário começar pelo mais fino tocar, tocou as sonatas de Corelli, e tanto o seu desempenho musical quanto as sonatas foram admiradas. Elas fornecem o fundamento da harmonia mais comovente que põe em movimento corpos sonoros como a voz. Geminiani ornamentou as notas de sonoridade crua com todas as formas de desenhos. O espírito era encantador, os ouvidos estavam satisfeitos. As belas ouvintes estavam prestes a desfalecer, a alma lhes vinha aos lábios e não se sabia onde acudir, aonde levar remédio para feridas feitas à moda de Ovidio. Os sons de Geminiani eram os timbres da Inglaterra e da Alemanha. (AUGUSTIN, p. 131)

Aqui, Le Blanc aponta para o aspecto psicológico ocasionado pela interpretação dada à Sonata de Corelli por Geminiani, destacando a sua habilidade de ornamentar e de mover as paixões de seus ouvintes.

A seguir, Le Blanc faz uma louvação descrevendo a execução de Somis:

Num só golpe de arco sustentou uma nota longa, cuja lembrança nos faz perder o ar quando pensamos nisso. Parecia se assemelhar a uma grande corda de seda tencionada, que, para não incomodar a nudez do som limpo, era torneada de flores, com grinaldas de prata, com filigranas de ouro entremeadas de diamante, de rubi grená, e, sobretudo, de pérolas. Viu-se tudo isso sair das pontas dos dedos. (AUGUSTIN, p. 133)

Le Blanc não dispensou os adjetivos para descrever as ornamentações de Somis. Segundo ele, as Damas caíram em depressão após esta apresentação e se recuperaram somente quando encontraram a causa para tal prostração: a ornamentação. Perceberam que os ornamentos poderiam ser isolados e aplicados indiscriminadamente sobre qualquer tema. Desta maneira, elas recuperaram a razão e chamaram o flautista francês Michel Blavet (1700-1768)40 com o intuito de provarem para si mesmas que, mesmo já tendo o conhecido, poderiam ouvi-lo com a “graça renovada” (1740,

p. XX 135). Sobre sua execução, Le Blanc comenta:

Preencheu os ouvidos com um som aveludado, enriquecendo com uma sonoridade redonda sem igual, declamando com afetação de uma beleza arrebatadora. A nobreza da expressão estava refletida em toda a maneira de tocar, da qual não poderíamos tirar nada, pois poderia afetar um mérito tão particular. (AUGUSTIN, p. 135)

A Defense..., assim como a Querelle des buffon (Paris, 1752)41, provocada pela presença de uma trupe de ópera cômica italiana em Paris, entre 1750 e 1752, ilustram as reações em solo francês, contra a inevitável hegemonia da música italiana42 na Europa durante o século XVIII. A Defense ataca em particular aos instrumentistas italianos e o repertório oriundo da escola romana fundada por Corelli. Por outro lado, a Querelle defende a ópera cômica italiana oriunda da escola napolitana e representada por nome completo Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736)43. As críticas e elogios à música francesa e italiana contidas nestes textos, expõem o pensamento controverso e efervescente da época sob a qual Geminiani esteve imerso durante a sua estada em Paris.

Coincidentemente ou não, muitas características musicais da viola da gamba apresentadas na Defense... são encontradas nas Sonatas Op. V de Geminiani. Poderíamos imaginar que a obra seria uma “Réplica” musical ao Defense... Para tanto, Geminiani inclui em sua composição, elementos característicos do estilo francês: a ornamentação e sua notação, a sonoridade intimista – explorando a região média e grave e a textura de dueto,

o caráter nobre – que não era considerado intrínseco aos instrumentos da família do violino e que se manifesta na escolha do estilo alto, repleto de ornatus e com a tendência à polifonia. Nesta “réplica”, Geminiani demonstraria que o violoncelo, apesar de suas origens italianas, seria apto também a executar música do gosto francês, dispensando o apelo ao brilho e ao virtuosismo típico do estilo italiano. Apesar da evidente presença de elementos da escola francesa, Geminiani, inevitavelmente, conserva características do estilo italiano: o padrão da sonata da chiesa, seguindo a fórmula corelliana de quatro movimentos contrastantes, pouco vínculo com a música de dança e a inclusão de improvisações extempore – atitude que pode ser vista como a intenção de reunir os estilos nacionais.

