MTV, SUCESSO MUSICAL E CENA ALTERNATIVA

MTV, musical success and alternative scene

Valério Cruz Brittos (UNISINOS)

val.bri@terra.com.br

Ana Paola de Oliveira (UNISINOS)

paolaoli@terra.com.br

Resumo: O artigo discute, a partir da Economia Política da Comunicação, a midiatização da produção musical no canal de televisão MTV Brasil, enquanto apresenta a cena alternativa e a pirataria. Esses movimentos relacionam-se com a inovação tecnológica, a qual funciona como reforço do espaço hegemônico. São debatidas as relações das companhias de TV com outras organizações culturais. Identificam-se os processos midiáticos conformados por projetos de marketing, sendo prioritariamente publicizados os interesses musicais de cantores e grupos com forte base de sustentação econômica. Palavras-chave: Economia Política da Comunicação; Processos midiáticos; Políticas de comunicação.

Abstract: The paper argues, from the Political Economy of Communication, about the musical production media processes in the MTV Brazil channel, the alternative scene and the piracy. These movements become related with the technological innovation that works as reinforcement of the hegemonic environment. The relations between the TV companies and other cultural organizations are debated. The article identifies the media processes conformed by projects of marketing, being publicized the musical interests of singers and groups with strong base of economic support. Keywords: Political Economy of Communication; Media processes; Communication policies.

Introdução

Alguns fenômenos relativamente recentes têm incidido sobre o mercado musical internacional, no que se refere ao acesso à música gravada e à sua execução. Três pontos foram fundamentais para a definição do quadro contemporâneo: o aparecimento do canal televisivo MTV, em 1981, a criação de gravadores de compact discs (CDs), em 1996, e o lançamento, em 1999, da tecnologia MPEG Audio Layer-3 (MP3), um formato de compressão de arquivos de som que mantém a qualidade elevada, num espaço físico muito reduzido. Há um interregno mercadologicamente mais amplo

apesar de historicamente curto – entre a primeira e as duas últimas inovações; diferença que também se reproduz em sua posição na sociedade: a Music Television (MTV) foi responsável diretamente pela ampliação e o reforço do espaço hegemônico, enquanto o CD gravável domesticamente e

o MP3 renovam as possibilidades da cena alternativa. Mas esta situação é transitória, numa disputa em que o capitalismo, em regra vitorioso, engendra uma regulação pró-capitais.

Sinteticamente, pode-se afirmar que os últimos 50 anos do século XX representam um avanço dos capitais sobre a esfera artístico-musical. Este movimento reproduz resumidamente a própria trajetória do capitalismo sobre a cultura em geral, a partir do século XIX: num primeiro momento, há unicamente uma apropriação da produção já existente, que passa a circular conforme as regras do mercado, com investimento em divulgação e distribuição; num segundo tempo, cada vez mais as técnicas mercadológicas assumem todo o produto cultural, desde o planejamento. No primeiro caso, um potencial musical da sociedade é incorporado pela indústria fonográfica, com mínima alteração no conteúdo; no segundo, a fabricação dos artistas inclui seleção dos integrantes (por produtores e até programas de TV), vestuário, coreografia, repertório e outros elementos articuladores de personalidades passíveis de amplo consumo. As duas possibilidades de ação do campo econômico sobre o cultural dialogam. Não raro formas de manifestação cultural das diversas camadas sociais são assumidas e subsumidas até o limite possível no modo capitalista, no início ou decorrer do processo.

Na cadeia de valorização da música industrializada, a mídia, de forma particular a televisão e o rádio, desempenha um papel especial, com destaque para a MTV, como espaço de divulgação e praticamente ponto de venda. No cumprimento dessa função, os canais televisivos contam com total liberdade para midiatizar, no caso, definir o que deve ou não ser publicizado da criatividade musical do brasileiro e do cidadão universal, ainda que existam outros ambientes e territórios para circulação das expressões culturais, inclusive das de ordem da musicalidade. Ou seja, os processos midiáticos, consistente em estratégias e ações da mídia, em suas rotinas de produção, programação e distribuição de bens comunicacionais, são planejados, processados e guiados precipuamente por lógicas mercadológicas. Constata-se, então, uma inoperância estatal que assiste ao domínio do privado sobre o público, sem reação, quando poderia atacar

o problema através de regulamentação e investimento em soluções com controle social. Em meio a isto, o sucesso musical é decidido num conluio entre grandes grupos empresariais e viabilizado por meio de projetos de marketing (o jabá).

1. Cultura e Economia

A acumulação de capital articula a difusão cultural a amplos públicos, relacionando a circulação de conteúdos midiáticos a lógicas capitalistas, oligopólios mundiais e aparatos tecnológicos. Nesta terceira fase do capitalismo, é intensificado o movimento de internacionalização do mundo simbólico, que segmenta públicos, transformando-os em consumidores, o que implica num reordenamento econômico, cultural e político. Os recursos técnicos, como satélites e demais equipamentos comunicacionais, contribuem para tal reformatação, pois permitem a distribuição acelerada de videoclipes e de modelos de fazer cultura, como o protagonizado pela MTV.

Tudo isso contribui para que, como ensina Fredric Jameson (2001,

p. 142), os campos da cultura e da comunicação sejam cada vez mais condicionados pela lógica econômica na pós-modernidade, com “a supressão de tudo que esteja de fora da cultura comercial, a absorção de todas as formas de arte, alta e baixa, pelo processo de produção de imagens. Hoje, a imagem é a mercadoria e é por isso que é inútil esperar dela negação da lógica da produção de mercadorias”.

Se processualidades econômicas são incorporadas pela cultura e pela comunicação (a primeira é mais ampla do que a segunda, havendo intersecções e distinções entre ambas, discussão que extrapola os limites deste texto), a produção de mercadorias em geral é cada vez mais um fenômeno com características culturais. Novamente Jameson (2001, p. 22) explica a questão, raciocinando que hoje há toda uma indústria de planejamento da imagem das mercadorias e das estratégias de venda: “a propaganda tornou-se uma mediação fundamental entre a cultura e a economia, e se inclui certamente entre inúmeras formas da produção estética (ainda que a existência da propaganda possa nos levar a questionar nossas idéias a respeito da estética)”. Dito de outra forma, a comunicação (publicitária) não é somente um suporte de venda para veículos e anunciantes, mas também dissemina padrões de consumo, comportamentos, idéias e formas de fazer e estar no mundo. Como destaca Bolaño (2000, p. 56), “o espaço da cultura é fundamental na concorrência oligopólica que se estabelece em âmbito mundial entre setores da indústria, do comércio e das finanças”, por sua função ideológica, por ser um espaço de acumulação e por disponibilizar canais “para a circulação dos [...] fluxos que irrigam a economia mundial”.

Nesta dinâmica, o conteúdo musical revela-se desarticulado de sua expressão artística ou desconectado das manifestações culturais advindas do chão social dos atores sociais, sendo selecionado a partir da interferência direta dos meandros capitalistas industriais. É nessa realidade que os acordos comerciais entre megacompanhias do disco e meios de comunicação são apenas uma ponta (mais visível) de um amplo sistema de controle do espaço midiático. Assim como a produção e a distribuição, o consumo em ampla escala também se dá através dos meios de comunicação, sendo a produção musical de gerações contínuas validadas por meio de complexos arcabouços conectados globalmente em redes. Este movimento tende a envolver a produção simbólica em geral, atingindo inclusive as formas ditas alternativas. “Até a música politicamente explícita que fala da longa história de opressão (como algumas formas de rap e de reggae) se mercantiliza e circula amplamente por todo o mundo”, lembra Harvey (2003, p. 166-167), identificando, na indústria da música dos Estados Unidos (EUA), um enorme sucesso na “apropriação da incrível criatividade localizada e de raiz de músicos de todas as faixas”.

