THE PROCESS OF SOCIALIZATION IN THE SING CHOIR: A STUDY ABOUT THE PERSONAL, INTERPERSONAL AND COMMUNITARIAN DIMENSIONS
Éliton Pereira (EMAC/UFG)
elitonpereira@gmail.com
Miriã Vasconcelos (SEED/GO)
miriavascon@gmail.com
Resumo: Este estudo de pós-graduação analisa as dimensões: pessoal, interpessoal e comunitária
– presentes no processo de socialização no canto coral. A hipótese de que a atividade do canto coral implica no desenvolvimento humano enquanto agente socializador é fundamentada por um referencial teórico que tem por base a sociologia, a psicologia educacional e a pedagogia musical. Propomos, além da reflexão teórica, um estudo de campo no qual entrevistas realizadas junto a regentes de côros institucionais de Goiânia revelam a consciência destes profissionais sobre o potencial de socialização e sociabilização presentes no canto coral. Palavras-chave: Canto coral, Socialidade, Sociabilidade, Regentes de côro.
Abstract: This after-graduation study analyzes the dimensions: staff, interpersonal and communitarian -gifts in the process of socialization in sing choir. The hypothesis of that the activity of choir implies in the human development as agent of socialization is based by a theoretical referential that has for base the sociology, the educational psychology and the musical pedagogy. We consider, beyond the theoretical reflection, a study of field in which interviews with institutional choir’s regents of Goiania. This study showed the conscience of these professionals allusive to the potential of socialization and sociabilização of the choir. Keywords: Sing coral, Sociality, Sociability, Regents of choir.
A prática de canto coral é uma das mais remotas formas de integração social. Isto é possível de ser verificado nos escritos sobre a formação do homem grego e nas atividades sócio-musicais nas demais civilizações antigas (BEYER, 1999; JAEGER, 2001). Na história da humanidade o canto em grupo comumente foi uma prática constante e engendrada de socialização. Na história da igreja cristã, por exemplo, desde seus primórdios esta prática foi uma atividade sempre presente na liturgia (PALISCA, 1988).
O canto coral, em seus diversos aspectos e manifestações, está presente na grande maioria das culturas mundiais, o que mostra que esta atividade é um tipo de ação especificamente social, cultural e humana (VIGOTSKY, 1998). Na história do Brasil a presença do canto coral enquanto agente social pôde ser verificada com a chegada dos jesuítas, mas mesmo nas atividades vocais em grupo dos índios brasileiros e dos africanos trazidos para o Brasil já era possível constatar o canto enquanto prática social-cultural (MARIZ, 1994). Posteriormente, já no século XX, o principal movimento que focou e abriu espaço para o canto coral no Brasil enquanto prática cultural e educativa de sucesso foi o movimento do Canto Orfeônico desenvolvido por Villa Lobos (1976).
O canto coral, enquanto prática social e enquanto atividade educativa-musical é estudado por alguns autores que enfatizam os aspectos relacionados aos benefícios desta atividade para o desenvolvimento de seus integrantes nas dimensões pessoal, interpessoal e comunitária (MATHIAS, 1986; GROSSO, 2004; ANDRADE, 2003). Estes pesquisadores confirmam a hipótese de que a atividade coral é uma trama rica de possibilidades formadoras de humanização e socialização.
Por outro lado, verifica-se que os programas educativos da atualidade não têm dado a atenção devida para o potencial formativo da atividade coral (PENNA, 1999, 2001). Acredita-se que pesquisas que revelem os potenciais sócio-educativos desta prática possam colaborar para fortalecer o desenvolvimento de projetos e ações ligadas à educação musical, cultural e social.
Diante desta contextualização propomos as seguintes questões: 1) Quais as principais contribuições das ciências sociais, da psicologia educacional e da pedagogia musical para esclarecer o potencial de socialização da prática coral? 2) Como os regentes corais encaram o potencial de socialização da prática coral nas dimensões pessoais, interpessoais e comunitária? 3) Seria possível uma sistematização das dimensões relativas às contribuições da prática coral, com finalidade de se conscientizar sobre sua riqueza enquanto agente musicalizador e socializador?
A partir destas questões concernentes ao objeto de estudo, propomos analisar os aspectos do processo de socialização no canto coral nas dimensões pessoais, interpessoais e comunitária. A hipótese de que a atividade de canto coral implica no desenvolvimento do humano enquanto ser social é verificável em função de um referencial teórico que tem por base a sociologia (OLIVEIRA, 2001; NANNI, 2000), a psicologia educacional (VIGOTSKY, 1998) e a pedagogia musical (MATHIAS, 1986; SOUZA, 1996, 2004).
Nesse sentido, além da busca pelo referencial teórico, ainda foi realizado um estudo de campo por meio de entrevistas realizadas junto a regentes de côros institucionais de Goiânia. Esta pesquisa de campo contribuiu para verificar dois aspectos importantes. Inicialmente, revelou o nível de consciência dos entrevistados sobre o potencial de socialização presente no canto coral e, posteriormente, mostrou que nossa hipótese é confirmada por meio dos dados colhidos nas experiências profissionais e de vida dos entrevistados, aqui devidamente confrontados com o referencial teórico em nossas análises de cunho qualitativo.
Acredita-se que a sociologia, a psicologia educacional e a pedagogia musical possuam abordagens teóricas comuns e complementares que podem clarear questões relacionadas ao desenvolvimento de competências de socialização e sociabilização presentes na atividade coral. Segundo Brunner e Zeltner (1994. p. 241), socialização é o “processo pelo qual um indivíduo desenvolve suas formas específicas e socialmente relevantes de comportamento e de vivência, convivendo ativamente com outras pessoas”. Fend (1969) distingue, neste processo, o “fazer social” e o “tornar-se social”. No caso do fazer social, trata-se de como as diversas instancias da socialização influem no comportamento e vida dos indivíduos e os modificam. O “tornar-se social” considera o processo da socialização do ponto de vista do indivíduo: de que forma o indivíduo experiencia as medidas de socialização e de que forma se realizam nesta ocasião as modificações de vida e de comportamento. Neste contexto, se evidencia que o processo da influência das instâncias de socialização sobre o indivíduo se dá em forma de mútua interdependência.
