RIZEK, J. Adés: anthology.

Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.1, 2012, p. 243-245.

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Resenhas

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 273p., n.1, 2012

Adés: anthology

João Rizek (Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP)

joaorizek@hotmail.com

Ficha Técnica:

Adés: anthology

London Sinfonietta, Endellion Quartet, CBSO, Anthony Marwood, etc.

Selo: EMI, 2011

Preço: R$ 55,00

João Rizek

Lançada no ano passado, esta pequena antologia expõe um painel que procura dar conta de sintetizar parte das obras compostas por Thomas Adès nos últimos 20 anos. Reunidas em dois CDs lançados pela EMI, estão composições que formam um arco que vai desde a Chamber Symphony, concebida ainda nos tempos da graduação do compositor, no início dos anos 90, até as recentes Mazurkas. Atuando nas gravações tanto como pianista quanto como regente, essa coleção de obras busca fornecer todos os elementos para uma completa apreensão do espectro de atuações do músico inglês.

Um dos mais célebres compositores em atividade, Adès, 41 anos, faz parte de uma nova geração que não teme colocar em cheque os fundamentos e as influências que operam no interior da chamada música clássica. Os mais variados materiais, referências e imagens são evocados e torcidos. À noção de tradição é anexada a história recente da música popular. Schubert, Stravinsky e Disco music convergem em Thomas Adès.

Convenientemente, a primeira obra a abrir a seleção é Concert Paraphrase on Powder Her Face, constituída de 4 cenas para piano solo. Gravada aqui pela primeira vez, esta paráfrase da ópera composta em 1995, responsável definitiva pelo início do sucesso de Adès, faz soar de maneira impura a genealogia de influências do jovem compositor que aos 24 anos não pestanejou em colocar uma cena de felação em uma ópera. Aqui, o movimento fundamental da obra de Thomas Adès vem à luz, ao passo que a paráfrase torna-se transcrição não só da ópera de câmera que dá título à peça pianística, mas sugere o tipo de relação que o compositor estabelece com a tradição. O compositor oscila sem mediação entre as grandes realizações do repertório pianístico para compor uma trama sofisticada que traz ecos de Liszt, Kurtág, do Jazz, entre outros. Dessa conjugação heterogênea resulta a linguagem de Thomas Adès.

Cativa a este procedimento de releitura e manipulação da tradição são as três Mazurkas para piano solo, outra obra inédita do álbum interpretadas por Adès. Desta vez a referência vem desvelada e o método exposto: “Eu tentei fazer com o ritmo o que Chopin faz todo o tempo com a harmonia e a melodia; ele está sempre deslizando para longe de você”, afirma Adès no encarte do álbum. O que se tem, pois, são três peças muito semelhantes no caráter. A segunda delas, em especial, de estilo mais energético do que as outras duas, é composta em torno de um motivo fundado em ornamentos e floreios contínuos que insistem em reaparecer nas regiões mais agudas do piano, gerando uma cascata efêmera de notas descendentes e delicadas que nos afasta a cada compasso do solo firme.

Como demostram essas pequenas obras, a linguagem em Adès é a da fragmentação, do esparso e da sugestão. Seu aspecto por vezes é rarefeito e variegado, quase pontilhista. Suas formas, entretanto, estão baseadas na tradição clássica mais sólida. São os gêneros do classicismo que enlaçam a fantasia do compositor outrora taxado como rebelde.

Arcadiana, por exemplo, é um quarteto de cordas cujos modelos apontados pelo próprio compositor são Mozart e Schubert. A obra é composta por 7 pequenas peças, cada uma trabalhando com uma seleção de referências, sendo que os movimentos ímpares fazem citações a temas relacionados ao mundo aquático e os pares a alguma nação ou algo correlato. Posto isso, Venezia notturna, o movimento que abre o quarteto, cujo título já explicita a ordem da referência, é música de natureza misterioso e escorregadia, na qual os glissandi em pianíssimo e os pizzicati parecem sugerir o balançar de uma gôndola. O Albion, título do sexto movimento, por outro lado, se refere à Inglaterra e parece dialogar, de forma velada ao menos, com Nimrod de seu patrício Sir Edwgar Elgar, ambas as obras escritas em mi bemol maior. A música agora é nobre e bucólica, melodiosa como raramente a música do século XX autorizou.

