QUADROS JR., J. F. S.; QUILES, O. L. Música na Escola: uma revisão das legislações educacionais brasileiras entre os anos 1854 e 1961.
Revista Música Hodie, Goiânia, V.12 - n.1, 2012, p. 175-190.
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Artigos Científicos
Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 273p., n.1, 2012
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Música na Escola: uma revisão das legislações educacionais brasileiras entre os anos 1854 e 1961
João Fortunato Soares de Quadros Jr. (Universidade Estadual do Maranhão, São Luis, Maranhão)
joaofjr@gmail.com
Oswaldo Lorenzo Quiles (Universidad de Granada, Granada, Espanha)
oswaldo@ugr.es
Resumo: Este artigo tem como objetivo verificar qual o espaço ocupado pela música na educação formal brasileira no período que antecedeu o surgimento das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tendo como base a análise das legislações educacionais oficiais publicadas entre os anos 1854 e 1961. Por meio de pesquisa documental foi possível observar omissões e equívocos nas produções científicas que tratam da educação musical brasileira durante esse período. Destaca-se a obrigatoriedade do ensino do canto orfeônico para todos os níveis da educação escolar, a partir de 1934, e a análise do Decreto nº 51.215/61, que, naquela época, regulamentava a educação musical nas escolas.
Palavras-chave: Música; Educação básica; Legislação; Ensino formal.
Music in the School: a revision in the brazilian educational laws between the years 1854 and 1961
Abstract: This article aims to study the space occupied by Brazilian music on formal education in the period before the emergence of “Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), based on the analysis of official educational laws, published between the years 1854 and 1961. According to the documentary research, it was possible to take notes about omissions and mistakes in scientific works related to Brazilian music education at that time, specially the mandatory teaching of orpheonic singing education for all school levels from 1934 and the analysis of Decree nº 51.215/61, which regulated the musical education in schools at that time.
Keywords: Music; Basic education; Legislation; Formal education.
A relação entre música e escola tem sido tema de diversas pesquisas no Brasil, sobretudo nos campos da educação e da educação musical, havendo aumento de interesse motivado principalmente pela aprovação da Lei nº 11.769, em 2008, a qual tornou a música um conteúdo obrigatório para a educação básica. Com base em pesquisa documental, este trabalho pretende verificar qual o espaço ocupado pela música na educação formal brasileira no período que antecedeu o surgimento das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
1. O ensino de música no Brasil Império¹
O primeiro documento oficial do período Pós-Independência que buscou regulamentar a educação brasileira foi o Decreto nº 1.331, de 1854. Ele objetivava estruturar o ensino primário e secundário no Município da Corte (Rio de Janeiro), tendo como foco todos os estabelecimentos públicos e particulares de ensino existentes. Esse documento não apresentava faixa etária para cada nível educacional, porém definia as matérias² componentes de cada nível.
A partir desse Decreto ficou estabelecida a divisão do ensino primário em duas classes: uma de instrução elementar (primeiro grau) e outra de instrução “superior” (segundo grau). Para entendermos melhor essas terminologias, esclarece-se que o primeiro grau era composto das seguintes matérias (BRASIL, 1854, p. 55):
• Instrução moral e religiosa;
• Leitura e escrita;
• Noções essenciais de gramática;
• Princípios elementares da aritmética;
• Sistema de pesos e medidas do Município da Corte.
Já o ensino de segundo grau poderia compreender também (BRASIL, 1854, p. 55):
• O desenvolvimento da aritmética em suas aplicações práticas;
• A leitura explicada dos Evangelhos e notícias da história sagrada;
• Os princípios das ciências físicas e da história natural aplicáveis aos usos da vida;
• A geometria elementar, agrimensura, desenho linear;
• Noções de música e exercícios de canto;
• Ginástica;
• Um estudo mais desenvolvido do sistema de pesos e medidas, não só do Município da Corte, como das províncias do Império, e das principais nações com quem o Brasil mantinha relações comerciais.
Diz-se “poderia” porque a definição das matérias componentes do segundo grau deveria ser realizada a partir de proposta elaborada pelo Inspetor Geral, necessitando de avaliação do Conselho Diretor e, posteriormente, deliberação do Governo. (BRASIL, 1854, p. 55).
Com relação à instrução pública secundária, o Decreto estabelecia que sua duração deveria ser de 7 anos e que as cadeiras obrigatórias a serem cursadas seriam (BRASIL, 1854, p. 61):
• Latim;
• Grego;
• Inglês;
• Francês;
• Alemão;
• Filosofia racional e moral;
• Retórica e Poética, que compreendia também o ensino da língua e literatura nacional;
• História e Geografia;
• Matemática;
• Ciências Naturais (zoologia, botânica, mineralogia, geologia, física e química);
• Artes de desenho, música e dança.
Como foi possível verificar, o referido Decreto engloba desenho, música e dança como um corpus artístico único no ensino secundário, diferentemente do tratamento dado a eles no ensino primário, o que sugere a existência de um professor polivalente que ensinava os três conteúdos simultaneamente.