Foi desenvolvido pelas indústrias culturais um avançado complexo técnico-estético que compreende as identificações do público e as suas necessidades de consumo. Estabelecer e descobrir as mediações, unificando as diferenças, é um traço fundamental da indústria cultural traduzido no conceito gramsciano de hegemonia (GRAMSCI, 1989) -uma variável construída historicamente, permanentemente reconstruída com o objetivo de assegurar o prosseguimento da supremacia de dominantes sobre dominados; o que não se dá de forma direta, mas por meio de negociações, seduções e incorporações. Isso não elimina a dominação, somente sofistica

o processo, explicitando a presença de outros elementos de imposição. A partir destes, uma das partes sobrepõe-se imensamente na relação, controlando os principais meios de produção e de distribuição, com tudo o que isto representa em termos materiais e simbolicamente para a reprodução do sistema. A classe hegemônica torna-se protagonista também de manifestações e reivindicações de outros extratos sociais, unificando através da ideologia, e mantendo articulado um grupo de forças heterogêneas; realizando assim a hegemonia enquanto descobre vínculos e faz valer suas posições (GRUPPI, 1978).

Tal amálgama envolve o Estado, como expressão da dominação de classe, ao lado de outros agentes - como os econômicos, a exemplo das indústrias culturais, cada um deles com intensidade própria – liderando os processos de definição e manifestação da hegemonia, ao mesmo tempo em que a reflete. A regulamentação acaba sendo reflexo desta dinâmica, traduzindo os consensos (sempre provisórios) possíveis em dados cortes históricos; o que engloba descartes, aproximações, recuos e enganos, tendo em vista as trocas entre atores públicos e privados, em jogos de poder onde os interesses transnacionais tendem a pactuar com os dos capitais internos, mas onde os desajustes também se sucedem. Então, não se trata unicamente de continuidades, mas ainda de descompassos, inclusive no seio da classe dominante (entre diferentes setores empresariais e entre estes e entes estatais), o que pode implicar em brechas para propostas diferenciadas, mais afastadas do projeto hegemônico. Mas os setores tradicionalmente dominantes tendem a articular-se em torno da estrutura do Estado, de maneira que seus interesses costumam ser preservados. Tem sido emblemática a dificuldade de mudanças, mesmo quando partidos de esquerda assumem o poder, como no Brasil, onde atestam-se as posições do Governo Luís Inácio Lula da Silva.

A questão da hegemonia e seus rebatimentos sobre a flexível estrutura do Estado capitalista permite que o núcleo de poder se situe num setor específico, num dado momento, deslocando-se em seguida, de modo a preservar sempre os interesses das frações hegemônicas. A conseqüência é uma cultura midiática que cai no gosto do público, por ser construída numa relação onde a demanda é absorvida a partir da produção, desde opções específicas e visando a máxima lucratividade, o que corresponde ao privilégio dos interesses dos capitais. Esses movimentos, portanto, não constituem a publicização da cultura de uma época, mas midiatizações; o que significa não só a transformação da realidade social, mas a construção de signos a partir da ótica mercadológica, com o mínimo de limitações impostas pelo Estado; ficando uma ampla gama de sentidos excluída da arena social principal, se não for integrada ao sistema hegemônico, enquanto lugar de acumulação e de indicador de parâmetros sociais das épocas.

Desde as décadas finais do século XX, esta relação Estado-capitais é intensificada, não só pelo gigantismo de muitas companhias que passam a movimentar recursos de maior monta do que muitos países no âmbito dos círculos globalizados e globalizantes, mas porque, para o mais livre avanço dessas corporações, o ente estatal abdica de muitas de suas funções tradicionais no bojo de políticas neoliberais adotadas. Diante disso, a implantação de políticas de comunicação, particularmente quanto à televisão, tem sido bastante dificultada, frente às crescentes limitações dos poderes estatais, impostas por pressões de grupos econômicos nacionais e internacionais (SMITH, 1991). O resultado é a ampliação da liberdade dos operadores televisivos para midiatizar, escolhendo, essencialmente a partir de critérios mercadológicos, o que expor ao consumo dos públicos. No caso musical, isso desemboca num quadro midiático pouco representativo do que é a pluralidade cultural brasileira (e de outras nacionalidades), porque a maioria desses valores não se adequa à concepção de artistas como mercadorias, concebidos para o consumo, muitas vezes não só de suas músicas, mas ainda de outros produtos e idéias.

2. Música e Indústria

A MTV tornou-se a principal parceira da indústria fonográfica para a difusão da música pop rock. Faz parte do conglomerado midiático norte-americano Viacom (originalmente era propriedade da Warner Amex Satellite Company), e hoje é a grande vitrine para o comércio global da música jovem. Estar na programação da MTV garante o sucesso artístico, com acesso maior ao público. A questão chave é o modo pelo qual o artista é escolhido para fazer parte da programação. Com seu estilo visual moderno e programação inovadora, a MTV transformou-se na autoridade principal para o acesso à música no fenômeno mundial da cultura pop.

Atualmente existem 23 canais de televisão MTV, alcançando 54 países e 384 milhões de casas em torno do globo. Além dos canais Estados Unidos, Canadá, Brasil e MTV Latina, que cobre integralmente as Américas Central e do Sul; existem as MTVs Espanha, França, Reino Unido, Holanda, Alemanha 1 e Alemanha 2, Itália, Nórdica, Polônia, Europa 2 (para os países do leste europeu), Rússia, China, Índia, Ásia (dirigida ao sudeste asiático), Hong Kong e Taiwan, Coréia e Japão (MTV, 2004); também havendo uma infinidade de rádios via web, acessadas via portais da companhia. Mundialmente existem 17 sítios da MTV operados localmente.

A Viacom inclui, além da MTV, as redes de televisão M2, Nickelodeon, Showtime, Tvland, Paramount Network e VH1. Seus negócios atingem também:

  • 50% do canal Comédia Central (com a Time Warner);
  • Produtoras de filmes, vídeo e televisão, incluindo a Paramount (Pictures, Television e Home Vídeo) e 75% da Spelling Entertainement;
  • Blockbuster, a maior cadeia de locação de vídeo do mundo;
  • 10 editoras de livros (reunidas sob a holding Simon & Schuster);
  • 50% da rede de cabo USA Network Latin América;
  • 50% da rede de televisão norte-americana UPN, com Chris-Craft Industries;
  • United Cinemas International (UCI), a maior operadora de cinemas multiplex dos Estados Unidos, com 120 salas em 12 países, resultado de uma joint-venture com a Universal;
  • Cinco parques temáticos - três nos EUA, um no Canadá e um na Austrália - os quais, somados, recebem 11 milhões de visitantes por ano;

Fazem parte de suas alianças empresariais, além da Time Warner: NC, Universal, Sony e EMI Group.

Principal canal global de televisão segmentada, a MTV é hoje um dos maiores sustentáculos do enlace de divulgação da música mundial. Com o crescimento acelerado da indústria do entretenimento, em parte devido às alianças e ao desenvolvimento tecnológico avançado, este setor tem tido uma participação cada vez maior na composição do Produto Interno Bruto (PIB) de vários países. Segundo Hermann e McChesney (1999,

p. 142), a MTV é um importante comércio global de música, mobilizador de US$ 40 bilhões por ano e detentor de um poder quase monopolizador no segmento em que atua. Junto com a Universal, a maior proprietária de salas de cinema da Europa, a Viacom divide com a Bertellsmann e a Time Warner o topo das três maiores empresas do mercado editorial dos conglomerados midiáticos. “Ao incorporar a CBS, uma das quatro maiores redes de televisão (39 emissoras próprias e 200 afiliadas)”, a Viacom, que arrecada US$ 20 bilhões anuais em 100 países, “passou a gerir 40% da TV norte-americana, além de 185 estações de rádio” (Moraes, 2004).

