DEMONSTRAÇãO INICIAL DA APLICAÇãO DA QUINTA CATEGORIA ANALíTICA DE JOACHIM BURMEISTER EM LAMENTATIO PRIMA PRIMI DIEI (LAMENTATIONES HIEREMIAE PROPHETAE à 5 – MüNCHEN 1585) DE ORLANDO DI LASSO

INITIAL ExpOSITION ON AppLYING JOACHIM BURMEISTER’S FIFTH ANALYTICAL CATEGORY IN ORLANDO DI LASSO’S LAMENTATIO pRIMA pRIMI DIEI (FROM LAMENTATIONES HIEREMIAE pROpHETAE à 5 – MüNCHEN, 1585)

Áurea Helena de Jesus Ambiel - Unicamp ah_ambiel@hotmail.com

Resumo: O conteúdo desta palestra é parte integrante de uma pesquisa de doutorado, que tem como proposta analisar na íntegra a obra supracitada de Lasso, empregando uma terminologia de época. Para tanto, o trabalho está baseado principalmente no tratado Musica Poetica (1606)1 de Joachim Burmeister, tradução de Benito V. Rivera (Musical Poetics, 1993)2. Burmeister foi um grande pioneiro no estudo e na aplicação das figuras retóricas em música. Neste tratado, o autor utiliza a obra In me transierunt de Lasso, como objeto de análise retórica e distingue cinco áreas de investigação. O objetivo desta palestra é demonstrar o procedimento empregado pelo teórico na sua quinta categoria analítica, ou seja, na “divisão da peça em afetos ou períodos” (BURMEISTER [1606], 1993, p. 201), utilizando partes da Lamentatio Prima Primi Diei (Feria Quinta In Coena Domini) de Lasso. Para isto, é necessário conhecer inicialmente as figuras retórico-musicais e aprender a identificá-las na obra. Como resultado da pesquisa, espera-se oferecer subsídios analíticos que possam contribuir para uma interpretação mais segura e historicamente fundamentada. Palavras-chave: Lasso; Burmeister; Figuras retórico-musicais; Musicologia histórica; Análise musical.

Abstract: The matter of this lecture is part of a doctoral degree research which intends to conduct a full analyse of the work cited above using a historical terminology. On that account the research is mainly based on Joachim Burmeister’s Musica Poetica (1606)3 with the translation by Benito V. Rivera (Musical Poetics, 1993)4. Burmeister was a great precursor on study and application of rhetorical figures on music. In this treatise the author uses Lasso’s work In me transierunt as the object on analysis and discerns five investigation areas. The aim of this lecture is to show the procedure employed by the theorist on his fifth analytical category, i.e., “sectioning of the piece into affections or periods” (Burmeister [1606] 1993, p. 201) using parts of Lasso’s Lamentatio Prima Primi Diei (Feria Quinta in Coena Domini). In order to achieve this, it is necessary to know the rhetorical-musical figures and learn how to identify them in the work. As the result of the research we hope to offer analytic material which can support a reliable and historical founded interpretation. Keywords: Lasso; Burmeister; Rhetorical-musical figures; Historical musicology; Musical analysis.

Introdução

Joachim Burmeister5 (1564–1629), professor, teórico e compositor. Foi educado na tradição da Lateinschule6 em Lüneburg e recebeu orientações de Christoph Praetorius7 e Euricius Dedekind, que ocuparam o cargo de Kantor na Johannisschule. Lucas Lossius, vice-reitor desta escola, exerceu grande influência sobre o teórico com os seus livros didáticos sobre retórica e a dialética. No outono de 1589, ocupa o posto de Kantor na St. Marienkirche (Rostock) e em 1593, também ministra aulas no Gymnasium8. Bartel (1997, p. 93) cita que ele mantém os dois postos até a sua morte.

A importância de Burmeister reside principalmente na sua tentativa de adequação e sistematização da doutrina retórica para a música. Benito V. Rivera e Martin Ruhnke (2001, v. 4, p. 636) mencionam que,

enquanto no século XVI a teoria da música discutia como meios artísticos composicionais somente cadencias, imitação, sincopa e dissonância, Burmeister tentou, usando como exemplos motetes de Lassus, listar e nomear todos os detalhes musicais específicos e todas as divergências da linguagem musical normal, que para ele, eram representados pelas estruturas homofônicas do genus humile.

Escreveu três tratados que são revisões subsequentes: Hypomnematum musicae poeticae (Rostock, 1599) que contém as suas primeiras 22 figuras retórico-musicais, Musica autoschediastike (Rostock, 1601) com 25 figuras e Musica poetica (Rostock,1606), com 26. Eles são manuais voltados principalmente para a composição musical, mas com direcionamento retórico. Enquanto professor, ele intencionava que os jovens compositores aprendessem a escrever, imitando os grandes mestres. Assim, em Musical poetics (capítulo XV, p. 201-207), ele oferece uma definição de análise e também propõe uma análise retórica da obra In me Transierunt de Lasso. Segundo Burmeister ([1606], 1993, p. 201):

Análise Musical9 é o exame de uma peça, pertencente a um determinado modo e a um determinado tipo de polifonia. A peça será dividida em afetos ou [72] períodos, de maneira que o artifício com o qual cada período se concretiza, pode ser estudado ou adotado para imitação. Existem cinco áreas de análise: (1) investigação do modo; (2) investigação do gênero melódico; (3) investigação do tipo de polifonia; (4) consideração da qualidade; (5) secionamento da peça em afetos ou períodos.

