SEntIDOS DE uMA pEDAGOGIA MuSICAl nO SéCulO XXI: AS OfICInAS DE MÚSICA DA ESCOlA AbErtA CHApéu DO SOl, pOrtO AlEGrE, rS

Helena Lopes da Silva - ESMU/UEMG helopes@terra.com.br

Resumo: O Programa Escola Aberta consiste na abertura das escolas públicas aos finais de semana como alternativa para a reversão do quadro de violência e a construção de espaços de cidadania para os jovens considerados em situação de vulnerabilidade social. O presente estudo de caso investiga os sentidos da pedagogia musical (KRAEMER, 2000) nas atividades de música da Escola Aberta Chapéu do Sol (Porto Alegre, RS). As concepções dos coordenadores e oficineiros entrevistados revelaram uma visão da música como um objeto independente dos jovens e de seus contextos, demonstrando desconhecimento acerca das relações entre as questões identitárias, polissêmicas e socializadoras dos jovens e a música. Palavras-chave: Escola aberta; Pedagogia musical; Jovens e música.

Abstract: The Open-School Program allows public schools to keep their doors open over the weekends, as an attempt to reduce violence and reinforce citizenship opportunities among the youth living under vulnerable social conditions. This case study investigates the sense of the musical pedagogy (KRAEMER, 2000) in the music-related activities developed in the Escola Aberta Chapéu do Sol (Porto Alegre, RS). The interviews conducted with coordinators and workshop instructors, revealed that music is seen, by them, as a subject detached from the youth and their environment, clearly showing that they are not aware of the relation between identity, polysemy, and socialization, with young people and music. Keywords: Open school; Musical pedagogy; Youth and music.

Introdução

Com a fragilidade da escola pública enquanto instituição responsável tanto pela democratização de acesso ao ensino, quanto pela transformação social dos jovens em contextos violentos aos quais pertencem, urge a necessidade de construir-se uma escola renovada ou uma escola ampliada e inovadora capaz de dar conta das demandas da atualidade.

Frente a tal realidade, como proposta de valorização e ressignificação da instituição como escola função e não mais apenas como escola endereço (WERTHEIN, 2004), em 2000, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) lançou, em nível nacio-nal, o Programa Abrindo Espaços: Educação e Cultura para a Paz. Dentre as ações propostas pelo programa em parceria com o Ministério de Educação e Cultura (MEC) e UNESCO, encontra-se o Programa Escola Aberta, o qual consiste na abertura das escolas públicas aos finais de semana como alternativa de reversão ao quadro de violência e construção de espaços de cidadania para jovens e comunidades considerados em situação de vulnerabilidade social.

Por meio da abertura das escolas em dois turnos (manhã e tarde), são oferecidas oficinas “selecionadas a partir da consulta à juventude local e mapeamento prévio de talentos nas escolas e nas comunidades”, levando-se em conta as peculiaridades locais e a diversidade regional de cada estado onde é implantado o referido programa (NOLETO, 2004, p. 51). Nesta perspectiva pressupõe-se que a escola oportunize aos jovens e à comunidade alternativas para o exercício de sua criatividade e instrumentalização para a concretude de suas aspirações através do acesso às atividades esportivas, artístico-culturais e de lazer.

Considerando a proposta de transformação do espaço escolar e ampliação das possibilidades de educação através de atividades artísticas, esportivas e de lazer do Programa Escola Aberta, o presente artigo apresenta alguns resultados da pesquisa de doutorado intitulada “Sentidos de uma pedagogia musical na Escola Aberta: Um estudo de caso realizado na Escola Aberta Chapéu do Sol, Porto Alegre, RS”, na qual foram discutidos os sentidos da pedagogia musical desenvolvida nas oficinas de música da Escola em relação à natureza e à proposta do Programa.

Como questões norteadoras de pesquisa, delimitei: Por que a música participa do Programa Escola Aberta? Que visões e concepções as pessoas envolvidas com a Escola Aberta tem a respeito das atividades musicais desenvolvidas em um programa desta natureza? A quais músicas e a qual pedagogia musical se refere o Programa quando se trata dos jovens? Quais concepções pedagógicas e musicais estão atreladas à proposta do Programa? Qual pedagogia musical de fato acontece nas oficinas de música da Escola Aberta Chapéu do Sol? É vista ou prevista a proposta de formação de multiplicadores (oficinandos que se tornam oficineiros) para a continuidade das oficinas de música na Escola Aberta?

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1. O contexto: Escola Aberta Chapéu do Sol - A Vila Teletubbies

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Chapéu do Sol localiza-se na zona sul de Porto Alegre, a 25 quilômetros de distância do centro de Porto Alegre. Devido ao fato da Escola estar localizada a dois quarteirões da estrada principal, a Avenida Juca Batista, e atender crianças e jovens advindos de comunidades próximas habitadas por pessoas de classe econômica de baixa renda, a bicicleta e o vale-transporte gratuito eram os meios de transporte mais utilizados durante a semana, o que não acontecia durante os finais de semana. Nos finais de semana, as crianças e os jovens moradores do loteamento Chapéu do Sol, eram as pessoas que compareciam à Escola Aberta com maior frequência. Em parte este fato deve-se à falta de transporte urbano gratuito durante os finais de semana.