Buscando compreender melhor essa lacuna criada, pesquisou-se o Regulamento para os Colégios Públicos de Instrução Secundária do Município da Corte (Decreto nº 2.006, de 1857). Observou-se que o ensino secundário era dividido em 1ª classe (1º ao 5º ano) e 2ª classe (6º e 7º ano). Constatou-se que as cadeiras música, desenho e dança eram lecionadas separadamente, com professores específicos para cada uma delas. (BRASIL, 1857, p. 398). Por outro lado, o documento destaca que as mesmas não eram essenciais para a obtenção de título de conclusão, portanto, intui-se a não obrigatoriedade dessas cadeiras. A seguir, será apresentada uma tabela que ilustra a estrutura educacional a partir do Decreto nº 1.331, de 1854.
Tabela 1: Estrutura educacional estabelecida pelo Decreto nº 1.331, de 1854.
Nível educacional |
Ramificações |
Ciclos |
Duração |
Articulação |
PRIMÁRIO |
Elementar (1º grau) |
sem definição |
||
Superior (2º grau) |
Elementar |
sem definição |
||
SECUNDÁRIO |
Médio |
7 anos |
Primário |
Em 1879 foi publicado o Decreto nº 7.247, conhecido como “Reforma Leôncio de Carvalho”. Assim, foram reformados os ensinos primário e secundário, no Município da Corte, e o ensino superior em todo o Império, além de serem criados os Jardins de Infância (para crianças de 3 a 7 anos) em cada distrito (BRASIL, 1879). De acordo com Ghiraldelli Jr. (2001, p. 19) a frequência aos cursos secundários e superiores era livre, cabendo aos alunos decidirem com quem, quando e o que aprenderiam, sendo submetidos a exames rigorosos ao final do processo. Isso consolidou a organização dos conteúdos por matérias, transformando o ensino brasileiro não em um projeto educacional público, mas em um sistema de exames.
Com relação à área artística, ocorreu nesse Decreto a mudança na nomenclatura dos elementos relacionados ao ensino de música para “rudimentos de música, com exercícios de solfejo e canto” (BRASIL, 1879, p. 198). Outra informação interessante trazida nesse Decreto foi a obrigatoriedade da disciplina “Música Vocal” na formação de professores, sendo esta realizada nas Escolas Normais³ do Estado (BRASIL, 1879, p. 200).
2. O ensino de música na República Velha
Com a proclamação da República em 1890, ocorreu uma nova reforma da educação brasileira, a “Reforma Benjamin Constant” (Decreto nº 981/80), mantendo a mesma estrutura educacional das legislações anteriores, isto é, escola primária (1º e 2º graus) e escola secundária (também chamado de “Ginásio Nacional”). Aqui as referências etárias já aparecem bem definidas: o ensino primário abarcava alunos entre 7 e 15 anos de idade (BRASIL, 1890, p. 3475); o ensino secundário continuou com duração de sete anos, porém sem idade definida (BRASIL, 1890, p. 3481).
Para a melhor compreensão da presença da música na estrutura educacional da época, torna-se necessário o esclarecimento dos níveis de ensino. O 1º grau era composto por 3 (três) cursos (elementar, médio e superior, com duração de dois anos cada) e o 2º grau por 3 classes (duração de um ano cada). Verificou-se, a partir do exposto no documento, que havia uma supervalorização do ensino primário de 1º grau, uma vez que esta titulação se configurava como requisito mínimo para se pleitear uma vaga tanto no ensino secundário como na Escola Normal, sugerindo, assim, a não obrigatoriedade do ensino primário de 2º grau (BRASIL, 1890).
Com relação às disciplinas, observou-se que a música estava presente tanto no ensino primário quanto no secundário. No ensino primário observou-se que ela estava ausente apenas na 3ª classe do 2º grau. O Decreto também definia quais conteúdos seriam trabalhados em cada nível do primário (BRASIL, 1890):
Primária – 1º grau
Curso elementar:
1º ano - Cânticos escolares aprendidos de ouvido.
2º ano - Cânticos. Conhecimento e leitura das notas
Curso médio:
1º ano - Conhecimento das notas, compassos, claves. Primeiros exercícios de solfejo. Cânticos.
2º ano - Revisão. Exercício graduado de solfejo. Cânticos.
Curso superior:
1º ano - Revisão, com desenvolvimento dos elementos de arte musical. Exercícios de solfejo. Ditados. Cânticos a uníssono e em coro.
2º ano - Desenvolvimento do programa precedente. Solfejos graduados. Ditados. Coros.
Primária – 2º grau
1ª classe: Elementos da arte musical. Solfejos graduados. Coros.
2ª classe: Solfejos. Coros. Ditados. (BRASIL, 1890, p. 3194-3205)
Um dado interessante nesse Decreto é a presença da disciplina Acústica na 2ª classe do 2º grau, na qual se estudava os seguintes conteúdos: Som e sua propagação; Eco; Fonógrafo; Diapasão, Cordas vibrantes; Escala musical.
Já, com relação ao ensino secundário, a música estava ausente apenas nos dois últimos anos. Diferentemente do ensino primário, essa legislação não estabelecia os conteúdos que seriam trabalhados em nenhuma das disciplinas, apenas a carga horária (música = 2h/semana) (BRASIL, 1890, p. 3482-3483).
Em continuação, será apresentada uma tabela ilustrando a estrutura educacional a partir do Decreto nº 981, de 1890.
Tabela 2: Estrutura educacional estabelecida pelo Decreto nº 981, de 1890.
