vOz fEMInInA nA óPERA DE JulES MASSEnET: CARACTERíSTICAS E AJuSTES vOCAIS

Nadja Barbosa de Sousa - PUC-SP nadjacanto@hotmail.com

Enio Lopes Mello - PUC-SP enio.mello@superig.com.br

Marta Assumpção de Andrada e Silva - PUC-SP m.andradaesilva@gmail.com

Resumo: Jules Massenet (1842-1912) foi um compositor francês que priorizou a voz do soprano para interpretar os principais papeis de suas composições. A partir dessa proposição, o objetivo deste artigo foi investigar as características vocais de diferentes sopranos nas óperas de Massenet. A literatura consultada e a análise perceptivo-auditiva da voz de três intérpretes nos levam crer que Massenet priorizou o soprano leggero em suas personagens. Este timbre é caracterizado pela ressonância alta (região esfenoidiana) com foco na máscara, agilidade articulatória dos textos, aspectos presentes na música francesa e típicos da escrita vocal do compositor.

Palavras-chave: Jules Massenet; Ópera; Voz feminina; Soprano leggero; Ajustes vocais.

Abstract: Jules Massenet (1842-1912) was a French composer who prioritized the voice of the soprano to interpret the main papers of his compositions. From this proposal, the objective of this article was to investigate the vocal characteristics of different sopranos in operas by Massenet. The studied literature and analyze auditory-perceptual voice of three interpreters take us to the conclusion that Massenet prioritized leggero sopranos, to interpret his opera characters. This timbre is characterized by the high resonance (sfenoid region) with focus on the mask, articulatory agility of the texts, aspects presents in the French music and typical of the vocal writing of the composer. Keywords: Jules Massenet; Opera; Feminine voice; Leggero soprano; Vocal adjustments.

Introdução

Jules Émile Frederic Massenet (1842-1912), compositor francês do final do século XIX e início do século XX é considerado por alguns autores (BRANCOUR, 1934; COELHO, 1999; CASCUDO, 2005) o músico da mulher e do amor. Isso se deve à quantidade de papeis operísticos que escreveu sobre dramas, paixões e emoções vividos por mulheres, bem como a uma evidente dedicação à voz feminina em suas composições. Segundo esses autores, a maioria dos papeis título das óperas de Massenet recebe nomes de heroínas e, para interpretação dessas personagens, ele compôs melodias que favorecem timbres mais leves.

Esses aspectos caracterizaram o estilo das composições operísticas de Massenet. Isto rendeu críticas de seus contemporâneos, pois a leveza na música acabara de entrar em desuso, uma vez que a tendência da estética sonora daquela época voltava-se para composições de maior peso e dramaticidade (BRANCOUR, 1934; COELHO, 1999).

Diante do exposto, o objetivo deste artigo foi investigar a prevalência, as características e ajustes vocais do soprano nas operas de Massenet.

1. Metodologia

A metodologia foi dividida em duas etapas:

1.1 Revisão de Literatura

Essa etapa consta de uma revisão de literatura baseada em livros, dissertações, monografias, revistas de arte e científicas, partituras e gravações em CDs, vídeos da Internet, sites de pesquisa acadêmica, na área de Música e do Canto, sobre o estilo de composição de Massenet e sua inserção na ópera francesa na última metade do século XIX e início do século XX.

1.2 Análise Perceptivo-Auditiva da Voz Cantada

Essa etapa consta de uma avaliação da voz de três renomados sopranos, Amelita Galli-Curci¹, Bidu Sayão² e Beverlly Sills³, ao interpretarem uma ária da ópera Manon, composta por Massenet: “Obéissons quand leur voix appelle”.Para esta avaliação contou-se com a participação de três profissionais: um professor de canto, uma cantora lírica, ambos com experiência profissional de mais de cinco anos e uma fonoaudióloga, com experiência em voz cantada. A avaliação foi realizada por consenso dos profissionais, ou seja, eles discutiram sobre os parâmetros a serem analisados e, em seguida, fizeram a análise perceptivo-auditiva. Foram avaliados os seguintes parâmetros: pitch, articulação, ataque vocal, ressonância, registro vocal, brilho, projeção, vibrato, tessitura e timbre (Anexo 1).

2. Revisão de Literatura

Para fazer a revisão da literatura sobre Jules Massenet e a ópera francesa no final do século XIX e inicio do século XX, partimos do pressuposto de que os estilos de épocas e períodos literários determinam e são determinados pela forma de se compor (GOMEZ, 2008).