Em uma entrevista realizada com a Coordenadora Escolar, conversamos sobre a origem da EMEF1 Chapéu do Sol e sobre a comunidade moradora do loteamento, os quais foram “construídos” concomitantemente, entre os anos de 1999 e 2000. Segundo a Coordenadora Escolar, a comunidade foi assentada naquele loteamento por questões de segurança. O loteamento Chapéu do Sol foi construído com o objetivo de trazer as pessoas das comunidades que viviam em locais considerados como “áreas de risco”, como beira de estrada e de rios:

Coordenadora Escolar: Veio a [vila] Veludo, veio a [vila] Sapolândia, veio a [vila] Bicho de Pé, que eram umas vilas que tinha lá pra baixo. Vila assim de área de risco onde alagava as casas, onde era beira de praia, só área de risco mesmo. Aí assentaram as casas e fizeram a comunidade aqui. Então, já foi feita a escola junto. Então a escola é só o que tem aqui. Por isso a nossa escola é isso aqui. A própria comunidade cuida. Aqui a gente não tem depredação de nada, não tem depredação da escola por causa disso aí (09/03/2007).

Além das entrevistas realizadas com os participantes da pesquisa, outros aspectos me chamaram a atenção logo no início de minha inserção no campo empírico, dentre eles, um grafite2 desenhado no muro ao lado do portão principal da Escola trazendo o seguinte dizer: “Viva a Vila Telletubies!”3

Segundo um dos coordenadores do Programa Escola Aberta, a origem do apelido Vila Teletubbies havia surgido, devido ao fato de o Loteamento Chapéu do Sol ter sido entregue às comunidades ali assentadas, com os quarteirões e as casas, pintadas nas cores azul, verde e amarelo. Em uma das entrevistas realizadas com um grupo de jovens que participavam da oficina de música da Escola, falávamos sobre suas impressões acerca do loteamento e da comunidade:

B. Boy: Pintaram tudo. Agora não é mais assim...(referindo-se as casinhas pintadas de cores iguais no início do loteamento). Tchê: Cada cerca era de uma cor. Helena: Ah, é? Há quanto tempo que não é mais assim? Belo: Acho que no segundo ano que o pessoal veio pra cá, começaram a mudar as cor. Por causa da chuva, começava a pegar umidade, a ficar preta as parede, aí o pessoal começou a pintar. Mas ainda tem umas [casas] verde, e colocaram amarela junto. Aqui [aponta para

o lado esquerdo da sala onde estávamos em direção à rua] onde era azul, ficou vermelho... Helena: Era tudo azul, verde e amarelo? Era legal isso? Belo: Era. Ivete: Ninguém errava de casa. (risos) (23/06/2007).

Os jovens participantes desta entrevista eram ou moradores do Loteamento ou estudantes da Escola. A frase escrita no muro principal da Escola refletia as percepções dos moradores da comunidade em relação à estética das casas e dos quarteirões do espaço. Por outro lado, os depoimentos dos jovens entrevistados não expressava um sentimento de rejeição à imposição estética planejada para a organização espacial da comunidade que vivia ali. Aos olhos deles, as cores das casas e dos quarteirões – embora remetessem aos personagens do desenho infantil Telletubies – acabaram se transformando em uma maneira de se localizarem no Loteamento e em relação às casas dos amigos.

Dayrell (1996, 147), analisa que “a arquitetura e a ocupação do espaço físico não são neutras”. Embora nesta citação o autor esteja se referindo especificamente à arquitetura das escolas, podemos pensá-la em relação à construção arquitetônica do Loteamento, aos lugares instituídos para cada pessoa morar, ou ainda, em relação à perspectiva de que o contexto influencia a arquitetura, e a arquitetura influencia o contexto:

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Desde a forma de construção até a localização dos espaços, tudo é delimitado formalmente, segundo princípios racionais, que expressam uma expectativa de comportamento dos seus usuários. Nesse sentido, a arquitetura escolar interfere na forma da circulação das pessoas, na definição das funções para cada local. Salas, corredores, cantina, pátio, sala dos professores, cada um desses locais tem uma função definida a priori. O espaço arquitetônico da escola expressa uma determinada concepção educativa. (DAYRELL, 1996, p. 147).

A citação do autor é pertinente com a análise da construção arquitetônica da Vila Teletubbies, dado o contexto pelo qual e para quem foi construída. Ao serem retiradas as comunidades de suas moradias, sob a justificativa de proteção das “áreas de risco” em que viviam, e posteriormente serem assentadas em um loteamento construído sob uma lógica que divide, demarca e institui o lugar de cada um através de uma cor, deveria, a princípio, ser encarada pelos moradores, como um ato de violência. Mais ainda pelo agravante das comunidades ali agrupadas serem rivais na guerra do tráfico.

Paradoxalmente, para os jovens entrevistados, as cores das casas e dos quarteirões parecia ser uma situação engraçada e como tal era encarada de forma bem humorada, demonstrada pelos discursos e pela iniciativa de escrever a frase no muro da Escola: Viva a Vila Teletubbies!

Dado o fato de que uma das propostas do Programa é tomar o espaço da escola como um espaço de lazer, não havia uma cobrança ou controle quanto à assiduidade dos participantes nem na Escola Aberta, nem nas oficinas. Portanto, o número de pessoas oscilava, principalmente, nas oficinas de música, nas quais o número de participantes era menor, ficando restrito aos jovens que participavam do grupo de hip-hop.