A conciliação das escolas nacionais foi uma solução encontrada também pelos alemães J. J. Quantz no Versuch einer Anweisung die Flöte traversiere zu spielen (1752) e Carl Philipp Emmanuel Bach (1714 – 1788) no Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen44 (Berlim 1753-1762). Quantz enumera as características dos estilos nacionais em seu tratado, considerando compositores e instrumentistas nos dois gêneros: instrumental e vocal das duas nações – Itália e França. Sobre a composição instrumental, ele observa:

Os italianos são irreprimíveis, sublimes, vivos, expressivos, profundos, majestosos em suas maneiras de pensar. Eles são um tanto bizarros, livres, ousados, distintos, extravagantes e algumas vezes negligentes em métrica. Eles são também cantantes, lisonjeiros, afetuosos, emocionantes e ricos em invenção. Eles escrevem mais para os conhecedores do que para os amadores. Em composição, os franceses são vivos, expressivos, naturais, agradáveis e compreensíveis para o público, e mais corretos em métrica do que os italianos, mas eles não são profundos nem arrojados. Eles aproveitam as idéias de seus predecessores e escrevem mais para os amadores do que para os conhecedores. (QUANTZ, 1752, apud REILLY 2001, p. 334)45

Os adjetivos acima constituem parte da argüição que defende a mistura dos estilos como o modelo ideal. Quantz, então, prossegue: “Se alguém tem o discernimento de escolher o que há de melhor nos estilos de diferentes países, um estilo misto resulta e, sem exceder os limites da modéstia, poderia ser chamado de estilo alemão”.46 (QUANTZ, apud REILLY,

p. 341). Notamos, por exemplo, que o estilo alemão deveria excluir a assimetria típica do estilo italiano.

Quantz finaliza o capítulo explicando o porquê da opção pelo estilo misto, apesar da grande lista de adjetivos em favor do estilo Italiano:

Refletindo sobre as opiniões e experiências mencionadas previamente, em relação às diferenças entre os estilos, a preferência deveria ser dada em favor do puro estilo Italiano sobre o puro Francês. No entanto, desde que o primeiro não está mais solidamente fundamentado como antes, tendo se tornado distinto e bizarro, e considerando que

o segundo permaneceu muito simples, todos concordam que um estilo combinado e misturado dos bons elementos de ambos, deveria certamente ser mais universal e mais agradável.47 (QUANTZ, apud REILLY, p. 341)

O estilo alemão descrito por Quantz contempla a mescla da música italiana com a francesa excluindo a assimetria e o caráter “bizarro” e distinto característicos da composição instrumental do alto barroco italiano.

Já E. Bach discute os gostos nacionais no âmbito da ornamentação:

O gosto atual, influenciado sensivelmente pelo bel canto italiano, não pode exprimir-se apenas com os ornamentos franceses, assim, tive que reunir ornamentos de mais de um país. Acrescentei-lhes ainda alguns novos. Creio que, tanto para o teclado como para outros instrumentos, a melhor maneira de tocar é a que reúne de forma correta a precisão e

o brilho do gosto francês com a sedução do canto italiano. Os alemães, quanto a isto, estão numa boa posição, desde que permaneçam livres de preconceitos.48 (CAZZARINI, [C. P. E. Bach, 1753, 1762] 1996)

A conciliação proposta por Carl Philipp se dá na assimilação do bel canto característico da ópera cômica italiana com a ornamentação francesa.