Jules Massenet viveu numa época denominada a segunda fase do Romantismo, época em que a música na Europa estava sob forte influência do compositor alemão, Richard Wagner (1813-1883). Nesse período, era crescente o empenho de cantores em trabalhar a dramaticidade vocal e abandonar a suavidade cultivada no Bel canto italiano do século XVIII, em busca de uma voz mais pesada e vigorosa, para se adequar ao estilo do século XIX (PACHECO, 2006). Essa tendência foi paulatinamente adotada na França pela nova geração de compositores de ópera, que era representada por Charles Gounod (1818-1893), Léo Delibes (1836-1891) e Georges Bizet (1838-1875). Porém, em detrimento a essa tendência, Massenet se manteve fiel ao estilo das composições belcantistas francesas (MASSIN, 1999; CARPEAUX, 2005). Ou seja, em suas composições Massenet continuou utilizando instrumentos que soavam com suavidade, fato que possibilitava destaque para a leveza das vozes e para as melodias vocais, que não se limitavam à partitura, uma das características da música vocal francesa (GUARDIET I BERGALLÓ, 2007; MASSIN, 1999; COELHO, 1999).

Outrossim, ponderamos que os compositores de ópera devem conhecer profundamente as características de todas as vozes, para adequar as melodias e a trama segundo cada classificação vocal. Isso requer grande habilidade e amplo conhecimento musical desses profissionais. A extensão de uma voz, a intensidade e as possibilidades de ornamentos vocais, por exemplo, devem estar intrinsecamente relacionadas às características dos personagens, e neste aspecto Massenet apresentou verdadeira habilidade (BRANCOUR, 1934; COELHO, 1999; CARPEAUX, 2005; DOMINGUES, 2005).

É usual nas óperas, os papeis de heroína serem interpretados por vozes de soprano, bem como os heróis, por tenores. Observa-se uma priorização das vozes agudas para papeis principais (DOMINGUES, 2005). É quase unânime nas operas de Massenet, um soprano ter o papel principal e, muitas vezes as heroínas darem o nome às obras. Estes aspectos configuraram o estilo de Massenet, e por isso, foi muito criticado. Sua música refinada foi considerada anacrônica e banal. A sonoridade da qual fez uso era contrária a seu tempo, e seus temas musicais tratavam propositalmente de histórias de amor e de sentimentos inerentes à alma feminina. Por esse motivo ele é conhecido como o “músico da paixão e da mulher” e compositor de erotismo e sensibilidade exacerbados (BRANCOUR, 1934; COELHO, 1999; CARPEAUX, 2005).

De maneira geral, era comum os compositores escreverem sobre ou para a ocasião em que viviam, e a época de Massenet culminou com grandes transformações na vida da mulher, exatamente no final do século XIX. Em anos que antecederam essa época, socialmente a figura feminina esteve sob paradigma de invisibilidade e inferioridade, e a aparição das mulheres e sua fala em público significavam indecência e desordem. Até mesmo

o acesso à alfabetização foi tardio (PERROT, 2007).

Porem, na última fase do Romantismo esse cenário não era mais o mesmo. Protestos contra a guerra, reivindicação pela igualdade de direitos e luta por visibilidade e prestígio social, resultantes do movimento feminista, levaram as mulheres a perceberem a si e seu mundo de outro modo (FAUX, 2000).

O século XIX e início do século XX são época de reavaliação eufórica na tragetória das mulheres não só da França, mas de toda Europa e Estados Unidos, consequentemente, se estendendo a todo o mundo (PERROT, 2005).

Esse cenário histórico e social descrito acima é exatamente contemplado por Massenet. A expressão de desejos, valores, ascensões, amores, desventuras e dramas femininos são características com as quais ele se identifica pessoalmente (COELHO, 1999). Ele, então, priorizou a voz feminina como singularidade do contexto histórico em que estava inserido, e não só musicou a vida de diferentes mulheres, como fez uso do timbre leve de soprano para interpretar suas personagens (BRANCOUR, 1934; COELHO, 1999). Desfilam nessa galeria de papeis femininos heroínas, cortesãs, astutas criadas, jovens ingênuas e sonhadoras, feiticeiras, amadas devotadas, amadas abandonadas. Quer sejam orgulhosas ou humildes, frágeis ou vingadoras, espertas ou simplórias, alegres ou melancólicas, são sempre intemporais mulheres, que ostentam as atribuições de seu sexo (COELHO, 1999).