O telespectador ideal da MTV dispõe freneticamente do controle remoto, e passa por diferentes imagens dos vários canais com tamanha velocidade, que incapacita o encadeamento dos significantes numa narrativa dotada de sentido. Ou seja, os sentidos são construídos a partir da superfície das imagens. De certa forma, há, então, um limitador à plena fruição dos conteúdos; mesmo que estes sejam de conteúdo não-hegemônico, demonstrando os limites das políticas públicas, e mesmo de qualquer movimento no âmbito do capitalismo.

O controle da MTV Brasil é dividido igualitariamente entre o Grupo Abril e a Viacom. De 1990 a 1996, a MTV Brasil pertenceu 100% ao Grupo Abril, que apenas pagava royalties à norte-americana. Em 1996, a Viacom comprou metade dos 30% de participação (GAMA, 2003); ou seja, 15% do capital da emissora, presença que cresceu até os atuais 50%.

A concessão do canal gerador da programação -canal 32 de São Paulo -em UHF (Ultra High Frequency), é exclusivamente do Grupo Abril, que atua de forma integrada com várias mídias: revistas, livros, internet banda larga, música e TV por assinatura. Entre seus parceiros e associados estão a Warner, a Fox e a Universal Pictures (GRUPO ABRIL, 2003). Está sempre ligada a grandes eventos de música, onde segmenta muitas parcerias, principalmente com a indústria de bebidas. Mantém uma revista mensal de circulação nacional, com variedades do mundo musical e da moda, que sai sempre com algum CD promocional, o que ajuda na captação de publicidade. Além disso, o sítio da MTV Brasil, na internet, tem o domínio da Hotmail.

Uma característica da MTV é investir em parcerias com outras organizações, como é o caso do Acústico MTV, que une empresas do ramo para lançar artistas no mercado de CDs e DVDs (digital video disc). O Acústico MTV é uma das mais rentáveis franquias do mundo da música. Essa é uma batalha para o controle global dos mercados musicais e midiáticos, onde tanto os custos quanto os lucros são divididos, maximizando a produção e a divulgação. Outro produto lançado no final de 2003, através de uma parceria com a Sony Music e os Estúdios Mega, foi o DVD Neurônio, um jogo com perguntas e respostas baseado em atração homônima da emissora.

Está em estudo, o lançamento da MTV2 no Brasil, canal que constará de 24 horas de videoclipes, um sucesso nos Estados Unidos. O novo canal foi desenvolvido no Brasil, adaptando o modelo norte-americano, como ocorre com a MTV tradicional, mas sua estréia tem sido adiada. Este projeto também é uma associação entre os grupos Abril e Viacom e será disponibilizado exclusivamente aos usuários das operadoras de televisão por assinatura. Com toda a programação digitalizada e um sistema de som com qualidade semelhante à de DVD, o MTV2 utilizará “o acervo de clipes da MTV Brasil [...] e algumas reportagens” (Mattos, 2004).

A música gravada é o mercado cultural com maior concentração mundial. As quatro maiores gravadoras globais (as majors) são: Universal (28%), Sony BMG (20%) (1), WEA (18%) e EMI (15%) (2). Suas vendas alcançam 80 a 90% do mercado global. A música gravada em CD representa 70% do faturamento do setor fonográfico. Alguns conglomerados da área não se restringem à produção musical artística, incluindo a fabricação de aparatos tecnológicos. Além de fornecer infra-estrutura técnica, ainda produzem bens duráveis para a indústria cultural se perpetuar, orientando o mercado. Também utilizam o excedente das mercadorias como base material em suas ações de divulgação. A estratégia de crescimento neste mercado oligopolista globalizado consiste em ampliar promoções cruzadas para melhorar as vendas. Quando uma companhia compra outra, a idéia é utilizar a infra-estrutura já existente, tanto de recursos artísticos, quanto de know-how e capacidade instalada.

Essa amplitude de ofertas representa um desenvolvimento técnico com o objetivo de aproximar uma variedade de públicos do segmento jovem. A MTV Brasil busca particularidades na sua programação, que se converte num produto com características locais, imbricadas a códigos da cultura mundial ocidentalizada, uma marca presente com força no imaginário de receptores habituais e eventuais. É um movimento de trocas de referências, um processo que se estabelece dentro do princípio da ação hegemônica, que faz circular os códigos sociais por intermédio de uma mercadoria cultural difundida e reformulada, conforme as mudanças contemporâneas.

A MTV trabalha sua identidade através de estratégias como o MTV Social Club, onde, assinando a Revista MTV, o leitor participa de promoções como ingressos, viagens e prêmios, todos relacionados à indústria mundial do disco. Desta forma, estas estratégias solidificam o mercado oligopolizado, criando barreiras à entrada e aprimorando o que se denominou jabá, no início do século passado, e se firma, nos dias de hoje, na condição de extensão da publicidade comercial, como projetos de marketing.

Em relação aos anunciantes da MTV, a telefonia celular, em 2003, foi uma das suas principais investidoras, mas isso também se estende às demais televisões mundiais. No entanto, há uma peculiaridade nesta relação, que não se restringe à compra de espaço comercial; haja vista o intercâmbio empresarial e tecnológico entre a Ericsson e a Sony, hoje uma das principais gravadoras mundiais.

3. Programas e Gravadoras

Os gêneros musicais exibidos na MTV são variações do pop rock e suas vertentes classificadas em rap, hip hop, ska, reggae, rock, punk rock melódico, metal, hardrock, canções dançantes e baladas românticas.

Para o presente artigo, dois dos programas da MTV, Top 20 Brasil e Disk MTV, foram selecionados para análise. A escolha de ambos justifica-se por se tratarem de duas paradas de sucessos (a primeira diária e a segunda semanal) listadas previamente pela emissora, e que simbolizam os investimentos das gravadoras e a referência do consumo musical em grande escala.

O Top 20 Brasil foi estudado por meio de oito programas, quatro em fevereiro e quatro em outubro. Já o Disk MTV foi contemplado com 10 edições em fevereiro, quatro dias em agosto e 15 programas em outubro, sempre em 2005. Os períodos representam a rotatividade dos videoclipes e a temporalidade dos artistas na grade de programação, não sendo todo o intervalo de tempo investigado exposto neste artigo, por questões de espaço.

Na Ilustração 1 aparecem os grupos que foram escolhidos pela audiência no Disk MTV em seis de fevereiro de 2004, onde se identifica claramente a prevalência dos artistas ligados às quatro majors da indústria musical.

Artista Gravadora Posição Artista Gravadora Posição
Skank Sony 1º lugar Offspring Sony 6º lugar
Limp Bizkit Universal 2º lugar O Rappa WEA 7º lugar
Marcelo D2 Sony 3º lugar Nickelback Sum Records 8º lugar
Madonna WEA 4º lugar Felipe Dylon EMI 9º lugar
Beyoncé Sony 5º lugar Blink 182 Universal 10º lugar

Ilustração 1: Quadro Síntese do Disk MTV em 6 de fevereiro de 2004.

Além das quatro companhias da indústria mundial do disco, que vêem no país uma importante fonte de lucro para os negócios musicais, existem duas gravadoras menores que eventualmente figuram nas paradas da programação: a Deckdisc e Sum Records, que estão associadas às grandes por acordos de distribuição.

A Deskdisc iniciou suas atividades em 1998, utilizando a distribuição da gravadora Universal. Entre seus artistas contratados estão as bandas Ira! e Ultrage a Rigor, e a cantora Pitty. Trabalha com os gêneros forró, rock e reggae. Proprietária da editora Musical Deck, a gravadora é considerada 100% independente por não estar ligada às majors, apesar de igualmente comprometida com a realização da mercadoria (DECKDISC, 2004). A Sum Records é uma gravadora voltada à América Latina, com matriz situada na Espanha. Existe desde 1999, tem licença de 20 selos independentes internacionais para distribuição em países como Brasil, México, Chile e Argentina. Seus gêneros musicais são rock, eletrônico, metal, forró, sertanejo e reggae. Entre os grupos nacionais estão Ultramen, Acústicos & Valvulados e Fat Family (OLIVEIRA, 2004e).