Na França, a conciliação das escolas se deu por justaposição, sem a exclusão do gosto francês. Na Alemanha, a reunião teve o caráter de miscigenação que proporcionou o nascimento de um terceiro estilo.

A imersão de Geminiani na atmosfera controversa do meio musical francês na época em que escreveu o Op. V proporcionou ao compositor a assimilação deliberada dos recursos composicionais típicos do gosto musical daquele país. A obra expõe também uma mescla das escolas nacionais, francesa e italiana, como podemos constatar no desenvolvimento dos motivos por meio de variações e diminizione, escrita contrapontística, ornamentações Ex Tempore – típicos da escola italiana, e na notação minuciosa contendo indicações precisas das articulações, ornamentações por extenso, sinais para ornamentação essencial e dinâmicas – típica da escola francesa.

Surpreendentemente, Geminiani, um respeitado emissário da escola italiana, sem vínculo de patronage49 na França, escreveu música patética com influência francesa. O caráter extremamente híbrido desta obra é portanto, nos nossos dias, onde reside a sua originalidade.

Notas

1 Normalmente o solo se concentra no registro médio do violoncelo e o registro grave é utilizado pelo baixo continuo.

2 ...d´aver pronto li libbri delle sonate di violoncello, per inviarle à Londra, le quali non dubito che saranno conosciute dal Publico non inferiore a nessuna altra mia produssione.

3 Burney se refere certamente às seis sonatas para violino e baixo continuo op. IV. Ver: General History of Music (1789), segundo parágrafo, p. 991.

4 After the publication of his second set of solos, his productions seem to have been the offspring of whim, caprice, expedients, and an unprincipled change of style and taste, which neither pleased the public, nor contributed to his own honor or profit. One day he would set up French Music against all other; the next English, Scotsh, Irish – anything but the best compositions of Italy or Haendel. A General History of Music, Londres, p. 993.

5 “My opinion of him as a composer is that he is extremely unequal. The excursions he hath made to Paris, have not a little contributed to his inequality: For although this may have given a new Turn to his Melodies, and his manner of variegating of the one, and the want of Perspicuity in the other, render some of his most laboured, complicated Strains a mere Hodge-Podge; an unintelligible Mass of Learning.”. William Hayes, Remarks on Mr. Avison’s Essay on Musical Expression, London, 1753, p. 123, apud Peter Walls, 1986 p. 228.

6 O Iluminismo defendeu um estilo musical no qual predominava a melodia com acompanhamento simples, em substituição ao contraponto elaborado, praticado no século

XVIII. 7 Thomas Twining (1735-1804), estudioso inglês, tradutor da Poética de Aristóteles e colaborador de Burney para a General History of Music.

8 ...his movements are not phrased, as Rousseau well express it, and that merit of measured periods, of accenting melody, & rendering it more poetical than formerly (if I may so say) is, to my apprehension, the chief characteristic of modern music, & what it most excels the old music in.” Careri, Francesco Geminiani, p. 111.

9 There is frequently an irregularity in his measures and phraseology, and a confusion in the effect of the whole, from the too great business and dissimilitude of the several parts, which gives to each of his compositions the effect of a rhapsody or extemporaneous flight.”

10 Une musique baroque est celle dont l´ harmonie est confuse, chargée de modulations et dissonances, le chant dur et peu naturel, l´intonation difficile, et le moviment contraint.

11 Comic opera is not precisely the best school for singers; but it has become much the best for today’s composers. Symphonies, concertos, trios, sonatas – all, nowadays, borrow something of is style, and there would be nothing to object to here, if only the low elements in it and the poor taste could always be avoided with success. Weiss and Taruskin, Music in the Western World, A History in Documents, p. 283.

12 O termo “sinfonia” também foi utilizado na Itália para designar a composição instrumental para solo e baixo continuo em quatro movimentos contrastantes, a qual chamamos mais frequentemente de sonata.