De forma geral, aos sábados à tarde, o movimento da Escola Aberta Chapéu do Sol, era regular. A ela compareciam vários interessados: em torno de quinze a vinte crianças e jovens na oficina de Capoeira; umas três mães na oficina de Pintura; uma média de três a quatro jovens nas oficinas de Música; umas doze crianças na oficina de Customização; em torno de dezoito crianças na oficina de ballet e, aproximadamente, oito integrantes na oficina de street-dance. O pátio da Escola, constituído por áreas livres e cobertas, geralmente apresentava um movimento tranquilo durante os sábados à tarde, com exceção dos dois campos de futebol, os espaços mais concorridos da Escola durante os finais de semana.

2. As oficinas de música da Escola Aberta Chapéu do Sol: entre

concepções e ações pedagógicas e musicais

Produção Musical foi o nome dado a uma das primeiras oficinas de música oferecida na Escola, a qual foi idealizada e ministrada por um músico profissional da cidade de Porto Alegre. O oficineiro de Produção Musical não era morador do loteamento Chapéu do Sol, sendo sua ligação com a Escola ter acontecido através de seus pais, professores da EMEF Chapéu do Sol.

Em 2005, a Escola Aberta Chapéu do Sol foi vencedora do Festival de Música do COEP/RS4 através de MC5, na época, aluno da EMEF Chapéu do Sol. Segundo a Coordenadora Escolar, o fato de MC ter vencido o festival contribuiu para que o oficineiro propusesse a oficina de criação de letra e música, pois percebeu que neste espaço havia jovens envolvidos com música e principalmente com a criação de letras de rap6. Outro aspecto importante para a realização desta oficina deu-se pela premiação devida ao 1º lugar conquistado, tendo recebido a Escola equipamentos de sonorização, como amplificadores, microfones e caixas de som, os quais facilitavam a criação e a execução das composições musicais.

Na entrevista que realizei com o oficineiro de música, após o seu desligamento do Programa em julho de 2007, pude conhecer mais detalhadamente as realizações e dificuldades enfrentadas na oficina que havia ministrado na Escola Aberta. Em sua opinião, a experiência como oficineiro na Escola Aberta havia sido “superpositiva”, pois até então “nunca havia trabalhado com educação musical”, sendo sua prática musical voltada para a carreira de músico popular.

Em relação aos impasses e às dificuldades encontrados para atuar na oficina de música na Escola Aberta, o oficineiro revelou a relação “muito forte” que os jovens tinham com o hip-hop7:

Oficineiro de música: Eu não queria ficar batendo nessa mesma tecla [referindo-se ao hip-hop], né? Eu queria trazer uma informação nova pra eles. Com esses estilos que eu conhecia, que é samba, bossa... Só que não sabia como fazer eles assimilarem essa informação, que é chata pra eles, né? (...) Porque é uma informação difícil, né? Não só pra eles, por causa da condição socioeconômica... Não se escuta em nenhuma rádio, não tá nas “top 40” das emissoras, então não tem como assimilar. (...) Então a ideia que eu tive foi misturar com a in

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formação habitual deles e tentar unir uma coisa a outra... Que nem quando tu vai dar remédio pra criança! Tu vai dar xarope tu tem que botar um aroma de cereja pra eles gostarem, se não, tu não consegue!

(20/08/2007).

O depoimento acima revela uma concepção de criação ou composição musical restrita apenas à possibilidade de expressão individual a partir de uma base musical harmônica, na qual misturava elementos musicais do rap e da milonga8. Em sua visão estava implícita uma troca “escamoteada” entre os saberes por ele considerados como musicais, com as possibilidades expressivas dos jovens através do rap, mais ou menos como se faz “quando tu vai dar remédio pra criança! Tu vai dar xarope, tu tem que botar um aroma de cereja pra eles gostarem, se não, tu não consegue!”

Esta concepção revela que para o oficineiro de música, o rap não é um estilo a ser ensinado aos jovens nas oficinas, pois, como ele afirmou, isto seria “bater na mesma tecla”. Na mesma direção, a Gestora da UNESCO, responsável pelo direcionamento e avaliação das ações pedagógicas do Programa Escola Aberta, expôs sua visão acerca das músicas que deveriam ser ensinadas nas oficinas de música da Escola Aberta:

Gestora UNESCO: Eu acho que a gente tem que continuar valorizando

o que eles trazem [as músicas]sem tentar a avaliação moral da coisa e tentar valorizar isso enquanto uma coisa já existente. Agora, eu acho que tem que dar o passo seguinte, né? Tem que apresentar um outro universo que é existente e que acaba com essas populações não tendo acesso. Que é uma chuva de uma baixa cultura! (...) se tem uma coisa no Brasil que é cheia de conteúdo positivo, é a capoeira. Porque ela traz a cultura negra, traz um instrumento musical, que não é uma coisa muito sofisticada. Saber bater um pandeiro; o berimbau, que é uma coisa mais difícil, mas que o pessoal consegue aprender, né? Não é um violão da vida, não é um piano... (20/08/2007).

Tanto o discurso do oficineiro quanto o da gestora revelaram a falta de compreensão acerca dos significados das práticas musicais, bem como a falta de compreensão sobre a importância dos significados das escolhas de determinados estilos e repertórios musicais pelos jovens, em determinados contextos. Piatti (1994, p. 23) analisa que conceber a música como ponto focal independente das pessoas e contextos, pode ser definida como uma “perspectiva conteudista ou disciplinar do conceito de pedago-gia musical”, isto é, na qual a pedagogia é entendida apenas como o ato de ensinar música, desconsiderando-se, portanto as relações entre os sujeitos envolvidos na ação pedagógica.