O autor define afeto musical da seguinte maneira10:

Um período numa melodia ou peça harmônica, finalizado por uma cadência, que comove e incita os corações dos homens. É um movimento ou algo que traz alegria ou tristeza para o velho Adão11 (como Basilius Faber coloca), sendo tanto encantador, agradável e bem-vindo, ou inoportuno e desagradável aos ouvidos e ao coração (BURMEISTER [1606], 1993, p. xlix).

O que se pretende neste trabalho, é justamente determinar os afetos ou períodos12 em algumas partes da Lamentatio Prima Primi Diei (Feria Quinta Coena Domini), o que corresponde à aplicação da quinta categoria analítica deste tratadista. Desta maneira, o primeiro passo é conhecer e compreender as suas figuras retórico-musicais e depois identificá-las na obra. Os resultados parciais obtidos podem ser utilizados como ferramentas nas investigações posteriores desta obra completa de Lasso.

1. Análise da Lamentatio Prima Primi Diei (elegia prima, 1-3)

1.1 Visão geral: o modo e o plano da obra (“divisão do discurso”)

A obra Lamentationes Hieremiae Prophetae de Lasso é composta inicialmente em frigio sobre lá.

Segundo Rivera e Ruhnke (2001, v. 4, p. 636), Burmeister “sugeriu uma fascinante taxonomia dos afetos musicais que combinava teoria triádica com o sistema dos doze modos, de uma maneira que prenunciou a tipologia maior–menor. Ele explicou os afetos associados a cada modo em termos da posição dos semitons relativos aos três graus governantes da escala” [a basis, a terça e a quinta]. O modo frígio tem “ambos semitons na mesma relação para a basis e para a quinta.” Como os semitons estão localizados acima da quinta e da basis, ele é considerado “suave, lamuriante e lacrimoso”.

Desta maneira, através da estrutura da obra (no que diz respeito à relação entre o modo e o afeto a ele relacionado), é possível perceber a sua própria essência: o lamento.

Philippe Herreweghe (ver documento sonoro: LASSUS, 2003, p. 7) menciona a respeito desta obra de Lasso:

a estrutura musical das Lamentações, não é mais do que a amplificação do texto literário. Ela deve a sua unidade básica à sua estrutura modal: o Lá frígio para a Quinta-feira Santa e Sexta – feira da Paixão,

o mixolídio para as duas primeiras lições do Sábado de Aleluia e o Fá jônio para a última lição.

Se adotarmos a divisão do discurso em três partes, como sugere Burmeister em Musica poetica (BURMEISTER [1606], 1993, p. 203)13, esta primeira lamentação apresenta: (1) exordium (2) medium (o “corpo da obra”) e (3) finis, com a ocorrência de nove seções:

Seção Compassos Texto
Exordium 1 1 a 12 Incipit Lamentatio Jeremiae Prophetae
Medium 2 13 a 18 Aleph: primeira letra do alfabeto hebraico
3 19 a 43 Lam. 1:1 Quomodo sedet sola civitas plena populo! Facta est quasi vidua domina gentium; princeps provinciarum facta est sub tributo.
4 44 a 49 Beth: segunda letra do alfabeto hebraico
5 50 a 77 Lam. 1:2 Plorans ploravit in nocte, et lacrymae ejus in maxillis ejus; non est qui consoletur eam, ex omnibus charis ejus; omnes amici ejus spreverunt eam, et facti sunt ei inimici.
6 78 a 82 Ghimel:terceira letra do alfabeto hebraico
7 83 a 112 Lam. 1:3 Migravit Judas propter afflictionem, et multitudinem servitutis; Habitavit inter gentes, nec invenit requiem; omnes persecutores ejus apprehenderunt eam inter angustias.
Finis 8 113 a 117 Jerusalem, Jerusalem
9 118 a 124 convertere ad Dominum Deum Tuum.

Tabela 1: Lamentatio Prima Primi Diei (Elegia prima, 1-3), O. Di Lasso, divisão tripartida da obra.

A seguir, identificam-se algumas figuras retórico – musicais principalmente segundo a terminologia de J. Burmeister.

1.2 Figuras retórico-musicais

1.2.1 Anaphora

“É um ornamento que repete modelos de alturas similares em algumas, mas não em todas as vozes da harmonia. Isto acontece na maneira de uma fuga, embora não seja de fato uma fuga” (BURMEISTER [1606], 1993, p. 185-187). “ANAPHORA (Kircher) = REPETITIO (Nucius). ‘A repetição de uma exposição melódica sobre notas diferentes em diferentes partes’” (BUELOW, 1980, v. 21, p. 264)14.

Fez-se necessário empregar as definições de anaphora supracitadas, para explicar a ocorrência de algumas figuras retóricas existentes nesta parte da obra. São três os exemplos demonstrados.

No primeiro, a definição adotada não é a de Burmeister, mas de Kircher. Tal escolha, deve-se ao fato de que em Aleph (primeira letra do alfabeto hebraico; comp. 13-18, seção 2; ver tab.1), ocorrem dois motivos e o segundo, pode ser imitado em alturas diferentes.

