QUINTETO, PARA OBOÉ, CLARINETE, VIOLINO, VIOLA E CONTRABAIXO

Sérgio Azevedo

O Quinteto me foi encomendado pela Camerata Senza Misura com o objetivo de completar um programa no qual seria também tocado o Quinteto opus 39 de Prokofiev. Daí a estranha combinação de oboé, clarinete, violino, viola e contrabaixo, uma combinação única, da qual só tenho conhecimento nesta obra do mestre russo. Curiosamente, Prokofiev, ao contrário de compositores como Stravinsky, Milhaud, Villa Lobos, Martinu ou Hindemith, não é conhecido pela excentricidade das suas escolhas instrumentais, nem por uma particular predilecção pela música de câmara.

O fato de a minha peça ter sido estreada em um concerto que incluía

o quinteto de Prokofiev em 2003, ano em que se comemorou os 50 anos da morte do compositor, influiu com certeza na atmosfera da obra. O Quinteto funciona como uma suite de números contrastantes encadeados, cada um deles de carácter muito diverso (tal como a música de Prokofiev, que foi, ademais, escrita para uma trupe de bailarinos de circo). Reina na obra uma atmosfera entre o melancólico e o burlesco e uma escrita instrumental virtuosística, que tem afinidades quer com o carácter circense do Opus 39 quer com as acrobacias de um Petruska…

Uma das minhas preocupações enquanto compositor é a interacção entre a criação e os intérpretes, entre a vontade de criar algo pessoal e sem referência ao mundo exterior, e a necessidade de me englobar numa comunidade de músicos e ouvintes. Desse compromisso já nasceram várias peças que se devem fundamentalmente à possibilidade de completar o repertório clássico-moderno, como é o caso deste Quinteto, que facilita aos intérpretes a programação do opus 39 de Prokofiev, sem necessidade de recorrerem a arranjos ou a obras de instrumentação diferente – ou menor – para poderem preencher um programa de concerto. Juntando-se ao Quinteto, há três peças pequenas que compus recentemente para a mesma formação, e que podem ser tocadas também como “bis” ou complementação de programa (as Três Miniaturas de 2005). Os intérpretes dispõem agora de suficiente repertório para este conjunto tão sui-generis.

Musicalmente, e além das ambiências já descritas anteriormente, posso dizer que esta obra está escrita num idioma tonal do século XX. Tentei escrever melodias claras, atraentes e isentas de sentimentalismo, sem deixarem de ser verdadeiras melodias no sentido tradicional. A harmonia é agreste e “ácida”, e a obra é por vezes bastante contrapontística, como no 4º andamento, onde um tema arrevesado e brincalhão é imitado por todos os instrumentos, numa espécie de exposição de fuga. Os andamentos alternam-se entre rápidos e lentos, e faço uso de bastantes efeitos típicos dos instrumentos usados. Nas cordas: coll legno, harmônicos, ponticello, surdinas, trêmolos, etc. Nas madeiras ultilizo todas as possibilidades e registos disponíveis, o que torna a execução total desta peça apenas acessível a bons profissionais ou virtuosos. Por curiosidade, o oboísta Pedro Ribeiro, da Camerata Senza Misura, que encomendou esta obra e a estreiou, afirma que a obra de Prokofiev é mais difícil para as cordas, e a minha, mais difícil para as madeiras. De certo modo isto é bom, pois ambas as peças se complementam em termos de dificuldade de execução!

Sérgio Azevedo – Nasceu em Coimbra em 1968. Um dos nomes mais conhecidos da nova geração de compositores portugueses. Estudou composição na Academia de Amadores de Música (Lisboa) com Fernando Lopes-Graça, do qual foi discípulo e amigo até à morte do compositor (1994), e concluiu os estudos superiores de composição na Escola Superior de Música de Lisboa com Christopher Bochmann e Constança Capdeville. Frequentou diversos cursos, no IRCAM e ainda com Emmanuel Nunes, Tristan Murail, Phillipe Manoury, Luca Francesconi, Mary Finsterer, Louis Andriessen e Simon Bainbridge. Também escreve sobre música, tendo publicado em 1999 A Invenção dos Sons. Colabora com The New Grove Dictionary of Music and Musicians e outras prestigiadas publicações musicais. É professor na Escola Superior de Música de Lisboa desde 1993 e tem colaborador da RDP - Antena 2 desde 1993. Está actualmente a realizar o Doutoramento em Música na Universidade de Évora, sob a orientação dos professores Amílcar Vasques Dias e Benoit Gibson. O seu vasto catálogo comporta obras para todos os tipos de formações instrumentais e vocais, que ganharam vários prémios.

QUINTETO, PARA OBOÉ, CLARINETE, VIOLINO, VIOLA E CONTRABAIXO

4º Movimento (Trapèze) Sérgio Azevedo