Ainda em relação às falas do oficineiro de música e da gestora, estão presentes os juízos de valor quanto à “qualidade” do estilo musical rap, sem considerar os motivos pelos quais os jovens da Escola Aberta Chapéu do Sol escolhiam o mesmo como forma de expressão. Além disso, o discurso da gestora traz a concepção de que a participação dos jovens nas atividades de música precisavam estar em conformidade com suas possibilidades sociais e econômicas, as quais, em sua visão, estavam atreladas a um fazer musical “facilitado” através do acesso a instrumentos musicais não “muito sofisticados”, como o “pandeiro e o berimbau”.

Piatti (1994, p. 25) analisa que a perspectiva educativa está imbricada com “a adequação das pessoas a modelos culturais dados e com as respectivas práticas sociais”. Esta visão também está implícita tanto no discurso da gestora como no do oficineiro quando analisam o rap como um estilo “musicalmente pobre”, visto apenas como uma repetição de um modelo midiático, pressupondo desta forma, as preferências musicais dos jovens atribuídas à passividade de recepção destes frente à mídia, desconsiderando desta forma o significado que este estilo musical possa ter na vida e na construção de identidade dos mesmos, bem como nos processos de socialização juvenil na Escola Aberta.

Além do juízo de valor em relação à “qualidade” das músicas dos jovens da Escola Aberta, classificando-as como uma “chuva de baixa cultura”, o discurso da gestora traz ainda uma visão reducionista e equivocada acerca dos significados e complexidades das práticas de outros grupos, como a música das rodas de capoeira. Em ambos depoimentos analisados, torna-se visível o conceito de pedagogia musical “conteudista” (PIATTI, 1994), o qual focaliza apenas as músicas que os jovens consomem, deixando de lado as relações que mantêm com estas músicas, o que aprendem, os significados das mesmas perante o grupo do qual fazem parte, desconsiderando portanto, a importância de entender por que, para que e, como os jovens escolhem, praticam e consomem estas músicas.

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3. Os jovens e as oficinas de música da Escola Aberta: entre

sentidos e possibilidades

MC, MV Bill e B. Boy formavam o grupo de hip-hop “MDR: Manos do Rap”, ganharam o Festival de Música do COEP/RS 2005 e pretendiam ministrar uma oficina de hip-hop na Escola Aberta Chapéu do Sol. MV Bill, um dos integrantes do grupo, havia se afastado da Escola por motivos profissionais (precisava ajudar a mãe a vender produtos de limpeza). Belo, ex-participante da oficina de Produção Musical, vencedor da edição 2006 do Festival do COEP/RS, passou a integrar o grupo de hip-hop, no qual atuava como Mestre de Cerimônia (MC)9.

Segundo B. Boy, sua participação no grupo se deu por insistência de MC: “O MC vivia lá na minha casa, me chamava, a gente ensaiava umas coisas ali na grama e a gente foi aprendendo assim, né?” Belo, por sua vez, havia entrado para o Grupo após assistir ao Festival do COEP/RS 2005, no qual MC havia sido o vencedor: “Ah, não! Se ele [o MC] pode [cantar], eu também posso! O cara canta muito!!!!!” Já MC, ocupava o papel central do Grupo de hip-hop, e tinha planos profissionais para o grupo: “a gente tem esse propósito de fazer as canções pra divertir a galera. (...) Quando tiver um showzinho, uma apresentação, a gente já tá ali!”

Daniela e Ivete eram irmãs e vieram à Escola Aberta por intermédio da Coordenadora Escolar que as incentivou a participar das atividades de música. As duas cantavam canções em estilo romântico, a maioria inspiradas nas interpretações das cantoras Ivete Sangalo e Daniela Mercury, em arranjos a duas vozes, criados por elas próprias. Ivete tinha intenção de seguir a carreira musical: “cheguei até a ter aulas de canto lírico... Mas, desisti porque não era a minha praia... Gosto mais de música popular”. Daniela, sua irmã, gostava de cantar e tinha vindo à Escola Aberta “pra treinar mais a afinação. Tem vezes que eu começo desafinado, ou no meio eu me perco”.

Por outro lado, MV Bill, DJ e M Brown formaram um grupo de hiphop “paralelo”, porém homônimo ao Grupo “MDR: Manos do Rap”. MV Bill havia se afastado da Escola Aberta e do Grupo de hip-hop coordenado por MC, porque, apresentava um “comportamento estranho”, segundo relato de seus ex-colegas do Grupo. MV Bill estava começando a criar e cantar raps. DJ10 atuava no Grupo como DJ, e M Brown, dançava break11. MC Wanessa já havia participado do grupo “MDR: Manos do Rap” e vinha à Escola para ensaiar suas músicas, pois estava se preparando para representar a Escola Aberta no Festival do COEP/RS, no final de 2007.

Shao Lin morou grande parte de sua infância e juventude em um abrigo de menores no centro da cidade de Poro Alegre e declarou que havia sido atraído para a oficina de música ao ouvir as meninas [Ivete e Daniela] cantando. Foi chegando de mansinho, entrando aos poucos na sala, ficou assistindo por um tempo ao ensaio das meninas, até me contar que também fazia rap e que letras que compunha estavam guardadas em uma “mala cheia”, na sua casa.