É nesse sentido que Brunner e Zeltner (1994) afirmam que socialização e educação se situam lado a lado. O processo de socialização, assim como o de aprendizagem, é algo que dura a vida toda. Oliveira (2001) esclarece que as principais instâncias de socialização são: a família, a escola, o grupo de companheiros, as instituições de formação profissional e o campo social do “local de trabalho”.
Assim, as ciências sociais se ocupam do estudo sistemático do comportamento social do ser humano. O objeto das ciências sociais, neste caso, é o homem e suas relações sociais. A ciência social preocupa-se em contribuir para o melhor entendimento dos fatos e processos sociais. Está dividida em disciplinas, como a sociologia, economia, antropologia e política. Nesse sentido, além das especificidades citadas, nos interessa o ponto que liga as ciências sociais aos processos de socialização e como se realizam estudos voltados para busca de dados e evidências no âmbito da sociologia.
O método científico em sociologia, segundo Oliveira (2001), vai além do simples empirismo. Para ele, apesar de que, a atual fase é a da técnica, da precisão, do planejamento; o método tem seus limites e não substitui o talento, a busca por grandes hipóteses e a reflexão. Buscam-se evidências nas relações entre processos sociais e resultados individuais ou grupais e uma interpretação destas evidências pelo viés reflexivo precedido pela busca à seleção e coleta de dados por meio de observações dos materiais concretos produzidos no âmbito social.
Fica evidente, deste modo, a necessidade de se partir de fatos constatáveis em análises sociológicas. Èmile Durkheim (1973) explica que é necessário ter os fatos sociais como princípios e é necessário determinar quais são estes fatos. Segundo ele certos fatos apresentam características especiais, estas consistem em maneiras de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e dotadas de poder coercitivo. Constituem, portanto, uma espécie de fatos que devem ser qualificados como fatos sociais.
Nesse sentido, acreditamos que há um processo de socialização no canto coral e, consequentemente, um desenvolvimento favorável ao participante desta atividade. Este desenvolvimento acredita-se, é propiciado pelas relações travadas entre as pessoas, porém tendo como canal e vínculo entre elas aquilo que seria o elemento principal – a música, que traz novas formas de agir, pensar e sentir. Necessariamente, parte-se do pressuposto que esta arte é essencialmente uma manifestação social e que, no canto coral, a música contextualiza as relações sociais influenciando o processo de formação dos participantes.
Faz-se necessário, desse modo, procurar neste contexto as relações que se estabelecem entre corista/coristas, corista/regente, corista/comunidade e corista/música. A consciência sobre este universo de relações é importante, pois é nele que se dá o dia-a-dia de um coral e se constitui novas possibilidades de construção de novos saberes e atitudes. Assim, interessa-nos compreender como se dá neste contexto o processo de socialização (maneiras de agir, pensar e sentir; representações e ações; fenômenos psíquicos; fatos sociais). Mas, o que é socializar?
Segundo Oliveira (2001), a sociologia clássica salienta a diferença entre socialização primária e secundária: a primeira inicia com o nascimento e pode-se dizer que se conclui depois de uma série de passagens até o início da vida adulta. A segunda compreende todo o aprendizado que o indivíduo deve realizar no trabalho, no relacionamento com os colegas, em casa, na relação a dois, no tornar-se pai ou mãe até a terceira idade. Segundo Lev Vigotsky (1998) o processo de socialização é o que o capacita psicológica e culturalmente o homem em formação a ser um cidadão de uma coletividade e de uma cultura.
Nanni (2000), afirma que o processo de tornar-se membro de uma coletividade e a contínua adaptação que este ato requer, abarca fenômenos, que tradicionalmente, pertencem à psicologia e à sociologia. Segundo o autor este dito fenômeno “socialização”, não pode ser fechado dentro dos limites disciplinares. O primeiro evento que ocorre, no desenvolvimento do ser humano, referente ao processo de socialização é a consciência sobre a existência de um EU (si mesmo) e posteriormente sobre o OUTRO (que não eu). Mas, o trabalho da formação do EU não pode amadurecer senão com a progressiva aquisição da linguagem. Com este recurso novos estratos, mediados por símbolos, apoiar-se-ão para formar um indivíduo.
Nanni (2000, p. 113) aponta uma série de fatores desenvolvidos no processo de socialização primária, que são discutidos pela psicologia educacional. É importante salientarmos que estes eventos construídos na primeira infância reorientam as relações sociais, o processo de desenvolvimento e o processo de aquisição de conhecimentos. Nanni (2000) chama de modelo geral de socialização os seguintes fatores: a) A linguagem; b) O saber natural ou “senso comum”; c) As regularidades sociais; d) A consciência sobre papéis e representações; e) A construção da identidade; f) Valores. Porém, também nos interessa o conhecimento sobre os aspectos relacionados à forma de vida musical de terminado grupo ou de determinada pessoa.
Acredita-se que este modelo geral é relevante, porque o mesmo esclarece, por exemplo, como e em que níveis acontecem as relações sociais e os processos de internalização de padrões sociais. Os padrões, presentes no âmbito do canto coral, interessa-nos à medida que é possível identificar aqueles que contribuem para o desenvolvimento dos seus participantes, ou seja, interessa-nos identificar o que contribui como contribui e para quem contribui.