Outras gravadoras independentes, a exemplo da Trama, dividem espaço nos programas de menor audiência, como Nação e Lado B, por apresentarem artistas que exploram experimentações: Tom Zé, Otto, Simoninha, Flu e Nação Zumbi. Esta gravadora também distribui o selo americano Matador, no Brasil, e tem no seu quadro Belle & Sebastian, artistas da cena alternativa.

O Quadro 2 mostra como, no Top 20 Brasil, reapresentam-se todos os artistas que constavam na listagem do Disk MTV (novamente sobressaindo-se os artistas associados às grandes gravadoras globais).

Artista Gravadora Posição Artista Gravadora Posição
Madonna WEA 1º lugar Nickelback Sum Records 11º lugar
Offspring BMG 2º lugar Blink 182 Universal 12º lugar
Felipe Dylon EMI 3º lugar Red Hot Chili Peppers WEA 13º lugar
Christina Aguilera BMG 4º lugar Pitty Deckdisc 14º lugar
Skank Sony 5º lugar Iron Maiden EMI 15º lugar
Beyoncé and Sean Paul Sony 6º lugar Titãs BMG 16º lugar
Charlie Brown Jr. EMI 7º lugar Br’Oz Sony 17º lugar
O Rappa WEA 8º lugar Frejat WEA 18º lugar
Limp Bizkit Universal 9º lugar Linking Park Universal 19º lugar
Marcelo D2 Sony 10º lugar Sandy & Junior WEA 20º lugar

Ilustração 2: Quadro Síntese do Top 20 Brasil em 7 de fevereiro de 2004.

Passados oito meses depois do primeiro estudo, consubstanciado no quadro 1, os artistas em destaque no Disk MTV mudaram (esperado, diante da transitoriedade das produções culturais e mesmo das celebridades criadas), mas as gravadoras permaneceram as mesmas, as grandes players do mercado global, retrata a Ilustração 3.

Artista Gravadora Posição Artista Gravadora Posição
Dead Fish DeckDisc 1º lugar Pitty DeckDisc 6º lugar
Linkin Park WEA 2º lugar Wanessa Camargo BMG 7º lugar
Avril Lavigne BMG 3º lugar Black Eyed Peas Universal 8º lugar
Capital Inicial BMG 4º lugar Green Day WEA 9º lugar
The Calling BMG 5º lugar O Rappa WEA 10º lugar

Ilustração 3: Quadro Síntese do Disk MTV em 07 de outubro de 2004

Todos os artistas presentes no Disk MTV de 7 de outubro de 2004 (Ilustração 3) estão no Top 20 Brasil de 9 de outubro de 2004 (Quadro 4). Alguma semelhança entre os nomes seria até esperado, já que ambos os programas são paradas de sucesso, mas não a coincidência total; pois isto equivale a dizer que os telespectadores (nem todos os mesmos) fizeram pedidos iguais, em ocasiões diferentes, dentro de uma semana. Canclini (1990, p. 159) afirma que 80% da produção e da distribuição musical são manejadas pelas majors. Deste modo, a difusão da produção musical chegou num patamar onde o que importa é manter um controle do sistema de distribuição no qual a MTV é o principal meio de comunicar a produção artística industrializada, assegurando lucros dentro de uma diversidade controlada. Neste sentido a música tornou-se uma atividade estratégica para uma estrutura de mercado mobilizadora de circuitos globais de trocas.

BRITTOS, V. C.; OLIVEIRA, A. P. (p. 97-126)

Artista Gravadora Posição Artista Gravadora Posição
Capital Inicial BMG 1º lugar Linkin Park WEA 11º lugar
Dead Fish DeckDisc 2º lugar Ira! Sony 12º lugar
Black Eyed Peas Universal 3º lugar Avril Lavigne BMG 13º lugar
O Rappa WEA 4º lugar Green Day WEA 14º lugar
The Calling BMG 5º lugar Marilyn Manson Universal 15º lugar
D12 Universal 6º lugar Cidade Negra Sony 16º lugar
Pitty DeckDisc 7º lugar Evanescence Sony 17º lugar
Jota Quest Sony 8º lugar Titãs BMG 18º lugar
Marron5 BMG 9º lugar Wanessa Camargo BMG 19º lugar
Hoobastank Universal 10º lugar Dogão Sony 20º lugar

Ilustração 4: Quadro Síntese do Top 20 Brasil em 9 de outubro de 2004.

Somando informações, a Ilustração 5 expõe os artistas e gravadoras mais executados no Disk MTV em todo o mês de janeiro de 2004. Neste caso, o domínio das quatro majors é total, não havendo a participação minoritária de empresas menores associadas às grandes.

Artista Gravadora Artista Gravadora
Offspring Sony Limp Bizkit Universal
Christina Aguilera BMG Charlie Brown Jr. EMI
Madonna WEA O Rappa WEA
Felipe Dylon EMI Marcelo D2 Sony
Skank Sony Beyoncé Sony

Ilustração 5: Quadro Síntese do Disk MTV em fevereiro de 2004.

Em outro quadro totalizador, a Ilustração 6, novamente fica nítida a liderança das grandes representantes da indústria no Disk MTV de agosto e outubro de 2004, com a Sony BMG ocupando 60% do espaço.

Artista Gravadora Artista Gravadora
Linkin Park WEA Dogão Sony
Avril Lavigne BMG Cpm22 Sony
Pitty Deckdisc Jota Quest Sony
Titãs BMG Blink 182 Universal
O Rappa WEA Britney Spears BMG

Ilustração 6: Quadro Artistas mais programados em agosto e outubro de 2004 no Disk MTV.

Por fim, a Ilustração 7 mostra a posição do Top 20 Brasil durante todos os meses de análise, ficando a maior parte das posições, 6 em 10, com artistas contratados da Sony BMG. Registra-se que os dados consolidados dos dois programas indicam que esta gravadora ocupa mais de 50% das vagas disponibilizadas para execução musical.

Artista Gravadora Artista Gravadora
Capital Inicial BMG The Calling BMG
Linkin Park WEA Avril Lavigne BMG
Pitty Deckdisc Ira! Sony
Titãs BMG Black Eyed Peas Universal
O Rappa WEA Marron5 BMG

Ilustração 7: Quadro Síntese do Top 20 Brasil em todo o período.

Estas dinâmicas inserem-se na estruturação de um mercado de dimensão global. Nota-se que a indústria como meio de entretenimento e comunicação necessita, cada vez mais, de se aproximar de contextos sociais em efervescência para fazer com que o capital cultural circule, nem que para isso alguns setores antes fortalecidos sejam prejudicados, em detrimento de novos mercados de consumo e lucro. Tudo isso vai depender de cada contexto e da situação em que se encontra a demanda cultural.

4. Jabá e Execução

Redutor do direito à difusão musical, o jabá sempre esteve vinculado aos principais programas de rádio e TV. André Midani, um dos homens mais poderosos da indústria fonográfica brasileira entre 1960 e 1990, ex-presidente da Philips e fundador da filial brasileira da Warner, comenta a evolução do jabá, em entrevista à imprensa: “No início do governo FHC, se nos EUA o custo de lançar uma música no rádio era de US$ 100 mil por uma canção, no rádio brasileiro era de R$ 80 a R$ 100 mil [...] Quando isso começou, a verba publicitária era de 5% das vendas. Na época do Chacrinha era algo como 10%” (Sanches, 2003).