Embora a maior parte dos jovens que vinham à Escola no final de semana para fazer música houvessem se motivado nas produções musicais informais advindas do grupo de hip-hop ou mesmo nas cantorias das meninas, a oficina de Produção Musical era considerada pela Coordenadora Escolar, como a única oficina de música oficial da Escola Aberta Chapéu do Sol. De acordo com ela, a saída do oficineiro de Produção Musical da Escola havia causado certo “desânimo” nos jovens que participavam da oficina de música, levando-os a buscar os “grupos de street dance” como alternativa para continuarem participando das atividades.

Em minha análise, o desânimo dos jovens não tinha relação com o término da oficina de Produção Musical, visto que continuavam a frequentar a Escola aos finais de semana e foram procurar a oficina de street dance como uma alternativa para se manterem conectados à música, especialmente ao hip-hop. O possível desânimo demonstrado pelos jovens estava atrelado à desestruturação deste espaço oficial de música, o qual significava para eles e, mesmo para a Coordenadora Escolar, um espaço de preparação e projeção para poderem representar a Escola nos Festivais de Música do COEP/RS.

Na oficina street dance – ministrada por um negro de 17 anos – havia muitos elementos em comum entre as práticas e as preferências musicais dos participantes, como a música rap e a dança de rua (break), dois dos elementos constituintes da “cultura hip-hop”. Neste sentido, participar da oficina de street dance, era também, uma forma de continuarem a fazer música, expressando-se por meio do corpo, da identidade hip-hop e das escolhas musicais.

Ao pesquisar os processos de socialização de jovens de grupos de rap e funk de Belo Horizonte (MG), Dayrell (2005) analisa:

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A música acompanha os jovens em grande parte das situações no decorrer da vida cotidiana: música como fundo, música como linguagem comunicativa que dialoga com outros tipos de linguagem, música como estilo expressivo e artístico; são múltiplos as dimensões e os significados que convivem no âmbito da vida interior e das relações sociais dos jovens, sendo mais vivida do que apenas escutada (DAYRELL, 2005, p 36).

Dayrell (2005) analisa que entre os jovens, a música é “mais vivida do que escutada” e que este fato pode ser compreendido a partir da perspectiva dos significados que as escolhas musicais podem ter em suas vidas, assim como também, pode ser compreendida em relação à “linguagem polissêmica: som + imagem + movimento” (SOUZA, 2000, p. 48), a qual também se faz presente nos processos de recepção musical da juventude. Tal hibridização entre a música, a dança e a imagem, esta última expressada pelos aspectos identitários juvenis como as roupas que usavam, os acessórios, os cortes de cabelo, as gírias, era um aspecto visível tanto nas oficinas de street dance quanto nos ensaios do Grupo de hip-hop, comandados pelos jovens da Escola Aberta Chapéu do Sol.

3.1 Protagonistas ma non troppo: os jovens à frente das oficinas de

música

A dinâmica das atividades musicais e de participação dos jovens nestas atividades e na própria Escola eram aspectos inerentes à natureza do Programa, já que não havia uma imposição de regras quanto à assiduidade dos mesmos nas oficinas e nas atividades da Escola Aberta Chapéu do Sol. As natureza das oficinas eram dinâmicas, ora se transformando em grupos de hip-hop, quando MC retornava à Escola, ora se transformando em oficinas de música popular, quando Daniela e Ivete vieram à Escola para cantar, o que preocupava a Coordenadora Escolar no sentido dos jovens virem a ficar “soltos” e com isso se sentirem “meio perdidos” sem a presença de um oficineiro de música.

Tal preocupação vinha de encontro com a proposta do Programa e com o discurso da própria Coordenadora. Ao mesmo tempo em que os jovens eram tomados como “protagonistas” nos discursos e na própria visão de educação “não-escolarizada”, proposta pelo Programa Escola Aber-ta, existia um controle e uma observação da Coordenadora Escolar em relação a estes e as suas atividades. A preocupação em deixá-los “soltos” estava relacionada com a falta de controle sobre o uso do tempo de lazer dos e pelos jovens, e ainda, com a “qualidade” dos conteúdos das letras que os jovens poderiam cantar no Grupo de hip-hop quando estivessem “sozinhos”, sem o “olhar de um oficineiro.”

3.2 “A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte”: Entre demandas e desejos juvenis

A Proposta Pedagógica Escola Aberta (TINOCO, 2007, p. 4) prevê que as oficinas do Programa devem ser operacionalizadas a partir dos “interesses e necessidades dos moradores” e dos participantes do Programa bem como através de atividades que “contribuam para o reconhecimento e valorização da diversidade cultural nacional” no sentido de estimular o “desenvolvimento da cidadania e do protagonismo juvenil” e auxiliar no “enfrentamento da discriminação e do preconceito”.

Frente aos objetivos expostos, fez-se necessário entender como estes eram operacionalizados na realidade das oficinas de música da Escola Aberta Chapéu do Sol. Seriam os interesses e necessidades dos jovens participantes contemplados nas oficinas de música da Escola Aberta Chapéu do Sol? Quais as metas da oficina de música para a formação e para o futuro desses jovens?

Para MC, vir aos finais de semana para ensaiar, só tinha sentido quando havia alguma possibilidade de apresentação do Grupo de hip-hop Manos do Rap” na Escola Aberta ou mesmo na EMEF Chapéu do Sol, pois, segundo ele, o seu “sonho” era “mostrar a cultura hip hop para o povo.” MC vinha à Escola devido ao apoio que a Escola poderia oferecer em termos de materialidade, espaço físico e visibilidade: “na garagem de casa, fica mais difícil alguém nos ver, conseguir aparelhagem pra ensaiar, alguém que nos ensine a treinar a voz, fazer coreografia...”

