CÂMARA, M. Benjamin Halay: Michel Petrucciani.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.1, 2012, p. 246-248.

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Resenhas

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 273p., n.1, 2012

Benjamin Halay: Michel Petrucciani

Marcos Câmara (Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP)

mcamara@usp.br

Ficha Técnica:

HALAY, Benjamin. Michel Petrucciani.

Paris, Éditions Didier Carpentier, 2011.

Preço: € 19,90.

ISBN: 978-2-84167-713-9

Petrucciani foi convidado, em 1997, a tocar Rapsody in Blue, de Gershwin, acompanhado pela orquestra do La Scala de Milão, sob a regência de Ricardo Muti, em Bolonha, para o Papa João Paulo II; diante de uma plateia de 400 mil pessoas, num evento transmitido pela Mondiovision, para 8 milhões de telespectadores, ao lado de artistas como Lucio Dalla, Andrea Bocelli e Bob Dylan, entre outros. Halay reproduz na página 131 o diálogo entre Petrucciani e Muti:

– Bom dia, maestro,

– Bom dia, maestro,

– Porque fui escolhido para interpretar uma obra que tantos tocam melhor que eu, como as irmãs Labèque, por exemplo?

– Eu escolhi o senhor por dois motivos: primeiro, quando anunciei seu nome à minha orquestra, todos os músicos se colocaram de pé e aplaudiram durante dez minutos, e segundo, porque Mozart já morreu...

Benjamin Halay é autor de uma dissertação de mestrado na Universidade François Rabelais, em Tours, França, defendida em 1997, orientado por Vincent Cotro, entitulada Les compositions en trio de Michel Petrucciani. Étude du rapport écriture/improvisation.1 O livro traz iconografia, discografia, filmografia, videografia, lista de partituras, sitiografia, catálogo de obras, índices de composições e músicos, álbuns, além de listas de prêmios e distinções.

Na introdução, o autor relaciona os comentários da imprensa sobre sua osteogênese imperfeita, causa de sua baixa estatura e de sua fragilidade óssea que o levaria à morte precoce aos 37 anos de idade. O presidente francês Sarkozy, em 2007, lembrou que “De Beethoven, que se tornou surdo aos 30 anos a Toulouse-Lautrec, a deficiência física se transforma em gênio. De Michel Petrucciani a Ray Charles, todos dois grandes músicos de jazz, a deficiência física nos mostra o caminho da liberdade” (17).

“Finalmente, começaram a se interessar cada vez mais por minha música e pelo pianista e menos pelo meu estado físico” (53). Inserindo-se na tradição de um fraseado lírico no sentido do standard, sem afinidades com o free-jazz, embora admirasse o trabalho de um Cecil Taylor (64), Petrucciani não gostava de gravar em estúdio e sua obra é mais o testemunho de momentos do que uma obra discográfica pensada (54-55).

Com sua técnica extraordinária foi, depois de Keith Jarrett, o “pianista dos sonhos” (78) do produtor Charles Lloyd (Lovesong). Já não se esperava um jazzista como ele, com o jazz “saindo por todos os poros”, sem repetir ninguém – um prodígio que soube inventar uma nova figura da música no mundo saturado do jazz pós-parkeano.

Em 1982, viajou para os EUA instalando-se em Big Sur, na Califórnia. Casou-se com Erlinda Montano e obteve seu green card: “– Big Sur é a quietude, Henry Miller, Kerouac, o sol que me é necessário para viver, a tranquilidade. Antes de partir, eu estava tão submerso no trabalho que não tive tempo de parar só ao piano, para mudar minha música, refazer canções, preparar um material novo”, conta numa entrevista para Jazz Hot, em 1983 (88). No 14 Juillet de 1986, sobe ao palco de Montreux integrando um trio legendário com Jim Hall e Wayne Shorter. No período novaiorquino, encontra-se com a cantora brasileira Joyce e seu marido, o percussionista Tutti Moreno, e tocam juntos a canção Estate (94).