De acordo com o modelo de socialização exposto acima, Nanni (2000) formula uma hipótese dedicada à formação de conhecimentos relacionados ao que ele chama de uma “forma de vida” musical. Entre as infinitas informações, que a partir do nascimento adquirimos, algumas dizem respeito, em modo mais ou menos direto à música, aos músicos, aos concertos, aos discos. Acredita-se que estes conhecimentos e todo desenvolvimento que o canto coral propicia, tem sido subestimado. O autor complementa este nosso raciocínio:
(...) neste caso, os conhecimentos que a pessoa absorve sem uma instrução explícita são muitos (freqüentemente subvalorizados)... Com efeito, o modelo de competência musical pode funcionar muito bem para descrever o que a pessoa sabe de música, mas não tem consciência. (Nanni, 2000, p. 124)
O autor enfatiza, então, o próprio processo de formação deste saber, a troca constante entre sujeitos e cultura-ambiente e a criação de expectativas e motivações relativas à música. Este processo ocorre de maneira implícita, automática e involuntária, onde a criança, por exemplo, começa a elaborar sua consciência do mundo e, também, da música.
Mesmo na ausência de uma intervenção claramente didática, como no caso, por exemplo, do canto coral de uma empresa, ou entidade cultural (que não seja educativa), as crianças, adolescentes ou adultos são levados a contatos episódicos com a música e com os músicos. Estes participantes entram em um nível de “um saber musical possível”, como um conjunto de expectativas e conhecimentos que todos os cidadãos da nossa sociedade podem ter acesso simplesmente vivendo, comunicando e observando.
Nanni (2000, p. 125) divide este saber musical possível (SMP), em: 1) Saber de referência: O que é música? Quem é o músico? Quem se tornará um músico? Como se tornar músico? 2) Saber de orientação: O que é uma peça musical? Que tipo de sentido posso esperar escutando uma peça musical? O que um gênero, um estilo, uma forma? O que posso esperar de um gênero, estilo e forma musical? 3) Saber do objeto: O que me diz? Que efeito exerce sobre mim? Que sentido ou significado tem esta peça musical?
O autor defende que esta tipologia de conhecimento musical é aberta porque tenta compreender tudo o que compõe uma forma de vida musical, e porque tenta dar conta de certa variabilidade subjetiva. Nesse sentido, complementa:
Grande parte destes conhecimentos são, na realidade, conhecimentos / expectativas e são absorvidos pelos indivíduos por meio de trocas com a cultura-ambiente, através dos processos de assimilação e revelação de regularidade (...). (Nanni, 2000, p. 125)
Desse modo, aparecem dois conceitos essenciais, o de REGULARIDADE (ou padrões), e o de TROCA(s). Enfatizamos que os contextos referentes a determinados ambientes culturais (modo de vida musical), por suas peculiaridades específicas, potencializarão trocas diferenciadas e regularidades diferentes também serão observáveis.
Nesse sentido, interessa-nos identificar quais regularidades possíveis estão presentes no contexto do canto coral e como é a troca social destes padrões de conhecimento e comportamento. Verifica-se então, que há um processo educativo não formal presente no canto coral, que possui um conteúdo específico (regularidades de informações e comportamentos), uma didática ou pedagogia própria (troca social).
Souza (1996, 2004), apresenta um balanço das contribuições teóricas e metodológicas da perspectiva sociológica para a educação musical. Explicita as vinculações das investigações em educação musical com os contextos em que se desenvolvem as ações educativas, mostrando as possibilidades de diálogo que a sociologia tem aberta à educação musical.
A pesquisadora afirma que, diante das significativas transformações sociais por que passamos atualmente, as ciências da educação são insuficientes aos debates e as interrogações que anteriormente vinham sendo colocadas, fazendo emergir novas construções teóricas que relacionam sociologia e educação. Segundo Souza (1996, p. 11), “uma das contribuições mais recentes dessa área é o paradigma que toma o ensino como prática social”.
Admiti-se, desse modo, a relevância das abordagens plurais do fenômeno educativo. Souza (1996) afirma que se faz necessária a contextualização de todos os atos, seus múltiplos determinantes, a compreensão de que a singularidade das situações educativas necessita de perspectivas, históricas, sociológicas e psicológicas (BEIILLEROT apud SOUZA, 1996, p. 12).
Segundo Souza (2004), o primeiro princípio é saber que a música é um fato social e em segundo lugar é necessária uma abertura às dimensões e funções que o conhecimento em música pode abranger. Nesse sentido, Souza (1996), afirma que é importante saber o que um sociólogo faz. Para Berger (1991, apud SOUZA, 1996, p. 17), o sociólogo é uma pessoa que se ocupa de compreender a sociedade de uma maneira disciplinada. O seu interesse é essencialmente teórico, pois não necessita estar envolvido com a aplicabilidade e conseqüências práticas de suas conclusões, mas sua curiosidade diante do mundo o leva a questionar, procurando respostas no estudo das instituições, da história e das paixões humanas. Ele tenta descobrir
o que está por trás e além das fachadas das estruturas sociais procurando uma nova faceta ainda não percebida e nem entendida.
Algumas perguntas orientam o questionamento sociológico e sua relação com a educação pode ser complementar. Por exemplo, o que as pessoas estão fazendo umas com as outras aqui? Quais são as relações entre elas? Como essas relações se organizam em instituições? Quais são as idéias coletivas que movem os homens e as instituições?