Dentre um acervo de aproximadamente 40 obras operísticas, incluindo operetas das quais se tem registro, estão inclusas nesse número as que nunca foram concluídas ou realizadas e as que se presume estarem perdidas. Os autores Brancour (1934), Kobbè (1997) e Coelho (1999), citam as obras: Le Roi de la Lahore (1877), Hérodiade (1881), Manon (1884), Le Cid (1885), Esclarmonde (1889), Wheter (1892), Le Portrait de Manon (1894), La Navarraise (1894), Sapho (1894), Thaïs (1894), Cendrillon (1899), Grisèlidis (1901), Le Jongleur de Notre Dame (1902), Chérubin (1905), Ariane (1906), Thérèse (1907), Bacchus (1909), Don Quichotte (1910), Rome (1912), Panurge (1913), Clèopâtre (1914), Amadis (1922). Os títulos também incluem os oratórios: Marie Magdeleine (1872), Ève (1875) e La Vièrge (1878).

De acordo com o Morrison Foundation for Musical Research (Museu virtual de pesquisas em Música) encontram-se também os títulos: L’adorável Bel’-Boul (1874); Esmeralda (1865); Noureddin (1865); Valéria (cerca de 1865); Le Floréntin (1865); Méduse (1869-70); Bèrangére et Anatole (1876); Montalte (1883); Kassya (1893).

Manon (1884) é uma das óperas mais famosas de Massenet. Esta obra foi estreada na França, em 19 de janeiro de 1884, com libreto de Henri Meilhac e Philippe Gille. Naquela ópera, toda a linha vocal estava associada às próprias oscilações emocionais da personagem e ao retrato da sociedade (COELHO, 1999). Manon é uma frágil, jovial, doce e sensível mulher, como o convinha ser na época. A jovem coquete de 16 anos está destinada a ir para um convento, quando conhece um nobre por quem se apaixona. Contra a vontade de seu pai, o cavalheiro também se interessa por ela. Quando decidem que ela lutará para não ir para o convento, os dois caem numa armadilha e o cavalheiro perde num jogo. Os jovens são presos e acusados de roubo, mas logo o cavalheiro é solto e Manon é discriminada e tratada como uma mulher indesejável. O jovem é solto e a sonhadora heroína continua na prisão. Quando se reencontram, ele promete resgatá-la na esperança de recomeçarem uma nova vida. Desolada, ela percebe que isto é somente um sonho e que foi a causadora de sua própria ruína, então morre nos braços do rapaz (KOBBÈ, 1997).

Com o exemplo descrito acima, percebe-se que a história de vida das mulheres as quais Massenet musicou são experiências, dramas, conflitos e emoções similares. Paixão e sensualidade feminina dessa época caracterizam a roupagem das personagens de Massenet. Como sugerem os libretos das óperas e o cenário da época, toda a música das óperas deste compositor tem temas lânguidos, apaixonados ou picantes, e o público não se cansou dessas frequentes repetições, pois retratavam histórias reais experienciadas por muitas mulheres na época (BRANCOUR, 1934).

Segundo Ratzersdorf (2002) e Bergalló (2007) o timbre que mais se adapta ao repertório de Massenet, e que pode ter inspirado o compositor pela leveza natural é o soprano leggero. Este timbre, cuja tradução errônea do italiano significa ligeiro, é o mais leve, agudo e de menos intensidade das vozes de soprano. Sobre este assunto, Sadie (1994) e Miller (2000) discorrem que na França, o soprano leggero está associado ao soubrette. Este termo se refere aos papéis da comédia do teatro francês do século XVIII, representados por jovens que estão saindo da adolescência. Lirismo claro do timbre, agilidade fácil na execução de ornamentos e jovialidade da voz são qualidades essenciais para o soubrette. Sua emissão fluente se apóia principalmente na ressonância alta e nas cores claras do som. Em comparação com outros timbres femininos, a voz do soubrette é de dimensão relativamente pequena. A estatura física de mulheres que tem timbre de leggero também não é muito significante e não lhe confere grande presença cênica (MILLER, 2000). Por essas questões, muitas cantoras com essa classificação tentam otimizar sua técnica e buscam o encorpamento vocal para se notabilizarem e ampliarem o repertório.