O jabaculê ou payola, originalmente chamado de song plugging, nos Estados Unidos foi uma forma de marketing para a indústria fonográfica. Era uma prática comum em todas as rádios de rock. Em 1960, Alan Freed foi condenado nos EUA por suborno, o que gerou o fim de sua carreira de DJ (disk-jockey, o profissional que seleciona e executa a música gravada primeiramente em festas e, a partir daí, em outros espaços, como rádios) (shuker, 1999, p. 180). No Brasil, um projeto de lei do deputado Fernando Ferro (PT-PE) transita no Congresso Nacional, criminalizando o jabá; enquanto isso, esta prática continua sendo usada livremente, apesar de não ser assumida pelas entidades envolvidas.

No plano nacional, a história do jabá pode ser dividida em três fases. Na primeira, no decênio de 40 do século XX, em troca de espaço nas rádios, os caititus (3) assinavam músicas sem participarem do processo de criação autoral, tornando-se parceiros de compositores, como Ary Barroso e Lamartine Babo. A segunda fase abre-se na seqüência, quando o radialista (posteriormente também o apresentador de TV) passa a receber dinheiro e presentes, ao garantir a execução de alguma música. O jabá vai aparecer formalmente na terceira fase, com os representantes de gravadoras ou empresários de músicos oferecendo favores materiais às próprias emissoras.

Segundo Roberto Menescal, diretor artístico da gravadora Polygram, hoje Universal, o processo para massificar um artista na década de 80, do século XX, consistia na compra de produtos para produtores e apresentadores: “Para o pianista e cantor Eduardo Dusek aparecer no programa da TV Bandeirantes, Buzina do Chacrinha, foi necessária a compra de uma TV estéreo importada para o apresentador” (cardoso, 2004).

Tubarão (oliveira, 2004c), músico de uma banda gaúcha integrante da cena rock Brasil da década de 1980, assim denominado para não ser identificado, afirma que em 1985, quando o grupo foi ao Rio de Janeiro, o jabá se estruturava de duas formas dentro da então RCA/BMG Ariola:

Eram festas promovidas pela gravadora que envolviam todos os radialistas. Eles ganhavam carro, mulher, cocaína. Para a banda aparecer no programa do Chacrinha, tínhamos que tocar em shows produzidos pelo Leleco (filho do Chacrinha), fazíamos três shows na mesma noite, tudo playback, apresentávamos cinco ou quatro músicas em cada local. Eram uns barracões que tocavam funk, funk americano. Ficava lotado, cabiam umas duas mil pessoas, cobra-va-se ingresso. Nós ganhávamos um quarto do cachê da banda, que era muito pouco. Nesses lugares encontrei Lulu Santos, Lobão, Luis Caldas, Capital Inicial e o Barão Vermelho. Tocamos em todos os programas de TV na época, como Bolinha, Viva a noite e Clô para os Íntimos, cada um tinha um esquema diferente.

Conforme um diretor artístico de uma gravadora do Rio Grande do Sul, que será identificado como Tom (oliveira, 2003), existe ônus para tocar música nova, ligado a uma promoção sugerida pelas próprias rádios: “São enviados materiais para sorteio [...]. Esse é um raciocínio sadio. O brabo é quando se chega numa rádio em São Paulo, e eles pedem 20 mil reais para tocar duas vezes por dia a música. [...] O problema é enquadrar como crime. Ninguém passa recibo de jabá”.

Hoje o jabá não deve ser pensado apenas como pagamento de mensalidades das gravadoras para as emissoras (de rádio e TV), mas como todo um sistema de controle de mercado, aprimorado através de um processo de alianças empresarias entre firmas líderes. Até o final do decênio de 80 do século XX, o rádio se manteve como o quase exclusivo difusor da música pop no Brasil; com a inauguração da MTV no país, em 1990, a divulgação da música pop rock sedimenta-se, o canal se torna o único aberto, segmentado e exclusivo à execução musical em televisão.

A execução musical através do jabá é uma realidade que se manifesta através de diversas formas de atuação: pagamento em dinheiro, brindes, troca de favores ou processos associados entre empresas, numa forma de sinergia. Uma das práticas comuns em editorias de carros e motos são as assessorias de imprensa das montadoras de automóveis que convidam jornalistas para realizarem test driver, dispondo de um carro gratuitamente durante um dado período; e outra modalidade são os pagamentos de viagens e passagens aéreas. No caso específico do mercado musical, as gravadoras suprem as estações de TV e rádio de recursos financeiros ou produtos que possam ser úteis às suas rotinas operacionais ou estratégias de captação do receptor, através das seguintes práticas:

a) compra de aparelhos conforme a necessidade dos programadores, como televisor, videocassete e DVD, entre outros; b) apresentação gratuita, ou com cachê reduzido, de grupos musicais em eventos promovidos por emissoras; c) pagamento de mensalidades às empresas de radiodifusão, por parte das gravadoras; d) distribuição de produtos promocionais das gravadoras para serem sorteados em programas, mantendo a audiência fiel; e) aquisição de equipamentos e carros, conforme a necessidade da emissora;

Especialmente tratando-se das majors, o pagamento do jabá – hoje configurado como projeto de marketing – é sustentado pelas próprias gravadoras, que abrem rubricas especialmente para tal, em seus orçamentos. Eventualmente, em especial nas gravadoras de menor porte, os custos são bancados parcialmente pelos artistas. Uma ação desenvolvida é a banda ou cantor redistribuir o cachê de sua apresentação, destinando-o total ou parcialmente à gravadora, para esta utilizar em investimentos de marketing, num sistema de trocas de produtos, favores e serviços.

Com a crise do mercado fonográfico mundial, especialmente devido ao aumento da pirataria, as gravadoras passaram a enfrentar dificuldades para cumprir os compromissos de seus investimentos em divulgação.

Mesmo assim, as emissoras não reduziram o valor do espaço para a execução musical, levando a indústria a buscar novas formas de custear o jabá, onde se insere a Síndrome de Detonautas: “O contrato Detonautas, relativo à banda Detonautas Roque Clube, prevê um percentual do cachê de cada show do grupo revertido à gravadora, que será utilizado em promoções” (Oliveira, 2003).

De acordo com Fábio Massari (2004), que trabalhou na rádio 89 FM e na MTV Brasil nos anos de 1990, o jabá oferece várias possibilidades:

Nos anos 80 o clichê básico era a gravadora pagar para o chefe de rádio tocar a música na programação. Muita gente enriqueceu através deste processo. Particularmente não tive esta experiência, o jabá mais grosseiro, como coordenador da rádio 89 FM em São Paulo. O que é sabido são as gravadoras comprarem equipamentos ou carros para uma rádio, em troca da veiculação dos seus artistas. Esquemas foram armados através destes benefícios; tem uma sutil diferença entre você oferecer uma grana ou trocar favores, dentro de um mesmo universo.

Em relação à programação da MTV, que prioriza artistas das maiores empresas fonográficas mundiais, Massari (2004) afirma que existe uma ligação entre estas peças da indústria, gravadoras e meios de comunicação: “Eles trabalham entre eles, as prioridades das gravadoras são seus artistas, que vão preencher o espaço de jornais, revistas e TV. São sempre as mesmas cartas. Mas [...] nem todo o grande investimento dá certo, embora na maioria das vezes esses esquemas [...] acabem funcionando [...]”.

Essa legitimação do produto cultural através de grandes investimentos traz ao debate, o quanto o acesso à cultura depende fundamentalmente do campo econômico para se tornar público. O diretor da rádio Poprock (que atua no segmento jovem, na Grande Porto Alegre), Mauro Borba (oliveira, 2004b), afirma que, nos últimos anos, o marketing promocional utilizado pelas gravadoras mantém a mesma forma, mas com uma intensidade menor: “As gravadoras deixam uma grande quantidade de material para sorteio. Hoje, para a rádio, é muito importante esse brinde. Todas as rádios dão presentes, oriundos das gravadoras. É o marketing de produtos das gravadoras”.