Outra necessidade presente no ato sociológico é a busca pelo ouvir as pessoas e instituições antes de apresentar suas próprias opiniões, onde esta sensibilidade é mais que uma qualidade. É algo que tem impacto direto sobre a própria percepção sociológica. Então, a sociologia torna-se importante para a pesquisa em educação musical. Em primeiro lugar, destaca-se que a sociologia está sintonizada com o caráter da era moderna justamente por representar a consciência de um mundo em que os valores têm sido radicalmente relativizados. Esta pluralidade cultural, de valores, de intenções, de buscas tende a solicitar sempre uma contextualização ou re-contextualização, quando se muda o local, as pessoas, as instituições. Ou seja, cada universo social possui uma peculiaridade própria nas relações travadas e conseqüentemente ações diferenciadas. Além disso, na pesquisa social são importantes: a lógica-cognitiva, a técnica comunicacional e psicológica que trazem segundo Souza (1996, p. 19) um abalo aos modelos tradicionais de pesquisa em educação musical.
Acredita-se que o objeto desta pesquisa deva ser analisado por meio de abordagens teóricas que possam esclarecer como se dá o desenvolvimento dos participantes do canto coral. Lev Vigotsky (1991, 1998) e as premissas do método dialético relacionam as mudanças qualitativas do comportamento que ocorrem ao longo do desenvolvimento humano com
Vigotsky (1998) aborda o desenvolvimento dos mecanismos psicológicos desenvolvidos socialmente, que são os mais sofisticados – as chamadas funções psíquicas superiores – típicas da espécie humana: o controle consciente do comportamento, atenção e lembrança voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, capacidade de planejamento. Esta é uma das suas hipóteses principais que aqui é importante para compreendermos que a aprendizagem musical se dá no nível social.
Nesse sentido, suas idéias são aqui vinculadas à hipótese de que o canto coral desenvolva, a partir de sua dimensão social e musical, potencialidades nos sujeitos atores de seu cenário social específico. Desse modo, acredita-se que a música e o fazer musical, seja compondo, arranjando, tocando ou cantando, ouvindo e apreciando, possua esta capacidade. De desenvolver nos indivíduos e nos grupos sociais todas as características do processo de aquisição de conceitos e comportamentos mais elaborados, mais complexos e abstratos, enquanto processo para esse desenvolvimento e enquanto reflexo do desenvolvimento de um dado contexto social. Todo desenvolvimento musical e cultural passa pelas relações sociais contextualizadas.
Segundo Bock (2001), a psicologia sócio-histórica de Lev Vigotsky realiza críticas às posições reducionistas e incentiva a produção de uma psicologia dialética. Carregando consigo a abertura e possibilidade de crítica. A teoria sócio-histórica e a psicologia sócio-histórica “concebe o homem como ativo, social e histórico” (BOCK, 2001, p. 17). Para esta teoria, falar de fenômeno psicológico é obrigatoriamente falar da sociedade. Pois a compreensão do “mundo interno” exige a compreensão do “mundo externo”. Então, o fenômeno psicológico deve ser entendido como construção no nível individual do mundo simbólico que é social (BOCK, 2001).
Bourdieu (1989) propõe, também, que o entendimento de como as “disposições adquiridas” (habitus) no processo de socialização vão se transformando em ações e comportamentos observáveis (explícitos) dos sujeitos. Segundo Vasconcellos (2002, p. 79) essa “matriz determinada pela posição social do indivíduo” encaminha julgamentos estéticos e morais que explicam, embora parcialmente, o gosto manifesto e os juízos de valor emitidos pelas pessoas quanto às práticas musicais. O conceito de habitus ajuda a entender a relação sujeito/sociedade (subjetividade/objetividade) na visão de que não há uma absoluta autonomia, e sim uma independência do indivíduo na apropriação e expressão dos bens culturais uma vez que pelos habitus incorporados acontece a interiorização da exterioridade expressa nas visões de mundo que informam o senso comum.
Compreendendo esta complexidade das relações sociais como essenciais para o desenvolvimento humano, Vigotsky (1998) afirma que todas as funções psicológicas superiores, necessitam ser aprendidas ao longo das interações da pessoa com o ambiente cultural no qual ela se encontra e que essas funções, invariavelmente, seguem uma orientação no sentido fora-dentro, ou seja, descrevem uma trajetória desde o exterior (plano intermental) até o interior do sujeito (plano intramental). Tais funções têm necessariamente que ocorrer antes entre pessoas, no nível interpsicológico ou social, para só então passarem a existir no plano intrapsicológico, individual e subjetivo.
Nesse sentido, todo processo de ensino/aprendizagem ou contato social/cultural implica em uma relação dialética, onde ambiente e sociedade contribuem para construção dos aspectos cognitivos superiores no sujeito. No qual, necessariamente, o pensamento conceitual, valores, normas e o conhecimento são desenvolvidos via processo de internalização mediada pelos signos culturais.
Mathias (1986, p. 16) demonstra que há três níveis de intervenção da prática da música coral no indivíduo. Explicita estas dimensões em cinco partes principais: pessoal, grupal, comunitária, social e política. No entanto, consideramos mais conveniente tratar neste estudo apenas as dimensões: pessoal, interpessoal e comunitária.
O autor afirma que a música se trata de uma força única, vinda de uma ação comum, capaz de comunicar o concreto do mundo dos sons, o abstrato da beleza da harmonia e a plenitude transcendental. Esta “comum ação do som” nos é dada pela unidade que é o princípio de todas as coisas que se vêem na natureza (MATHIAS, 1986, p. 15). A música atravessa as estruturas de nossas identidades, harmonizando-nos com o nosso eu interior (dimensão pessoal), com o outro social (interpessoal) e com a sociedade em que vivemos.
Acredita-se que o canto coral seja uma prática engendrada de possibilidades relativas a essas dimensões, porque propicia relações com a música de forma direta, relações subjetivas – nas quais podemos nos comunicar conosco mesmos em uma esfera de relação harmonizadora. Temos, também, neste contexto, contato com pessoas com propósitos comuns – a alegria de cantar e de se expressar por meio dos sons – da voz. Juntos podem transmitir mensagens, ideologias e atitudes para a comunidade. Estes valores são internalizados por um processo de intervenção da música. Ou seja, a dimensão (sonora) abre caminhos para a troca e a internalização de conceitos e comportamentos em muitos casos mais harmonizados com a humanização nas relações.