Quando um soprano leggero trabalha a técnica de encorpamento da voz, que é o reforço da musculatura para produção e amplificação de harmônicos do som, pode ocorrer uma aproximação da sonoridade dos sopranos lírico-ligeiro, lírico e/ou coloratura mais pesado (RATZERSDORF, 2002). Embora a sonoridade do coloratura, não seja uma exigência para leggero ou soubrette, existe uma cobrança na execução de responsabilidades técnicas e rigor similar. Porém, o canto com grande sonoridade em sua zona da passagem e acima dela, não é parte de sua atribuição. Assim também, mesmo os papeis não muito agudos e que se inserem mais na categoria para soprano lírico podem ser cantados pelo soprano leggero ou soubrette. A partir desse entendimento, a voz ligeira constrói uma ponte sobre os timbres de soprano lírico e soprano coloratura, podendo interpretar papeis dessas duas classificações (MILLER, 2000).

Em relação aos ajustes vocais para o repertório em questão, a música vocal francesa exige clareza de timbre. O francês é um idioma com mais nasalidade em relação às demais línguas, portanto, articulação precisa e mais fechada favorece a compreensão do texto, e o soprano leggero ou soubrette corresponde facilmente a esse perfil. (MILLER, 2000; RATZERSDORF, 2002).

No repertório de Massenet, a leveza natural do leggero, associada à técnica da maschera, propicia uma emissão clara das palavras, pois aproveita as ressonâncias nasais (próprias do idioma) e de cabeça. Esse artifício favorece uma impostação que permite essa voz, sem necessidade de parecer muito grande, se projetar de maneira a se fazer ouvir com toda nitidez sobre a força de uma orquestra (MARIAS, 2005). A técnica de voz “na máscara” faz com que os agudos saiam puros e transparentes, e a voz, espontânea, natural, segura, e que não se perceba o menor esforço para emiti-la.

Frequentemente as árias francesas têm qualidade falada, mais do que cantada por causa do idioma (GOMES, 2008); por vezes se faz necessária a voz torácica. Nesse caso o soprano leggero pode recorrer a ajustes do bel canto, que propicia uma dosagem da voz de peito e cabeça, de forma a não comprometer os agudos e a agilidade. Portanto, torna-se desnecessário,

o exagero do peso na região grave e média. Porém, é da escola belcantista ainda, que cantores buscam técnicas para adquirir versatilidade de interpretar, inclusive, outros papeis dentro da categoria de soprano, além de Massenet (RATZERSDORF, 2002).

3. Resultados e Discussão

O quadro abaixo apresenta os resultados da análise perceptivoauditiva da voz de três sopranos interpretando a ária “Obéissons quand leur voix appelle”, da ópera Manon (1884) de Massenet, avaliada por três profissionais.

PARÂMETROS INTÉRPRETES
Amelita Galli-Curci (Gravação de 1923) Bidu Sayão (Gravação de 1951) Bervely Sills (Gravação de 1971)
Pitch Agudo Agudo Agudo
Articulação Imprecisa – Difícil para compreender a palavra Precisa, “em sorriso”, aberta e clara Imprecisa, fechada com uso de “bico”
Ataque vocal Suave Suave Suave
Ressonância Alta* e hipernasal Alta, na “máscara” Alta, alternando entre “máscara” e posterior
Registro vocal Modal de cabeça, falsete e flauta Modal de cabeça (predomínio), e falsete Modal de cabeça (predomínio) e falsete
Brilho Presente. Presente Presente
Projeção Voz com projeção Voz com menor projeção nos graves Voz com projeção
Vibrato Presente Menos presente e não tão freqüente Presente
Tessitura Média. Exagera no legato e usa muito portamento Média Ampla
Timbre Voz pontuda, “seca” Voz ágil, leve, flexível, ligeira, sem alteração de fonte glótica (neutra) Voz encorpada, tensa, sem alteração na fonte glótica (neutra).

* Ressonância alta ocorre na região esfenoidiana, que compreende a junção de todos os ossos do crânio (frontal, sigmóide, temporal, parietal e occipital).