Nível educacional |
Ramificações |
Ciclos |
Duração |
Articulação |
JARDIM DE INFÂNCIA |
crianças de 3 a 7 anos |
|||
PRIMÁRIO |
1º grau |
Elementar |
2 anos |
|
Médio |
2 anos |
|||
Superior |
2 anos |
|||
2º grau |
3 anos |
1º grau |
A música continuava fazendo parte do corpo de disciplinas obrigatórias para a formação do docente nas Escolas Normais (BRASIL, 1890, p. 3477), situação semelhante à encontrada no Decreto anterior.
Ainda durante a República Velha, o ensino secundário passou por duas novas reformas. A primeira delas, em 1901, ficou conhecida como a “Reforma Epitácio Pessoa” (Decreto nº 3.914/01). A duração do ensino nesse nível educacional foi reduzida de 7 para 6 anos. Houve a inserção de novas disciplinas, como, por exemplo, “elementos de mecânica” e lógica, bem como, a exclusão de outras, como “sociologia moral” e “biologia”. Verificou-se ainda, a ausência de qualquer menção ao ensino de música, denotando que esta não fazia mais parte do ensino secundário naquele momento (BRASIL, 1901, p. 171-172).
A segunda reforma foi realizada em 1915, a partir do Decreto nº 11.530/15, que recebeu o nome de “Reforma Carlos Maximiliano”. Esse Decreto tratava especificamente do ensino secundário do Colégio Pedro II, sendo esta instituição modelo para as demais. Observou-se que houve a redução da duração desse nível educacional para 5 anos e que, mais uma vez, a música não aparecia listada entre as disciplinas, corroborando o diagnóstico apresentado anteriormente (BRASIL, 1915, p. 1125).
3. O ensino de música na Era Vargas
Em 1931 ocorreu a publicação do Decreto nº 19.890/31 que ficou conhecido como “Reforma Francisco Campos”. Segundo Dallabrida (2009, p. 185), esse Decreto foi responsável por trazer mudanças importantes para a educação brasileira, tais como: “aumento no número de anos do curso secundário e sua divisão em dois ciclos, a seriação do currículo, a frequência obrigatória dos alunos às aulas, a imposição de um detalhado e regular sistema de avaliação discente e a reestruturação do sistema de inspeção federal”.
Como informado na citação anterior, ampliou-se o ensino secundário, passando novamente a ter duração de 7 anos, porém dividido em curso fundamental (com duração de 5 anos) e curso complementar (com duração de 2 anos), sendo este último obrigatório para a matrícula em alguns institutos de ensino superior (BRASIL, 1931, p. 470). Esse Decreto foi relevante, pois marcou o retorno da música ao ensino secundário, estando presente nos três primeiros anos do curso fundamental. Esse ensino tinha como foco o canto orfeônico, uma prática que ocorria no Brasil desde 1912, a partir dos trabalhos de João Gomes Júnior, Fabiano Lozano e João Batista Julião, mas que só tomou proporções nacionais a partir de Heitor Villa-Lobos (MENEZES, 2005, p. 39-40).
Para atender a necessidade criada a partir do Decreto nº 19.890/31, fundou-se a Superintendência de Educação Musical e Artística4 (SEMA) com o objetivo de capacitar o maior número de professores de música no menor tempo possível. Para isso, inicialmente foram desenvolvidos cursos de capacitação tanto para os professores de ensino primário quanto para especialistas. De acordo com Menezes (2005, p. 41), a proposta (que em princípio se baseava na “vivência dos elementos musicais em atividades envolvendo ritmo, som e até mesmo composição”) acabou se resumindo, nesse primeiro momento, no ensaio exaustivo do repertório que seria executado nas gigantescas concentrações orfeônicas.
Ainda assim, o canto orfeônico foi ganhando projeção, sendo definido pelo Decreto nº 24.794, de 1934, “como meio de renovação e de formação moral e intelectual, [...] uma das mais eficazes maneiras de desenvolver os sentimentos patrióticos do povo”. Tal decreto reconhecia não só a utilidade do canto e da música como fatores educativos, como também, a necessidade de difundir, disciplinar e tornar eficiente e uniforme a sua pedagogia. (BRASIL, 1934, p. 1363). O Decreto estendeu o ensino do canto orfeônico a todos os estabelecimentos educacionais dependentes do Ministério da Educação e da Saúde, tornando-o facultativo para os estabelecimentos de ensino superior, comercial e outros. (BRASIL, 1934, p. 1365). Foi ainda obrigatório nas escolas primárias, substituindo as cadeiras musicais estabelecidas em 1890 (BRASIL, 1934, p. 1365). Por fim, também a partir desse Decreto, foi criado o Curso Normal do Canto Orfeônico.
Contrapondo os dados encontrados nos Decretos nº 19.890/31 e nº 24.794/34 com publicações da área de Educação Musical (FONTERRADA, 1994, p. 75; FUKS, 1998, p. 82; PENNA, 2004, p. 13), é importante frisar que o canto orfeônico tornou-se obrigatório para todos os níveis da educação básica somente em 1934, tendo em vista que o Decreto nº 19.890/31 tratava especificamente do ensino secundário e a ampliação da abrangência dessa disciplina para o ensino primário veio a ocorrer apenas com a publicação do Decreto nº 24.794/34.