13 Os sinais de ligaduras em pontilhado e os trinados entre chaves são marcas editoriais sugeridas por Nona Pyron e François Guéneux.

14 Oposição de afetos.

15 Omissão de uma consonância esperada.

16 Literalmente cadência solo improvisada.

17 Salto consonante e salto dissonante.

18 Representação musical de suspiro, por meio de pausa.

19 Suspensão, com ou sem dissonância como resultado.

20 A sonata Sanguineus et Melancholicus apresenta um “argumento” musical entre os

temperamentos sangüíneo e melancólico, personificados nas partes dos dois violinos.

21 The intention of Musick is not only to please the ear, but to express Sentiments, strike the Imagination, affect the Mind, and command the Passions.

22 Neste caso, a liberdade tem o sentido de permitir a improvisação dos ornamentos, porém, dentro dos padrões interpretativos italianos do século XVIII, considerando que na Itália o ensino de música se dava por tradição oral, a notação detalhada em respeito à performance não era comum entre os compositores italianos.

23 Passagi - ornamentações de caráter melódico, constituídas por grupos de notas de pequeno valor, inseridas pelo compositor ou pelo intérprete que diferem da ornamentação essencial, anotada através de pequenos sinais, tais como tr, , ~ (trinados, apojaturas e mordentes).

24 Ornamentações livres, de caráter melódico.

25 Entendemos por Cadencia al solo e Fantasia ad libitum – oportunidade concedida pelo compositor para a improvisação de cadência solo, mais extensa que as usuais cadências sobre fermatas.

26 Fantasia à vontade e depois volta ao começo até a fermata. GEMINIANI, Firenze 1988 [Haye, 1747], p. 17.

17 Cadência solo. GEMINIANI. Firenze, 1988 [Haye, 1747], p. 19.

18 WALLS, 1986, p. 221.

29 Escolas nacionais, gostos nacionais, estilos nacionais são tratados aqui como sinônimos.

30 Também um pequeno método particular para aqueles que tocam a viola da gamba e que desejam tocar o violoncelo.

31 CAMPELL, Margareth. In: STOWELL, Robin. (Ed.) Companion to the Cello. Cambridge: Cambrigde University Press, 1999, p. 54.

32 Tillet, Titon de, Suíte du Parnasse françois jusq´em 1743 et de quelques autres piéces qui ont rapport à ce monument. Paris: Coignard fils, 1743, 755n.Apud CARERI, 1993. p. 33.

33 C´est dans cette maison, dont elles & M. Duhallay font si bien lês honneurs, qui se rassemblent dês Musiciens des plus célèbres d´Italie, tel que Guignon, Geminiani & Canavas, lê Cadet pour lê violon et Canavas l´ainé pour lê violoncelle ou même S. Ex. Lê Prince D´Ardore, Ambassador du Roi de deux Sciles em France... Cést dans ces concerts oû l´on entend de fameux Musicien François, qui nónt pás moins de mérite que les Italien quón vient de nommèr, tels que Batiste, Quentin, Mangeon & Petit pour le violon; Blavet & Taillard pour la Flûte; Roland Marais & De Caix pour la viole; Rameau, Daquin, Du Filtz pour le Clavecin, & C.

34 Defesa da viola baixo contra as investidas do violino e as pretensões do violoncelo. Trata-se de uma defesa à musica francesa em contraposição à italiana, publicada por Huber Le Blanc, um advogado, apaixonado por música e particularmente pela viola da gamba.

35 AUGUSTIN, Kristina. Mais uma vez em defesa da viola da gamba, Dissertação de Mestrado, UNICAMP, Campinas, 2001.

36 “La viole est donc plus prope que le Violon pour la Chambre, puisque l´on n´y a que faire de Sons trop maigres d´Harmonie”.

37 Voilá ce que fait le Violon, il cherche à se procurer un grand espace, d´oú se tenant loin des Auditers, il puisse les flatter, ou ton son aigu etre absorbè par la multitude de leurs habits.