Destacamos alguns aspectos sobre a personagem Manon na cena em que interpreta a ária “Obéissons quand leur voix appelle” da ópera Manon, composta por Massenet. Esse é um momento da ópera em que a heroína está no auge de seu sucesso mundano. Ela é admirada por todos e não tem intenção abandonar a fama e a adulação das pessoas (KOBBÉ, 1997). Na ária, ela descreve os encantos de sua vida alegre. Nesse trecho, os acordes sustentados da orquestração soam com sutileza e a voz, mesmo num caráter falado, soa leve e tem liberdade de executar os desenhos da melodia e as coloraturas de virtuosismo, presentes na partitura.

A orquestração não repete a linha melódica propositalmente. Massenet anotava na partitura os detalhes de expressão, com indicações dinâmicas, que são bem executadas pelas intérpretes escolhidas na avaliação perceptivo-auditiva.

Nos trechos graves da ária percebe-se claramente a colocação da voz na máscara e o texto, cantado pelo leggero é mais inteligível e compreendido com maior clareza, o que culmina com a facilidade do timbre nesse aspecto. A voz soa homogênea mesmo na região de passagem, situada entre o Sib4 e o Dó#.5 Porém, maior brilho é percebido em notas acima dessa passagem, como no Ré5 emitido ao final da cadência do recitativo e da ária. Toda a performance é caracterizada por leveza, e quando é exigida maior potência na dinâmica forte, que acontece principalmente nos sons hiperagudos, a cantora se utiliza da sua facilidade em enfatizar o brilho dos harmônicos nessa região aguda, para que a voz ganhe e ponta e sobressaia à orquestra. Nos trechos graves, sabiamente o compositor percebe quando essa voz deixa de soar, e escreve a frase seguinte numa intensidade dinâmica diferente, o que faz com que a voz não perca o brilho.

Podemos inferir que, ao compararmos as três interpretações, a cantora Bidu Sayão foi quem mais se aproximou dos requisitos solicitados por Massenet para a interpretação da personagem Manon. Pudemos notar que na interpretação, uma leveza vocal, com jovialidade, articulação precisa e clara, ressonância predominantemente alta, com foco na máscara corroboram com os achados na literatura (MILLER, 2007; MARIAS, 2005; RATEZERSDORF, 2002). Esses parâmetros todos reunidos em uma voz caracterizam a voz do autêntico soprano leggero.

Fazemos uma ressalva muito pertinente para se compreender o estilo e as personagens de Massenet, independentemente da exigência de cada papel, se ele é mais dramático ou não, delicadeza do timbre sempre vão definir o estilo Massenet. De acordo com as preferências do compositor, as emissões do timbre leggero caracterizam o estilo do compositor e reciprocamente influencia sua composição. A esse repertório, parece que soprano leggero é o timbre que mais se encaixa na interpretação dos papeis desse compositor.

Considerações finais

A literatura compulsionada e a análise perceptivo-auditiva da voz de três intérpretes nos levam crer que Massenet priorizou o timbre soprano leggero para interpretar suas composições. Este timbre é caracterizado pela ressonância predominante alta (região esfenoidiana), com foco na máscara, agilidade articulatória dos textos, bem como para a execução de ornamentos vocais operísticos, típicos da música francesa daquele período, frequentes nas óperas do compositor.

Notas

¹ Amelita Galli-Curci, soprano leggero, italiana, nasceu em 1882 em Milão e faleceu em 1963. Estreou em 1906, com a personagem Gilda da ópera Rigoletto de Verdi, que a tornou famosa na Itália, e posteriormente nos Estados Unidos. Cantou em toda a Europa e América do Sul. De acordo com a crítica de Manuel Bandeira, disponível no site: <http://zeferino500.spaces.live.com/Blog/cns!3EC4D8B2A2157D16!2141.entry?sa=130787942>, Galli-Curci ficou conhecida como “rouxinol-mulher”. Segundo a mesma opinião, essa mesma voz alcançava sem esforço o Fá5, com todo o seu veludo. Dos ornamentos e melismas musicais que facilmente emitia, tudo soava como um gorjeio. É dito que Galli-Curci nunca teve professores de canto. Estudou música, mas piano e teoria. Ela mesma teria descoberto e aperfeiçoado sua voz. A gravação utilizada neste artigo para a análise perceptivo-auditiva está disponível no site: <http://www.youtube.com/watch?v=NrA_g32Msb8>.