Contudo, pode-se afirmar que o projeto de Villa-Lobos contava com grande apoio do governo da época. Prova disso foi a criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, em 1942, a partir do Decreto nº 4.993/42. Esta instituição visava:
1. formar candidatos ao magistério do canto orfeônico nos estabelecimentos de ensino primário e de grau secundário;
2. estudar e elaborar as diretrizes técnicas gerais que deviam presidir ao ensino do canto orfeônico em todo o país;
3. realizar pesquisas visando à restauração ou revivescência das obras de música patriótica que hajam sido no passado expressões legítimas de arte brasileira e bem assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de cantos populares do país, no passado e no presente;
4. promover, com a cooperação técnica do Instituto Nacional de Cinema Educativo, a gravação em discos do canto orfeônico do Hino Nacional, do Hino da Independência, do Hino da Proclamação da República, do Hino à Bandeira Nacional e bem assim das músicas patrióticas e populares que deviam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do país (BRASIL, 1942c, p. 186).
Nesse mesmo ano inicia-se o processo de implantação das Leis Orgânicas do Ensino, sob a tutela do então Ministro da Educação e da Saúde Gustavo Capanema (por isso o conjunto dessas Leis Orgânicas é também conhecido como Reforma Capanema). Na educação básica destaca-se inicialmente o Decreto-Lei nº 4.244, de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário), que definiu a organização do ensino secundário em dois novos ciclos. O primeiro seria o curso ginasial, com duração de 4 (quatro) anos; o segundo compreenderia dois cursos paralelos: o clássico e o científico, cada qual com a duração de 3 (três) anos, dando direito ao aluno de pleitear vaga em qualquer curso de ensino superior existente no país (BRASIL, 1942b, p. 20). Essa legislação também definiu os tipos de estabelecimentos de ensino que seriam responsáveis por oferecer tais cursos: o Ginásio e o Colégio. O primeiro estaria a cargo exclusivo de oferecer cursos do primeiro ciclo, enquanto que o segundo ofereceria tanto o curso ginasial quanto os do segundo ciclo (clássico e científico) (BRASIL, 1942b, p. 20).
Com relação às disciplinas componentes do curso ginasial, verificou-se a presença do canto orfeônico em todas as séries, sendo considerado pertencente à área de Artes, conjuntamente às disciplinas “trabalho manual” e desenho (BRASIL, 1942b, p. 22). Por outro lado, para os cursos do segundo ciclo, o desenho foi a única disciplina constituinte do componente Artes, sendo lecionado nos 2º e 3º anos do curso científico (BRASIL, 1942b, p. 23).
4. O ensino de música na República Populista
Pode-se dizer que a Lei Orgânica do Ensino Primário (Decreto-Lei nº 8.529, de 1946) foi, de certa forma, a continuidade das mudanças levadas a cabo pela Reforma Capanema. Essa Lei determinava que o ensino primário fosse oferecido em duas categorias: o fundamental (destinado às crianças entre 7 e 12 anos); e o supletivo (destinado aos adolescentes e adultos). Além disso, dividia o ensino primário fundamental em dois cursos sucessivos: o elementar e o complementar. A diferença existente entre os dois cursos era que o primário elementar estaria articulado com os cursos de artesanato e os de aprendizagem industrial e agrícola, enquanto que o primário complementar seria requisito para os cursos ginasial, industrial, agrícola e de formação de regentes de ensino elementar (BRASIL, 1946a, p. 114). Esse Decreto-Lei manteve o ensino do canto orfeônico como disciplina obrigatória para o ensino primário, com exceção da modalidade supletivo (BRASIL, 1946a, p. 114-115). Para organizar melhor as informações, será utilizada uma tabela que condensa a estrutura educacional brasileira a partir das Leis Orgânicas do Ensino:
Tabela 3: Estrutura educacional brasileira a partir das Leis Orgânicas do Ensino.
Nível educacional |
Ramificações |
Ciclos |
Duração |
Articulação |
|
PRÉ-PRIMÁRIO |
crianças de 3 a 7 anos |
||||
PRIMÁRIO |
Elementar |
4 anos |
|||
Complementar |
1 ano |
||||
MÉDIO (3 modalidades) |
SECUNDÁRIO |
Ginásial |
4 anos |
primário |
|
Científico ou Clássico (paralelo) |
3 anos |
ginásio |
|||
NORMAL |
Regente de Primário |
4 anos |
primário |
||
Professor de Primário |
3 anos |
ginásio |
|||
TÉCNICO |
Agrícola |
1º ciclo |
4 anos |
primário |
|
2º ciclo |
3 anos |
ginásio |
|||
Comercial |
1º ciclo |
4 anos |
primário |
||
2º ciclo |
3 anos |
ginásio |
|||
Industrial |
1º ciclo |
4 anos |
primário |
||
2º ciclo |
3 anos |
ginásio |
Outras duas Leis Orgânicas interessantes para esse estudo são os Decretos-Lei nº 8.530 (Ensino Normal) e nº 9.494 (Ensino de Canto Orfeônico), ambos de 1946. O primeiro tinha como uma de suas finalidades “prover a formação do pessoal docente necessário às escolas primárias”. (BRASIL, 1946c, p. 30). É importante destacar que a música estava presente em todas as séries do Ensino Normal; tanto no curso de regentes de ensino primário (que contava com a disciplina canto orfeônico nas quatro séries do curso), quanto no de formação de professores primários (que contava com a disciplina “música e canto” nas três séries do curso).