As trocas de favores entre gravadoras e mídia atingem também as apresentações de bandas em eventos das rádios, bem como a oferta de gentilezas aos diretores das emissoras:

As bandas novas tocam de graça nas festas produzidas pela rádio. Às vezes trocam por mídia de um determinado show. Tem alguns casos que se paga cachê, isso acontece com bandas mais conhecidas. [...] As gravadoras acenam com presentes caros como passagens aéreas. Mas nunca me condicionei a tocar uma determinada música. Isso seria um pagamento se a gravadora impusesse; te dou tal viagem e você toca minha música. Já fui a Londres ver o Oásis por conta da gravadora, mas não me comprometi em fazer nada. (OLIVEIRA, 2004b)

Então, na contemporaneidade, pode-se posicionar o jabá – pensado como a imposição de conteúdos midiáticos, a partir de lógicas mercadológicas e em detrimento de interesses jornalísticos ou artísticos – como um processo ligado a importantes acordos intrafirmas, onde, através de sistema de trocas de serviços e tecnologias, a produção musical deságua no interior de uma operação administrativa sem precedentes. Se os artistas que mais aparecem na MTV fazem parte das maiores empresas fonográficas mundiais, esta é uma forma fechada de agendamento da programação musical. Os canais empresariais afiliados priorizam seus produtos dentro dos meios de comunicação, que também controlam, e constituem as próprias barreiras à entrada em sua programação. A mercadoria cultural apresenta-se como um micropoder que sustenta um macropoder, representado pela rede global de info-comunicação e suas corporações. A tendência das operadoras de audiovisual é a de promoverem o que as suas alianças produzem.

No caso da difusão musical, há um elevado grau de concentração e uma nova composição da produção cultural, tendo a circulação das idéias se tornado propriedade privada, vendida nestes canais de comunicação. São circos empresariais que dominam todo o processo, da produção ao consumo, direcionado às novas tecnologias. Essas empresas criaram canais para a difusão de seus produtos musicais e a MTV encaixa-se neste propósito.

O produto musical, para se tornar um fenômeno, precisa fazer parte de um agendamento. Segundo Calabrese (1987, p. 20), os fenômenos já não falam por si sós e pela evidência: “É preciso provocá-los, o que equivale a dizer que é preciso construí-los”. Nesse sentido as formas mais variadas de fazer jabá aparecem como uma dimensão de uma estrutura ligada a interesses industriais, tendo por objetivo influenciar a decisão do consumidor e produzir lucro às empresas afins.

Por este caminho, o jabá ou projeto de marketing não pode ser pensado longe do capitalismo, “onde os meios de produção e difusão dispõem de forças econômicas e de acesso comunicacional capazes de impor condições que restringem a circulação da livre produção cultural. [...] Além da dimensão econômica, o jabá reafirma padrões estéticos configuradores de uma exclusão da diversidade cultural musical [...]” (Oliveira, 2004d, p. 48).

As paradas de sucessos refletem e moldam a música popular, definindo o que é relevante para o mercado, inserindo-se entre os instrumentos das estruturas de mercado que viabilizam os interesses de companhias oligopolistas. Percebem-se alianças entre os ramos do entretenimento em geral e das comunicações em particular, impondo produtos e definindo a grade de programação, num mercado concentrado.

5. Espaços e Mercados

Mas é claro que nem tudo é apropriado pela indústria. Ao mesmo tempo em que permitiu a solidificação de lideranças e o surgimento de novos conglomerados, nos marcos de um mercado global, a tecnologia, em suas brechas, foi incorporada pela sociedade para que a produção musical não ficasse restrita apenas às majors. A cena independente brasileira, na sua grande maioria, tem sobrevivido através do uso dos mesmos suportes tecnológicos que a indústria cultural propõe, como internet – distribuição por MP3, divulgação via e-mail ou criação de páginas da web – e estúdios digitais para gravações. Também o público pode utilizar os novos recursos, disponibilizando seus acervos, capturando músicas e trocando dados, o que traz sérios problemas para a indústria, obrigada a buscar novas formas de controle para continuar operando no mercado da música comercial. Aparece um novo quadro, pautado nas corporações que alargam suas bases de pesquisas e atuação, exigindo ações emergenciais.

A criação de gravadores de CDs e aparelhos de MP3 gerou um mercado paralelo de reproduções autônomas, onde, além de gravações caseiras, aparecem produtos falsificados, produzidos sem autorização, conhecidos como “piratas”, vendidos com baixo custo ao consumidor, por não pagarem direitos e impostos. A pirataria pode ser pensada como uma descentralização no controle sobre a produção e consumo, e está intima-mente ligada às condições de países pobres ou em recessão. Ao mesmo tempo gera uma economia informal como fonte de renda e emprego, o que não pode ser encarado como uma alternativa ao capitalismo, mas um acirramento das condições subalternas do trabalhador, já que a ausência de direitos sociais, trabalho escravo e a prática de crimes não raro acompanham a pirataria.

A palavra bootlegs, utilizada originalmente na história da pirataria sonora pela revista Variety, em 1929, refere-se às gravações ilegais e faz analogia à venda ilegal de bebidas alcoólicas durante os 13 anos da Lei Seca, nos Estados Unidos (o termo é referência ao ato de esconder frascos de bebidas em canos de botas). A história da pirataria não é recente e tem início no início do século XX, quando o inglês Lionel Mapleson, radicado em Nova York, adquire um fonógrafo gravador e cilindros virgens com a capacidade de dois ou três minutos cada. Com o equipamento, ele começou a registrar, às escondidas, as apresentações de óperas na Metropolitan Opera House, que se tornaram documentos históricos do canto lírico: “Os primeiros discos piratas, tanto os patriarcas 78 RPM quanto os primeiros LPs, foram de música erudita e jazz, reproduzindo gravações raras ou inéditas que haviam caído em domínio público [...]. Em quase um século, os pirateiros fizeram a festa – basta lembrar ‘Crazy Blues’, do disco de 1920 da blueswoman Mamie Smith [...]” (Mugnaini, 2004).

A indústria reclama da pirataria, mas é ela que produz os equipamentos para a gravação e reprodução. A gravadora Sony é um bom exemplo desta realidade: trabalha como empresa fonográfica e produz eletroeletrônicos que gravam CDs e MP3. A popularidade destes equipamentos também ampliou a divulgação da música alternativa, pois o acesso a esses dispositivos tecnológicos gerou uma maior oferta no mercado. Além do mais, a indústria abre mercado para os piratas, ao trabalhar com margens de lucro muito elevadas (e investir em processos como o jabá), gerando altos preços finais ao consumidor final. Em relação ao mercado brasileiro, os lançamentos oficiais em CDs chegam às prateleiras variando entre R$ 35,00 e R$ 45,00, o que torna o consumo inviável para a grande parcela da população. Segundo a Federação Internacional de Produtores Fonográficos e Videográficos, em 1993, a pirataria em CDs atingiu 75 milhões de unidades (Shuker, 1999, p. 211). No Brasil, a pirataria já consome 60% do mercado de discos, ficando em segundo lugar no ranking, só atrás da China.

Apesar disso, em 2004, o crescimento do mercado do áudio e vídeo chegou a 20%. Para o vice-presidente artístico e de marketing da Sony, Alexandre Schiavo, este crescimento não está nos lançamentos, mas sim nos catálogos, nas regravações, nas séries econômicas. “No caso do produto novo, a gente sua a camisa para vender 100 mil discos e comemora como se fosse meio milhão. O público está comprando mais produto barato. Precisamos então de mais oferta de produtos neste segmento” (Laurindo, 2004).