38 Les Dames auxquelles il appartient le mieux de sentir ce qui est bienféant, & de juger de ce quin e l´est pás.

39 ...la Viole seroit rétablie dans tous sés droits à huis clos, & qu´on abandonnoit au Violon l´Audience publique Le Violon se porta pour mé-content de ce jugement, quoique si é quitable, qu´avoient donné lês Dames.

40 A presença de Blavet na Defense... e também nos mesmos encontros musicais freqüentados por Geminiani em Paris, é um acaso notável.

41 A querela se deu através de demonstrações públicas contra e a favor da música italiana no decorrer das apresentações de ópera e também através de inúmeros panfletos, artigos e cartas publicadas durante a estada dos buffons em Paris. De um lado, os filósofos exaltavam a ópera cômica italiana como exemplo ideal de naturalidade e simplicidade e do outro, defensores da música francesa reagiam, publicando panfletos e sátiras contra a música italiana. A querela culminou com a publicação da Carta sobre a Música Francesa de Jean-Jacque Rousseau, em 1753, na qual ele condena a música francesa em favor da ópera cômica italiana de maneira radical (WEISS e TARUSKIN, 1984, p. 280).

42 No século XVII a Itália criou e exportou os dois gêneros – instrumental e vocal – principalmente a partir de duas escolas “regionais”, respectivamente, Romana e Napolitana. Em Roma, foi representada por Corelli e a música instrumental e Nápoles, por Pergolesi e a ópera cômica.

43 Sua ópera La Serva Padrona foi representada em Paris, em 1752.

44 Ensaio sobre a maneira correta de tocar o teclado.

45 ...the Italians are unrestrained, sublime, lively, expressive, profound, and majestic in their manner of thinking; they are rather bizarre, free, daring, bold, extravagant, and sometimes negligent in metrics; they are also singing, flattering, tender, moving, and rich in invention. They write more for the connoisseur than for the amateur. In composition the French are indeed lively, expressive, natural, pleasing and comprehensible to the public, and more correct in metrics than the Italians; but they are neither profound nor venturesome. They always warm up the ideas of their predecessors, and they write more for the amateur than for the connoisseur.

46 If one has the necessary discernment to choose the best from the styles of different countries, a mixed style results that, without overstepping the bounds of modesty, could well be called the German style.

47 In reflecting upon all of the thoughts and experiences mentioned previously in reference to the differences between styles, a preference must be granted for the pure Italian style over the purê French. Since, however, the first is no longer as solidly grounded as it used to be, having become bold and bizarre, and since the second has remained too simple, everyone will agree that a style blended and mixed together from the good elements of both must certainly be more universal and more pleasing.

48 CAZZARINI, Fernando. Ensaio Sobre a Maneira Correta de tocar Teclado, tese de doutorado, UNESP, São Paulo 1996.

49 Termo francês em voga no século XVIII que significa o patrocínio para artistas, geralmente concedido pela nobreza ou pela aristocracia.

50 Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Referências:50

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Teresa Cristina Rodrigues Silva - Formada com licenciatura em Música pela Universidade de São Paulo, especializou-se em violoncelo barroco no Conservatório Real de Haia, obteve o Mestrado em Música na Lousiana State University. Atualmente, é doutoranda na Unicamp, sob a orientação de Edmundo Hora. Como violoncelista, dedica-se à música de câmara e à interpretação do repertório dos séculos XVIII e XXI. Foi integrante do grupo Triplo Contínuo, com o qual gravou CD dedicado a obras de compositores italianos do século XVIII. Desde 2005 integra o grupo Sonâncias, dedicado ao repertório de música contemporânea brasileira. Com este grupo gravou o CD “ResSonâncias” (2008), com obras inéditas de compositores brasileiros. Desde 1989, é violoncelista da Orquestra Sinfônica da USP.