O primeiro motivo é melismático e ascende na sua maioria por graus conjuntos. Apresenta-se no tenor II (comp. 13-14) e é imitado pelo discantus (comp. 14-15). Esta primeira figura é chamada anaphora I. Verifica-se o segundo motivo imitativo ocorrendo primeiramente na voz de altus (comp. 13-14), denominado anaphora II. Este melisma inicia com um salto intervalar de terça maior descendente e ascende por graus conjuntos. É imitado pelo tenor I e bassus (comp. 14-16).

Através de suas entradas imitativas, as figuras de anaphora têm caráter de ênfase e reafirmação. A primeira letra do alfabeto hebraico, antecede o primeiro versículo. Assim, o transcorrer e o imitar da palavra Aleph nas diversas vozes reforça: está iniciando a lamentação.15

O próximo exemplo desta figura ocorre na segunda letra do alfabeto hebraico (Beth; seção 4, comp. 44-49; ver tabela. 1).

Figura 2: Anaphora (Burmeister), Beth, seção 4.

A voz de tenor II (comp. 44-45) traz um motivo que será imitado pelas vozes de altus e discantus (comp. 45-47). Pelo fato deste motivo imitativo ser de mesma altura e não ocorrer em todas as vozes, aceita-se a definição de anaphora de Burmeister.

O terceiro exemplo desta figura ocorre em Ghimel (terceira letra do alfabeto hebraico; comp. 78-82; seção 6; ver tabela. 1).

Figura 3: Anaphora (Burmeister), Ghimel, seção 6.

Observa-se motivo melismático imitativo semelhante à Beth (ver exemplo anterior), entretanto, é descendente. A imitação de mesma altura e a não ocorrência em todas as vozes, também caracteriza esta figura como anaphora de Burmeister (ver tenor II, tenor I e discantus, comp. 78-82).

As letras hebraicas antecedem os versículos. Após a análise das mesmas na Lamentatio Prima Primi Diei, conclui-se que Lasso emprega procedimento técnico semelhante na abertura dos versículos. A figura retórico-musical empregada também é a mesma, ou seja, a anaphora. A ocorrência do tratamento imitativo e melismático, assim como o emprego de uma mesma figura nas letras hebraicas, prepara o ouvinte à entrada dos versos e confere unidade à obra.

O afeto comum a todas as letras é o lamento (atribuído principalmente à utilização do recurso melismático).

1.2.2 Hypotyposis

Segundo Burmeister ([1606], 1993, p. 175), hypotyposis “é aquele ornamento por meio do qual, a idéia do texto é tão claramente retratada que aqueles objetos inanimados ou sem vida descritos no texto parecem ser trazidos à vida”. Dietrich Bartel (1997, p. 307- 309) em Musica Poetica comenta a respeito da hypotyposis:

Uma representação musical vívida de imagens encontradas no texto implícito. À hypotyposis é dada a mesma incumbência, tanto na música como na retórica: ilustrar de forma viva e realística um pensamento ou imagem encontrado no texto. Como poderia até ser considerado o recurso composicional de texto- expressivo mais importante e comum da música barroca, é ordem da musica poetica encantar e comover o ouvinte através de uma representação musical do texto. Tal representação musical pictórica da palavra torna-se uma marca característica da música barroca, encontrada em praticamente toda composição vocal do período. Já Burmeister lamenta o fato de que nem todos os compositores usavam o recurso de forma criteriosa. Literalmente o termo significa uma imitação ou reprodução, de hypo, “abaixo” (re-); typosis, “formar, construir”. Tanto a música quanto a retórica utilizam esta figura mais para refletir uma imagem do que para expressar um estado de espírito. Enquanto Burmeister inclui a hypotyposis como uma figura que reflete imagens, é sua pathopoeia16 que é usada para expressar musicalmente os estados de espírito.... Embora somente Burmeister inclua explicitamente hypotyposis na sua lista de figuras retórico-musicais, Vogt sugeriu que praticamente todas as outras figuras podem ser usadas como formas de hypotyposis.17

Figura 4: Hypotyposis, omnes persecutores ejus apprehenderunt eam, seção 7.

A figura de hypotyposis é observada em omnes persecutores ejus apprehenderunt eam... (Lam. 1:3; seção 7; comp. 100-107; ver tabela. 1). “Os que a perseguiam alcançaram-na...” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002,

p. 1460). A representação da perseguição é observada através de recursos retórico-musicais indicando movimento:

Tratamento contrapontístico em omnes: tenor I e bassus apresentam tratamento semelhante ao início de suas linhas melódicas (comp. 100-102).
Em contraposição ao trecho anterior, a palavra persecutores traz a textura mais alinhada. Verifica-se uma “perseguição harmônica” (Gm D Gm D Gm Dm; comp. 102-104: início) com
predomínio de mínimas. Esta textura mais cordal, associada à repetição harmônica na palavra persecutores e a ocorrência de mínimas, pode sugerir o movimento do andar. Isto também é reforçado melodicamente pela voz de discantus alternando as notas Sol3 e Fá#3 e pelo bassus com o Sol1 e Ré2 (comp. 102-104: início).
Aqueles que perseguiam Jerusalém alcançaram-na. Termina a perseguição e Jerusalém está em poder do inimigo. Apprehenderunt (comp. 104-105) emprega ao início tratamento homofônico: Jerusalém dominada.