Com este processo instaurado, a indústria parece não experimentar tanto, buscando assim dar tiros certeiros, quando da contratação ou lançamento de produtos e artistas. Por isso, só uma ínfima parte da expressão artística das sociedades é absorvida e transformada em produto cultural. Isto torna a cena musical comercial limitada a um dado padrão estético, ficando uma imensa legião de criadores e manifestações musicais isoladas, sem acesso às mídias, as principais formas de ofertar sentidos coletivamente. Durante um período, de um a dois anos, há uma repetição incessante de um dado estilo musical, até que sejam demandadas inovações pelo mercado. É interessante pensar que o mercado fonográfico lançou, em 2003, o Detonautas Roque Clube como a novidade do ano; espaço que já foi ocupado por Charlie Brown Jr. No caso, mudaram as caras e as letras, mas

o conceito melódico se assemelha e se confunde.

A indústria investe essencialmente nas tendências que têm a rápida aderência do público: se a preferência é dirigida a um tipo musical, como o rock street ou o rock melódico de beira de praia, então são buscados grupos da mesma categoria. Isso vale também para a popularização do reggae nacional, que traz canções românticas, com apologia às drogas e sem contestações sociais. Este gênero dominou principalmente as rádios do Sul do país e foi um mercado lucrativo para a indústria fonográfica brasileira.

Ao mesmo tempo em que os recursos tecnológicos trouxeram novas dinâmicas e ampliaram contatos, máxima válida para o mercado musical dominante e alternativo, reservaram o direito de uso aos que possuíam sua gramática e, principalmente, seu controle. Para René Dreifuss (2004,

p. 131), o século XX foi um marco para a civilização: “Cada vez mais as diferenças foram afirmadas e legitimadas, embora seja imperativo lembrar que nunca, como nesse século, se fez tal matança daquilo que é diferente, distinto e diverso, nem houve uma política tão brutal exercida sobre as diferenças”.

Revela-se, neste momento, que as diferenças, ao serem realçadas, são focalizadas como matrizes consumidoras. Visto por outro ângulo, o discurso da diversidade inclui interesses econômicos e políticos desenvolvidos no cultural, controlados e gerenciados por uma lógica mercadológica transnacional.

Paralelamente ao fenômeno industrial, é relevante pensar que a tendência é de que os grupos que aparecem na grande mídia nasçam de uma cena alternativa e se moldem conforme a estética midiática. “O âmago histórico da música alternativa foi sua rejeição à indústria fonográfica comercial e a ênfase ao rock como arte em vez de um produto vendável para a obtenção de lucro” (Shuker, 1999, p. 240). O termo “alternativo” foi usado originalmente para se referir à música underground produzida nos anos 1960. Hoje, a indústria não mede forças para capitalizar também este mercado, que vai sendo apropriado pelas majors, através da distribuição de selos independentes, concentrando ainda mais o mercado. Nota-se que são os selos independentes os principais responsáveis pelas descobertas de novos talentos, às grandes companhias cabe apenas a distribuição.

A música alternativa ainda representa o principal foco de originalidade, atitude e confrontação da produção musical. Dentro deste mercado disperso, devido principalmente às distâncias geográficas de um país extenso como o Brasil, existem enormes variações quanto à qualidade, propósito, grau de inovação e descomprometimento da cena alternativa; seja como for, é através desta que as grandes gravadoras buscam as novidades que tanto necessitam para sua manutenção. Afinal, este é um processo dinâmico, onde a inovação desempenha um papel fundamental, dialeticamente com a padronização.

Neste sentido, as pequenas gravadoras seguidamente funcionam como laboratórios das grandes; fenômeno típico das indústrias culturais, a exemplo da televisão. Explicitamente, um pequeno grupo, ao alcançar grandes públicos, é assumido por uma major; a partir daí ganha grande divulgação, passando a tocar nas principais emissoras de rádio e TV (graças aos amplos recursos para ousados projetos de marketing) e com freqüência tendo seu repertório alterado, além de outros elementos.

Deve ser discutido o que é concebido por independente. São aqueles artistas e companhias fonográficas que não atuam ligados ao padrão estético dominante ou aos grandes capitais. As gravadoras denominadas independentes não pertencem a conglomerados empresariais, intra ou extramídia e, em regra, abrem espaço para músicos, cantores e grupos comprometidos com estéticas ou propostas diferenciadas. Já os artistas musicais independentes, em geral produzem e executam cultura não relacionada ao sucesso momentâneo, propondo expressões ligadas a modos de viver e temporalidades diversas. Esta independência, contudo, não é generalizada: realiza-se em relação com alguns caracteres da cultura hegemônica, não implicando em uma desconexão do capitalismo global e sua sociedade de consumo. “Ao lado disso, há casos em que pequenas gravadoras reiteram as práticas das grandes, inclusive atuando como reprodutores do padrão estético dominante, só não dispondo de iguais recursos para o desenvolvimento de suas ações, em especial de divulgação” (Brittos; Oliveira, 2005,

p. 57). Além de nem sempre estar ligada ao processo de renovação, a produção alternativa pode trazer conceitos conservadores, repetindo valores e estéticas já estabelecidas.

Consoantes ao padrão estético, há variantes e experimentações que incorporam elementos regionais e globais. As influências de grupos norte-americanos e europeus são infindáveis na cena alternativa brasileira. Esta estética se apresenta como um reconhecimento que se estrutura através de variações locais, e compartilha referências que tendem a ser globalizantes. A produção alternativa deve ser aqui localizada fora da grande mídia, e se apresenta entre a imitação e a busca de um estilo próprio. Mas o conceito alternativo se dá na medida em que não é apropriado pela indústria, enquanto o padrão dominante dá o tom da cultura, dentro de uma noção de unidade e sistematicidade ordenada. Não obstante, a questão relevante para a discussão “alternativo” e “dominante” está no lugar que a produção musical ocupa; pois nesta localização encontram-se respostas, afinal sempre transitória, dentro do princípio de que tudo é efêmero para a indústria cultural.

Outro ponto é que o caráter comercial não inviabiliza totalmente um padrão de qualidade, algumas vezes podendo representar vanguardas. A música deve aqui ser pensada em termos de forma e conteúdo e não apenas como conseqüência do esquema produção e consumo. Notam-se eventualmente grupos que fazem parte do mainstream e, ainda assim, misturam tradições e influências musicais, sem perder sua viabilidade comercial. Outra questão é a particularidade da produção musical, cuja subsunção no capitalismo é menor do que outras indústrias, como a cinematográfica, justamente pela possibilidade de criação individual ou em pequenos grupos, com um mínimo de tecnologia.

Paralelamente, a cena alternativa pode ser vista como uma nova tendência dominante no mercado da música jovem e é ela que ajuda a chamar atenção às inovações. Isso reflete as heterogeneidades que se formam numa sociedade e se transformam em tribos distintas, as quais buscam variações de consumo. Essa ampliação de mercado demonstra a capacidade da grande indústria mundial do disco de se aproximar de um mercado emergente para manter o controle.

Um bom exemplo do processo de apropriação está no fenômeno Nirvana, no início do decênio de 90 do século XX. A banda de punk rock saiu dos porões imundos de Seattle (EUA), através do selo Sub Pop e tornou-se o maior fenômeno da música pop mundial daquele momento, chegando ao topo das paradas de sucesso da época. Além de suas canções,

o estilo Nirvana ou grunge virou moda; camisas xadrez e calças rasgadas marcaram a estética rock de uma geração.

No Brasil, alguns grupos, como o The Butchers’ Orquestra, obtiveram o respaldo do relevante e disperso público alternativo, cantando em inglês; o que demonstra uma influência direta da música norte-americana. Também vale ressaltar o gaúcho Júpiter Apple com suas referências inglesas, o hardcore dos Ratos de Porão e o rap dos Racionais MCs; esses dois últimos trazendo letras em português. A cena do Norte do país ainda mantém características regionais e de folclore, misturando ritmos nordestinos a conceitos globais da produção musical. Este é o caso da Nação Zumbi, grupo pernambucano que apresenta um som globalizado, híbrido e reterritorializado.