Também baseada em formas clássicas estão o quinteto para piano, a sinfonia de câmara e o concerto para violino, todos contidos neste álbum. Ao contrário do que um julgamento apressado pudesse sugerir, o uso das formas não é aqui correligionário aos métodos empreendidos pelos compositores da chamada escola neoclássica. De fato Thomas Adès flerta constantemente com a música do passado, tendo até realizado diversos trabalhos em torno do compositor barroco François Couperin, como orquestrações e paráfrases livres. Além de uma interessante incursão original pelo período em seu opus 11, Sonata da Caccia. Todavia, sua volta ao passado nunca se dá de modo inocente. As formas musicais já praticamente obsoletas e em descalabro ganham em Adès nova significação mediante o novo contexto em que aparecem. Ou, na compreensão esclarecida do musicólogo Richard Taruskin: “Adès tem sorte o bastante de ser original tanto no jeito em que sua música soa quanto no que ela significa” (TARUSKIN, p. 147).

Na plataforma da música de câmara, vale mencionar Living Toys, contemporânea da já mencionada Powder Her Face. Seguimos nos oito movimentos que a compõe, a imaginação de um menino que ao ser indagado sobre o que gostaria de se tornar ao crescer responde: um herói. Anjos, bisões e batalhas militares figuram nessa fantasia na qual os 14 instrumentistas previstos tocam não só seus instrumentos, mas, em todo momento executam sons como palmas, percutem seus instrumentos, entre outras exigências pouco ortodoxas. A textura muda mais rápido do que o ritmo (a arma secreta do compositor) que se constrói das métricas mais inusitadas. Da cacofonia total surge uma inesperada escala de Jazz, tal como na Chamber Symphony, na qual a fragmentação gera um material tão delicado quanto um castelo de cartas.

America: A Prophecy revela-nos um pouco das habilidades do compositor com a escrita vocal, já prestigiada na obra de 1997, intitulada Fayrfax Carol. Este poderoso oratório baseado em textos Maias faz uso de toda grande orquestra, voz soprano solista, a cargo de Susan Bickley, mais um coro, cuja rápida aparição evidencia o gosto que Adès nutre pelo poder do choque como desestabilizador da forma.

Fecha o álbum Concentric Paths, um concerto para violino em três movimentos regido pelo compositor, com Anthony Marwood ao violino. Seja qual for o meio, Thomas Adès da conta de compor a mensagem. O equilíbrio entre solista e conjunto, o uso sofisticado da grande orquestra, que a trilogia de obras Asyla, Tevot e Polaris já haviam demonstrado, mais o desenvolvimento complexo do contraponto e das várias camadas da trama orquestral, criam uma obra de expressividade notória. Curioso é esta obra de 2005 fazer apelo à noção de círculos concêntricos como modelador da forma, tal como Helix, do finlândes Esa-Pekka Salonen, composta no mesmo ano.

Certamente o nome de Thomas Adès já faz parte da história recente do tortuoso caminho que a música moderna continua escrevendo. Confirmando o vaticínio de seus críticos mais exaltados, sua música é capaz de adjetivar o moderno com outra noção que não a de bloqueio. Resta saber e torcer para que sua produção futura continue conjugando de modo sofisticado e apelativo, expressão e construção.

Referências bibliográficas

TARUSKIN, Richard. A Surrealist Composer Comes to the Rescue of Modernism. In: The danger of music and other anti-utopian essays. California: University of California Press, 2009.

João Rizek - É pianista e compositor. Atualmente é aluno do Mestrado em Música no IA-UNESP sob orientação da professor Lia Tomás. Como objetivo de sua pesquisa está a investigação de como obras emblemáticas do repertório da música moderna moldaram a percepção de seus ouvintes. Trata-se portanto de uma teoria da recepção voltada à música.

Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 273p., n.1, 2012