Embora MC não se considerasse um “líder” do Grupo, ou mesmo um oficineiro de hip hop, ele era o responsável pela escrita das letras, escolha das bases musicais, distribuição dos papéis dos outros participantes nas coreografias, backing vocals,12 e ainda, auxiliava nas dificuldades

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técnico-musicais, como por exemplo, ensinando a forma correta de emitir a voz falada e cantada, de direcionar o microfone e de executar o beat boxing13. O seu objetivo com o Grupo de hip-hop era primordialmente poder vir a se tornar um MC.

Com exceção de Belo, que vinha à Escola “para se divertir”, para MC e B. Boy ir à Escola Aberta para ensaiar o Grupo de hip-hop só fazia sentido se isso estivesse atrelado às apresentações, à possibilidade de serem vistos por outras pessoas e poder fazer do hip-hop uma profissão.

MC, Belo e B. Boy não demonstraram interesse em atuar como oficineiros de hip-hop. Não pretendiam ensinar, mas compor raps, dançar ou cantar. O Grupo de hip-hop representava para eles, uma possibilidade de viver a vida por meio da música.

O objetivo de formação – a ideia dos jovens se tornarem oficineiros ou multiplicadores da oficina de música, ou mesmo a valorização de suas práticas musicais auto-organizadas – fazia parte do discurso acerca da importância do protagonismo juvenil em um Programa dirigido aos jovens pertencentes a classes economicamente desfavorecidas e em situação de vulnerabilidade social. Apesar disso, alguns dos participantes aceitaram

o desafio de se imaginarem como oficineiros de música, revelando suas concepções pedagógicas e musicais acerca do que achavam que deveria ser proposto nas oficinas:

[...] se eu montasse uma oficina, eu até já tenho algumas ideias... Eu não queria só ensinar o rap! Eu queria ajudar as pessoas na parte da letra, que quase todos tem um probleminha na escrita, né? Do Português, da rima, tudo junto, porque isso tudo tá envolvido. Então, se eu fosse fazer alguma oficina de Hip-hop, eu queria ter um professor junto comigo pra além de me apoiar, apoiar os alunos também, que vão tá lá, né? Que a gente vai trabalhar bastante com letra, né? E aí, eles podem escrever certo, as letra, né? [...] (MC, 19/07/2007)

[...] Se eu fosse ensinar na oficina de hip-hop, funk pra quem quisesse aprender, né? A música pra começar assim, pra ensinar pra pessoa, a pessoa tem que relaxar. [...] Na oficina tu bota uma música e aí tu bota as pessoas a ficar em fila, assim reto. Eu já vi isso daí. Aí tu faz a respiração e aí tu suga o ar pra dentro e solta o ar pela boca. Umas três vezes. E depois, eu ia ensinar a fazer batida com a boca [beat box].

(Shao-lin, 07/07/2007)

Eu vim pra cá [Escola Aberta Chapéu do Sol] pra ajudar as pessoas, ajudar todo mundo. Quem quer dançar, entra na roda quem quiser, e tá na mão! [Eu gosto de ensinar] break no chão. Eu não sei muito, mas eu posso trazer uns caras que sabem, né? Eu conheço muito que sabem. Aí eu falo com eles! Ensinar o movimento no chão... Ensinar a base, né? Aquelas primeiras coisas simples, entendeu? Primeiro, as coisinhas mais fáceis, coisa mais simples... Assim que comecei! Ah! Demora um tempão! (MV Bill, 29/09/2007)

Belo: É que não tem que chegar, e só cantar!. Tem que aquecer a voz... Não é só colocar a música e sair a cantando, é aquecer a voz, colocar, aí depois que tiver bem a gente canta (Belo, 09/02/2007)

Embora os discursos destacados tenham vindo de quatro jovens diferentes, percebe-se um uma característica comum a todos: a importância que os jovens da Escola Aberta atribuíam aos aspectos técnico-musicais para se fazer música. Os discursos acima revelaram também uma concepção escolarizada ao estabelecer uma metodologia de ensino como condição sine qua non para ensinar e aprender música, como, por exemplo, “ensinar a base; aquelas primeiras coisas simples; as coisinhas mais fáceis”. Não obstante, percebe-se a necessidade da presença de um “professor” ou de “uns caras que sabem” nos discursos de MC e de MV Bill para ensinar os “conteúdos importantes”. Embora Shao-lin e Belo não mencionem o professor, incorporam a concepção disciplinadora deste e/ou do oficineiro de música em seus discursos, estabelecendo regras e técnicas tradicionais de ensino como condição para aprender a cantar.

Os jovens entrevistados tinham diferentes experiências de vida, advinham de diferentes contextos familiares e educacionais. MC e Belo haviam estudado na EMEF Chapéu do Sol até a 8ª série do Ensino Fundamental, moravam com suas famílias, e eram considerados pela Coordenadora Escolar como os “talentos da comunidade”, pois haviam vencido o Festival do COEP/RS, em 2005 e em 2006, respectivamente.