1.2.3 Antithesis, antitheton, contrapositum

Segundo Kircher (Musurgia L.8, p. 145) citado por Bartel (1997, p. 199), “antitheton ou contrapositum é uma passagem musical, na qual nós expressamos afetos opostos, como Giacomo Carissimi contrastou o risonho de Heraclitus, com o choroso de Democritus, ou como Leonus Leoni expressou: ‘Eu durmo, mas meu coração vigia’”. George J. Buelow (2001,

v. 21, p. 268) em Rethoric and Music, também cita a definição de Kircher: “um contraste musical para expressar coisas contrárias e opostas, ocorrendo sucessiva ou simultaneamente. Pode ser caracterizado por registros contrastantes em uma parte da voz, idéias temáticas contrastantes em uma textura contrapontística, texturas musicais contrastantes, etc”.

Figura 5: Antitheton, quomodo sedet sola civitas plena populo, seção 3.

Esta figura ocorre no primeiro versículo das lamentações (seção 3; comp. 19-28; ver tabela. 1). Por sugestão poética do próprio texto, Lasso emprega uma figura de contraste: Quomodo sedet sola civitas plena populo! “Quão solitária está a Cidade populosa!” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002,

p. 1460)18. “O poeta descreve o estado miserável de Jerusalém” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002, p. 1460)19. Ao iniciar a primeira lamentação, verifica-se nitidamente a intenção de contrastar idéias opostas:

Quomodo sedet Sola civitas Plena populo
Homofonia (5 vozes) Contraponto (2 vozes) Homofonia (5 vozes)

Tabela 2: Antitheton, seção 3.

O compositor reserva o contraponto a duas vozes (tenor II e bassus; comp. 22-25) à solidão de Jerusalém, enquanto que, um tratamento mais vertical (5 vozes) é reservado às partes antecedente e conseqüente. A cidade que antes era habitada (populosa), agora está só (termina em uníssono; comp. 25).

1.2.4 Pathopoeia

Significa “excitação das paixões”.20 A respeito desta figura, Burmeister menciona ([1606], 1993, p. 175):

É uma figura adaptada para provocar os afetos, que ocorre quando semitons que não pertencem ao modo e nem ao gênero da peça, são empregados e introduzidos a fim de aplicar os recursos de uma classe à outra. O mesmo se mantém quando os semitons próprios ao modo da peça são usados mais frequentemente do que é costume.

Em “chorou sem cessar durante a noite, e as suas lágrimas correm pelas suas faces” (BÍBLIA SAGRADA, 1962, p. 944), a palavra plorans traz a figura de pathopoeia, caracterizada por uma segunda menor. O afeto é

o da tristeza. A figura é também enfatizada pela tessitura das vozes (não ocorre o emprego de discantus e nem do bassus, mas de vozes centrais: altus, tenor I e II, comp. 50-53 aproximadamente). O melisma em ploravit (altus) também remete à idéia do choro ou lamento. O intervalo de segunda menor pode também ser encontrado em lacrymae ejus (discantus, compasso 56-57 e bassus, comp. 55-56 e 57).

1.2.5 Pleonasmus

“É a efusão abundante da harmonia durante a formação de uma cadência, especificamente na parte média. Caracterizado por combinação de symblema e syncope dentro de dois, três ou mais tactus21 (BURMEISTER [1606], 1993, p. 171). Segundo Bartel (1997, p. 365):

Burmeister apresenta o termo na Figurenlehre musical, definindo-o como uma passagem dissonante (symblema) que é prolongada através de uma suspensão (syncopa), antes da resolução. Tanto symblema como syncopa, introduzem dissonâncias dentro da estrutura harmônica de uma composição. Isso resulta no exagero ou abundância pretendida, isto é, de dissonâncias. A combinação de notas de passagem e suspensão, estende não somente uma dissonância, mas pode criar ainda outro retardamento: vários pleonasmoi deveriam estar ligados; a cadência poderia ser estendida por dois, três, ou mais compassos.

Dentre outras ocorrências desta figura existentes na obra, ci-ta-se a do versículo 3, da primeira lamentação (comp. 109-110; seção 7; ver tabela. 1), em omnes persecutores ejus apprehenderunt eam inter angustias.

Figura 7: Pleonasmus, angustias, seção 7.

Na palavra angustias, observam-se três dissonâncias seguidas em syncope caracterizando a figura pleonasmus (discantus; comp. 109-110). Tais recursos provocam um efeito suspensivo que enfatiza o texto. Outras sincopas podem ser observadas (início do compasso 108 e 112, discantus e altus, respectivamente).

Durante o processo analítico, observou-se que além das figuras, outros recursos técnico-musicais (não catalogados por Burmeister) foram empregados como elementos expressivos. Tais recursos são encontrados, por exemplo, em determinadas ocorrências cadenciais e harmônicas (sequência de diapentes22 associada a uma textura cordal; ver tópico 2.3.2). A seguir, apresentam-se alguns exemplos.