Com o objetivo de ter um referencial de dados advindos da prática cotidiana do canto-coral realizamos entrevistas junto a regentes de côros institucionais de Goiânia. Estas entrevistas semi-estruturadas permitiram verificar os aspectos importantes desenvolvidos por meio da prática do canto coral na visão dos quatro regentes entrevistados e, também, como estes profissionais encaram as dimensões: pessoal, interpessoal e comunitária, presentes na prática coral.
Expomos em seguida as perguntas feitas aos regentes. Estas entrevistas foram inicialmente gravadas e posteriormente transcritas e analisadas: 1) Você acredita que o canto coral é importante? Por quê? 2) Quais são os aspectos mais importantes desenvolvidos por meio da prática do canto coral? 3) Quais são as habilidades desenvolvidas por meio da prática do canto coral, além das competências musicais? 4) Qual a importância do canto coral para a sociedade? 5) Você acredita que o canto coral desenvolve a sociabilidade? 6) O corista desenvolve a relação interpessoal? Como? 7) E, intrapessoal; nas relações internas do próprio indivíduo? 8) Você acredita que o canto coral é uma oportunidade de aproximar as pessoas; como se dá, então, essa aproximação? 9) Qual seria o papel do regente enquanto viabilizador dessas relações; do grupo, um com o outro, e do coral com a sociedade? 10) Você acredita que as competências de socialização desenvolvidas na prática do canto coral podem ser re-utilizadas em outros contextos sociais? De que forma seria essa re-aplicação? 11) Pra finalizar eu queria que você falasse um pouco sobre sua experiência como regente de côros nas dimensões trabalhadas: pessoal, grupal e comunitária como tem sido a sua experiência como regente?
Utilizamos quadros para explicitar as categorias de análises das informações coletadas, de acordo com as dimensões P (pessoal), I (interpessoal) e C (comunitária) – que foram úteis para organizar o processo analítico e tornar mais clara as evidências das intervenções do canto coral nestes níveis de relações específicos. Os regentes entrevistados tiveram suas identidades conservadas no anonimato e aqui são identificados por R1, R2, R3 e R4.
Na dimensão pessoal, inicialmente, podemos perceber que a questão da identidade pessoal é ressaltada pelos regentes. Segundo Nanni (2000,
p. 113) “o trabalho de formação do EU não pode amadurecer senão com a progressiva aquisição do instrumento humano mais importante: a linguagem”. Deste modo, compreendemos que esta linguagem, da qual fala Nanni, é ampla e pode, na verdade, abarcar o todo de “regularidades” presentes nas “falas” sociais, ou seja, nos comportamentos acordados pelo grupo. No objetivo de trabalhar diretamente com um grupo coral, com ideais comuns, verifica-se que o sujeito desenvolve, por meio desta “troca”, uma consciência maior de seu próprio EU, tendo a música como ferramenta de abertura para esta possibilidade.
O regente R1, respondendo a primeira questão, afirma que:
(...) por ser uma atividade prática, as pessoas têm mais possibilidades de exercitar isso, pelo fato de que quando a pessoa canta, ela está mostrando quem ela é. Eu acho que a pessoa melhora muito como ‘pessoa’ participando de uma atividade de canto coral.
Já o regente R2 explica que:
(...) o canto coral é um elemento socializador, eles [os coristas] vão lá [no coral] porque é bom, é legal; eles conhecem amigos, eles vão cantar e colocar as ‘neuras’ pra fora.
O regente R4 é quem expõe melhor esta questão. Ele afirma que verifica que:
(...) o interessante é eles estarem de frente ao público. Ele [o corista] mostra que ele é capaz de troca com os outros, ao se posicionar em frente a uma platéia, de se expressar vocalmente, de lançar a voz. A voz é a coisa mais difícil de ser lançada. Quando você treina isso, quando você joga a voz pra fora você se estabelece como pessoa, você ganha segurança para você mesmo. É uma forma de ganhar firmeza.
Deste modo, verifica-se que os regentes têm se deparado com o desenvolvimento deste potencial intrapessoal. Isto confirma os dizeres de Nanni de que a construção da identidade é um processo de elaboração que tenta extrair ordem de uma multiplicidade de percepções, fatos, e estado de coisas. A linguagem e o papel social são importantes neste processo de identificação e ordenação da auto-percepção e esta construção de identidade não diz respeito somente às crianças e adolescentes, seres humanos notadamente em desenvolvimento, mas, também, a qualquer sujeito social
– que mantêm contato cultural ininterruptamente, por meio do qual tem
seu EU modificado por essas internalizações. Respondendo à décima questão o regente R1 diz:
(...) Eu acredito que são re-aproveitadas porque no coral você trabalha diretamente no indivíduo. Então, todas as qualidades que ele adquirir por meio do canto coral, que vão moldá-lo como pessoa podem ser reaplicadas em outras situações sociais.
Ou seja, há um aprendizado sobre si mesmo e uma tomada de consciência de sua própria pessoal por parte do corista – por parte daquele que se abre para se relacionar socialmente e tem por alvo, o objetivo de um grupo, que é fazer música. Assim, tornar-se social implica em modificações de vida e de comportamento; implica em ter aspirações e valores re-significados. Neste caso, a música trabalha indiretamente no aspecto profundo das aspirações de cada participante. O sublime, a arte, e o belo tornam-se valores significativos para os sujeitos que têm a oportunidade de realizar um trabalho prazeroso em conjunto e têm a apresentação final como um resultado deste processo e deste trabalho em grupo. Mesmo tendo o trabalho musical como foco, as pessoas participam do coral e têm suas vidas transformadas porque neste contexto é possível haver significativas trocas sociais. Segundo Nanni (2000, p. 125) grande parte destes conhecimentos são, na realidade, conhecimentos/expectativas absorvidos pelos indivíduos por meio de trocas com a cultura-ambiente, por meio dos processos de assimilação e revelação de regularidades.