A Lei Orgânica do Ensino do Canto Orfeônico tratava do curso de especialização para a formação do docente da disciplina canto orfeônico, com duração de dois anos, oferecido pelos Conservatórios de Canto Orfeônico, distribuídos pelo país (BRASIL, 1946c, p. 30-31). Para cursá-lo, os candidatos deveriam possuir idade mínima de 16 anos, certificado de conclusão de segundo ciclo em conservatório de música ou de curso de preparação nos conservatórios de canto orfeônico, sendo submetidos a provas de aptidão musical para obtenção da classificação pretendida (BRASIL, 1946c, p. 37).
Esse curso de especialização possuía cinco núcleos disciplinares: Didática do Canto Orfeônico, Prática do Canto Orfeônico, Formação Musical, Estética Musical, e Cultura Pedagógica. Cada núcleo contemplava as seguintes disciplinas (BRASIL, 1946c):
I - Didática do Canto Orfeônico.
1. Fisiologia da Voz.
2. Polifonia coral.
3. Prosódia Musical.
4. Organologia e Organografia.
II - Prática do Canto Orfeônico
1. Teoria do Canto Orfeônico.
2. Prática de Regência.
3. Coordenação Orfeônica Escolar.
III - Formação Musical
1. Didática de Ritmo.
2. Didática de Som.
3. Didática da Teoria Musical.
4. Técnica Vocal.
IV - Estética Musical
1. História da Educação Musical.
2. Apreciação Musical.
3. Etnografia Musical e Pesquisas Folclóricas.
V - Cultura Pedagógica
1. Biologia Educacional.
2. Psicologia Educacional.
3. Filosofia da Educação.
4. Terapêutica pela Música.
5. Educação Esportiva. (BRASIL, 1946c, p. 31)
O documento apresenta também a constituição de cada série (BRASIL, 1946c):
Primeira Série
1. Fisiologia da Voz.
2. Prática do Canto Orfeônico.
3. Teoria do Canto Orfeônico.
4. Prática de Regência.
5. Didática do Ritmo.
6. Didática do Som.
7. Didática da Teoria Musical.
8. Técnica Vocal.
9. História da Educação Musical.
10. Apreciação Musical.
11. Etnografia Musical e Pesquisas Folclóricas.
12. Biologia Educacional.
13. Psicologia Educacional.
14. Terapêutica pela Música.
15. Educação Esportiva.
Segunda Série
1. Didática do Canto Orfeônico.
2. Prosódia Musical.
3. Organologia e Organografia.
4. Prática do Canto Orfeônico.
5. Prática de Regência.
6. História da Educação Musical.
7. Apreciação Musical.
8. Etnografia Musical.
9. Biologia Educacional.
10. Psicologia Educacional.
11. Filosofia da Educação.
12. Terapêutica pela Música. (BRASIL, 1946c, p. 32)
Por último, é apresentado também o programa de cada disciplina (BRASIL, 1946c).
1. Didática do Canto Orfeônico, que se destina a fazer a apuração de todos os conhecimentos adquiridos no currículo geral do Conservatório, concentrando-se na metodologia do ensino geral do Canto Orfeônico.
2. Fisiologia da Voz, que ministrará o conhecimento das principais funções relativas à voz e a tudo aquilo que se refere à boa conservação da mesma.
3. Polifonia Coral, que promoverá o exercício da capacidade de melhor percepção dos sons simultâneos nas vozes, procurando desenvolver, por processos simples e diretos, o sentido de criação no terreno polifônico.
4. Prosódia Musical, que orientará os alunos no que se refere ao perfeito domínio da linguagem cantada, habilitando-os a conjugar letra e melodia.
5. Organologia e [Organografia], que ensinará a nomenclatura instrumental, sua origem, natureza e finalidade, do mesmo modo que a denominação dos diversos conjuntos de instrumentos, desde os primitivos e clássicos aos modernos e folclóricos.
6. Prática do Canto Orfeônico, que se destinará a promover a execução pedagógica de toda a teoria do ensino de canto orfeônico e a avivar os pontos capitais da cultura geral de cada indivíduo, segundo os problemas sugeridos incidentalmente nos assuntos de aula, bem como a despertar o senso do tirocínio escolar e a desenvolver a capacidade de criação para a vida cívico-artístico social na escola.
7. Teoria do Canto Orfeônico, que ensinará as regras e sistemas de canto orfeônico.
8. Prática de Regência, que desenvolverá no professor-aluno a consciência do dirigente de conjunto de vozes escolares, não só do ponto de vista técnico e estético como sob o aspecto pedagógico.
9. Didática do Ritmo e Didática do Som, que serão duas cadeiras distintas, mas interdependentes, destinando-se a desenvolver a percepção e o domínio consciente dos principais fatores da música, quais sejam: o ritmo, o som, o intervalo, o acorde, o tempo, o conjunto e o timbre.
10. Didática da Teoria Musical, que se destinará à recapitulação dos conhecimentos da Teoria Musical adquiridos pelos alunos antes de [iniciarem] no curso de especialização, dando-lhes a necessária uniformidade de orientação. Utilizará métodos e processos práticos e especiais do mais concentrado sistema de recursos, para ensinamento dos pontos indispensáveis da tradicional teoria da música, baseando-se sempre nas obras didáticas especializadas de canto orfeônico.
11. Técnica Vocal, que [pegará] o professor para articular e guiar a voz dos alunos, evitando vícios de entoação e quaisquer outros defeitos.