Nesta moldura, deve ser resgatado o conceito de hibridização, como uma reorganização das formas culturais através da desterritorialização dos processos simbólicos. Com a proposta de Culturas híbridas, Canclini (1992, p. 11-12.) procura elaborar uma noção de hibridização que abarque, dinamicamente, “os diversos processos em que o culto, o popular e o massivo se inter-relacionam, se mesclam; o tradicional se intercepta com o moderno, distintas culturas de países e regiões diferentes também entram em relação”. A hibridização é processada e intensificada no interior do capitalismo, por ser um fenômeno urbano que, através de técnicas de expansão dos bens culturais e do alcance de uma variedade de produtos, faz com que as interações circulem do local para o global, criando uma estrutura heterogênea de referências materiais e culturais.

A arte aqui deve ser pensada como uma articulação entre os vários referenciais culturais, uma reformulação e um cruzamento intercultural, onde o regional se articula com o tecnológico. Entre os fatores que intensificaram a hibridação estão a expansão urbana e a ampliação da oferta cultural através dos meios de comunicação. Segundo Brittos (2001, p. 43), há um reordenamento da cultura sobre a ação dos meios: “As ações dos meios estão presentes em grande parte das cenas sociais e envolvem tudo e a todos. Só que isso não implica na total destruição das culturas populares locais. Ocorre é que essas manifestações passam a ocupar um outro espaço ou acabam assimilando dados do massivo”.

A principal dificuldade da cena alternativa está representada nos obstáculos para a publicização de seus conteúdos. Todavia, é importante ressaltar que a cena alternativa se mantém através de gravadoras e selos independentes, festivais e um público fiel, que pesquisa e está atento às novidades, antes que estas sejam absorvidas pelas indústrias culturais. Entre os festivais alternativos brasileiros estão o Abril Prorock (Recife), Mada (Natal), Paraibatuque (João Pessoa), Goiânia Noise (Goiânia) e Curitiba Pop Festival (Curitiba).

As gravadoras independentes hoje ocupam cerca de 15% da produção fonográfica nacional e representam cerca de 400 selos musicais (Felippe, 2004). As produções vão de gravações caseiras até materiais com qualidade similar à das maiores distribuidoras do mercado. O aumento do número de discos independentes nos últimos anos deve-se à maior facilidade de acesso a equipamentos de gravações e à tecnologia digital. Com a criação da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), aparece uma alternativa para a difusão da sonoridade que corre paralela à grande indústria. A ABMI foi composta por 30 gravadoras, a maioria sediada em São Paulo, mas há também selos do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul.

A MTV, como difusora da música jovem, apresenta uma programação vinculada à grande indústria mundial do disco, mas ao mesmo tempo procura estar próxima da cena alternativa mundial. Na programação de 2004, a MTV Brasil apresentou quadros com as bandas novas brasileiras, o que abriu algum espaço para o não convencional, embora o dominante seja o padrão hegemônico. Entre os programas estavam o Jornal da MTV (quadro Bandas Novas), Banda MTV, Gordo a Go Go, Lado B, Riff e Nação. A emissora também tem procurado estar presente em festivais alternativos, sendo uma importante divulgadora destes eventos para todo o Brasil.

Considerações conclusivas

Onde ficam a expressão da sociedade e a liberdade para manifestar-se artisticamente de forma partilhada, se a mídia acaba sendo o elo fundamental neste processo de publicização e compartilhamento? A MTV e toda a indústria midiática promovem um agendamento musical aos diversos grupamentos sociais, sendo difícil aos não ligados a este ciclo ingressarem na pauta do que vai ser consumido no país ou não. Este processo está intimamente ligado aos importantes mecanismos da distribuição cultural, onde se organizam interesses econômicos através de uma produção artística autoreferenciada e mundializada.

Ante a ausência de ação do Estado neste tópico que, por estar a serviço destes mesmos interesses capitalistas, não regulamenta a midiatização da diversidade artístico-cultural brasileira, a decisão sobre a execução da produção musical fica a cargo unicamente dos complexos de comunicação industriais. Com isso, as políticas de difusão da música pop rock no Brasil ficam atreladas precipuamente às lógicas capitalistas, incluindo estratégias e competitividade industrial. Neste sentido, a produção e distribuição da cultura se apresentam sobre decisões centralizadas e organizadas conforme critérios empresariais. A questão não é a força da orientação mercadológica na publicização da música no Brasil, já que esta é a regra no capitalismo. Está na ausência de outras lógicas ligadas aos ditames de espaço público, cidadania e pluralidade, para minimamente atenuar os efeitos da ação dos capitais, o que deve ser efetuado através de avançadas políticas públicas.

Pelas condições que permeiam a execução na mídia comercial, em especial a televisão, hoje o meio de maior integração e dinamização da sociabilidade, a viabilidade artística de uma produção musical, em termos de repercussão junto a amplos públicos, depende de sua relação com as principais gravadoras transnacionais, o que pressupõe uma imposição de bens simbólicos. Há uma crescente transformação da cultura em mercadoria, com o sistema capitalista expandido utilizando a produção cultural como uma das mais lucrativas relações do mundo contemporâneo.

É notório que, paralelamente a estes setores oligopolistas, há uma cultura de resistência, atuante em diferentes níveis sociais, mas, ao mesmo tempo, essa produção cultural é parcialmente apropriada pela indústria cultural. Um exemplo distingue-se na música jovem, no caso o rock, que deixou de ser uma postura de rebeldia para se transformar num estilo de vida. Ele se converteu num importante filão no mercado de consumo. Seus signos representam uma multiplicidade de relações dentro de uma dinâmica que opera sobre a produção cultural e o consumo. Desta forma, a indústria cultural fornece um modelo que configura sua estabilidade dentro do âmbito global da difusão e da desterritorialização de bens simbólicos.

Há uma definição de mundo social de acordo com cada interesse envolvido no processo. Assim, as culturas locais são fundamentais para a indústria cultural, onde seu repertório simbólico é apropriado e reconstruído conforme as regras gramaticais da mídia, dentro de experiências multiculturais sobre conexões econômicas e tecnológicas. A expansão da indústria cultural e a aceleração da globalização vêm reordenar a produção e a circulação de bens, correspondendo, assim, a uma relação de base econômica, de estrutura social e de dimensão simbólica, onde o cidadão é transformado em consumidor.

Deste modo, a informação midiática chegou num patamar onde o que importa não são as formas artísticas, mas assegurar o controle dos lucros, dentro de uma diversidade controlada. As atividades industriais e os bens culturais fluem no mercado, paralelamente, dentro de um território comunicativo demarcado pelo consumo e o entretenimento.

Notas

Em agosto de 2004, a Sony Music Enternainment e a BMG anunciaram a fusão das duas empresas na agora denominada Sony BMG Music Entertainment, tornando cada vez mais concentrado, o mercado da música gravada mundial. A nova Sony BMG Music Entertainment está dividida em cotas de 50% da Bertelsmann e 50% da Sony Corporation of American (Sony BMG, 2004). Estas associações mundiais, ao atingirem as filiais de outros países, têm que ser aprovadas em cada um deles. No Brasil, os processos de fusão são examinados e decididos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A união das duas corporações reúne alguns dos mais importantes artistas do mundo, como Santana, Aerosmith, Britney Spears e Avril Lavigne. Entre os selos estão Arista, Columbia Records, Epic Records, Jive, J Records, RCA Records, RLG-Nashville, Sony Music Nashville, Sony Classical, BMG UK, BMG Japão, BMG Ricordi e Sony Music Internacional.

2 As denominações das gravadoras, no decorrer do texto, inclusive na análise empírica e retroativa, foram atualizadas pelos autores com base nos resultados das diversas associações, conforme registros do início de 2005.

3 Os caititus eram profissionais especializados em fazer propaganda de música, originando a primeira forma de denominar o jabá.

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Valério Cruz Brittos – Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ana Paola de Oliveira – Mestre em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).