Estas regularidades e esses habitus pertencentes a esse espaço social modificam o cotidiano, aqui entendido por “domínio das ações individuais, rotineiras e não organizadas” (SOUZA, 2000, p. 36), como espaço de reconhecimentos, de relações e de uma trama em que o sujeito se move, ancora sentidos de recepções e mediações. O regente R1, respondendo à décima primeira questão, expõe um exemplo muito interessante que demonstra como o cotidiano pessoal é transformado pelos novos habitus adquiridos por meio do contanto social via canto coral. Ele testemunha:
Tem um amigo que eu nunca esqueci, porque convivi com ele durante alguns anos, e depois de alguns anos sem vê-lo ele me procurou chorando e agradecendo por participar do canto coral, e ele disse que depois de ter participado do coral é que ele se sentiu um ser humano melhor. Ele me disse que ele era uma pessoa muito agressiva, que ele não conseguia se relacionar com as pessoas, ele era muito impaciente; disse que re-aprendeu tudo isso na convivência com o coral, além do conhecimento musical e cultural que ele adquiriu.
A relevância do canto coral na vida em sociedade é sem dúvida algo material e concreto. Isto deve ser ressaltado pelos cursos e os regentes não podem ficar alheios a essa complexidade, na qual, estão inseridos seres sociais e singulares.
9. A dimensão interpessoal no canto coral
Acredita-se que as relações interpessoais são desenvolvidas no contexto do canto coral. Há neste contexto a necessidade de ceder, de se abrir para o outro, de seguir normas, regras, de obedecer à hierarquias e de se posicionar em uma função simbólica e social específica. Tudo isso trabalha no indivíduo padrões e formas de compreender melhor as relações sociais interpessoais. De acordo com Fend (1969) o “fazer social” como as diversas instancias influencia o comportamento e vida dos indivíduos e os modificam. As regularidades e os conceitos sociais ou sensu comum, presentes no contexto do canto coral engendra no indivíduo formas de ser e estar na relação com o outro.
O regente R1, respondendo a primeira questão, afirma que o canto coral “ajuda na formação do indivíduo por ser uma atividade em grupo”. Essa atividade em grupo trabalha nos níveis individuais primeiramente, como já vimos. E em segundo lugar, este individual trabalhado terá possibilidades de se harmonizar com o social. Há um desenvolvimento da socialidade. O regente R1, respondendo à quinta questão, diz que “por meio do canto coral a pessoa vai desenvolver o aspecto social, o aspecto pessoal e o aspecto cultural de maneira geral”. Posteriormente, respondendo à oitava questão, o regente R1 afirma que:
(...) quando você participa daquele trabalho ali, interagindo, você vai conhecendo as pessoas como elas são – problemas, por exemplo – di-ficuldades que outras pessoas têm e que você vai ver que você também tem. Você vai poder se identificar com as dificuldades de outras pessoas; e, isso vai criar certa proximidade também. (...) E, às vezes, até certa proximidade que as pessoas não têm oportunidade de ter até dentro da própria família.
Ou seja, o canto coral, na visão dos regentes, verdadeiramente aproxima as pessoas. Esta aproximação se dá por meio do contato diário ou semanal e permitirá que o sujeito desenvolva competências relativas à socialidade. Nesse sentido, uma nova rede de valores passa a ser acordada e as atitudes de cada membro do grupo serão conduzidas para respeitar tais valores. Pois, de acordo com Nanni (2000) os valores sociais e individuais são diferenciados; o primeiro influencia o segundo e ambos são necessariamente absorvidos do ambiente e da experiência social.
Estes valores são internalizados e as relações sociais se tornam densas e significativas para os membros do grupo. A fala do regente R1, respondendo a nona questão esclarece, por exemplo, que “o regente é amigo, é conselheiro, confidente, é pai, é pai e mãe; é, às vezes, uma pessoa em quem eles [os coristas] se espelham em relação aos seus objetivos pessoais que eles querem atingir”.
O regente R2 concorda com o primeiro e afirma que “num nível subjetivo, quando você dá um acorde e cinqüenta pessoas cantam juntas
– é uma comunicação inexplicável!”. Ou seja, há um despertar para o outro. Na visão deste mesmo regente o “regente atua como incentivador – moderador e tradutor”. Ele comanda, e os coristas são conduzidos pela sua liderança. Há certamente uma abertura para que estas relações permaneçam em harmonia e, conseqüentemente, há um aprendizado, mesmo que indiretamente, sobre comportamento hierárquico; sendo que, a figura de um músico – o regente – passa a ser um referencial para os participantes.
No dizer de Nanni (2000, p. 125) há um saber de referência musical: o que é música? Quem é o músico? Quem se tornará um músico? Como se tornar músico?
Esta gama de conhecimentos conduz o indivíduo a se sentir aprendiz. Não importa se ele é igual ou diferente, economicamente, socialmente e intelectualmente ao outro corista, pois todos neste momento se encontram em uma mesma condição. O regente R2 esclarece este ponto afirmando que:
(...) realmente em qualquer idade e em qualquer nível de instrução, qualquer nível intelectual, das pessoas mais simples até as mais estudadas as mais letradas, não adianta; se todo mundo for leigo ou não, de diferentes níveis e origens; você põe todas as pessoas numa sala e todo mundo vira o mesmo cantor, o mesmo corista com as mesmas dificuldades, objetivos, alegrias. Então, é muito democrático esse aspecto do canto coral.