12. História da Educação Musical, que ministrará o conhecimento das transformações por que passou a educação musical, geral e especializada, incluindo explanação da história geral da música e, em particular, da música no Brasil, e orientando pedagogicamente os alunos naquilo que deve ser ensinado nas escolas de cultura geral.
13. Apreciação Musical, que desenvolverá o senso de discernimento dos alunos no que se refere a espécies, gênero, formas e estilos de música, desde a popular a mais elevada.
14. Etnografia Musical e Pesquisas Folclóricas, que ministrará conhecimentos elementares de etnologia e etnografia ligados à música, para melhor compreensão e boa execução das pesquisas folclóricas estrangeiras e nacionais.
15. Biologia, Psicologia e Filosofia Educacionais, que ministrarão o ensino das noções indispensáveis dessas matérias, aplicadas às necessidades do ensino de Canto Orfeônico, proporcionando, no curso de aperfeiçoamento, esses ensinamentos em um grau mais elevado.
16. Terapêutica pela Música, que preparará o professor-aluno no sentido de empregar os meios musicais indicados, segundo resultados colhidos em experiências científicas, para o tratamento de alunos anormais ou displicentes em face da música, assim como corrigir deficiências dos alunos provindos de meios sociais atrasados.
17. Educação Esportiva, que ministrará noções de educação física relacionadas com o ensino do Canto Orfeônico e transmitirá as regras de comportamento social na vida escolar, inerentes ao magistério do Canto Orfeônico.
18. Cópia de Música, que consistirá em cópia em papel liso e com pentagrama; execução de matrizes para mimeógrafo; cópia em papel vegetal.
19. Gravura Musical, que consistirá na preparação de chumbo para gravação; tiragem de provas de chapas; gravação.
20. Impressão Musical, que consistirá na impressão em mimeógrafo; reprodução de cópia heliográfica; impressão em máquina rotativa; reprodução de cópia em rotofoto. (BRASIL, 1946c, p. 34)
Além do curso de especialização, essa Lei tratava das outras duas modalidades de ensino oferecidas: o curso de preparação e o curso de formação de músico-artífice. O primeiro, obrigatório para os candidatos ao curso de especialização que não possuíam certificado de segundo ciclo em conservatórios de música, tinha um número menor de disciplinas, que estavam organizadas nos mesmos cinco núcleos disciplinares, como mostrado a seguir (BRASIL, 1946c):
I - Didática do Canto Orfeônico
1. Fisiologia da Voz.
2. Prosódia Musical.
3. Organologia e Organografia.
II - Prática do Canto Orfeônico
1. Teoria de Canto Orfeônico.
III - Formação Musical
1. Didática do Ritmo.
2. Didática do Som.
3. Didática da Teoria Musical.
4. Técnica Vocal.
IV - Estética Musical
1. Apreciação Musical.
2. Etnografia Musical e Pesquisas Folclóricas.
V - Cultura Pedagógica
1. Educação Esportiva. (BRASIL, 1946c, p. 32)
O curso de preparação admitia alunos a partir de 15 anos de idade, com apresentação de certificado de conclusão do curso ginasial, havendo provas de aptidão musical para efeito de classificação dos candidatos (BRASIL, 1946c, p. 37).
Já, o curso de formação de músico-artífice, tinha caráter facultativo e não possuía disciplinas pedagógicas, valorizando apenas os aspectos práticos da música. Para matrícula, o candidato necessitava possuir idade mínima de 16 anos e o certificado de conclusão de curso primário, além de se submeter à prova de conhecimentos musicais (BRASIL, 1946c, p. 37). Esse curso era dividido em dois períodos, a saber (BRASIL, 1946c):
Primeiro Período
1. Cópia de Música.
2. Gravação Musical.
3. Impressão Musical.
4. Prática do Canto Orfeônico.
5. Prática do Ritmo.
6. Prática do Som.
7. Teoria Musical.
8. Educação Esportiva.
Segundo Período
1. Cópia de Música.
2. Gravação Musical.
3. Impressão Musical.
4. Prática do Ritmo.
5. Prática do Som. (BRASIL, 1946c, p. 33)
Por contemplar tantas informações relacionadas ao campo musical, a Lei Orgânica do Ensino de Canto Orfeônico tornou-se a principal prova da valorização da música no âmbito da educação regular naquele período.
Outra prova irrefutável desse parecer está na estrutura curricular dos diferentes cursos técnicos oferecidos pelo governo brasileiro. Estes cursos eram uma ramificação do ensino secundário, tendo a mesma duração que o ensino tradicional. Entretanto, visavam a preparação profissional de trabalhadores para as seguintes áreas: indústria, atividades artesanais, transportes, comunicação, pesca, agricultura e comércio/administração. Analisando as Leis Orgânicas do Ensino Industrial (Decreto-Lei nº 4.073, de 1942)5, do Ensino Comercial (Decreto-Lei nº 6.141, de 1943)6 e do Ensino Agrícola (Decreto-Lei nº 9.613, de 19467), verificou-se que a prática educativa do canto orfeônico era obrigatória para alunos do curso de formação até completarem 18 anos de idade.