Em 1987, no Carnegie Hall, sobe ao palco ao lado de Bobby McFerrin e Stanley Jordan. Na década de oitenta, a cantora brasileira Tânia Maria, casada com o produtor Éric Kressmann, era uma das referências maiores da cena brasileira, apresentando-se em Montreux, Tóquio e Europa, e ganhava o Grammy de melhor vocalista de jazz. Ela foi inspiradora das três Brazilian Suite’s que Petrucciani viria a registrar nos álbuns Michel plays Petrucciani, Music e Playground (114). Depois de duas noites fazendo o show de entrada para Miles Davis na Polônia, Miles vem a Michel para dizer-lhe que “– Amanhã eu é que farei a primeira parte” (116). Em 1995, realiza um sonho ao gravar com Stéphanie Grappelli (127).

Nas páginas 128-131, Halay faz uma interessante reflexão sobre a história dos encartes de discos, considerados como “objetos sociais, determinando as questões artísticas e econômicas de um período histórico”; citando alguns nomes emblemáticos de criadores de encartes como James Flora, David Stone, William Claxton e Andy Warhol, até o surgimento do Compact Disc, com seus livretos “cartão-postal”.

Revelando ao público de jazz que ele era um pianista clássico e ao público clássico que era um pianista de jazz, Petrucciani compõe Ah non! (Ah não!) como uma brincadeira-trocadilho com o método de Charles-Louis HANON (1819-1900) com o qual Michel trabalhou por sugestão da produtora Hélène Dreyfus, para quem ele tinha a “mais bela mão esquerda do mundo” (133-134). Dreyfus insiste sobre a qualidade sonora do toque de Petrucciani que “vai ao fundo da nota e oferece um ataque tão direto e tão preciso que permite um som que oscila levemente no tempo”.

Com seu pai Tony – inventou para o fabricante Steinway um sistema de pedais específicos para seu filho, que passava a representar a marca –, na guitarra, e seu irmão Louis no contrabaixo, “nenhum ensaio é necessário, nos conhecemos de cor, e é a música que nos move” (168). Assim Petrucciani descreve seu método:

Toco assim [...] um pouco como um pintor que pega uma tela para fazer um traço. [...] Como se diz em inglês quando ao telefone a gente começa a rabiscar, é o doodling, é o rabisco (gribouillage). [...] E depois, de tempos em tempos, há um acorde, uma frase, uma nota que me diz algo. Então eu ligo meu gravador. A partir daí, se decido que vai sair uma peça, não abandono mais a ideia até que ela saia. Pego o fio, seguro-o para ver aonde ele me leva. Mas é sobretudo a música que me leva a algum lugar, não sou eu que levo a música (178-179).

“É preciso estudar os standards. Você pode comparar os standards aos estudos de Chopin. É preciso trabalhá-los, sabê-los de cor” (180), como o repertório clássico, para a aquisição da técnica e do senso de melodia (191). “Tudo que tenho são dez manuscritos. O resto perdi, dei, às vezes joguei. No entanto, se você transcrever alguma, me dê uma cópia, isso me interessa” (190).

Convencido de que não se deve ter medo de errar, mas sim de tornar-se desinteressante, é comum ouvirmos em suas gravações momentos em que uma nota falsa aparece e ele começa a brincar com ela, criando novos temas e aproveitando o “erro” de maneira produtiva, sem perder o interesse. Compõe Regina para “a maior cantora brasileira”, Elis, que ele ouvia muito com Tânia Maria. “Adoro a música brasileira”, dizia.

Benjamin Halay é musicólogo, pianista, diretor de escola de música, programador e organizador de eventos, criador do festival “Val de Jazz”. Foi o primeiro a realizar um trabalho acadêmico sobre Petrucciani e trabalhou com ele durante seus últimos cinco anos de vida. Este ano de 2012 marca o cinquentenário de nascimento de Michel Petrucciani (Orange, 1962 – New York, 1999).

Nota

1 As composições em trio de Michel Petrucciani. Estudo da relação escrita/improvisação.

Marcos Câmara - É professor do Departamento de Música da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de  Ribeirão Preto e do programa de pós-graduação da ECA/USP. É também professor corresponsável da disciplina FLS 5235 - Antropologia e música: leituras e escutas, junto  com Rose Satiko Gitirana Hikiji (PPGAS-USP) e Pedro Paulo Salles  (Departamento de Música da ECA/USP) do Programa de Pós-Graduação em  Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências  Humanas da USP/SP.

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 273p., n.1, 2012