MV Bill e Shao-lin não haviam completado o Ensino Fundamental, pouco sabiam ler, e viviam em situação diferenciada dos outros dois jovens. Shao-lin era ex-morador de abrigos juvenis, e MV Bill, já havia sido detento da FASE14, tendo sido expulso da Escola Aberta por mau comportamento e por ser acusado de furto. Estas situações adversas na qual viviam, não impediam que esses jovens perpetuassem o discurso escolarizado, do “conteúdo da educação” (Forquin, 1993), pois todos eles conheciam as regras da escola, da qual fizeram ou gostariam de fazer parte.

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Conclusão

Este estudo investigou os sentidos da pedagogia musical nas atividades de música da Escola Aberta Chapéu do Sol, em Porto Alegre. Nos cruzamentos entre os dados coletados no campo empírico, realizados por observações, entrevistas com participantes e análise dos documentos oficiais do Programa Escola Aberta, procurei compreender os sentidos que as atividades de música tinham, em um programa dedicado a jovens considerados em situação de vulnerabilidade social. Compreender e interpretar as concepções pedagógico-musicais subjacentes aos discursos dos participantes, as práticas realizadas durante as atividades de música; interpretar os sentidos dos marcos conceituais trazidos na proposta pedagógica do Programa Escola Aberta, foram alguns dos desafios trazidos por esta pesquisa.

Além das armadilhas inerentes ao campo das políticas públicas, observar o campo empírico, procurando não focalizar o objeto de estudo a partir de um olhar escolarizado sobre o espaço e interações que nele aconteciam, foi também um desafio para mim. Sendo eu uma pessoa que se construiu a partir da educação escolarizada e atuou como professora de música na escola regular há mais de vinte anos, observar o espaço da Escola Aberta, procurando compreendê-lo como um outro espaço, ou um espaço transformado a partir de seus diferentes usos e sentidos, tornou-se outro grande desafio.

Para o desenvolvimento do presente estudo, parti do pressuposto do conceito de pedagogia musical alicerçado nas discussões sociológicas dos autores Roberto Albarea, (1994), Mario Piatti (1994) e Rudolph D. Kraemer (2000), os quais definem o conceito a partir da visão de que a pedagogia da música está entrelaçada com outras áreas do conhecimento.

O conceito de pedagogia musical utilizado neste estudo estabelece que a mesma “ocupa-se com as relações entre a(s) pessoa(s) e a(s) música(s) sob os aspectos de apropriação e de transmissão” (KRAEMER, 2000, p. 51). Estabelecido esse pressuposto, proponho trazer para o centro do debate uma visão epistemológica sobre a música em relação às pessoas que dela se ocupam e das relações que se estabelecem entre os sujeitos e o objeto artístico. Trata-se de um exercício de pensarmos o processo de ensino e aprendizagem da linguagem musical levando em consideração as pesso-as inseridas em seus contextos: Música para quem? Para quê? Onde? Por quê? Como?

Além do conceito de pedagogia da música foram trazidos os conceitos de escola, educação e cultura (FORQUIN, 1993; CERTEAU, 1995; SACRISTÁN, 1999), para que a os dados coletados fossem analisados em relação ao contexto do campo empírico, a Escola Aberta Chapéu do Sol.

O tema proposto nesta pesquisa exigiu uma apropriação de tais conceitos para que eu pudesse interpretar as entrelinhas do não dito explicitamente, tanto em relação aos discursos, quanto em relação aos pressupostos nos quais estão ancorados os documentos balizadores do Programa. Embora a minha intenção não tenha sido avaliar o Programa Escola Aberta, as concepções e pressupostos que o embasam foram necessárias ser compreendidas e analisadas, para que pudesse entender os sentidos da pedagogia musical proposta e desenvolvida nas atividades de música da Escola Aberta Chapéu do Sol.

Ao tomar o conceito de pedagogia da música, parti do pressuposto de que a pedagogia musical acontece em todos lugares, independente da aula de música, de um oficineiro ou de um professor de música.

Pode-se dizer, portanto, que a concepção sobre as atividades de música a serem desenvolvidas na Escola Aberta, estava imbricada com a visão conteudista (PIATTI, 1994) sobre a pedagogia musical, na qual a música é vista como objeto separado dos jovens e do contexto no qual ela acontece. Nesse sentido, o grupo de hip-hop, o qual se mostrou como a principal atividade de música desenvolvida na Escola Aberta Chapéu do Sol, não foi considerado uma atividade legítima de educação musical pelos sujeitos que pensam o Programa, pois, para os coordenadores, gestores, interlocutores e oficineiro de música, as atividades de música a serem desenvolvidas na Escola Aberta dependiam de uma orientação profissional musical para qualificar os processos pedagógico-musicais dos jovens.

Tal concepção demonstrou uma falta de valorização dos verdadeiros interesses e sentidos dos jovens em participar dos grupos de hip-hop da Escola o que acarretou na falta de conhecimento dos proponentes do Programa acerca da importância das questões identitárias, polissêmicas e socializadoras dos jovens em relação ao grupo de amigos (peer-groups) e como forma de expressão e reflexão acerca de seus mundos.

H. L. SILVA (p. 151-169)

Embora não tenha sido objetivo deste estudo comparar práticas e concepções pedagógico-musicais que aconteciam na Escola Aberta em relação à escola regular, pode-se dizer que a este espaço traz da escola regular um modelo de educação escolarizada, como a instituição dos espaços a serem ocupados para oficinas de música, o critério de seleção meritocrático que define quem pode ou não participar das atividades de música, e a visão de pedagogia musical conteudista (PIATTI, 1994), a qual se ocupa apenas do objeto musical, e desconsidera práticas e escolhas musicais dos jovens como processos de “apropriação e transmissão musical” (KRAEMER, 2000).