O último documento de grande relevância que antecedeu o período das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) foi o Decreto nº 51.215, de 1961. Ele estabelecia as normas para a educação musical nos Jardins de Infância, nas Escolas Pré-Primárias, Primárias, Secundárias e Normais em todo o país. Esse Decreto foi elaborado considerando:
1. que o ensino da música nos Jardins de Infância e nas Escolas Pré-Primárias, Secundárias e Normais não obedecia a um plano ordenado, nem a normas uniformes em todo o País;
2. que esse tipo de educação constitui uma valiosa contribuição para o desenvolvimento integral da pessoa humana, para a educação do caráter e para o sentido de solidariedade;
3. que, ao mesmo tempo que desenvolve a sensibilidade, a música fortalece, nos educandos, hábitos de convivência social elevada, a disciplina e, especialmente, a concentração mental;
4. que a educação musical devia ocupar lugar de relevo nos currículos das escolas dos três graus. (BRASIL, 1961a, p. 7602).
Com relação aos Jardins de Infância o decreto estabelecia que a educação musical deveria ser praticada sob a forma de recreação, obedecendo ao seguinte plano:
a) por meio de assimilação dos fenômenos básicos da música - Ritmo e Som;
b) por meio de bandinhas rítmicas ou qualquer tipo de conduta sonora;
c) por meio de cantigas de roda (BRASIL, 1961a, p. 7602).
Ainda sob forma de recreação, a educação musical nas escolas Pré-Primárias deveria ser realizada de diferentes maneiras:
a) por meio do treino auditivo do ritmo;
b) por meio do treino auditivo do som;
c) por meio de bandinhas rítmicas ou qualquer tipo de conjunto sonoro;
d) por meio de coro orfeônico;
e) por meio de danças folclóricas nacionais e estrangeiras;
f) por meio de cirandas dramatizadas (BRASIL, 1961a, p. 7602).
Para as escolas primárias, o Decreto cuida das finalidades da educação musical, sendo analisadas a partir de atividades curriculares e extracurriculares:
I - Atividades curriculares:
a) fornecer aos alunos os conhecimentos necessários para que, ao fim do curso, estejam aptos a ler e escrever um mínimo apreciável de matéria musical;
b) fornecer aos alunos os conhecimentos e os materiais necessários para sua participação nas atividades coletivas relativas à matéria tais como: coros orfeônicos e outros conjuntos vocais; bandas de música e outros conjuntos instrumentais; danças folclóricas nacionais e estrangeiras.
c) fornecer, para a compreensão da música como arte, noções da sua história e desenvolvimento através a História da Música, propriamente dita, através de conhecimentos generalizados dos instrumentos musicais pela audição de discos apresentação ao vivo [ou] dos próprios instrumentos;
d) possibilitar a realização de dramatizações infantis musicadas.
II - Atividades extracurriculares:
a) proporcionar aos escolares audições de conjuntos orquestrais, vocais e coreográficos; recitais vocais e instrumentais; concertos de música popular e folclórica. Tais atividades poderão ser através de espetáculos ao vivo ou de gravações e filmes;
b) realização de festivais e prélios interescolares em que tomem parte conjuntos orfeônicos e instrumentais de diferentes escolas, apresentando-se os conjuntos vencedores em audições públicas, radiofônica ou em programação de televisão (BRASIL, 1961a, p. 7603).
Além disso, foi estabelecido que as atividades curriculares ocorreriam semanalmente, com o mínimo de 1 aula/semana. As extracurriculares, por sua vez, não possuíam frequência obrigatória estabelecida, porém deveriam ocorrer ao longo do ano letivo.
Semelhante ao exposto anteriormente, eram apresentadas no documento, finalidades para a educação musical nas escolas Secundárias e Normais, também segmentadas em atividades curriculares e extracurriculares:
I - Atividades curriculares:
a) ampliação dos conhecimentos teóricos tratados nos cursos anteriores;
b) ampliação das atividades coletivas;
c) ampliação dos conhecimentos da História da Música geral e nacional relacionando-a intensamente à História Universal e, sempre que possível, às outras artes, através de ilustrações, projeções comparativas especialmente elaboradas para tal finalidade;
d) fornecer conhecimentos de formas musicais e elementos de apreciação musical.
II - Atividades Extracurriculares:
a) [para] as meninas, [as] indicadas nas alíneas “a” e “b” do item II do artigo 4º deste Decreto8;
b) possibilitar aos estudantes a realização de autos populares ou eruditos dramatizando montagem de histórias e peças teatrais musicadas;
c) fornecer aos estudantes ingressos e prepará-los para concertos de todos os tipos, espetáculos coreográficos e de ópera e, sempre que possível, proporcionar contato direto com as manifestações folclóricas (BRASIL, 1961a, p. 7603).
A frequência semanal das atividades seguia a mesma prescrição que a estabelecida para o ensino Primário. De acordo com o Art. 6º desse Decreto, a música estava presente em todas as séries do ensino Primário, Secundário e Normal: “as noções teóricas e práticas preceituadas neste Decreto devem ser distribuídas de modo nacional e progressivo durante os 5 (cinco) anos do curso Primário e os 4 (quatro) anos dos cursos Secundários e Normal” (BRASIL, 1961a, p. 7604).