² De acordo com um ensaio de Lauro Machado Coelho, publicado no site do Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão (http://www.bidusayao.com.br), essa soprano brasileira nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, em 1902. Bidu Sayão, um autêntico soprano leggero, aos 18 anos fez sua estréia no Teatro Municipal da sua cidade. Mudou-se para Europa e estudou canto na França, onde adquiriu aperfeiçoamento técnico. Fez carreira em toda a Europa e cantou nos mais importantes teatros internacionais, como o Teatro Nacional São Carlos, em Portugal, Teatro Opera Comique de Paris e o Alla Scala de Milão. Interpretou heroínas dos compositores: Carlos Gomes, Verdi, Puccini, Mozart, entre outros. Como intérprete de Massenet, estreou em 1937 no Metropolitan Opera House de Nova York, cantando o papel título da ópera Manon, de Jules Massenet. Em 1959 fez uma gravação da obra Floresta Amazônica, de Villa-Lobos, a pedido do próprio compositor. Morreu aos 96 anos, nos Estados Unidos, em 1999. A gravação utilizada neste artigo para a análise perceptivo auditiva está disponível no site: <http://www.youtube.com/watch?v=i4LJIuNgjxg>.

³ Beverlly Sills, soprano leggero que posteriormente se consagrou como soprano coloratura, nasceu em 1929 nos Estados Unidos. Seu primeiro papel operístico foi a personagem Frasquita, da ópera Carmen, de Bizet; depois interpretou a personagem Violetta Valéry da ópera La Traviata, de Verdi, e Micaëla da Carmen. A consagração definitiva de sua carreira foi em 1966, quando no Metropolitan Opera House cantou repertório de coloratura, e obteve sucesso interpretando as personagens Lucia di Lammermoor, Manon, a Rainha de Shemakha, da obra O Galo de Ouro, de Rimsky-Korsakov, e as personagens: Giorgetta, Suor Angelica e Lauretta, da obra Il Trittico, de Puccini. Destacou-se, então, com os papéis mais pesados, até então considerados inadequados para sua voz ligeira e delicada, mas a técnica de encorpamento da voz lhe proporcionara a capacidade de viver personagens mais dramáticas. Beverly Sills faleceu em 2007. A gravação utilizada neste artigo para a análise perceptivo auditiva está disponível no site: <http://www.youtube.com/watch?v=gTzScjIc798>. Anexo 1. Protocolo de avaliação perceptivo-auditiva da voz das sopranos Bidu Sayão, Amelita Galli-Curci e Beverlly Sills, na ária “Obéissons quand leur voix appelle” (ópera Manon) de Massenet, baseado em Andrada e Silva – 2001.

Análise de Fonoaudióloga, Professor de Canto e Cantora Cantora:___________________________________ Data da gravação: ______________

  1. Pitch: agudo (), médio para agudo (), médio (), médio para grave (), grave ()
  2. Articulação: precisa (), imprecisa ()
  3. Ataque vocal: suave (), brusco (), aspirado (), duro ()
  4. Ressonância: equilibrada (), alta(), posterior(), hipernasal (), hiponasal (), laringo-faríngea (), laringo-faríngea com foco nasal discreto (), laringo-faríngea com foco nasal compensatório (), laringo-faríngea com foco nasal acentuado ().
  5. Registro vocal: basal ou fry (), modal de peito (), modal de cabeça (), falsete (), flauta ()
  6. Brilho: voz com brilho (), voz sem brilho ()
  7. Projeção: voz com projeção (), voz sem projeção ()
  8. Vibrato: presente (), ausente ()
  9. Tessitura: ampla (), média (), restrita ()
  10. Qualidade vocal: rouca (), hipernasal (), soprosa (), intoxicada (), áspera (), encorpada (), tensa (), comprimida (), fluida (), falada (), adaptada (), infantilizada (), presbifônica (), neutra ().

Referências:

BRANCOUR, René. Vida de Massenet. São Paulo: Cultura Brasileira, 1934.

CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música: da Idade Média ao século XIX. Ed. 7. Ediouro: Rio de Janeiro, 2005. p. 332-333

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Nadja Barbosa de Sousa - Bacharel em Canto pela Universidade Federal de Pernambuco; cantora, premiada na VII edição do Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão, em Belém (Pará), em 2006; professora de Canto Erudito; Mestranda em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Enio Lopes Mello - Biólogo, Cantor lírico, Mestre em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Doutorando em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São, afiliado ao Programa de Estudos pós-graduados em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Marta Assumpção de Andrada e Silva -Fonoaudióloga, Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora da Graduação e do Programa de Estudos Pós-graduados em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora adjunta da graduação em Fonoaudiologia na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.