1.3 Outros artifícios retórico-musicais com qualidade expressiva (recursos que em sua maioria, não foram catalogados por Burmeister)

1.3.1 Cadenza fuggita

Em Musical Poetics (Musica Poetica), Joachim Burmeister dedica dois capítulos às cadências intitulados de: “Cadências (cap. 5, p. 107121) e “A conclusão de melodias e harmonias” (cap. 9, p. 147-153). São vários os aspectos abordados e compreendem a definição do conceito, as alturas do modo propícias a recebê-las, a sua adequação ao texto e os diversos tipos de cadências, entre outros. Entretanto, não menciona a respeito das cadências interrompidas. O termo, cadenza fuggita, foi citado no artigo Ut oratoria musica por Palisca (1994, p. 291), para denominar a cadência evitada na análise da obra In me transierunt de Lasso. Segundo o autor, o termo pertence a Zarlino: “‘para evitar ou esquivar-se da cláusula ou Cadência’ e ‘Cadentia...placidè elabendi’, obviamente refere-se à cadência interrompida ou evitada que Zarlino descreve como ‘fuggire la cadenza’ e Thomas Morley como ‘false closes’23” (PALISCA, 1994, p. 294).

Nesta primeira lamentação do primeiro dia verificam-se algumas ocorrências de cadenza fuggita. Tal recurso técnico associado ao conteúdo do texto pode auxiliar na expressão do afeto. Como exemplo, cita-se o terceiro versículo (Lam. 1:3 seção 7), que faz referência ao exílio de Judá e à angústia causada pela escravidão e perseguição.

Figura 8: Cadenza fuggita, migravit Judas propter afflictionem, seção 7.

Migravit Judas propter afflictionem (início da seção 7; ver tabela.

1) principia com conjugação perfeita combinada com imperfeita incomple

ta24 sobre a nota ré (ou seja, Dm, comp. 83). Verificam-se duas cadências

melódicas descanto25: a primeira junto à palavra Judas (altus; comp. 85-86)

e a segunda, em afflictionem (tenor I; comp. 87-88). Nesses pontos também

encontram-se duas ocorrências de cadenza fuggita: 1ª) Em Judas, a cadência emprega as seguintes conjugações: perfeita combinada com imperfeita incompleta sobre a nota sol perfeita combinada com imperfeita completa sobre ré perfeita combinada com imperfeita completa sobre sol (ou seja, Gm D G; comp. 85-86). “O esperado” pela condução harmônica e pela própria linha melódica da voz de discantus, era cadenciar sobre a conjugação perfeita combinada com imperfeita incompleta sobre a nota sol (ou seja, Gm D Gm; comp. 85-86). 2ª) Verifica-se uma sequência de diapentes iniciando na palavra Judas e estendendo-se até afflictionem, mas é desviada na cadência. Observe a conjugação perfeita combinada com imperfeita completa sobre as notas: ré sol sib (ou seja, D

G C Bb; comp. 85-88). “O esperado” era finalizar na

conjugação perfeita combinada com imperfeita completa sobre a nota fá (ou seja, F; “comp. 88”), fechando assim, a sequência de diapentes, mas é desviado para sib (Bb; comp 88).

As ocorrências da cadenza fuggita podem sugerir a surpresa pelo inesperado. A aflição de Judá causada pelo exílio.

1.3.2 Sequência de diapentes associada a uma textura cordal

Gustave Reese em seu livro Music in the Renaissance (New York, 1959, p. 508), denomina a aqui chamada sequência de diapentes, “de transições modulatórias através do ciclo de quintas”. Menciona ainda que em Lasso, “as transições e o som pleno de quatro ou cinco vozes na estrutura da tríade são sentidas como ‘suaves’, ‘doces’ ou ‘maravilhosas’” (REESE, 1959, p. 508).

Ao final do primeiro versículo da Lam. 1, encontra-se a seguinte frase: princeps provinciarum facta est sub tributo: “a princesa das províncias ficou sujeita ao tributo” (BÍBLIA SAGRADA, 1962, p. 943).

Figura 9: Sequência de diapentes, princeps provinciarum, seção 3.

Em princeps provinciarum (comp. 35-38), as conjugações caminham por sequência de diapentes descendentes e ascendentes: conjugação perfeita combinada com imperfeita completa sobre as notas: ré sol sib (ou seja, D G C F Bb F C; comp. 35-38).

Embora o tratamento dado não seja estritamente homofônico, várias vozes estão com os seus valores de duração alinhados.

Assim, os recursos técnicos (sequência de diapentes + sonoridade verticalizada a 5 vozes) associados ao significado do texto, conferem ao trecho uma sonoridade plena e brilhante (clarificada harmonicamente), enaltecendo Jerusalém, “a princesa das províncias”.

1.3.3 Modo

Como já foi mencionado anteriormente, Burmeister atribui afetos aos modos26.

Segue abaixo, um plano geral dos modos empregados na obra completa (Lamentationes Jeremiae Prophetae)27 de Lasso.

Feria quinta in coena domini Lição I (Lam. 1: 1-3) Lição II (Lam. 1: 7-9) Lição III (Lam. 1: 12-14) frigio
Feria sexta in paracesve Lição I (Lam. 2: 8-10) Lição II (Lam. 2: 13-15) Lição III (Lam. 3: 1-2, 4-5, 7, 9) frigio
Sabbato Sancto Lição I (Lam. 3: 22-23, 25-30) Lição II (Lam. 4: 1-3) Lição III (Lam. 5: 1-6) mixolidio mixolidio jonio

Tabela 3: Modos, Lamentationes Jeremiae Prophetae de O. Di Lasso.

Nos dois primeiros dias (Quinta-feira da Ceia do Senhor e Sexta-feira da Paixão), o compositor emprega o modo frigio. Burmeister define este modo como “suave, lamuriante e lacrimoso”. Jerusalém e Judá, infiéis à Aliança com Deus, encontram-se em estado miserável, o seu povo foi exilado e está sujeito à dor, à opressão e à humilhação extrema. Adotando

o conceito de Burmeister, na relação entre o modo e o afeto, pode-se dizer que, a escolha do frigio nestes dois primeiros dias, vem de encontro à essência da própria obra, que é um lamento.