Ainda, segundo essa Lei, o fornecimento de material bibliográfico e musical para a realização das atividades relacionadas ao folclore ficaria a cargo da “Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro”, do MEC. Além disso, os concursos de obras musicais destinadas à educação musical escolar, a seleção e edição de material didático relativo às atividades tratadas no Decreto ficariam sob a responsabilidade do Serviço Nacional de Música e Dança (SNMD), órgão ligado ao Conselho Nacional de Cultura. Por último, o governo se comprometia a adquirir instrumentos musicais destinados à formação de bandas de música e outros conjuntos instrumentais nas escolas (BRASIL, 1961a, p. 7604).
Considerações finais
Como foi possível verificar, até a promulgação da primeira LDB em 1961, a música sempre esteve presente de modo explícito na educação escolar brasileira, ora concentrada em algum dos níveis de ensino, ora presente em todas as séries. Após esse período, as informações sobre o ensino de música nas escolas tornaram-se imprecisas. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 22), “depois de cerca de trinta anos de atividades em todo o Brasil, o Canto Orfeônico foi substituído pela Educação Musical, criada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1961, vigorando efetivamente a partir de meados da década de 60”. Consultando a referida Lei (nº 4.024, de 1961), diagnosticou-se a inexistência do termo Educação Musical ou qualquer outra menção ao ensino específico de música na escola regular, sendo citado apenas no artigo 38 da referida Lei: “Art. 38. Na organização do ensino de grau médio serão observadas as seguintes normas: [...] IV – atividades complementares de iniciação artística” (BRASIL, 1961b, p. 57). Analisando tais documentos, pode-se verificar a inconsistência das informações, uma vez que a LDB não deixa explícita ou implícita a ocorrência da substituição do canto orfeônico pela educação musical, como trazido pelo PCN e em várias publicações científicas da área de música (QUEIROZ; MARINHO, 2009, p. 61). Por outro lado, a descoberta do Decreto nº 51.215, decreto com pouca ou nenhuma difusão na literatura da educação musical brasileira, vem sugerir que houve realmente essa substituição, uma vez que a publicação da LDB ocorreu poucos meses após esse Decreto ter entrado em vigor.
Outra questão importante a ser discutida em momento oportuno seria a abrangência legal dos Decretos estudados. Pela redação dos mesmos, não foi possível verificar nenhum tratamento especial entre os níveis distrital e nacional, uma vez que todos eles fazem parte da Coleção das Leis do Brasil. Isso sugere uma abrangência muito mais nacional do que específica. Por outro lado, fica como proposta para novos estudos, verificar a concepção da época sobre o termo ‘nação’, levando-se em consideração que, principalmente no Brasil Império, grande parte dos acontecimentos estava concentrada no Rio de Janeiro. Entretanto, a existência de centros educacionais em diversos outros locais nesse mesmo período, como as Escolas Normais da Bahia, São Paulo e Minas Gerais, nos faz supor uma possível preocupação de regulamentação nacional. A partir de um estudo dessa natureza será possível compreender melhor a história da educação musical no Brasil.
Notas
1 Para conhecimento do leitor, expõem-se os períodos históricos do Brasil adotado para esse trabalho: Brasil Império (1822-1889); República Velha (1889-1930); Era Vargas (1930-1945); República Populista (1945-1964); Ditadura Militar (1964-1985); Nova República (1985-2012). (BRASIL, 2012).
2 As terminologias matéria, cadeira, disciplina, componente curricular e outros obedecerão a nomenclatura trazida no documento original.
3 As Escolas Normais eram estabelecimentos de ensino responsáveis pela formação do professor que iria atuar no ensino primário e secundário. (GHIRALDELLI Jr., 2001).
4 Em 1936 ocorre a mudança da nomenclatura para Serviço de Educação Musical e Artística (PENNA, 2004, p. 13).
5 cf. Brasil (1942a).
6 cf. Brasil (1943).
7 cf. Brasil (1946d).
8 A saber: “a) proporcionar aos escolares audições de conjuntos orquestrais, vocais e coreográficos; recitais vocais e instrumentais; concertos de música popular e folclórica. Tais atividades poderão ser através de espetáculos ao vivo ou de gravações e filmes; b) realização de festivais e prélios interescolares em que tomem parte conjuntos orfeônicos e instrumentais de diferentes escolas, apresentando-se os conjuntos vencedores em audições públicas, radiofônica ou em programação de televisão”. (BRASIL, 1961a, p. 2).
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João Fortunato Soares de Quadros Júnior - É professor Assistente I do curso de Licenciatura em Música da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Doutorando em Educação Musical pela Universidad de Granada (Espanha). Publicou em 2009 o livro “Fatores de influência no processo de ensino-aprendizagem musical: o caso da Escola Pracatum”, pela Editora Unimontes, em parceria com os doutores Oswaldo Lorenzo Quiles (Universidad de Granada - Espanha) e Ana Cristina Tourinho (UFBA). Oswaldo Lorenzo Quiles - Doutor em Ciências da Educação pela Universidad Nacional de Educación a Distancia - UNED (Espanha). Professor do Departamento de Didáctica de la Expresión Musical, Plástica y Corporal da Falcultad de Educación y Humanidades de Melilla (Espanha). Coordena também o Programa de Doutorado Educación Musical: Una Perspectiva Multidisciplinar Doutorado pela Universidad de Granada (Espanha). Publicou diversos artigos em revistas científicas indexadas por Arts & Humanities e Social Science Citation Index. |
Revista Música Hodie, Goiânia - V.12, 273p., n.1, 2012
Recebido em 15/04/2012. Aprovado em 01/5/2012
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