Ou seja, este caráter democrático do coral desenvolve também o conceito de cidadania no indivíduo. Todos são iguais, não importando sua condição social ou pessoal. Há um espaço para que todos possam colaborar e participar de forma igual.
Esta consciência sobre o OUTRO, além do EU, é desenvolvida no trabalho do canto coral. Os regentes R3 e R4, respondendo respectivamente às questões sexta e sétima, afirmam que: “nesse trabalho em conjunto; cada cantor é um universo diferente, e está ali com outras pessoas, está aprendendo a conviver, está respeitando o ponto de vista, está escutando o outro enquanto ele canta”; e que ali ele vivencia “a capacidade de respeitar o outro, a capacidade de interagir com o outro, esperar o tempo do outro, e o outro ter que esperar o seu tempo”.
Ao responder a nona e décima questão, o regente R4 afirma que tudo isso contribui para que, “(...) esteja no nível social, mediando e equilibrando as diferenças que surgem nos grupos, abrindo possibilidades para que as pessoas adquiram confiança nelas mesmas e possam se expressar por meio da voz”. Pois, “por meio da interação, quando você canta com o outro, quando você aprende a esperar, quando você aprende a respeitar, isso pode se refletir de outras formas, em outras relações”.
Segundo os regentes, então, há certamente um aprendizado e um desenvolvimento das relações interpessoais no contexto do trabalho do canto coral. Novos habitus conduzem a novos procedimentos cotidianos possíveis de serem re-aplicados, segundo os entrevistados, em outras situações sociais.
Certamente um coral é uma instituição social importante, por reunir pessoas diferentes com ideais e propósitos comuns. Todo o trabalho desen-volvido tem por objetivo a sua relação com a comunidade, com os concertos ou apresentações. Este trabalho direcionado tende, certamente, a ampliar a consciência de seus participantes para a relevância desta relação institucional. Ou seja, o canto coral propicia o desenvolvimento da sociabilidade.
Assim, o “saber natural” ou “senso comum”, nos dizeres de Nanni (2000), considerado como aquele saber construído em sociedade, é internalizado no sentido de levar seus participantes a se conscientizarem da relevância de seu lugar na cultura ou na transmissão de um saber cultural valorado historicamente. Ou mesmo um saber e fazer cultural/musical contido de significados ampliados pelas estruturas que abarcam a composição musical, o arranjo, o texto e as facetas subjetivas do grupo que se expõe socialmente. Este conhecimento ou esta tomada de consciência é um dos possíveis desenvolvimentos que esta prática pode propiciar. Segundo o regente R1, na resposta à quarta questão, “em primeiro lugar a pessoa vai estar se ocupando com uma atividade que vai impedi-la de estar participando de outras coisas que não fazem bem para ela como cidadão”. Mais do que isso, a prática do canto coral segundo o regente R2 “é um dos exercícios de cidadania que tem mais sucesso na nossa sociedade” (resposta à segunda questão). Na visão deste maestro, no contato com o público os coristas desenvolvem uma relação de comunicação que se dá de forma subjetiva. Ele afirma que “(...) a música coral, ou qualquer música é capaz de mover os espíritos, tomar as almas – e isso já é bem dito; então, a música coral tem esse poder, principalmente por causa do texto” (respondendo à terceira questão). Para ele “essa interação com a sociedade é muito importante” (respondendo à quarta questão).
Deste modo, desenvolve-se, segundo Nanni (2000), uma consciência sobre papéis e representações. Nesse sentido, se dá um crescimento do conhecimento social no aprendizado relativo a papéis sociais (uma profissão, por exemplo), formas de reciprocidade (função social – o que ele faz), e, representações sociais (comportamento valorado).
O corista passa a desenvolver um olhar para a sociedade e comunidade como instancia contida de estruturas. O coral enquanto uma estrutura cultural passa a ser identificado enquanto tendo o papel ou função social de transmissão cultural. Esta transmissão musical/cultural está contida de valores históricos, estéticos e éticos. Tais valores são comunicados por meio dos conceitos, músicas, gestos, sons e vozes.
O regente R4, respondendo à quarta questão, afirma que “é muito importante porque trazer a música para as pessoas cantarem é uma forma de resguardar a memória musical (...) o canto coral é responsável por manter vivo esse repertório”. Certamente o corista passa a tomar consciência desta responsabilidade social. Passa na visão de Mathias (1986) a se preocupar, também, com os outros.
Há deste modo, uma rede de interferências institucionais, culturais e sociais na prática do canto coral. É necessário que o músico, o regente de côro, e a sociedade como um todo, tenha uma maior consciência sobre as dimensões de interferências, pessoais, interpessoais e sociais que um coral pode abarcar.
Acredita-se que áreas de conhecimento, como a sociologia e psicologia sócio-histórica, são caminhos em aberto que podem contribuir para as pesquisas que relacionem música e sociedade, música e culturas e música e educação musical. Como verificamos em nossas análises, foi possível observar que os regentes possuem consciência sobre várias dimensões relacionadas à socialidade e sociabilidade presentes no trabalho do canto coral.
Os regentes afirmam que os participantes do canto coral desenvolvem uma maior consciência de sua identidade enquanto pessoa, enquanto indivíduo e tem sua auto-estima trabalhada por ser um componente com função institucional definida e que contribui para o grupo enquanto estrutura cultural.
Da mesma forma, os regentes concordam que os coristas desenvolvem a socialidade, ou seja, cresce as relações sociais entre os participantes. Neste contexto eles desenvolvem potencialidades que inclusive são reaplicadas em outras situações sociais. O canto coral aproxima as pessoas e esta aproximação permite que os mesmos estabeleçam relações de amizade, hierarquia, valores humanos e papéis sociais interdependentes. Estas relações interpessoais levam o participante a se tornar mais consciente de seu papel no respeito ao outro.