Na liturgia católica do Sábado Santo celebra-se a ressurreição de Cristo. É uma celebração de renascimento e de vida nova. Sob a perspectiva da fé, Jesus morreu para salvar a humanidade de seus pecados, mas através da ressurreição, Ele vive novamente. É um momento para celebrar a alegria. O modo mixolidio (empregado nas duas primeiras lições) é no estudo de Burmeister definido como “feliz e enobrecedor”. O jônio, na terceira lição, é citado como “moderado”. Tal escolha modal pode sugerir que, à luz da fé, através do sofrimento se chega à purificação. A consciência do erro e do pecado, conduz o fiel à esperança e à confiança no perdão de Deus. Redirecionamento de caminho: temperança e moderação.

Conclusão

A seguir, um resumo das figuras e de outros artifícios retórico-musicais analisados em Lamentatio Prima Primi Diei (Feria Quinta In Coena Domini).

Seção Texto Figuras retóricomusicais Recursos musicais empregados Afeto, caráter ou qualidade
2 (comp. 13-18) Aleph Anaphora Motivo melismático tratado imitativamente com entradas paulatinas e sucessivas. Lamento. Reafirmação. Movimento: principiar do primeiro versículo.
3 (comp. 19-43) Quomodo sedet sola civitas plena populo!... ...princeps provinciarum... Antitheton Contraste de textura (homofonia x contra-ponto). Sequência de diapentes associada a uma textura cordal. Idéias opostas: cidade solitária e populosa. Jerusalém enaltecida.
4 (comp. 44-49) Beth Anaphora Entradas imitativas graduais do motivo melismático. Lamento. Reafirmação. Movimento: principiar do 2º versículo.
5 (comp. 50-77) Plorans ploravit in nocte... Pathopoeia Intervalo de 2ª menor. Melismas (ploravit). Tristeza. Jerusalém, triste e lamentosa, passa a noite chorando.
6 (comp. 78-82) Ghimel Anaphora Entradas imitativas graduais do motivo melismático. Lamento. Reafirmação. Movimento: principiar do 3º versículo.
7 (comp. 83-112) Migravit Judas propter afflictionem... ...Omnes persecutores ejus... ...inter angustias. Hypotyposis Pleonasmus Cadenza fuggita A harmonia caminha por sequência de diapentes (Gm – D –Gm – D - Gm -Dm). Repetição das notas sol1 e ré2 no bassus e sol3 e fá#3 no discantus. Textura vertical. Mínimas seguidas. Notas de longa duração e três sincopas dissonantes seguidas no discantus. Surpresa pelo inesperado: a aflição de Judá causada pelo exílio. Movimento: perseguição. Angústia.

Tabela 4: Artifícios retórico-musicais e os afetos na Lamentatio Prima Primi Diei de Lasso; seção média (corpo da obra).

A identificação das figuras é o primeiro passo para a compreensão mais aprofundada do texto e do seu valor retórico-musical. Contudo, segundo a metodologia analítica empregada por Burmeister (quinta categoria), somente a identificação das figuras não é suficiente para determinar o afeto. Para a melhor compreensão da obra, deve-se também encontrar os períodos, presentes nas três partes constitutivas do discurso (exordium, medium e finis). As cadências (cuja análise é parte do projeto de doutorado) têm um valor estrutural importante, pois elas pontuam os períodos.

Os elementos que formam a sintaxe da obra (figura, texto, cadências, textura, conjugações, altura modal, etc), embora distintos, interagem de maneira a sugerir um único sentimento ou afeto. Os artifícios retóricos não se limitam às figuras, mas são elas, indubitavelmente, ferramentas valiosas na expressão do afeto. Contudo, outros recursos técnico-musicais elencados ou não por Burmeister, podem ser empregados com finalidade expressiva. Devemos então, conhecer e aprender a identificar as figuras e os artifícios para poder ressaltá-los enquanto elementos expressivos. A análise é uma ferramenta importantíssima dentro deste processo, visto que através dela podemos reconhecer e pontuar os recursos artificiosos em uma obra.

Para Burmeister, o paralelo que fez entre música e retórica, foi um caminho natural e encontrou nas obras de Lasso um terreno fértil para a aplicação de seus conceitos. O seu tratado, pode oferecer um subsídio significativo de como entender e consequentemente interpretar a produção artística desta época.

Notas

1 BURMEISTER, J. Musica Poetica. Rostock: Stephanus Myliander, 1606; facs., ed. Martin Ruhnke, Kassel and Basle: Bärenreiter, 1955.

2 BURMEISTER, J. Musical Poetics. Tradução: Benito V. Rivera. New Haven and London: Yale University Press, 1993.

3 BURMEISTER, J. Musica Poetica. Rostock: Stephanus Myliander, 1606; facs., ed. Martin Ruhnke, Kassel and Basle: Bärenreiter, 1955.

4 BURMEISTER, J. Musical Poetics. Translated, with Introduction and Notes, by Benito V. Rivera. New Haven and London: Yale University Press, 1993.