Um desafio que fica para a área de educação musical, é o campo da escola aberta como um novo espaço de atuação para os educadores musicais, para o qual torna-se imperativa a formação de oficineiros de música, coordenadores, interlocutores e gestores do Programa para atuarem e planejarem este espaço a partir da visão ampliada trazida pelo conceito de pedagogia musical. Acredito, que somente a partir de uma visão alargada acerca da diversidade dos jovens e da complexidade inerente aos processos de ensino e de aprendizagem musicais contemporâneos poderemos, de fato, propor estratégias significativas para o ensino de música na Escola Aberta, e por que não dizer, para um ensino de música coerente com o nosso tempo.

Notas

1 Escola Municipal de Ensino Fundamental.

2 Expressão plástica do hip hop. Consiste na arte de pintar e desenhar com (spray ou tinta) em espaços como muros, painéis, túneis. Os grafiteiros fazem desenhos ou escrevem com letras quebradas ou contorcidas, que muitas vezes só eles entendem. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 122).

3 Programa televisivo infantil americano, no qual quatro personagens coloridos – Tinky Winky, Dipsy, Lala e Po – habitam um planeta também colorido, no qual o sol tem o rosto de um bebê de verdade, suas casas são coloridas, e o ambiente em que vivem é cercado de montanhas verdes e flores coloridas. Embora os personagens mencionados não se comuniquem por palavras, mas por sons, como risos, suspiros e outros sons onomatopaicos,

o leitmotiv do programa é marcado pela expressão: “De novo!!” Os personagens recorrem sempre a esta expressão quando desejam que alguma brincadeira ou reportagem, as quais são apresentadas através de uma tela de televisão que cada um tem na barriga, seja repetida.

4 Comitê de Organizações, Entidades e Pessoas (COEP) teve início em 1993, através do movimento nacional para o combate à fome articulado pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Foi criado como um espaço de mobilização das organizações para assumirem seu compromisso com as questões sociais do país (http://www.coepbrasil.org.br/coeprs/publico/home.aspx).

5 MC (15 anos), B. BOY (17 anos), MV Bill (22 anos), Belo (14 anos), Pitty (15 anos), MC Wanessa (15 anos), Daniela (14 anos), Ivete (16 anos), Shao Lin (21 anos de nascimento, 18 anos na carteira de identidade), Tchê (12 anos), DJ (17 anos), M Brown (18 anos) e Sandy (10 anos). Estes foram os 13 jovens com os quais convivi durante os anos de 2006 e 2007, na Escola Aberta Chapéu do Sol. Os nomes dos jovens entrevistados são pseudônimos atribuídos por eles, em sua maioria, e foram usados como critérios éticos de pesquisa.

6 Abreviação de rhythm and poetry (ritmo e poesia) Estilo musical do hip hop que agrupa o DJ e o MC. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 126).

7 Movimento juvenil que surgiu no bairro do Bronx em Nova York no final da década de 1960 ganahando popularidade nas décadas de 1980 e 1990. A expressão engloba algumas manifestações da cultura negra, como dança, grafite, técnica de discotecagem e rap (break, grafite e DJ). Atualmente, é considerado um fenômeno presente em diferentes metrópoles. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 123).

8 Estilo de música tradicional em várias partes da América Latina e na Espanha, amplamente difundido e utilizado no Rio Grande do Sul.

9 Abreviação de mestre de cerimônia. Hip hopper que compõe letras e anima festas – MCing. Termo também usado no funk. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 124).

10 Disc-Jockey. Músico que manipula discos de vinil e/ou discos compactos, fazendo intervenções musicais por processos eletrônicos como: colagens, eco, aceleração e desaceleração no andamento. Também é quem apresenta e executa músicas em clubes, festas e emissoras de rádio. Além disso, atua como instrumentista, fazendo performances no toca-discos em diferentes estilos musicais. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hiphop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 121).

11 Dança característica do hip hop, também conhecida como “dança de rua”. Praticada em rodas, é caracterizada por movimentos acrobáticos e/ou pantomímicos. Seu nome deriva das quebras rítmicas (breaks) entre e dentro das músicas. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005.

p. 120).

12 Cantor (a) responsável por cantar o refrão e/ou as partes mais agudas do (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 119).

13 Imitação com a boca dos sons da bateria e/ou da performance do DJ. (In: SOUZA, Jusamara; FIALHO, Vânia; ARALDI, Juciane. Hip-hop: da rua para a escola. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. p. 120).

14 Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (extinta FEBEM) (www.fase.gov.br).

Referências

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SILVA, Helena Lopes da. Sentidos de uma pedagogia musical na Escola Aberta: Um estudo de caso na Escola Aberta Chapéu do Sol, Porto Alegre, RS. Tese (Doutorado em Música. Área de Concentração: Educação Musical) PPG Música- Mestrado e Doutorado, UFRGS, 2009.

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Helena Lopes da Silva - Mestre e Doutora em Música – Educação Musical – pelo PPG Música – Mestrado e Doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora dos cursos de Licenciatura em Música (diurno e noturno) da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (ESMU/UEMG). Presidente da Comissão de Mestrado Stricto Sensu da ESMU/UEMG. Desenvolve o projeto de pesquisa Materiais Didáticos para a prática pedagógica musical: Banco de Dados Digital.