Com relação à sociabilidade, relação entre o corista e a sociedade, há também certo desenvolvimento ou tomada de consciência sobre seu pa-pel enquanto agente participante de uma instituição que possui um papel social cultural. Este contato com a sociedade se dá por meio desta consciência, no momento dos concertos e nas relações estabelecidas diretamente com instituições.
Verifica-se que o canto coral tem sido um agente propiciador da ampliação de relações sociais; desenvolvendo a relação do indivíduo corista, consigo mesmo, com o outro e com a comunidade sócio-cultural na qual está inserido. A prática musical vocal em grupo, além de desenvolver a musicalidade, autocontrole, auto-estima e tantas outras potencialidades, é um propiciador de relações sociais harmonizadoras em vários níveis. Sendo o desenvolvimento social importante para o ser humano, como afirma Vigotsky, o coral, por ser um local que propicia muitos contatos sociais, permite os sujeitos a se colocarem em situações que os conduzem ao aprendizado e desenvolvimento de relações com a música, com os outros e com a comunidade.
Acredita-se que a continuidade no desenvolvimento de pesquisas que ressaltam as dimensões lucrativas do canto coral venha contribuir para a conscientização sobre os verdadeiros potenciais desta prática e, quem sabe, contribuir para o desenvolvimento de projetos e ações ligadas à valorização da educação musical.
ANDRADE, Margaret Amaral. Avaliação do Canto Coral: critérios e funções. In: HENTSCHKE & SOUZA (Orgs.). Avaliação em música: reflexões e práticas. São Paulo: Moderna, 2003. p. 76-90.
BAQUERO, R. Vigotsky e a aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
BOCK, A. M. B; GONÇALVES, M. G. M; FURTADO, O. Psicologia sócio-histórica
– uma perspectiva crítica em psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. São Paulo: Edifel, 1989.
COLE, Michael. Epílogo um retrato de Luria. In: LURIA, A. R. A construção da mente. São Paulo: Ícone, 1992.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
GROSSO, Maria Alexandra P. C. (Org.). Sistema de informação e sua utilidade para a administração da arte e da cultura: um estudo de caso no Coral CESUMAR. In: FUCHS, Bernhard. ANAIS II encontro de pesquisa em música da Universidade Estadual de Maringá. Maringá: Massoni, 2004.
GROUT, Donald; PALISCA, Claude. História da música ocidental. Lisboa: Gradiva, 1988.
JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
JAPIASSU, Ricardo Ottoni Vaz. Ensino do teatro nas séries iniciais da educação básica: a formação de conceitos sociais no jogo teatral. Dissertação de mestrado. Escola de Comunicações e Artes. USP: São Paulo, 1999.
LA TAILLE, I. et al. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão.
13. ed. São Paulo: Summus 1992.
MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
MARTÍ, J. Ser hombre o ser mujer a través de la música: una encuesta a jóvenes de Barcelona. In: Horizontes Antropológicos, ano 5, n. 11, p. 29-51, out. Porto Alegre. 1999.
MATHIAS, Nelson. Coral um canto apaixonante. Brasília: Musimed, 1986.
MOSCOVICI, S. Representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
NANNI, Franco. Mass Media e Socialização musical. In: Revista Em Pauta - v. 11; n. 16-17. p. 108-143. Porto Alegre. 2000.
OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à sociologia. São Paulo: Ática, 2001.
OLIVEIRA, Alda. A pesquisa em psicologia da música – mesa redonda. In: Anais ABEM - V encontro anual. Londrina, p. 59-85, 1996.
PENNA, Maura (Coord.). Caderno de textos: OS Parâmetros curriculares nacionais e as concepções de arte. Grupo de estudos em educação e arte – departamento de artes UFPB. João Pessoa, 1999.
_______. (Coord.). É este o ensino de artes que queremos? – Uma analise das propostas dos parâmetros curriculares nacionais. Editora Universitária – UFPB/CCHLA/ PPGE. João Pessoa, 2001.
PIMENTA, S. G. (Org.). Para uma re-significação da didática. VIII Endipe. – 7-10 de maio, Florianópolis, SC. 1996.
PINTO, M; SARMENTO M. J. Crianças - contextos e identidades. Braga: Tilgráfica, Centro de Estudos da Criança – Universidade do Minho, 1997.
RÊGO, Teresa Cristina. Vigotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
SOUZA, Jusamara. Contribuições teóricas e metodológicas da sociologia para a pesquisa em educação musical – mesa redonda. In: Anais do V encontro anual da ABEM. Londrina, p. 11-39, 1996.
_______. Educação musical e práticas sociais. Revista da ABEM. Porto Alegre, v. 10, p. 7-11, 2004.
_______. (Org.). Música, cotidiano e educação. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2000. SOUZA, M. W. de (Org.). Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo. Moderna, 2003.
VASCONCELLOS, M. D. Pierre Bourdieu: a herança sociológica. In: CEDES - Educação & sociedade, XXIII, n. 78, p. 77-87, Campinas: abr. 2002. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. _______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes. 1991. VILLA-LOBOS. Solfejos originais e sobre temas de cantigas populares, para o ensino
de Canto Orfeônico. 1º Volume. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1976.
Éliton Pereira – Mestre em Educação Musical pela Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (EMAC-UFG). Licenciado em música atua na rede estadual de ensino básico. Professor substituto no curso de licenciatura em música da EMAC-UFG. Bolsista do curso de licenciatura em Teatro na modalidade à distância da EMAC-UFG. Pesquisa educação musical, novas tecnologias, interdisciplinaridade e EaD. Aluno especial do programa de doutorado em educação da UFG.
Miriã Faria Cavalcante Vasconcelos – Regente de côro e educadora musical. Licenciada em música e Especialista em educação musical e artes integradas pela Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (EMAC/UFG).