5 Este parágrafo está baseado principalmente nas seguintes fontes: Benito V. Rivera e Martin Ruhnke, “Joachim Burmeister” em “The New Grove Dictionary of Music and Musicians”, ed. Stanley Sadie (London: Macmillan, 2001, v. 4, p. 635) e Dietrich Bartel,”Joachim Burmeister” em Musica poetica (Lincoln: Nebraska, 1997, p. 93).

6 Em Ut oratoria musica (Studies in the History of Italian Music and Music Theory, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 288), Palisca menciona que esta escola “tinha como núcleo do currículo o estudo da língua latina, sintaxe e retórica”.

7 Christoph Praetorius foi compositor e Kantor da St. Johannis (Lüneburg - período de 1563 a 1581). Era tio do compositor Michael Praetorius. Euricius Dedekind foi seu sucessor. Fonte: Bach Cantatas Website. 2009. Disponível em: http://www.bach-cantatas.com/Lib/PraetoriusChristoph.htm.

8 Segundo Bartel (1997, p. 93), além das atividades musicais, a função de Burmeister era a de ministrar aulas de latim, “para os estudantes até o penúltimo ano escolar”.

9 Ian D. Bent e Anthony Pople em Analysis (The New Grove Dictionary of Music and Musicians, 2001, v. 1, p. 530), consideram que Burmeister foi o primeiro a dar uma definição de análise e também a especificar uma “análise formal completa de uma peça de música”.

10 Rivera, o tradutor, cita em Musical Poetics de Burmeister (p. xlix) que esta definição de afeto está presente no segundo tratado do autor (Musica autoschediastike, fol. O2v).

11 O termo Old Adam pode ser entendido como a fraqueza humana, como menciona Agenor Soares dos Santos em seu “Guia Prático de tradução inglesa”: “Adam (s) – Tem o sentido figurado do pecado original, a fraqueza ou impenitência humana, especialmente the old Adam: There was a good deal of the old Adam in the rascal, ‘Havia muita fraqueza humana no malandro’”... (SANTOS, 1986, p. 10).

12 Bartel (1997, p. 96) cita que Burmeister utiliza estes dois termos de modo intercambiável.

13 “Autores clássicos variavam em suas numerações das partes de um discurso. Rhetorica ad Herennium 1.3.4 lista seis partes: exordium, narratio, divisio, confirmatio, confutatio e conclusio. A mais ampla divisão tripartida era, obviamente, inspirada pela injunção de Aristóteles, que um drama trágico ou poema épico para ser um todo unificado precisa ter um começo [arche], meio [meson] e fim [teleute] (Aristóteles, Poetics 7.3 e 23.1). Uma comparação da parte média a um corpo humano é encontrada em Aristóteles, Rethoric

3.14.8: “Se o ouvinte já estiver bem predisposto, não haverá necessidade de um exórdio, exceto para sumariar o sujeito da fala, de maneira que, como um corpo [soma], ele pode ter uma cabeça.” Capítulos 12, 13 e 14 de Praecepta de Dressler, provém diretrizes sobre a estruturação do exordium, medium e finis.” Nota de rodapé nº 2 (BURMEISTER [1606], 1993, p. 203).

14 Esta definição de Buelow encontra-se no verbete Rhetoric and Music do “The New Grove Dictionary of Music and Musicians”, ed. S. Sadie (London: Macmillan, 2001, v.21, p. 264) e tem como co-autores: Wilson e Hoyt.

15 No verbete Lamentations em “The New Grove Dictionary of Music and Musicians”, G. Massenkeil (2001, v. 14, p. 188) comenta que “no original hebraico, os cinco capítulos dos lamentos eram em grande parte um acróstico alfabético”. A Vulgata conservou nas lamentações estas letras na língua original e fez a tradução dos versículos para o latim (ver na Tabela 1, as letras hebraicas antecedendo os versículos).

16 Ver seção 5 (Tabela 1) e tópico 2.2.4 deste trabalho.

17 “O termo hypotyposis é encontrado mais uma vez no Conclave de Vogt. Vogt não o inclui na sua lista de figuras, mas usa o termo mais para caracterizar de forma geral suas figuras ideales. Estas figuras não são somente para expressar os estados de espírito, mas também para apresentar a idea do texto de uma maneira real (vivaciter) e imaginativa (idealiter). Para este fim, o compositor usa as figuras hypotyposis e prosopopeia. Com estes esclarecimentos, Vogt tipifica sua categoria de figuras ideales. A formulação múltipla de figurae hypothiposeos sugere toda uma classe de tais figuras. Este entendimento é sustentado pela definição anterior de Vogt de idea musica como “aquilo que é retratado através das figuras de hypotyposis.” Música e palavras operam juntas numa vívida representação da ιδεα (“aquilo que é visto”) do texto, usando hypotyposeos figurae ideales” (BARTEL,1997, p. 309).

18

Pe. Matos Soares (BÍBLIA SAGRADA, 1962, p. 943) dá a seguinte tradução: ‘Como assim está

sentada solitária, esta cidade (antes) cheia de povo?”.

19 Nota de rodapé: letra a).

20 Nota de rodapé número 33 citada por Rivera (BURMEISTER [1606], 1993, p. 175).

21 Em Musical Poetics, Rivera, o tradutor, menciona em nota de rodapé nº 8: “Um tactus, que não deve ser confundido com Takt no alemão moderno, tem a duração de uma semibreve; duas semibreves formam uma unidade padrão [medida]* ou perfeição” (BURMEISTER [1606], 1993, p. 29).

22 Na verdade, Rivera emprega neste ponto o termo measure, que é traduzido para o português como compasso. Devido ao contexto, optou-se pela tradução como unidade padrão ou medida, por parecer mais adequado.

* “Diapente (do Grego dia pente: ‘através de cinco’). Na Grécia antiga e medieval, nome dado ao intervalo de uma Quinta. Nos tratados medievais e nos manuscritos musicais, os termos epidiapente (‘5ª acima’) e subdiapente (hypodiapente. ‘5ª abaixo’) são usados para especificar respectivamente canons a uma Quinta superior ou inferior” (SADIE, 2001, v. 7,

p. 292).

23 “‘Sendo planejado para evitar um final derradeiro e prosseguir com algum outro propósito’ (Thomas Morley, ed. R. Alec Harman, A Plain and Easy Introduction to Practical Music (1597) (London: Dent, 1952), III, 223)”. Nota de rodapé número 31, citado em Palisca.

24 Na introdução de Musical Poetics (BURMEISTER, [1606], 1993, p. liii), Benito V. Rivera, referindo-se à utilização de uma única vez da palavra tríade por Burmeister (em Hypomnematum musicae poeticae), menciona que ele preferia o termo gramatical “conjugação”

definido como “a combinação de notas e intervalos” – ao invés de tríade. Os nomes que ele atribui aos vários tipos de acordes..., referem-se mais aos intervalos componentes dentro das sonoridades, do que às sonoridades como entidades unificadas”. Embora Burmeister nomeie outras conjugações, nesta análise utiliza-se as seguintes: Conjugação “perfeita combinada com imperfeita completa= acorde de terça e quinta (terça maior, quinta perfeita)”. Conjugação “perfeita combinada com imperfeita incompleta = acorde de terça e quinta (terça menor, quinta perfeita)”.

25 Segundo Burmeister ([1606], 1993, p. 109), “uma cadência descanto é uma passagem melódica consistindo de três alturas, a primeira das quais, é o dobro da segunda em duração e está tão organizada, que parece ser composta de duas partes através de uma sincopa potencial ou atual, mas unidas como um todo. A segunda altura é desta maneira organizada, que da primeira altura, a voz descende para o grau intervalar seguinte mais próximo e é susceptível a assumir um semitom. Da segunda altura para a terceira, a voz eleva-se para o mesmo nível onde a primeira altura tinha sido colocada, adequada para terminações do período”. A cadência descanto da figura 8 está embelezada.

26 (RIVERA; RUHNKE, 2001, v. 4, p. 636).

27 Günther Massenkeil (2001, v. 14, p. 188) menciona que, “parte dos versículos das lamentações do profeta Jeremias” eram “cantadas na liturgia católica romana até por volta de 1970, como lições para os primeiros noturnos das matinas de Quinta-feira Santa, Sexta-feira da Paixão e Sábado Santo”. Cita ainda que, já no século XV, os grandes compositores vinham compondo polifonicamente sobre este texto.

28 Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Referências:28

BARTEL, D. Musica Poetica. Lincoln and London: University of Nebraska, 1997. 471 p.

BENT, I. D.; POPLE, A. Analysis. In: SADIE, S. (Ed.). The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2. ed. London: Macmillan, v. 1, 2001. 912 p.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. In: BAZAGLIA, P. (Dir. Ed.). São Paulo: Paulus, ©2002. 2206 p.

BÍBLIA SAGRADA: Traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1962. 1501 p.

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Bibliografia

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CHRISTOPH PRAETORIUS. In: Short Biographies. Bach Cantatas Website. 2009. Disponível em: http://www.bach-cantatas.com/Lib/Praetorius-Christoph.htm. Acesso em 15 janeiro 2009.

SANTOS, A. S. dos. Guia prático de tradução inglesa: comparação semântica e estilística entre os cognatos de sentido diferente em inglês e português. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1986. 511 p.

Partitura

LASSO, O. DI. Lamentationes Jeremiae Prophetae: vocal. Kassel: Bärenreiter, 1992. 2 partituras: 5 e 4 vozes (259 p. ). Neue Reihe/Band 22. Discantus, altus, tenor e bassus.

Documento Sonoro

LASSUS, R. De. Hieremiae Prophetae Lamentationes. Intérpretes: Ensemble Vocal Européen de la Chapelle Royale; dir.: Philippe Herreweghe. Arles: Harmonia Mundi,

p. 1989. 1 CD.

Áurea Helena de Jesus Ambiel - Regente, professora de disciplinas teórico-musicais, é bacharel em música pela Universidade Estadual de Campinas. Obteve o título de mestre em artes pela mesma universidade com a dissertação Ricercar a 6 de Johann Sebastian Bach e a sua Orquestração na Fuga (Ricercata) a 6 voci, por Anton Webern - a Técnica Klangfarbenmelodie e a Serialização Motívico - Tímbrica. Paralelamente aos estudos acadêmicos, cursou as disciplinas de harmonia, contraponto, estética e análise musical com o compositor Dr. Hans Joachim Koellreutter. Atualmente recebe orientações do prof. Dr. Giorgio Pacchioni na disciplina Musica Figurata. É doutoranda em musicologia histórica pela UNICAMP, bolsista CAPES e tem como orientadora a professora Dra. Helena Jank.